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Kitabı oku: «Oliveira Martins: Estudo de Psychologia», sayfa 5

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A palavra que define a alma do estoico, é o orgulho, diz o Sr. Oliveira Martins. O orgulho transcendente, isto é, o sentimento proprio de quem julga possuir a verdade absoluta e resolve applical-a com um rigor absoluto. Bem diversa é a palavra que resume um caracter como o do Sr. Oliveira Martins. Esta é a Ironia, resultado natural da superioridade intelligente. A Ironia é tambem uma especie de orgulho, mas bem differente do estoico, porque é temperado pela piedade e pelo desdem. São estes os sentimentos que apparecem cada vez mais claros nos seus ultimos livros e tem a sua mais perfeita expressão no retrato maravilhoso de Cesar. É a Ironia aquelle estado da alma, que nelle provocam e confirmam dia a dia a experiencia e a cultura, o sentimento com que elle se mune para a travessia da Historia e para a campanha da vida. Foi este o sentimento que lhe dictou estas linhas á portada do seu livro mais original e que mais apaixonou a critica: «O exame dos nossos tempos apenas lhe provocou (ao auctor) expressões d'aquelles sentimentos que são compativeis com a serenidade da critica: uma ironia sem maldade, uma compaixão sem orgulho, pelas repetidas miserias dos homens; ás vezes, uma sympathia e um respeito singulares por certos individuos excepcionaes. Ironia, compaixão, sympathia, respeito, – moderadas commoções, com que é licito acompanhar o estudo, sem prejudicar a lucidez da vista – não impedem comtudo, que acima d'estas impressões fugitivas se colloque o profundo, inabalavel reconhecimento das causas que fazem dos homens os instrumentos do acaso ou do destino.»

A estructura do nosso espirito revela-se na especie do nosso ideal, e a nossa concepção da ventura deriva da nossa concepção da vida. Todos os sentimentos que no Sr. Oliveira Martins desperta a realidade e todas as opiniões que elle tem sobre as cousas, estão resumidas nas paginas finaes do seu ultimo livro (Historia Romana). É alli visivel o que ha de mais importante na sua alma, posto a nú por um psychologo, mestre na arte de pintar caracteres. O que elle pensa da paixão e do dever, da sciencia e da acção, do Universo e do eu, a sua idéia da vida e o seu ideal da vida, está expresso nesta curta pagina, em traços breves e profundos, a que a concisão do escorço exalta a energia. E não vejo melhor modo de fechar esta analyse, que é uma tentativa de autopsia moral, do que copiar este retrato que equivale a uma confissão espontanea.

«Aquelle que, sem ter de esmagar desapiedadamente os sentimentos e paixões da sua natureza, sem ter de partir a mola interior que o torna um ser vivo, consegue mitigar, moderar, ponderar ou equilibrar os impulsos do seu sangue com os dictames das suas idéias, sanccionando paixões e pensamentos com a luz inextinguivel dos instinctos moraes e do senso esthetico; olhando para si proprio e para as angustias, para as dores e para as feridas da sua vida com uma commiseração vizinha do desdem; olhando para o proximo e para o mundo, sem desprezo nem orgulho, mas com a ironia caridosa que se deve a todas as cousas involuntariamente inferiores; contemplando finalmente com uma curiosidade placida e discreta o nevoeiro dos mysterios e problemas que, sondados, endoudecem, e de que é mister fugir, como dos abysmos cujas vertigens hallucinam ou embrutecem; esse homem, por fóra activo, por dentro como que apathico, por vezes, e só por vezes, atacado de tedio, mas sabendo que não deve nem póde aborrecer a vida: esse homem é o unico verdadeiramente feliz… Ser feliz depende de um acto da intelligencia e da vontade, independentemente das circumstancias exteriores da vida.»

V
O ESCRIPTOR

Habitos de intelligencia e movimentos de sensibilidade, tudo se reflecte nos seus processos de escriptor. Como um cardiographo delicado que regista e conta as mais imperceptiveis pulsações do espirito, assim é o estylo. Tão sómente pela analyse d'elle podiamos chegar ás conclusões a que nos levou o exame directo das opiniões e paixões; feito este, as paginas que se seguem só podem confirmar as verdades que se enunciaram e este capitulo, é menos uma indagação do que uma prova.

Que especie de estylo é esse? Um escriptor de imaginação oratoria e gostos decorativos como o Sr. Latino Coelho, exprime-se n'uma linguagem adequada pela sua regularidade e sumptuosidade ás aptidões e tendencias do espirito que a emprega, e ás necessidades e utilidades do fim para que se destina. Leia-se o seu derradeiro discurso. Os vocabulos graves como fidalgos e compostos como hallabardeiros, as immensas phrases roçagantes comparaveis a reposteiros de damasco, a amplitude e disciplina da syntaxe, a abundancia e efficacia das incidentes, a extensão e o aprumo dos periodos, o predominio do pensamento abstracto sobre a imaginação pittoresca, a perpetua representação do thema e a perfeita convergencia das provas, a unidade no todo, a proporção nas partes, a equidistancia nos termos, e a uniformidade na marcha do raciocinio, a majestade curul e a graça talar do discurso, revelam um homem apto e propenso para a prosa regular, a dissertação erudita, o elogio historico, a oração academica, e para todos os generos que requerem o gosto da pompa e o sentimento da gravidade, a correcção, a riqueza e a ordem, o respeito continuo de si e dos outros, uma especie de prodigalidade elegante e de arte sem nervos, a preferencia dada á erudição sobre a sciencia, e á rethorica sobre a poesia, a capacidade das idéias geraes exercendo-se em logares communs, qualidades que manejadas por um talento superior e postas ao serviço de um grande interesse, podem produzir verdadeiros monumentos litterarios.

Bem diverso é o estylo do Sr. Oliveira Martins. Nada de menos grave, de menos pomposo e respeitoso. Elle escreve como fala, e fala como acha. O seu processo é a notação directa dos sentimentos presentes; a sua linguagem, a algebra nua da paixão. Rapida, irregular, tortuosa, brusca, insolente e indecente, burlesca e sublime, composta de palavras que se empinam por se verem juntas, feita de phrases de todos os tamanhos e feitios, galopa ou vôa a sua prosa. Nada de mais agil e vivo. Ás vezes, a suppressão dos elementos grammaticaes produz extranhos escorços, e a phrase contrae-se como um musculo. Outras os pleonasmos batem o pé, e a repetição encrava a convicção, como um martello percutindo um prego. Ás vezes a inversão dá extranhas posturas á linguaguem, e os periodos rugem, crucificados com os pés para cima. A grammatica violada debate-se n'um tetano. As imagens soberbas ou ignobeis pullulam de todos os lados, trazidas dos palacios ou das tabernas, como um rebanho de conscritos arrastados para a batalha. E todo o livro avança, semelhante a um couraçado de combate, replecto do convez ao porão, n'um turbilhão de estrondo e espuma, precipitado pela massa e armado da velocidade, e levando na caldeira abrazada um foco de força e um perigo de explosão.

Esta é a primeira impressão; profundemol-a, completando o juizo litterario pela analyse critica, e substituindo a linguagem imaginosa pela notação exacta, instrumento condigno do trabalho scientifico.

Tres pontos ha a considerar na analyse de um estylo; o vocabulario, isto é, o conjuncto de elementos ultimos do discurso; a syntaxe, isto é, a ordem em que estes elementos estão dispostos para constituirem o organismo da expressão; e as figuras, isto é, os expedientes necessarios para supprir as lacunas do vocabulario ordinario e da syntaxe regular.

Mas antes de mais nada, observemos que o Sr. Oliveira Martins não possue o genio verbal, isto é, aquella facilidade de imitação e invenção de formas da linguagem, que em alguns dos nossos escriptores substitue e simula a intelligencia e a sensibilidade ausentes. Supponho que como os dois grandes historiadores a que o tenho comparado, Michelet e Carlyle, elle teve uma extrema difficuldade de exposição, no principio da sua carreira litteraria; pelo menos esteve muito longe de possuir aquella segurança e nitidez da palavra, aquella capacidade de adequar exactamente a expressão á intenção que caracterisa os verdadeiros temperamentos de escriptor. É porem justo dizer-se que sob este ponto de vista, como sob todos os mais, os livros do Sr. Oliveira Martins manifestam um progresso consideravel. A sua Historia Romana é um monumento litterario. Mas essa lacuna constitucional e o habito da improvisação impedem que as paginas perfeitas abundem nos seus escriptos; e possuindo em alto grau a força e a vida, carece de majestade e graça.

Em primeiro logar, o seu vocabulario não é numeroso; não se manifesta nos seus livros aquella abundancia, que no Sr. Ramalho Ortigão provém de um forte estudo do lexicon, e no Sr. Camillo Castello Branco de uma memoria verbal extremamente feliz. As palavras vagas não escasseiam nos seus escriptos mesmo exprimindo ideias precisas. Com as palavras vagas, os termos improprios que falseiam a expressão e tornam necessaria a decifração. Os vocabulos extrangeiros ou mesmo nacionaes tomados n'uma accepção extranha á lingua lançam manchas desagradaveis na tela do discurso. As expressões synonimicas e as emendas que elle faz seguir ás expressões originaes, parecem indicar que o proprio auctor sente que não exprimiu cabalmente o seu pensamento; e se muitas vezes a accumulação de expressões novas para formular a mesma idéia, manifesta a paixão obstinada e a convicção activa, muitas outras significa sómente a consciente escassez de recursos do escriptor.

Dois typos syntacticos se notam nos escriptos do Sr. Oliveira Martins. Um é o grande periodo regular, de que elle se serve ordinariamente nos seus trabalhos didacticos, e de que se póde observar um bom exemplo no prefacio do Hellenismo e a Civilisação christã. A ausencia de aptidões e gostos oratorios impede que o Sr. Oliveira Martins prime n'esta forma de discurso. E diga-se a verdade, poderiamos percorrer os escriptores portuguezes antigos ou contemporaneos sem encontrarmos muitos exemplares de prosa perfeita, taes como abundam na litteratura franceza. O ar latino da nossa prosa classica póde illudir á primeira vista. Mas quem a submetter á analyse verá que não encontra nella aquelle habito de decompor as idéias e passar gradualmente por todos os seus elementos, que constitue um dos caracteristicos principaes da prosa franceza.

O outro typo syntactico é o inciso, a phrase curta e entrecortada, offegante. Ella se obtem suspendendo continuamente o pensamento, supprimindo os desenvolvimentos das idéias, e até as particulas grammaticaes, pronomes, artigos e conjucções. A phrase elliptica tem movimentos convulsivos de ave decapitada, e os elementos do discurso trocam vivamente os logares como os raios de uma roda. Esta é a forma adequada a um temperamento litterario como o Sr. Oliveira Martins. É nesta forma que elle vasa as suas descripções e narrações. As ellipses, as repetições, as inversões, a ausencia completa de todas as figuras de symetria, conspiram no mesmo sentido, e não é difficil mostrar como sendo os sobresaltos da machina nervosa irregulares e instantaneos, é esta a prosa que convem ao escriptor e á obra que analysamos. Leia-se esta descripção do incendio nos armazens de Gaya. «Posto o fogo ao rastilho, começou breve a pyrotechnia, allumiando a noute. Começou por uma explosão tremenda, donde sahiram labaredas e rolos de fumo rapido. O vento animado impellia a chamma. E as pipas estalando troavam como canhões. Singular batalha! O vinho rolava em cachões, da praia sobre o rio que ia tinto de vermelho como sangue. As labaredas subiam e a vasta seara de fogo batida pela aragem, ondeando, crescia, andava. Incendiados, como lavas de um vulcão, desciam ao Douro, os liquidos espirituosos e chocando as aguas repelliam-nas, entrando nellas como um cabo. Parecia uma tempestade geologica. A agua do rio fervia, fumava; e fluctuando sobre a agua, vogava á mercê da corrente um lançol de chammas rubras.» A phrase tem a velocidade, a mobilidade, a plasticidade da chamma, e o foco moral donde ella brota não é menos ardente e vivo.

Os outros expedientes litterarios convergem no mesmo sentido. E antes de mais nada, a ausencia das figuras de dicção, que estabelecem uma symetria visivel e um equilibrio extrinseco do discurso, revela um espirito pouco sensivel á harmonia verbal e ás seducções da rhetorica. O epitheto, esse instrumento de que tanto se abusa, é raro, e quasi sempre pittoresco e novo. Mas os tropos abundam, como convem a um estylo que é a manifestação de uma alma audaciosa e ferida vivamente pelos aspectos das cousas. Ás vezes n'uma fria dissertação de direito publico ou de economia politica uma imagem fulgura magnificamente, como uma papoula n'um trigal. Assim depois de expor o admiravel regimen de federação municipal que consolidava e completava a conquista romana, exclama num rapto de poeta: «Roma é a capital: está no pincaro da montanha ideal em cujas encostas por estradas espiraes se desenrola a procissão das gentes e cidades que sobem». Assim depois de pintar a angustiosa situação do paiz na primavera de 47, escreve referindo-se ao abuso da emissão fiduciaria, «Havia em Lisboa uma grande miseria, uma carestia excessiva de tudo, um doloroso mal-estar, perseguições e recrutamentos, os batalhões sempre em armas, e fluctuando, as notas, como os trapos de neve caindo, cobrindo tudo, nos dias mornos que precedem o desencadear da tormenta.» E as metaphoras como estas abundam ou magnificamente desenvolvidas n'uma pagina, ou ardendo concentradas n'um verbo e n'um epitheto.

A mesma vehemencia de imaginação e paixão produz e explica as apostrophes ao leitor e aos personnagens da sua historia, as interrogações, as exclamações, as reticencias, as prosopopéias, os bruscos saltos, a falta de clareza, as referencias a factos que se calam e que o escriptor julga conhecidos. Esta energia de habitos vai tão longe, que se exerce sobre porções dos seus livros que parece deveriam escapar a ella. Copio do Portugal contemporaneo estes titulos de livros e capitulos: Fuit homo missus a Deo; Sic itur ad astra; O principio do fim; Væ victis; Os impenitentes; A raposa e suas manhas. Quando lança um olhar retrospectivo sobre o conjuncto da sua obra, não encontra uma serie de idéias precisas, mas um tumulto de visões inflammadas. Por isso escasseiam os summarios, os resumos e todos os expedientes destinados a precisar as doutrinas e fixal-as na memoria. Este escriptor faz imagens e sarcasmos até nos indices.

Tal é esse estylo: irregular, tortuoso, familiar, apaixonado e vivo. Para o conhecermos cabalmente não recuamos perante a minuciosa analyse das formas grammaticaes e dos expedientes litterarios, mas fizemol-a como psychologo e não como rhetorico. O espirito philosophico é o dom da analyse e da synthese, e a sciencia deve reunir como a aguia as garras penetrantes ás largas azas.

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
25 haziran 2017
Hacim:
70 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain