Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891)», sayfa 7
CAPITULO XIV
A alvorada triumphante: caçadores 9 inicia o movimento
Duas da madrugada…
Terminada a reunião na rua de Santa Catharina, os sargentos da guarnição portuense que a ella tinham assistido dirigiram-se aos seus quarteis e tomaram desde logo as providencias necessarias para a sahida das forças no momento opportuno, preparando-a de modo que á rapidez de execução se alliasse o affastamento da intervenção de qualquer official que, pelo seu prestigio, conseguisse contrariar a revolta.
Caçadores 9 foi o primeiro regimento a dar o signal da sedição. As companhias formaram na parada do quartel sob o commando dos sargentos e emquanto dois d'elles, Galho e Bandarra, e algumas sentinellas procuravam impedir que o coronel Malheiro, o official de inspecção e o tenente ajudante saissem dos aposentos e se mostrassem aos soldados, o 1.º sargento Abilio1 soltou o primeiro grito de Viva a Republica! – calorosamente repetido por todos os seus subordinados. Entretanto, apesar de todas as precauções tomadas pelos revoltosos, o coronel e o tenente-ajudante appareceram na parada e o coronel, dirigindo-se ao 1.º sargento, exprobou-lhe em phrases paternaes a sua attitude:
– Tambem você, Abilio… e eu… que era tão seu amigo!
– Meu coronel – respondeu o interpellado – v. ex.ª dar-nos-hia grande prazer se viesse commandar o regimento.
– Isso não…
– Nesse caso, v. ex.ª fica e nós sahimos.
O tenente-ajudante chorava que nem uma creança e pedia a todos os sargentos que desistissem da sua audaciosa sortida, empregando os maiores esforços n'esse sentido. O coronel Malheiro ainda tentou falar ao regimento, para o demover do seu proposito e por ultimo exclamou para o 1.º sargento Norberto, que, como mais antigo, commandava o corpo:
– Mande retirar essa gente para as casernas!
– Agora já é tarde, meu coronel; não pode ser…
E logo a seguir, o mesmo 1.º sargento deu as vozes do estylo:
– Direita volver, ordinario marche…
A intervenção do coronel Malheiro falhara por completo.
Caçadores 9, sahindo do quartel, subiu em boa ordem a rua de S. Bento e dirigiu-se á cadeia da Relação, onde estacou. A guarda á cadeia, fornecida por aquelle corpo, era commandada pelo alferes Malheiro. Desde que nenhum dos officiaes, conhecidos como republicanos, que estavam dentro do quartel, tinha querido assumir o commando do regimento, os sargentos lembraram-se durante o trajecto de o offerecer áquelle subalterno, que sabiam tambem professar ideias democraticas. E um d'elles, abeirando-se da porta da casa da guarda, gritou para dentro:
– Ó sr. Malheiro, venha d'ahi…
O alferes não sahiu e a mesma voz tornou a insistir:
– Ó sr. Malheiro, tome o commando do regimento, porque o official de inspecção não quiz acompanhal-o…
O alferes então accedeu ao convite e voltando-se para o sargento da guarda recommendou-lhe que vigiasse bem o edificio da cadeia, não fossem os presos aproveitar o ensejo para se evadirem. Ninguem se lembrou, n'esse momento, que lá dentro estava João Chagas e que era natural gosasse immediatamente da liberdade para collocar o seu nome, o seu talento, o seu esforço individual e a sua energia ao serviço da revolução. Pensou-se apenas – e n'isso o alferes Malheiro deu provas de extraordinario sangue frio – em deixar guarnecida a prisão, com o receio de que o menor descuido fizesse extravasar para as ruas do Porto a grande massa de criminosos ali agglomerada.
Liquidado este incidente, caçadores 9 proseguiu a sua marcha em direcção ao grupo de Santo Ovidio. Dentro de pouco reunia-se-lhe o de infantaria 10.
As condições topographicas do quartel que então alojava o segundo d'aquelles regimentos permittiram que elle formasse na parada interior sem que o official de inspecção desse por tal. Ás 2 e meia da madrugada, um dos revoltados foi avisar o capitão Leitão, que morava proximo e que não tardou a comparecer no edificio. Dirigiu-se logo á arrecadação, poz um capacete na cabeça e tendo inquirido dos outros officiaes compromettidos na conjura foi esperal-os para um caramanchão. Estava bem longe de suppôr que uma vez chegado ao Campo de Santo Ovidio, teria que assumir o commando superior das forças revoltadas…
Os minutos, no emtanto, iam decorrendo e como não apparecessem no quartel outros officiaes republicanos, um sargento veiu convidar o capitão Leitão a seguir immediatamente com as forças para o campo de Santo Ovidio. Assim se fez e o regimento marchou em acelerado para o local da concentração. Á entrada na rua da Rainha, encontrou o tenente Coelho, que fora chamado ao quartel por um grupo de cabos. O tenente Coelho conferenciou rapidamente com o capitão Leitão, trocou o kepi que levava pelo capacete do 1.º sargento Vergueiro e assumiu o commando do 2.º pelotão de infantaria 10. No Campo de Santo Ovidio, os dois regimentos formaram d'este modo: o de caçadores 9, em quadrado, proximo da porta principal do quartel de infantaria 18; o de infantaria 10 em dois circulos na outra extremidade do Campo.
Concluida a formatura, os soldados e os civis já então ali agglomerados começaram a dar vivas ao regimento de infantaria 18 para o decidir a cooperar na insurreição. Outras vozes elevaram-se:
– Viva a Republica!
– Viva o exercito!
– Abaixo a monarchia!
Momentos depois, o destacamento de cavallaria 6, alojado n'uma das dependencias do quartel do 18, sahindo pela porta posterior do edificio, veiu a galope formar em linha parallela á fachada. As saudações e os vivas redobraram de intensidade. Ao mesmo tempo convergiam para o campo as forças da guarda fiscal. O cabo João Borges apresentou-se á frente de 87 praças de infantaria e o 2.º sargento Silva commandando 24 praças de cavallaria da mesma guarda. Quer dizer: ás 4 da manhã de 31 todas estas forças estavam revolucionadas e só aguardavam a sahida de infantaria 18 para iniciarem marcha contra o inimigo monarchico, apenas representado, dentro do Porto, pela guarda municipal e a policia civil.
Varios officiaes superiores tentaram, emquanto o 18 não appareceu no local, fazer voltar aos respectivos quarteis as outras forças sublevadas. O primeiro foi o major Graça, da guarda pretoriana. Sahindo do quartel do Carmo, á frente de infantaria e cavallaria, dirigiu-se ao Campo da Regeneração e chamando o commandante de caçadores 9 já ali estacionado, intimou o alferes Malheiro a render-se.
– Agora é tarde, respondeu o official revolucionario.
– Ainda não é…
Um cabo que ouvira a intimação exclamou:
– Se é militar, eu tambem o sou; se é portuguez egualmente o sou; mas não posso soffrer esta tyrannia por mais uma hora!
O major Graça, em resposta, bradou:
– Querem então que haja derramamento de sangue, e sangue portuguez, n'estes dolorosos momentos por que está passando a patria? Pois seja…
Um individuo da classe civil ia, n'esta altura, a arengar qualquer cousa aos soldados, mas os militares oppuzeram-se, dizendo-lhe:
– Cale-se; aqui só a tropa tem voz activa.
O major Graça dispoz as suas forças nas ruas da Lapa e de Germalde e foi dar ordens ao quartel de S. Braz. D'ahi a pouco entrou no Campo de Santo Ovidio o sub-chefe do estado maior da divisão, tenente-coronel Fernando de Magalhães. Encaminhou-se para o 2.º pelotão de infantaria 10 e perguntou pelo seu commandante. Respondeu-lhe o tenente Coelho.
– Que estão a fazer aqui? disse o sub-chefe. – Mande retirar essa gente para o quartel. Os senhores são uns doidos…
– Não é possivel, replicou o tenente. Estou sob as ordens d'um capitão do meu regimento e, tendo sahido do quartel, insurrecionado, para proclamar a Republica, já é tarde para recuar.
– Quem é esse capitão que commanda o seu regimento?
– O capitão Leitão.
E dizendo isto, o tenente Coelho apontou ao sub-chefe o sitio onde elle se encontrava. Junto do commandante de infantaria 10, o sr. Fernando de Magalhães empregou quasi as mesmas palavras:
– Mande recolher essa pobre gente a quem está a comprometter.
– D'aqui não sae ninguem, respondeu o capitão, a carta está jogada e vamos até ao fim!..
A seguir, o tenente coronel ainda formulou novo conselho de retirada ao alferes Malheiro, mas ninguem lhe obedeceu, como, de resto, tambem lhe não obedeceriam se elle, em vez de meios suasorios, procurando impôr o prestigio da sua personalidade, tivesse tentado outros processos mais violentos.
Deixemos as forças revoltosas especadas no campo de Santo Ovidio e cercadas por todos os lados pela guarda municipal e vejamos o que se passava no quartel de infantaria 18. A insurreição d'este regimento não fora levada a cabo com tanta facilidade como a de caçadores 9 e infantaria 10, por causa das prevenções tomadas pelos officiaes. Um dos sargentos do 18, que assistira á reunião na rua de Santa Catharina, ao regressar ao quartel recebera ordem de detenção e só por um prodigio de astucia é que, illudindo a vigilancia do official de inspecção, conseguira dar conhecimento das deliberações tomadas na mesma reunião aos sargentos de cavallaria 6. Ainda assim, á hora marcada para a revolta, as companhias, á ordem dos officiaes superiores, começaram a formar as casernas.
Presentindo o movimento, alguem quiz evital-o, mas inutilmente. D'uma janella do primeiro pavimento, o tenente-ajudante arengou ás forças que já estavam na parada, mas dois tiros disparados na direcção d'essa janella cortaram-lhe o discurso. O coronel do regimento, Lencastre de Menezes, mostrando uma indecisão extraordinaria, ordenou a varios officiaes que sahissem do quartel a indagar que forças estavam formadas no campo.
Decorrido algum tempo, os sargentos do 18 compromettidos na revolta, julgando que nem todos os seus camaradas adheriam á insurreição e que a sahida do regimento não se operaria sem um impulso energico, soltaram gritos furiosos de traição! – e assim conseguiram arrastar um grosso contingente de soldados – quasi duas companhias – para junto dos revoltosos do 9 e do 10. Mas o portão do edificio voltou a fechar-se sobre a sahida d'essa força e os instantes foram passando sem que o regimento adoptasse uma attitude definida em conjunctura, como essa, tão critica.
Era necessario, na verdade, tomar uma resolução. Apoz alguns momentos de reflexão, em que os officiaes revoltados trocaram impressões sobre o caso, infantaria 10 e caçadores 9, formando a quatro, encaminharam-se para a parte posterior do quartel do 18 e estacionaram em frente da egreja da Lapa. As forças da guarda municipal, sob o commando do major Graça, retiraram prudentemente e, deixando livres as ruas que conduzem ao campo de Santo Ovidio, foram estacionar para a praça da Batalha, junto do quartel general e do telegrapho.
A multidão, que a cada instante crescia, misturava aos das tropas os seus vivas atroadores. «No rosto de toda a gente havia a expressão d'uma alegria indizivel. Por vezes, os mais enthusiasmados rompiam as fileiras e iam abraçar um sargento ou um soldado, victoriando-os, acclamando-os. Era tão quente o arrebatamento, tão ardente aquella ruidosa alegria que a doce e consoladora esperança na victoria revolucionaria penetrava em todos os corações, dissipando vagos receios que a longa inacção das tropas fizera despertar.»
Tratava-se agora de invadir o quartel de infantaria 18 e impellir de qualquer maneira esse regimento para a revolta. Os populares que se tinham collocado na vanguarda das forças do 9 e do 10 fôram a uma estação de incendios, que havia perto, trouxeram de lá dois machados e abriram um rombo na porta do quartel do lado da Lapa, que o coronel Lencastre de Menezes fizera pouco antes barricar. Soldados e populares iam, certamente, a entrar de tropel no edificio e travar lucta com os elementos hesitantes, quando o actor Miguel Verdial, tendo, n'um relance, a visão da provavel carnificina – o quartel era habitado por muitas familias – exclamou para os invasores:
– Suspendam, que eu vou parlamentar com o coronel.
Cá fóra, os vivas ao regimento de infantaria 18 eram calorosos e sem interrupção.
Atraz de Miguel Verdial, entraram no quartel Santos Cardoso e outros individuos da classe civil e por fim o capitão Leitão commandando uma força dos dois regimentos revoltados. Santos Cardoso, gesticulando como um possesso e ameaçando a officialidade do 18 de ser riscada do exercito caso não adherisse á Republica, encaminhou-se para junto do coronel Lencastre e disse-lhe:
– A esta hora estão quarenta e quatro regimentos sublevados, o telegrapho na nossa mão, o rei a embarcar: não queira V. ex.ª ser a unica nota discordante.
– Deixe-me, replicou o coronel, eu não sou republicano nem monarchico. Sahirei d'aqui a pouco.
O capitão Sarsfield, que estava proximo, accrescentou:
– Visto que vae parte do nosso corpo, vamos tambem.
Por seu lado, o capitão Leitão tambem procurou convencer o coronel a acompanhar os revoltosos. E, ao cabo d'alguns momentos, conseguiu effectivamente d'elle essa promessa, que mais tarde, nos conselhos de guerra, varios officiaes do 18 se empenharam em negar tivesse sido feita. Emquanto isto se passava, uma força da guarda municipal commandada por um tenente apparecia no largo da Lapa a enfileirar ao lado de infantaria 10. Depois, por conselho do tenente Coelho, punha-se novamente em marcha e seguia pela rua que ladeia á esquerda o quartel do 18.
D'ahi a pouco, o capitão Leitão, sahindo d'aquelle edificio, voltava para junto das forças sublevadas e communicava aos officiaes ás suas ordens:
– O 18 vem já. Nós seguimos para a Praça Nova e lá o esperamos. O commandante disse-me que vinha em breve: que estando elle e quasi todos os officiaes presentes no quartel era necessario tomar certas medidas de ordem e segurança e que convinha reunir o conselho administrativo antes do regimento sahir.
Mas não era só o capitão Leitão que affirmava isto. Militares e civis, todos quantos sahiam n'aquella celebre manhã do quartel de infantaria 18 asseveravam que o coronel Lencastre de Menezes não tardaria com as forças do seu commando a juntar-se aos insurrectos. E faziam-no, certamente, por terem ouvido ao official já citado palavras muito nitidas a tal respeito. Mais tarde, nos conselhos de guerra, pretendeu-se desmentir tudo isso, e embora tivesse sido aconselhado ao capitão Leitão e aos outros reos que não aggravassem a sua situação com accusações a officiaes superiores que não estavam mettidos no processo, a verdade é que das acareações feitas em pleno tribunal militar resultou o convencimento geral de que só por um mero acaso não soffreram o castigo imposto a certos dos conspiradores outras creaturas de maior patente e mais graves responsabilidades.
CAPITULO XV
Proclama-se a Republica no edificio da Camara Municipal
Já manhã clara, as forças revolucionarias sahiram das immediações do quartel de infantaria 18 e dirigiram-se pela rua do Almada até á praça de D. Pedro, onde deviam occupar os paços do concelho para se effectuar a cerimonia da deposição do monarcha reinante e da proclamação da Republica. Segundo a formatura ordenada pelo capitão Leitão, abria a columna, tocando a Portugueza, a banda, quasi completa, de infantaria 10, com alguns musicos de caçadores 9, todos sob a direcção do musico de 1.ª classe Eduardo da Silva; seguia-se-lhe a guarda fiscal e depois as praças d'aquelles dois regimentos, as do 9 antecedendo o 10. Conta um chronista:
«Desde que as forças começaram a marchar, sentia-se desapparecer a oppressão que invadira todos os espiritos n'essas longas tres horas em que, fóra ou dentro do quartel, se tentara que o regimento de infantaria 18, devidamente commandado, viesse augmentar as forças da revolta. O que se seguiria depois parecia não preoccupar os espiritos. Acreditava-se firmemente que o regimento de infantaria 18 estava inclinado a apoiar a revolta. Se assim fosse nenhuma duvida poderia offerecer a victoria decisiva da Republica; não porque a força do regimento de infantaria 18 desse ás tropas insurreccionadas uma superioridade notavel sobre as da guarda municipal, mas pela alta significação que teria não só para a população civil mas para o quartel general o facto das tropas sublevadas serem commandadas por um coronel e muitos officiaes. Era evidente que, se esse acontecimento viesse a realisar-se, as adhesões seriam innumeraveis. Ninguem teria duvida em acceitar os factos consumados; as garantias de victoria eram indiscutiveis; a resistencia da guarda municipal seria nulla, sem contestação; a ordem estava assegurada.
«Animadas d'uma doce esperança, as tropas revolucionarias, ladeadas por immensa multidão, seguiram para a praça de D. Pedro. Ao longo da rua do Almada, desfilava a columna em formação regulamentar e disciplinadamente. As janellas estavam todas abertas, e os habitantes que já tinham conhecimento de que a guarnição militar da cidade sahira dos quarteis para proclamar a Republica recebiam a noticia com manifesto aprazimento. E assim, á medida que as forças da revolta iam descendo a rua, ás saudações erguidas pelo povo que as acompanhava, correspondiam das janellas, gritando:
« – Viva a Republica!
« – Viva o exercito portuguez!
«Acenavam com lenços, davam palmas, n'uma grande expansão de alegria que punha nos corações um suavissimo calor e nos labios um sorriso de triumpho. Nunca tão espontanea e tão calorosa manifestação se produziu na bella cidade do Norte. Nunca o Porto, a cidade do trabalho e das grandes virtudes civicas, fez tão enthusiastica acclamação a um exercito victorioso, porque nunca esteve mais identificado com a ideia que esse exercito vinha proclamando. Na rua a multidão engrossava a cada momento, e, quando as tropas revolucionarias dobravam a rua do Almada para entrar na praça de D. Pedro, era difficil romper por entre a massa compacta que se agglomerava…»
Chegadas as forças á praça de D. Pedro, formaram rodeando a mesma praça pelos lados do norte, nascente e sul, começando a linha pela guarda fiscal e terminando por caçadores 9. O esquadrão de cavallaria 6, que tambem acompanhava a columna, estacou na rua occidental da praça.
Pouco passava das seis horas da manhã. As acclamações despedidas pelos populares continuavam vibrantes, enthusiasticas. De repente, abriram-se as janellas dos paços do concelho e alguns individuos da classe civil, entre os quaes se destacava a figura herculea de Santos Cardoso, appareceram a dar vivas á Republica, ao exercito e aos regimentos sublevados. Um popular, armado de espingarda, foi buscar a bandeira do Centro Democratico Federal 15 de Novembro; Santos Cardoso agitou-a freneticamente sobre a multidão e depois fel-a arvorar no mastro que sobrepujava o frontão do edificio. A guarda de honra nos paços do concelho era feita por uma força de infantaria 10 commandada pelo 1.º sargento Vergueiro.
Decorrido algum tempo, o dr. Alves da Veiga assomou a uma das janellas da casa da Camara e proferiu um discurso, entrecortado pelos applausos da multidão. Depois ia a ler os nomes das pessoas que deviam constituir o governo provisorio, mas o actor Miguel Verdial arrancou-lhe o papel das mãos e procedeu a essa leitura. Esses nomes eram os seguintes:
Rodrigues de Freitas.
Joaquim Bernardo Soares (desembargador).
José Maria Correia da Silva (general de divisão).
Joaquim Azevedo Albuquerque (lente da Academia Polytechnica).
José Ventura dos Santos Reis (medico).
Licinio Pinto Leite (banqueiro).
Antonio Joaquim de Moraes Caldas (professor).
Alves da Veiga.
Cada um d'estes nomes foi acolhido com vivas delirantes e estrepitosos. Proclamado o governo provisorio, a maioria dos populares que tinham entrado na casa da Camara desceu á praça a misturar-se com os soldados, que, diga-se sem hesitações, já começavam a sentir os effeitos d'uma immobilidade que afinal ninguem justificava. Na varanda dos paços do concelho ondulavam dezenas de bandeiras azues e brancas. O nevoeiro, que de madrugada amortalhara a cidade, dissipara-se lentamente.
O capitão Leitão, vendo que, em contrario do que lhe assegurara o coronel Lencastre de Menezes, infantaria 18 não vinha juntar-se ás forças revoltadas, e que os minutos corriam rapidos sem que no local apparecessem outros officiaes além dos tres que desde o começo da revolta lhe tinham francamente adherido, approximou-se do tenente Coelho e disse-lhe:
– Estou a perceber isto perfeitamente; fomos trahidos: são uns infames. Disseram-me que a guarda municipal adheria e não a vi no campo; que o sub-chefe de estado maior tambem vinha e eu tambem o não vi… Aqui acontece a mesma cousa. São homens de pannos quentes. Talvez haja motivo para demoras. Pelo sim pelo não continuarei a esperar…
Mas os soldados mostravam desejos de seguir para a frente e um popular, approximando-se do capitão Leitão, observou-lhe que a guarda municipal já estava occupando a praça da Batalha, na defensiva e que era urgente desalojal-a d'ali para se occupar o telegrapho e o quartel general. Outro popular aconselhou-o a fraccionar as forças do seu commando.
– Ora, tenha juizo, replicou o valente official. Ninguem nos hostilisa.
E, voltando-se para o tenente Coelho, acrescentou:
– Vou tomar uma resolução definitiva: vou mandar seguir pela rua de Santo Antonio, onde me apresentarei ao general; n'um caso ou n'outro elle dará as suas ordens…
O tenente Coelho notou que a guarda da Camara tinha desapparecido e que era conveniente não deixar o edificio á mercê da populaça. O capitão Leitão concordou com a ideia e mandou para os paços do concelho uma força do commando d'um sargento. Feito isto dispoz-se a marchar em direcção á praça da Batalha. Antes, porém, reuniu com o tenente Coelho e o alferes Malheiro uma especie de conselho conversando os tres sobre a attitude que d'ahi por diante deviam adoptar as tropas sublevadas perante as outras que não manifestavam adhesão ao movimento. O tenente Coelho registou mais tarde, do seguinte modo, as ideias que predominaram n'essa conferencia:
«O parecer de que as forças da revolta se dividissem em differentes fracções que por diversas ruas convergiriam na praça da Batalha, forçando a guarda municipal que ali se encontrava a abandonar o seu posto, atacada de frente, de revez e de flanco foi posto de parte, porque, apesar de tudo, se tinha como certa a adhesão d'essa força desde que as tropas sublevadas manifestassem não abandonar o seu proposito. A guarda municipal estava informada de que o regimento de infantaria 18 apoiava a revolução; vira com que ardentes acclamações eram saudadas as forças revolucionarias; sentia-se, portanto, isolada do resto das tropas da guarnição e das sympathias da população civil; demais entre aquella guarda havia um grande numero de homens que tomara parte nos preparativos da revolta.
O que havia, pois, a fazer era, do mesmo modo que a guarda municipal procedera com as tropas sublevadas no campo de Santo Ovidio, procederem tambem para com ella, aconselhando-a a abandonar a sua attitude espectante e a adherir ao movimento insurreccional; o regimento de infantaria 18 havia adherido, não era rasoavel nem patriotico que a guarda municipal o não fizesse. As tropas sublevadas não tinham a menor intenção de fazer derramar sangue de irmãos d'armas; não desejavam uma lucta fratricida, tanto menos presumivel que, sem excepções, todo o exercito se sentia impellido a resgatar o paiz da humilhante situação em que se encontrava por virtude dos actos dos governos da monarchia, que não se inspiravam nos sagrados interesses nacionaes.
«Não. A guarda municipal era com as tropas da revolta. Se estas não tinham a commandal-as officiaes, cujas patentes e cujos nomes se impuzessem, bem certo era que o regimento de infantaria 18, com o seu coronel e com os seus officiaes, tinha adherido ao movimento revolucionario e não havia que hesitar. Os tres officiaes que se encontravam com as forças sublevadas, ali, não queriam reivindicar nenhum direito de superioridade; contentavam-se bem com a satisfação da sua iniciativa e, nem por si, nem pelos seus subordinados, reclamavam nem outros postos nem outras honras. Se outras ideias germinavam no espirito dos que não tinham até aquelle momento adherido á revolta, que se desilludissem. Que o throno desapparecesse: mais nada. A nação governar-se-hia sem profundas transformações. Ellas viriam depois. O essencial era quebrar com a criminosa tradição. Por ella é que Portugal vergava ao peso de tanta deshonra, por ella é que a vida social vinha sendo insupportavel. Governar-nos-hiamos como irmãos, no mesmo sentimento commum dos interesses individuaes, coincidindo com os da Patria. Taes pensamentos animavam as tropas sublevadas. Não havia que discutir.»
Resumindo: o capitão Leitão iria á frente das forças e ao chegar á praça da Batalha procuraria parlamentar com o sub-chefe de estado maior, Fernando de Magalhães, que os revolucionarios consideravam intelligente e de caracter. Elle decidiria em ultima instancia se a superioridade estava, na verdade, do lado dos sublevados e se a guarda municipal podia ou não submetter-se-lhes sem hesitações. Era o appello honesto a um arbitro de occasião, que gosava ao momento de justificado prestigio na classe militar.
– Porque não acceita? perguntou-lhe o antigo revolucionario do 31.
– Porque ahi diz que foi proclamada a Republica e a noticia ainda não é official.
– Bem… não ha duvida, redijo outro telegramma.
E redigiu. A esposa, quando o recebeu delirou de contentamento e foi mostral-o a umas pessoas amigas. Mas estas, lendo o texto, não se contiveram que não observassem:
– Seu marido mandou-lhe um telegramma de troça. Pois não é?.. Estou bom; vou fazer a barba…
– Não é troça, não… Se elle vae fazer a barba é porque já foi proclamada a Republica!