Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891)», sayfa 3
CAPITULO V
O protesto contra o "ultimatum" echoa de norte a sul do paiz
O domingo 12, isto é, o dia immediato ao da recepção do ultimatum, consagrou-o a população lisboeta a commentar o acontecimento. Uma parte da imprensa, fazendo o resumo do conflicto diplomatico que desfechara na affronta despedida pela Grã-Bretanha, accrescentava que, emquanto o ministro inglez sr. Petre entregava a intimação formal ao sr. Barros Gomes, este recebia do governador de Cabo Verde um telegramma communicando-lhe que entrara no porto de S. Vicente com carta de prego um cruzador britannico; o nosso consul em Gibraltar avisava-o, por seu turno, de que a esquadra do Canal lá estava concentrada, prompta ao primeiro aviso; o consul em Zanzibar tambem telegraphava participando a sahida para as costas de Moçambique de dez navios de guerra inglezes, acompanhados de um transporte com carvão e mantimentos. Perante esta situação, o governo consultara o conselho de Estado, que reunira sob a presidencia do rei D. Carlos. No conselho tinham votado pela satisfação ás exigencias da Inglaterra os srs. Barjona de Freitas, José Luciano de Castro, conde de S. Lourenço, Barros Gomes e João Chrysostomo. O sr. Antonio de Serpa manifestára-se pela arbitragem e por que só fossem mandadas retirar as forças portuguezas do Chire depois da Inglaterra a acceitar.
Á tarde, apesar da excitação popular já ser bem visivel, o rei D. Carlos exhibiu-se em passeio na Avenida da Liberdade e seu irmão o infante D. Affonso percorreu á desfilada varios pontos da cidade, mostrando-se um e outro completamente alheiados do facto que enlutára a nação. Ao começo da noite formaram-se grupos numerosos no Rocio e como do Colyseu da rua da Palma sahisse, em certa altura, um cortejo de patriotas que soltavam calorosos vivas á nação, ao exercito e á imprensa e morras ao governo e á Inglaterra, os grupos addicionaram-se-lhes e uma enorme multidão dirigiu os passos para a Sociedade de Geographia. Ahi, d'uma das varandas, falou o sr. Luciano Cordeiro:
– A Inglaterra, trovejou, pode expulsar-nos pela força, mas o direito subsiste! Precisamos protestar contra a pirataria britannica!..
Mas, da multidão, elevaram-se outras vozes:
– E contra o governo que nos atraiçoou! E contra os Braganças que nos jungiram á Inglaterra!..
Depois, a grande massa dos manifestantes subiu á parte alta da cidade a saudar a imprensa, que se collocára abertamente ao lado do povo, verberando a affronta. As redacções do Seculo, Revolução de Setembro, Jornal da Noite, Jornal do Commercio, Debates, Correio da Manhã e Gazeta de Portugal foram alvo de manifestações de sympathia. Á passagem em frente da redacção do Dia, alguns dos populares deram palmas emquanto outros se limitaram a bradar: «Viva Portugal! Abaixo a Inglaterra!». Em frente ao Correio da Noite produziu-se uma manifestação hostil ao governo, manifestação que se repetiu junto do Reporter e que redobrou de violencia em frente das Novidades, com morras ao sr. Emygdio Navarro, aos «progressistas traidores» e gritos de: «Abaixo o chalet! Viva a Republica!»
Na rua Serpa Pinto, a multidão, lembrando-se do nome do official que derrotara os makololos, rompeu em estrepitosas acclamações em sua honra. O enthusiasmo attingiu proporções indescriptiveis. Do terceiro andar d'uma casa habitada por uma modista, falou um academico convidando os collegas a realisarem no dia seguinte um grande cortejo patriotico. Foi delirantemente applaudido. Da rua Serpa Pinto, a massa popular avançou depois sobre o theatro de S. Carlos e irrompeu na sala dando vivas á patria e clamando contra a Inglaterra. Os habitués da nossa Opera, — a jeunesse dorée– tranzidos de pavor, não lhe oppuzeram a menor resistencia. Dentro e fora do edificio os manifestantes gritavam:
– Hoje não é dia de espectaculo, é dia de luto!..
Sahindo de S. Carlos, alguem lembrou que o consulado inglez era na rua das Flores. O rastilho propagou-se. N'um abrir e fechar d'olhos, a casa do consul foi apedrejada, arrancando-se da parede o respectivo escudo. Apedrejaram egualmente a residencia do sr. Barros Gomes. E, só quando a policia interveiu, prendendo 61 dos populares, é que a mole se desfez, mas preparando in mente para o dia seguinte novas e incisivas manifestações de antipathia á Grã-Bretanha e ao governo que promptamente se lhe submettera. Entretanto, esse ministerio pedia a demissão, abalado pelos primeiros symptomas da reacção nacional. Para mais o movimento de protesto não se limitára a Lisboa. Repercutira de norte a sul do paiz, revelando energias civicas que desnorteavam por completo a corôa e os partidos da monarchia.
No dia 13 de janeiro, os estudantes da capital effectuaram uma reunião na Escola Polytechnica, reunião a que compareceram os alumnos da Escola Naval, da Escola do Exercito e do Collegio Militar. Presidiu o sr. Hygino de Sousa e falaram varios oradores, todos elles estygmatisando com violencia a affronta ingleza e aconselhando a boycottage aos productos da Grã-Bretanha. Um professor do lyceu de Lisboa, sr. Carlos de Mello, tentou, n'um discurso habil, defender o sr. Barros Gomes, mas a assembléa recebeu pessimamente as suas palavras e foi resolvido acto continuo que a academia se dirigisse á camara dos pares a pedir ao parlamento declarações terminantes que serenassem o espirito publico. Assim se fez e um cortejo de mais de quinze mil pessoas, sahindo da Escola Polytechnica, encaminhou-se para S. Bento.
Á entrada do Largo das Côrtes, do lado do mercado, um cordão de policias pretendeu impedir a passagem aos manifestantes, mas o cortejo rompeu-o e tudo passou. A guarda do palacio chamou ás armas e calou bayonetas. Em frente do edificio, destacou-se do cortejo uma commissão que foi falar ao presidente da camara. A policia dentro e fora do edificio era em tão grande quantidade que Fialho d'Almeida soltou esta boutade:
– Os seios da representação nacional trazem hoje espartilho de guarda civil…
Os aspirantes de marinha, receiando que a massa de povo aglomerada no largo fosse maltratada pela força militar, formaram deante d'esta, offerecendo-lhe como que uma barreira, e a sua attitude provocou uma ovação extraordinaria, frenetica de enthusiasmo. D'ahi a momentos, a commissão que se avistara com o presidente da camara voltou para junto dos manifestantes, e communicou-lhes que o parlamento, tendo tomado em consideração a démarche patriotica da academia, occupar-se-hia, na sessão seguinte, dos assumptos que interessavam a defeza e a integridade do paiz. O cortejo andou depois a percorrer varias ruas da cidade, pronunciando-se hostilmente em frente dos jornaes caracterisadamente governamentaes e á noite repetiram-se as scenas da vespera, queimando-se bandeiras inglezas, victoriando-se em delirio os nomes de Serpa Pinto, Latino Coelho e outros democratas então em evidencia.
No dia 14, pelas seis e meia da tarde, sahiu do Café Aurea um grupo de estudantes soltando vivas á patria, á liberdade, á independencia nacional, ao exercito e á marinha. A esse grupo juntou-se na rua do Ouro e praça de D. Pedro muito povo e á porta do Café Martinho o antigo deputado progressista sr. dr. Eduardo de Abreu propoz à multidão que se envolvesse em crepes a estatua de Camões. Dito e feito. Os manifestantes enfiaram pela rua Nova do Carmo e o Chiado, explodindo sempre o maior enthusiasmo, aos degraus do monumento subiram alguns individuos, arranjou-se uma escada, passou-se o crepe em largas dobras rodeando a estatua e rematando sobre a corôa de ferro ali deposta pelos estudantes em 1880 e, no meio do mais respeitoso silencio, leu-se ao povo este cartaz, que foi depois affixado:
Estes crepes, que envolvem a alma da patria, são entregues á guarda do povo, do exercito e da alma nacional. Quem os arrancar ou mandar arrancar é o ultimo dos covardes vendido á Inglaterra.
Uma prolongada e fremente salva de palmas acolheu a leitura d'este protesto, simples e curto, mas d'uma eloquencia esmagadora e o cortejo patriotico voltou, como nos dias anteriores, a percorrer as ruas de Lisboa, gritando febrilmente o seu desejo de liberdade e a revolta contra a ignominia com que a nação fôra aviltada. O ministerio progressista já tinha sido substituido por um outro de feição regeneradora, sob a presidencia do sr. Antonio de Serpa e em que figuravam pela primeira vez o sr. João Arroyo na pasta da marinha, João Franco na da fazenda e Vasco Guedes na da guerra. Um dos actos do novo governo, mal subiu ao poder, foi o de procurar reprimir todas as manifestações patrioticas inspiradas no ultimatum, mandando espadeirar dezenas de populares que na noite de 14 de janeiro desciam o Chiado desferindo as suas exclamações de odio á poderosa Albion. O inicio, como se vê, não podia ser mais promettedor de brutalidade e arbitrio.
CAPITULO VI
Serpa Pinto, heroe africano, perde o prestigio
D'essa agitação imponente, d'essa inesperada revelação de civismo em face da humilhação inflingida ao paiz, sahira, porém, uma ideia, que, encontrando rapidamente o maior apoio em todas as classes manifestantes, em breve se traduziu n'uma aspiração nacional. Referimo-nos á subscripção da iniciativa dos alumnos da Escola Naval destinada á compra de meios de defeza maritima. De toda a parte acudiram donativos, e dentro de pouco tempo a commissão incumbida de os recolher e que tinha como secretario o sr. dr. Eduardo de Abreu, desligado do partido progressista e filiado, com Guerra Junqueiro, no partido republicano, houve de fazer as suas reuniões no salão do theatro D. Maria e de ali centralisar o trabalho que lhe estava affecto.
Ao mesmo passo organisava-se a Liga Patriotica do Norte collocada sob a egide de Anthero de Quental; Alfredo Keil, imitando Rouget de Lysle, compunha o hymno a Portugueza, para o qual o sr. Lopes de Mendonça escrevia os versos e esse canto vulgarisava-se tanto ou mais que a Marselheza; faziam-se diariamente conferencias publicas de esclarecimento e de protesto; os nomes dos mais illustres africanistas andavam em todas as boccas aureolados de ruidosa celebridade. Houve mesmo uma epoca em que o de Serpa Pinto se ligou á narrativa d'um incidente sul-africano com proporções de feito heroico. Foi quando a imprensa deu publicidade á carta que elle dirigira ao agente britannico Buchanan que o intimara a não avançar pelas terras dos makololos, collocados sob a protecção do governo inglez. N'essa carta dizia Serpa Pinto:
«Se na verdade os makololos estão debaixo da protecção do governo inglez e por conseguinte lhe obedecem, estou certo de que a minha passagem será facil e segura, porque o governo inglez, representado por v. ex.ª, só me póde dar facilidades, sendo eu d'um paiz que sempre teve abertas, franca e lealmente, as portas das suas colonias ás expedições scientificas inglezas, prestando-lhes todo o auxilio e amparo; mas, em todo o caso, se é verdade o que v. ex.ª, me diz, peço-lhe que convença os makololos de que a minha expedição é pacifica e scientifica, que lhes diga que pertenço a uma nação amiga da Inglaterra e que, portanto, não perturbem a minha marcha, perturbação a que v. ex.ª, n'esse caso, não pode ser considerado extranho; e assegurando-lhe que não posso consentir que um chefe negro queira disputar-me a passagem, ou fazer-me o mais insignificante insulto, asseguro, além d'isso, a v. ex.ª, que, se na minha entrada no territorio makololo eu fôr atacado, tomarei immediatamente a offensiva e acabarei de uma vez com essa causa constante de perturbação n'esta parte do Chire.»
E n'outro paragrapho:
«Emquanto á intimação que v. ex.ª me faz de não continuar no meu caminho, peço licença para lembrar a v. ex.ª que eu só recebo ordens do governo de sua magestade fidelissima, de quem as recebo directamente e, como não recebi ordem em contrario, continuarei, tenaz e pacificamente, a minha jornada, arvorando uma bandeira de paz e só de paz, mas prompto a repellir com energia quaesquer aggressões sem motivo que me possam ser feitas».
Mas Serpa Pinto, longe de conservar esse favor popular, tornando-se o proeminente defensor das reivindicações da grande massa, optou, em breve, pelo serviço incondicional á corôa e essa attitude divorciou-o completamente do nucleo democratico, que o encarara durante algum tempo como uma das esperanças mais promettedoras. E, divorciado, perdeu o prestigio. Quando morreu, dez annos mais tarde, estava em absoluto esquecido. Continuemos, porém, a contar os episodios que caracterisaram essa phase de agitação nacional, consequencia do ultimatum.
O sentimento da dignidade collectiva, despertando com extraordinaria vehemencia, produziu em todas as classes, até mesmo na aristocratica, uma reacção contra a Grã-Bretanha. O duque de Palmella, por exemplo, tendo renunciado ás condecorações inglezas que possuia, collocou-se á frente da commissão da subscripção patriotica; dos partidos monarchicos desertaram alguns homens dos mais eminentes; surgiu, emfim, uma nova imprensa, reflectindo, como diz João Chagas «não já os interesses especiaes do partido republicano, mas as coleras e os enthusiasmos do patriotismo, identificado com a republica para a missão commum da desaffronta».
Fundou-se a Patria, jornal de estudantes de Lisboa, e, logo de entrada, essa folha, feita um pouco à la diable, investiu denodadamente contra o velho regimen, apaixonando em alto grau a opinião. N'ella se revelaram, entre outros politicos militantes, Brito Camacho e Hygino de Sousa. E a sua acção de propaganda foi tão intensa que a ella se deveu, sem duvida, uma grande parte da tensão revolucionaria mantida atravez do anno de 1890 e começo do anno seguinte.
Aqui tem cabimento referir que o directorio do partido republicano, julgando azado o momento de sanccionar com a sua chancella a recrudescencia do partido democratico, publicou n'essa occasião um manifesto em que propunha a congregação dos esforços honestos no sentido de se rejuvenescer Portugal não só confiando-o ao novo regimen como protegendo-o internacionalmente por meio d'uma federação latina. Esse manifesto concluia assim:
«Só a republica pode organisar o exercito e a marinha, fortificar Lisboa, administrar as colonias e defender a nação affrontada. A republica, no meio d'estes desastres publicos, está na consciencia de todos como o recurso definitivo da nossa estabilidade nacional. Da consciencia para os factos vae um momento. E esse momento approxima-se.»
Por outras palavras: o directorio comprehendia, ou convencia-se, n'essa altura, de que a propaganda bem dirigida resultaria fatalmente na liquidação, dentro de curto praso, das instituições que envergonhavam o paiz. E se o trabalho no ambiente rubro dos centros politicos denunciava então uma actividade excepcional, fóra, na rua, auxiliavam-no, ainda que d'outro modo, as manifestações da grande massa, que não affrouxava em protestar energicamente contra o ultimatum e a cobardia da familia brigantina.
Dois dias a fio, um cortejo composto exclusivamente de marinheiros da armada appareceu n'alguns pontos de Lisboa, saudando enthusiasticamente a bandeira da patria e dando vivas á independencia nacional. O governo atemorisou-se com o facto e ameaçou os manifestantes de os encarcerar durante trinta dias. Ao mesmo tempo, a policia recebeu ordem de empregar maior violencia na dispersão dos grupos patrioticos. Uma coisa e outra, porém, não impediram que a onda de indignação se avolumasse e que frequentemente se produzissem incidentes demonstrando que o divorcio entre a nação e a dynastia se accentuava cada vez mais. N'um dos ultimos dias de janeiro, o Gremio Henriques Nogueira, tendo dirigido caloroso convite ao povo de Lisboa, organisou uma manifestação imponente que, em marcha correcta e digna pelas ruas da cidade, se dirigiu ás legações de França e Hespanha a agradecer á opinião dos dois paizes, a sympathia e a solidariedade moral dispensadas nas horas lutuosas da affronta ingleza. O gabinete regenerador, entretanto – muito embora todos os grupos politicos lhe tivessem offerecido apoio incondicional no respeitante á questão anglo-lusa – fazia dissolver o parlamento, collocando-se em verdadeira dictadura. O presidente do conselho, sr. Serpa Pimentel, e o ministro dos estrangeiros, o sr. Hintze Ribeiro, preparavam-se assim para negociar com a chancellaria britannica o accordo final, sanccionando a expoliação contida no ultimatum.
Em 11 de fevereiro, repetiram-se na capital, e com maior intensidade, as scenas de agitação popular que haviam caracterisado os primeiros dias do mez anterior. Motivou-as a prohibição d'um comicio no colyseu da rua da Palma, em que se deveria «accordar nos meios de se enviar uma mensagem de congratulação e agradecimento ao povo francez e hespanhol e de se apreciar o pensamento e a opportunidade da liga portugueza anti-britannica como base dos trabalhos da federação dos povos latinos». Pouco antes, como corressem boatos de que o governo projectava dissolver a camara municipal de Lisboa, o presidente d'essa corporação, o sr. Fernando Palha, apressara-se a inquirir do chefe do governo os motivos de tão arbitraria resolução, tomando ao mesmo passo varias medidas tendentes a resistir-lhe caso ella fosse levada á pratica. O sr. Serpa Pimentel, apesar do decreto de dissolução já estar lavrado, receiou publical-o e respondeu ao sr. Fernando Palha que os boatos eram insubsistentes, calculando que, recuando n'essa altura da situação, poderia conjurar uma nova explosão de sentimentos patrioticos.
No dia 11, á tarde, quando o povo se encaminhava para o colyseu da rua da Palma a assistir ao comicio, verificou-se que o governo não só decidira obstar á sua realisação como á d'um cortejo organisado pelo Gremio Henriques Nogueira, que se propunha, n'esse mesmo dia, collocar uma corôa no monumento a Camões. A policia e a municipal que estacionavam nas immediações do colyseu tinham modos provocadores. O povo, porém, conservou-se tranquillo e só ás 3 horas, quando se convenceu em absoluto de que a ordem do governo era irrevogavel, é que formou um cortejo, acompanhando na retirada do local os oradores que deviam falar no comicio: Jacintho Nunes, Manuel de Arriaga, Consiglieri Pedroso e outros. Chegado esse cortejo ao Rocio, Manuel de Arriaga, no intuito de fazer dispersar a multidão, subiu a um banco e dando um viva á patria, disse:
– Povo: o governo sahiu da lei prohibindo a nossa reunião. Conservemo-nos dentro d'ella, protestando contra os que a violaram.
O sr. Jacintho Nunes tambem proferiu algumas palavras no mesmo sentido. O povo, enthusiasmado, applaudiu os dois oradores. Mas não foi preciso mais para a policia iniciar as violencias e as prisões. As correrias dos guardas lançaram no recinto largos minutos de panico. Chamou-se ali, como reforço, um esquadrão de cavallaria. O povo recebeu-o com demonstrações de sympathia e os soldados desfilaram socegadamente, acompanhados dos vivas da multidão. Os primeiros presos foram Manuel de Arriaga e Jacintho Nunes. Depois a leva, comprehendendo uns 130 individuos, seguiu para o governo civil, d'onde, no dia immediato, foi mandada para bordo do India e do Vasco da Gama.
Assim que o facto constou na cidade, o commercio fechou meia porta e quasi todas as associações realisaram sessões de protesto. Reappareceram os incidentes tumultuosos, a população voltou a agitar-se, os jornaes democratas abriram subscripções em favor dos presos e, ás ameaças de novas e maiores violencias, o elemento popular respondeu approximando-se mais e mais dos vultos então em evidencia no partido republicano. A Patria, diario visado especialmente pelos serventuarios do regimen, escrevia a poucas horas de perpetrado o arbitrio governamental:
«Consta-nos que da parte do governo ha todo o empenho em damnificar o nosso jornal e que se tomam providencias tendentes a supprimir a Patria e bem assim prender os seus redactores. O publico fica de sobreaviso, na certeza de que todos os dias sahirá o nosso jornal com o nome que tem ou com qualquer outro, se lhe fôr inhibido usar o glorioso nome de Patria que o encima. Não é com ameaças, levadas ou não a effeito, nem é com prisões ou detenções a bordo do Africa que nos farão desistir da tarefa que nos impuzemos, porque, uns presos, outros virão, e quando esses forem presos outros virão ainda e a Patria apparecerá implacavelmente e o governo d'este paiz ha de aprender que não é com vilezas e processos de mão baixa que se combatem sentimentos grandes e generosos, que só anceiam pelo bem estar do seu paiz.»
Mas os serventuarios do regimen não descançaram na tarefa de precavel-o contra o progresso da democracia, tentando por todos os modos estrangular os clamores do povo. Em 14 de fevereiro dissolveram a Associação Academica de Lisboa, sob o pretexto de que ella, contrariando os fins indicados nos seus estatutos, se «entregava a aventuras politicas que tinham perturbado a ordem publica.» Ainda mais: decidiram-se finalmente a publicar o decreto dissolvendo o primeiro municipio do paiz, apprehenderam alguns jornaes da opposição, entraram em conflicto com a commissão executiva da Subscripção Nacional, reorganisaram a guarda municipal, gratificaram a policia e, por uma série de medidas dictatoriaes, restringiram a liberdade de pensamento e o direito de reunião.
Entretanto, caminhava-se a passos agigantados para a conclusão do tratado anglo-portuguez, o famoso tratado que devia, por assim dizer, ratificar o ultimatum de 11 de janeiro e a perda subsequente do que Portugal disputava á Grã-Bretanha.