Kitabı oku: «Nakba»

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© Editora Gato-Bravo, 2019

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editor Marcel Lopes

coordenação editorial Paula Cajaty

revisão Inês Carreira

diagramação Aline Martins | Sem Serifa

projecto gráfico e capa 54 Design

Título

Nakba: holocausto na Palestina

Autor

Aníbal Alves

isbn 978-989-8938-36-7

gato·bravo

rua de Xabregas 12, lote A, 276-289

1900-440 Lisboa, Portugal

tel. [+351] 308 803 682

editoragatobravo@gmail.com

editoragatobravo.pt

http://anibalalves.bubok.pt

alfaalves13@sapo.pt

O Senhor teu Deus te dará grandes cidades que não construíste, casas cheias de todas as coisas boas que não fabricaste, e vinhas e oliveiras, que não plantaste… (Deut. 6, 10 e 11)

Sumário

Do autor

Prólogo

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5

Capítulo 6

Capítulo 7

Capítulo 8

Capítulo 9

Capítulo 10

Capítulo 11

Capítulo 12

Capítulo 13

Capítulo 14

Do autor

Por princípio detesto dar a conhecer o meu currículo e prefiro dar o parecer: sou um cidadão do mundo!

Nasci nesta pequena aldeia onde o roble botou raízes profundas e a paz acontecia com o arruivar do crepúsculo, aqui, onde nasce ainda a “nortada” do setentrião. No descer desta colina, o orvalho da aurora arroubava a alma e o sol mimava e aquecia as flores tenras da rosa. À minha porta passava um ribeiro de águas tão transparentes que, no seu espelho, eu contemplava a dama da noite e meditava no porvir. Não existe mais, tão pouco a paz. Tudo é um destroço nos papéis rasgados da ecologia e da quietude.

Depois de muitos anos a calcorrear o mundo — Europa, África e Ásia — chegou o tempo em que o corpo tem saudade da velha casa. Outros sonhos e outra luz impulsionaram a mente para o bucólico ambiente onde a abelha suga o mel. Foi aqui que o sonho nasceu: escrever um livro! Aos 63 anos, depois de arrumar a “ganga”, prisioneiro dessa fantasia, mas livre nos passos, comecei a erigir a presente realidade e, neste momento, no término de 2011 e no limiar dos 72, tenho 12 livros escritos e umas dezenas de contos. Além do “sonho”, foi também o afã de me livrar do tédio e da rotina que me espicaçou a escrita. Outro dos objetivos que me levaram a escrever foi o de acordar aqueles que já desistiram: que já não sonham, não se indignam, já não choram — limitam-se a ver o tempo passar, perderam a capacidade de reagir, de viver cada dia. A esses que se limitam a assistir à própria decadência física e intelectual, informo-os que o tempo é uma medida que está dentro de nós, mas não está em relação connosco.

Aníbal Alves

Livros escritos pelo autor:

O Cruel Josué — Narrativa bíblica — O genocídio dos povos habitantes da Palestina por Josué, o cruel comandante judeu. (2009)

Segredos da Aldeia — Romance — Uma história amorosa e passional passada numa aldeia portuguesa, na memória do tempo da ditadura fascista de Salazar. (2006)

Sofia e os Nenúfares — História juvenil (9 aos 14 anos) — Um livro que aproveita a fantasia para render culto à ecologia. (2004)

Swinging 60/70 — Romance erótico — Desinibidor, revolucionário e sensual, uma reflexão sobre a prática do swing como terapia para a estabilidade de um matrimónio. (2008)

Sinais de Jeová — Contos bíblicos — Relatos sentimentais em eros e phillos de algumas das personagens do Antigo Testamento. (2008)

Ecos de Vida — Contos do quotidiano — Episódios de vida e exposição sentimental de paixões e amores de personagens no dia a dia. (2009)

Ecos de Vida II — Relatos de vidas — Contos de vivências sentimentais narradas ao pormenor. (2010)

A Catequista — Um romance de amor que é ao mesmo tempo uma reflexão sobre a hipocrisia do celibato — Quando um jovem padre é obrigado a escolher entre o amor e um voto divino. (2011)

Eu venci o cancro da mama (esta é a história da minha luta) — Uma descrição verdadeira, pormenorizada e íntima que pode servir como guia pedagógico para quem sofre deste terrível flagelo. (2011)

Alinhavos (do ontem para o agora) — Livro de poemas recolhidos de uma arca de velharias e que retratam a diversificação do pensamento consoante as várias épocas da nossa vivência. (2012)

Boninas cadentes — Livro de poesia que é, ao fim e ao cabo, uma projeção das emoções encerradas no sentimento do autor. (2012)

A Sábia Bola do Guilherme — Um livro de contos infantis dedicado ao meu neto e que faz parte da pedagogia ao serviço da educação de crianças. (2014)

Nakba — Holocausto na Palestina — Um livro que confirma que o ódio poderá ser o anjo caído do amor, mas o mais nobre sentimento humano vence até o mais cruel horror. (2015)

Prólogo

Ao escrever este romance desejo firmar a minha fé no amor e demonstrar que este sentimento é possível mesmo num meio onde o anjo do ódio domina.

Também é meu objetivo ressalvar o antagonismo judeu para com estes facínoras sionistas que iniciaram o terrorismo na Palestina, como arma para praticarem a limpeza étnica sobre os verdadeiros nativos do território e se aproveitaram do fim da II guerra mundial para criarem um movimento nacionalista que tinha por base a doutrina racista do nazismo, espezinhando assim a verdadeira filosofia do judaísmo. Tendo por líderes gente que sabia enganar e manipular as massas, conseguiram incutir nos emigrantes inocentes que chegavam à Palestina o mesmo ódio e a mesma violência que o seu povo tinha sofrido sob o regime hitleriano.

Os russos e americanos, cada um a tentar esconder os seus crimes anti humanidade, cozinharam o drama do holocausto para que a caridade dos europeus aliviasse os seus remorsos perante a cobardia sob os carrascos nazis, dando assim azo à criação da Indústria do Holocausto, que por rentável deu o pretexto para a exploração dos bancos suíços e para auferir as chorudas indemnizações que foram facultadas pela culpabilização do povo alemão (cerca de 60.000 milhões de dólares) naquele tempo. Este povo, que sofreu as humilhações mais vexantes por culpa de uma elite que também o espezinhava, ficou manietado pelas grandes potências e até pelo capital judeu. No fim da guerra, calcula-se que cerca de 1 milhão de mulheres alemãs foram violadas pelos Aliados, isto sem contar os milhares que foram obrigadas a prostituírem-se ao serviço das tropas russas durante a invasão. Foram vitimados durante a ocupação cerca de 10 milhões de mulheres, homens e rapazes civis alemães. Os sionistas continuam a sugar este povo com o pretexto do holocausto que os judeus sofreram às mãos dos nazis e assim continuam a manobrar este caudal de dinheiro para adquirir mais arsenal e terror.

Os líderes criminosos que hoje estão à frente do exército e do governo de Israel, ao praticarem a limpeza étnica, conseguiram transformar o estado nascente sionista numa nação racista e terrorista. Destruíram a milenária amizade entre árabes e judeus, praticando o terrorismo de estado que levou ao ódio e à opressão, só para satisfazer a sua ânsia de poder. Um exemplo da malvadez dos sionistas está na criação da Mossad e de outras agências ditas de inteligência, que não passam na realidade de gangues de psicopatas homicidas: grupos de facínoras para execuções extra judiciais e assassinatos seletivos em qualquer país ou região do planeta.

A história do povo judeu é demasiado rica para se rever nos atos sórdidos e cobardes dos sionistas e ainda hoje se pergunta como tais bandidos conseguiram acabar com a amizade e fraternidade para com os povos árabes, que vem desde os primórdios da história. Aqui está um episódio dessa amizade: crianças judaicas e muçulmanas nascidas no mesmo bairro e na mesma semana eram tratadas pelas suas famílias como irmãos de leite: o bebé muçulmano era amamentado pela mãe judia e o bebé judeu era alimentado pela mãe muçulmana. Este costume estabelecia uma relação íntima e duradoura entre as duas comunidades.

Os judeus sempre foram bem-vindos pelos árabes durante os períodos de adversidade. Veja-se o notável exemplo de desenvolvimento da comunidade judaica em Portugal e Espanha durante a época do domínio árabe. Quando expulsos pelos reis católicos em 1442, foram recebidos de braços abertos no Califado Otomano. Então, o porquê das afirmações do líder sionista Vladimir Jabotinsky, que declarou que «é inadmissível num futuro previsível uma reconciliação entre judeus e árabes»?

O sionismo tornou-se uma vergonha para o Movimento Judeu no mundo. Os verdadeiros judeus nada têm a ver com os bandidos sionistas que praticaram o terrorismo para assassinar e expulsar da Palestina os seus naturais. Eles fundaram Israel sobre os cadáveres dos palestinos. Para se aquilatar da bárbara limpeza étnica, basta olhar os números: foram expulsos ou assassinados 7,5 milhões de palestinos, 500 cidades e aldeias destruídas. As melhores casas de Jerusalém foram ocupadas por líderes terroristas, militares e políticos depois de enxotados os seus proprietários.

Como pode o mundo esquecer esta frase de Menachem Begin, líder terrorista que foi primeiro ministro, após o massacre de Deir Yassim: «esplêndido ato de conquista»? E acrescentou:

— Em Deir Yassim como em toda a parte vamos atacar e massacrar o inimigo; Deus, Deus o Senhor, nos escolheu para a conquista!

O sionismo é o último baluarte racista que ainda sobrevive e o estado de Israel é o último posto avançado do apartheid no mundo.

Tem razão o rabino Joshe Freund que, horrorizado com os massacres perpetrados pelas organizações terroristas da Arganah, Irgun e Stern, desabafou: «Não é porque eles são sionistas que eles são malfeitores. É porque eles são malfeitores que eles são sionistas!»

Capítulo 1

Aquela frase postada num grande quadro pregado à entrada de Auschwitz I, Arbeitnacht frei, era elucidativa de uma filosofia redentora da mente para um povo que sempre se pautara por disciplina e trabalho desde a fundação da Grande Alemanha. Mais se justificava a frase quando, no presente, a sua sociedade se deixava embalar no engano de um conceito político que distorcia a verdade desse mesmo povo, que sempre tinha cultivado o humanitarismo e agora via esse juízo sagrado transformado em fomentador de desigualdade, de injustiça e sinónimo de prepotência, por um regime totalitário que apagava as consciências com mentiras e regulava minuciosamente a vida dos seus concidadãos com um sistema policial de espionagem entre amigos, vizinhos, instituições e até na intimidade das famílias. Transformava a sociedade em duas classes — os espiados e os espies — assim só o trabalho era capaz de fazer esquecer a tragédia que se abatera sobre todos. Arbeit nacht frei! Enquanto trabalhava, o povo adormecia a consciência e não torturava a mente com o conceito de dúvida sobre: igualdade, justiça e fraternidade, máximas humanas desejadas pelos homens de bem em todas as épocas e em todos os tempos. O inverno de 1944 foi rigoroso para todos e impiedoso para os prisioneiros dos campos de Auschwitz. Além do frio, começava a notar-se a falta de víveres, em virtude dos ataques e bombardeamentos aliados, que eliminavam os transportes de abastecimento. No campo de Birkenau já se havia dado início ao desmantelar do equipamento de geração elétrica, do sistema de co-incineração e dos fornos de cremação onde eram incinerados os cadáveres sem identificação, de prisioneiros mortos por doença, epidemias ou exaustão — tudo o que não devia beneficiar o inimigo ou comprometer os militares alemães que ali cumpriam serviço. Também os valores aproveitados dos cadáveres: cabelos, dentes de ouro, assim como dinheiro e jóias não entregues à entrada do campo. Havia o receio do avanço do exército soviético, que já se acercava da fronteira com a Polónia.

Era um dia especial. Uma grande expetativa reinava em todos os campos porque, embora tivessem terminado as levas de prisioneiros com destino a Auschwitz em virtude da derrota alemã na Rússia, era esperado um comboio oriundo da Hungria com 3000 ciganos. Esta leva especial se tornava necessária para suprir a mão de obra vítima do tifo e do esgotamento. Também havia que afastar dos campos de trabalho escravo os 850 prisioneiros russos e polacos que, de maneira alguma, convinha que caíssem em mãos soviéticas, a ameaça que pairava como um sinal da derrota iminente.

Para Birkenau seriam enviados 300 desses prisioneiros ciganos húngaros, assim como 50 mulheres da mesma etnia que se destinavam a prover o comando e a refrescar o prostíbulo do campo, que tinha sido depauperado pelo tifo e por doenças venéreas. Aquele centro de prazer era um incentivo aos trabalhadores e soldados cujo comportamento fosse considerado exemplar.

O kapo judeu Abner Abramowicz, depois de informado que seria o responsável pelo alojamento provisório e pela seleção das ciganas a distribuir pelo comando e pelo bordel, rejubilava de contentamento. Até já tinha feito negócio com o outro kapo judeu, Berger Stein:

— Camarada Berger, vai preparando umas garrafas de conhaque, porque amanhã à noite vamos fazer uma farra com as ciganas. Eu tenho ordem de as ter aqui até fazer a escolha das mulheres para o comando e do gado com destino à casa de putas. O sargento vago mestre já mandou trazer queijo e salsichas para as contentar e agora vou dar ordem para que limpem e desinfestem o barracão de oeste que por estar mais afastado se torna o mais seguro para alojar as mulheres. Ainda tenho que falar com a responsável da zona das mulheres para prover de vestidos e artigos femininos as nossas convidadas. Temos que as abonecar para fazer uma escolha eficaz de maneira a contentar esses filhos da puta dos boches do commando.

Ambos se riram da picardia e ao mesmo tempo rogaram pragas em surdina.

— Amigo Berger, adoro comer estas putas, que têm fama de ser sempre fiéis aos seus homens!

O companheiro olhou-o com ar de sorna e desabafou:

— Pois eu anseio estuprar estas cabras ciganas e ouvir os seus guinchos histéricos, principalmente aquelas que ainda são virgens e prometidas, de tenra idade; essas, para poupar o hímen, consentem em tudo, desde que não tentemos derrubar o seu ego virginal. Que grandes pegas! Vamos, amigo. Já ouvi uns zunzuns acerca dos azares da guerra, isto soa-me ao fim da nossa clausura e é tempo de pensar um plano de sobrevivência para não desenterrar o passado.

Abramowicz olhou sério para o companheiro e murmurou com gravidade:

— Sim, os boches tinham um mas estão à beira de naufragar. Nós temos que saber ultrapassar isso com vantagem!

Estes kapos eram tratados como soldados alemães pelos superiores, em virtude da sua baixeza de caráter e do seu servilismo. Chegavam ao ponto de executarem as tarefas mais sujas e degradantes do género humano: aqueles serviços que até os mais rudes soldados tinham pejo em realizar nos condenados aos campos de trabalho forçado. O prisioneiro B76324, agora merecedor de ampla confiança do comandante do campo, antes tinha sido um dos bonifrates ao serviço do Dr. Mengele, mais conhecido por anjo da morte. Este tratamento de favor os tornava respeitados até pelos soldados de serviço naquele campo, o que não evitava os seus pensamentos na mais restrita intimidade: o ódio que latia no seu subconsciente por aqueles porcos que os tinham desumanizado. Era por isso que lançavam figas e palavras de anátema aos oficiais das SS que se serviam deles. Estes dois judeus, odiados até pelos irmãos de raça, sabiam bem que a natureza do homem não é boa nem piedosa. Nem é justa, porque cada ser luta por sobreviver e eles tinham vencido: optaram pela lei do mais forte. Moralmente eram uns farrapos, porque essa conduta impõe quase sempre o sacrifício do lado bom que está no ser humano, esse instinto de abnegação em favor dos semelhantes mais fracos. Eles preferiram adotar a máscara da conveniência para manter os privilégios. Eram como a maioria dos católicos que escolhem a pompa do mundo, mas servem-se da cruz para camuflar a conduta ignóbil. Sentiam-se satisfeitos por terem sobrevivido ao tormento de Auschwitz, mas não conseguiam evitar a acusação da sua alma — o mal que tinham feito já não podia ser superado e o remorso estava ligado às canalhices do passado. Esse sentimento torna-se mais latente e cruel à medida que o tempo passa. O remorso é implacável, exige expiação e impunha-lhes um outro modo de agir que eles nem conheciam.

Era hora de almoço, as sirenes da fábrica de armamento e explosivos, assim como a petroquímica de Auschwitz II, já tinham soado para anunciar a pausa do meio-dia e o maldito comboio proveniente da Hungria sem aparecer. Esta era a última leva de prisioneiros para Auschwitz e todos os outros campos associados. Aquele carregamento era uma exceção muito afetada por força das circunstâncias. Era necessária mais mão de obra para o desmantelamento que tinha sido ordenado pelas altas patentes, em virtude da aproximação do exército russo; as instalações fabris não podiam de maneira alguma cair em mãos inimigas, mormente a importante indústria química de Auschwitz III; havia que acelerar a desmontagem das instalações e aqueles ciganos iriam ajudar à concretização desse plano.

Os soldados já tinham tomado posições ao longo do cais e da via férrea, cujo acesso era vedado por cavalos de arame farpado e cercas de rede eletrificada. Também os prisioneiros que ajudariam os recém chegados a descer e a limpar os vagões já eram enquadrados pelos seus kapos, que com as braçadeiras berrantes, castanhas para os polacos e amarelas para os judeus, se tornavam bem notados para os soldados que, de armas aperradas, aguardavam o comboio. Até o tenente, que comandava aquela unidade de receção, passeava, soberbo da sua autoridade, sobre a neve que atapetava o cais de madeira e provava o seu nervosismo com as batidas do pingalim sobre o cano das botas polidas de negro.

Um estridente silvo se fez ouvir no silêncio gelado daquele soturno ambiente de carris, sinistras vedações eriçadas de farpas e homens de rostos tétricos. Lá ao fundo, a quebrar a linha do horizonte, o olho incandescente apontava ao longo da via e tornava visível o círculo negro que, qual visão fantasmagórica, sugestionava o monstro de ferro que se insinuava na brancura do trajeto. Era envolto numa neblina de vapor e cuspia fuligem incandescente pela bocarra sita no topo, também de escuro tom.

A iluminação do cais se acendeu como reforço à visibilidade ofuscada pela neve que recomeçou a cair, leve e suave como pétalas de florinhas brancas em campo de boninas. A locomotiva estacou com um ruído sinistro de aço rangente no entrechocar de ferro contra ferro, no suspender das rodas e das bielas laterais. Resfolegou pelo escoadouro do cimo e se aquietou do esforço de tirar aqueles pesados vagões de gado; soltou ainda um último suspiro que envolveu de vapor a descida dos dois maquinistas. A neblina condensou-se e o oficial encaminhou-se ao encontro dos dois funcionários, que o saudaram de braço levantado num arremedo marcial e recebeu o rolo de papéis que atestava a carga e a proveniência. Relanceou os olhos pelos cabeçalhos escritos e de imediato levantou a cabeça e a ordem partiu seca e nítida, no silêncio da pausa do meio-dia:

— Achtung! Achtung! Preparar para abrir e formar a duas filas os homens depois do quinto vagão a partir da locomotiva! Para as mulheres que estão nos vagões da frente, abram a um terço só para respirar e aguardarão a descarga até os homens serem enquadrados para os serviços sanitários de inspeção.

Um sargento fez sinal aos kapos que enquadravam os piquetes de ajuda à descarga e lhes deu instruções:

— A cada homem um pão e uma wisse wurst e cada bebedouro tem lotação para dez, não permitam que se amontoem!

Os homens, como um só, sem qualquer resquício de vacilação, como se treinados a preceito pela prática, encaminharam-se em direção às portas corrediças dos vagões e ali estacaram, esperando as ordens dos seus kapos de braçadeira castanha. Os judeus que carregavam os baldes e as raspadeiras da limpeza também se posicionaram ao longo do vagão e aguardaram as ordens dos seus chefes de braçal amarelo. Pelos retângulos gradeados daqueles cubículos de desmaiada cor vermelha ouvia-se o bramido desesperado dos presos que, na ânsia de uma lufada de ar fresco, soltavam imprecações e injúrias. Uma voz mais atilada, talvez de alguém que era suspenso pelos braços dos companheiros, soou nítida e blasfema mesmo junto ao postigo:

— Cães judeus, apressem-se, condenados de um deus maldito!

Aquilo era uma terrível provocação ao messiânico sentimento dos filhos de Abraão, que se entreolharam e guardaram para si o pensamento que se fixou em suas mentes e que está escrito como preceito no Talmude: Até que os judeus os tenham por escabelo dos seus pés. Estes impuros goyim seriam os primeiros a sentir o poder dos escolhidos do Senhor dos Exércitos! Aquela blasfémia terrível seria analisada no conselho sionista do campo e quem a tivesse soltado, melhor fosse que já tivesse desaparecido!

As mãos enregeladas de um polaco manusearam o arame que servia de loquete, pois tal acessório já faltava no aprovisionamento de retaguarda, o que não pressagiava nada de animador ao esforço de guerra nazi. O primeiro vagão foi aberto, o último do comboio, e lançou de imediato, na atmosfera gélida, uma onda de nauseabundo odor que se infiltrou com tal intensidade na fileira de soldados em frente que nos seus rostos era visível a carranca de nojo e, para se manterem estáticos e em ordem, as mãos se aferraram mais às armas automáticas que portavam. Os trabalhadores polacos aproximaram-se mais da saída do vagão e, por estarem mais familiarizados com aquela repugnância que era sua companheira nas enxovias que habitam no campo, quase nem pestanejaram quando o cheiro a merda defecada no chão do veículo chegou às suas narinas. Conforme os ciganos eram despejados, com o amparo dos prisioneiros que os ajudavam, mais se espalhava o repugnante odor a suor, merda e mijo retardado. Era uma onda que já emporcalhava o próprio cais onde o oficial, de rosto franzido pelo asco, se refugiara junto dos êmbolos da locomotiva, cujo óleo derramado e viscoso disfarçava o nojento cheiro, e não deixava de sussurrar entre dentes:

— Schweinen!

O serviço médico sanitário lutava naquele momento com um surto grave de tifo e a inspeção, por rigorosa, era mais lenta, uma medida para obstar a maior contaminação. Os fornos crematórios já trabalhavam a 24 horas para eliminar as vítimas do surto daquela pandemia que ameaçava as linhas de produção das indústrias instaladas nos campos de trabalho, o que tornava ridícula a frase inscrita no quadro da entrada de Auschwitz I, Arbeit nacht frei (O trabalho liberta), porque o tifo ameaçava suspender toda a atividade.

Os recém chegados ciganos, indiferentes à porcaria que tinham deixado nos vagões agora livres, agarravam com as duas mãos ainda imundas de sujidade e trampa a salsicha fora de prazo e o pão duro. Devoravam com a raiva da fome que forçava as suas mandíbulas a tragar sem mastigar e a engolir sofregamente o que o estômago já exigia havia 3 dias. Depois, com a boca escancarada a demandar água para empurrar o que a faringe ainda não conseguira deglutir para o esófago, metiam a cabeça nos bebedouros para ocupar mais espaço e emporcalhavam a água que era de todos. A brigada de limpeza já raspava a merda fedorenta e seca dos lastros dos vagões de gado, que agora transportavam seres humanos para trabalho escravo. Era a necessidade como forma de produzir sem custos as armas que iriam dizimar os seus semelhantes, vítimas da limpeza étnica da sua raça de cabelo negro e pele mate, abominável à nobre e ariana descendência dos Ases. Alguns dos judeus mais sionistas, que limpavam a porcaria, expeliam em surdina imprecações chauvinistas sobre os corpos dos ciganos que tinham sucumbido à viagem, lançando anátemas com os lábios crispados de aversão:

— Senhor, que este maldito animal edomita seja apagado da memória do tempo e que o inferno o devore para todo o sempre!

Os corpos dos gitanos, exânimes e rígidos pela ação do frio, eram estendidos ao longo dos carris para posterior corte de cabelo e revista pela brigada de recoletores, antes de entrarem na linha de incineração. Os kapos, tanto de um lado como do outro, gritavam ordens e incentivos depreciativos sobre o seu pessoal para se fazerem ouvir e agradar aos alemães — o fito era o de manter os seus privilégios. Conforme os prisioneiros passavam a primeira porta, logo eram colocados dois a dois em simples filas para a inspeção sanitária e de seguida encarreirados para o banho de água fria, para depois vestirem os fatos listados de castanho, que era a cor atribuída à etnia cigana. Um prisioneiro judeu entregava-lhes um naco de sabão duro e empurrava-os para o outro lado do tapume, onde esguichavam os jatos de água gélida e, logo que passavam no controle de limpeza, lhes era dada para se limparem uma toalha de serapilheira, que lhes serviria também de agasalho e cobertor, esses prometidos e sempre adiados abrigos, que até já eram escassos para o próprio povo alemão.

Já o lusco-fusco tomava conta do crepúsculo quando foi iniciada a abertura dos vagões das mulheres e estas, ao contrário dos seus homens, pareciam despertadas com o folgo da vida. Olhavam os judeus que lhes davam a mão para saírem e provocavam-nos:

— Olá, porcos sionistas! Não tendes dinheiro para comprar a vossa estada? Quando nos veremos livres da vossa maldita raça?

Cada mulher que saltava para a neve era uma rajada de repugnante cheiro a mijo retardado e a merda. O fedor era sórdido, repulsivo e toldava aquele ambiente branco e frio, o que obrigava todos, sem exceção, a embrulhar o rosto e a franzir o apêndice nasal. Até os prisioneiros, já habituados pela rotina deste serviço, sentiam o impacto do torpe poluir e limitavam-se a estender o braço como autómatos, evitando assim o contato corporal e, em alguns casos, até o pensamento racista acerca daquelas bestas fedorentas e contaminadas com a perversão de Eva. Muitos até fechavam os olhos e as narinas, para não sentirem o repulsivo olor a menstruação solidificada e não atentar àqueles rostos lívidos de fraqueza, com ranho empastando os cabelos. Eles faziam por não ouvir os remoques ofensivos ao seu Deus, que saíam daquelas bocas fedorentas de harpias. Era um cheiro de tal sorte asqueroso, aquela mescla de mijo, merda, sangue contaminado e suores sexuais, que até os serviços de saúde trouxeram uma bomba com gás cheiroso para dissipar aquela podridão. No chão dos vagões, além do esterco das defecações, abundavam farrapos sujos com sangue menstrual e a urina das mulheres tinha um cheiro rebarbativo, como vapores de ácido muriático. Depois de vazios, os compartimentos ainda guardavam o pestilento odor de cada mulher despejada daquele antro que antes tinha transportado gado a granel e agora era convertido em transporte para aquelas infelizes e desgraçadas húngaras, cujo destino era o trabalho nos campos de Auschwitz e, para piorar a degradação, também serviriam para abastecer os prostíbulos de divertimento. Este afazer de prostituta que lhes estava reservado era um mister contraditório com a fama de mulheres fiéis a um só homem e a quem a promiscuidade e sordidez da função repugnava. Tal como os homens, também aquelas filhas de Eva seriam expostas à mesma inspeção e, sem qualquer resguardo do pudor, seriam desnudadas para o banho de duche frio. Para isso, lhes tinham também fornecido a trouxa com a vestimenta listada de castanho, assim como o retângulo de serapilheira para secar o corpo e servir de mantilha e abrigo.

As 50 ciganas escolhidas por uma das responsáveis femininas, antes de se vestirem, seguiam agora numa formação a três para o campo de Birkenau, que distava dois quilómetros. Quem desconhecesse o seu destino, ao contemplar aqueles rostos de singular beleza morena, não os seus corpos ofuscados pelas roupas largas e inestéticas, pensaria que elas seriam as convidadas para algum sarau social e não prisioneiras de um campo de concentração nazi.

Os 300 ciganos requisitados pelo comandante do campo de Birkenau como reforço de mão de obra para o desmantelamento já tinham alojamento designado e só faltava que os kapos os dividissem em grupos de trabalho. Na chegada ao acampamento, alguns deles tinham sido espancados pelos judeus encarregados de os conduzir às instalações, como vingança pelas provocações racistas e, por último, como um deles recalcitrasse a violência com a abjuração sionista, deu azo a que o próprio Abramowicz o injuriasse e agredisse:

— Maldito impuro, filho de imunda cadela! Eu ensino-te a respeitar os teus donos, seu…

Não chegou a rematar o achincalhamento nem a espezinhar o desgraçado que se rebolava na neve. O tenente Wolfgang, um dos raros oficiais nazis daquele campo com formação cristã, repreendeu o kapo judeu:

— É essa a vossa humanidade? Não achas que já lhe basta a raça para ser um desgraçado? Porque empregas nele o chauvinismo de judeu sionista? Queres pôr em prática aqui as vossas ideias talmúdicas de que todos os gentios são goyim e devem ser tratados como não humanos? Se essas instruções partem do vosso Deus, então Ele é mesmo um inimigo da raça humana! Eu sou cristão e a minha fé obriga-me a amar todos os homens. Jesus Cristo era um judeu, mas deixou-nos o sublime preceito de amar mesmo aqueles que nos querem mal. Vocês, os sionistas, não passam de execrados da humanidade e tarados messiânicos que querem escravizar todos os homens segundo a interpretação que dão ao vosso Deus cruel, sanguinário e invejoso. Anda, judeu, levanta a tua vítima e pede-lhe desculpa ou marco-te a cara com o pingalim!

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361 s. 2 illüstrasyon
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9789898938367
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