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Kitabı oku: «Contos Phantasticos», sayfa 11

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ADDITAMENTO

Carta a José Fontana
(DA 1.ª EDIÇÃO)

Meu caro editor

Disse-me que esperava um prologo, para começar a publicação dos Contos; lembrou-me escrever-lhe um capitulo de esthetica sobre esta fórma litteraria. O publico não gosta de abstracções. Por minha vontade desistia do promettido; limito-me porém a algumas considerações historicas.

A fórma do conto é de origem oriental. As fabulas de Bidpaï foram o primeiro ensaio para fazer sentir uma moralidade abstracta por meio de uma ficção interessante. É pelo seculo XII que esta creação do genio do oriente apparece na Europa, imitada na Disciplina clericalis de Moysés Sephardi, conhecido depois da sua conversão ao christianismo com o nome de Petrus Alphonsus. A Disciplina clericalis, escripta em latim barbaro, para ensino dos clerigos, compõe-se de trinta e sete contos e apophtegmas, que o auctor imagina dados por um arabe a seu filho na hora da agonia. A popularidade do livro foi dispondo os animos para a cultura d'esta fórma litteraria.

O Conde de Lucanor de D. João Manuel, algumas das ficções do Gesta Romanorum, o Decameron de Boccacio, os Contos de Cantorbery, resentem-se bastante do livro do judeu convertido da Huesca.

Uma creação do genio celtico e germanico é o mundo feérico; elaborada lentamente na phantasia popular, animada n'esses typos de Melusina, Morgane e Urgante, dos trovadores da Edade média, cantada depois nos galanteios de Boiardo e Ariosto, Spencer e Shakespeare, tornou-se o divertimento infantil dos Contes bleus, os contos de fadas, colligidos nas Notte piacevoli de Straparole, publicadas no seculo XVI, e no Pentamerone de Giambattista Basile em 1637.

O conto é a fórma litteraria da lenda. Boccacio no Decameron, n'aquellas transições instantaneas do ridiculo ao pathetico, revela uma face profunda da historia, o estado dos espiritos na terrivel peste de 1358. A imaginação era tão perigosa como o contagio; a distracção calculada, o prazer egoista dos jardins de Pampinea, a indifferença, o scepticismo que se desenvolve nas grandes calamidades, só podiam suspendel-a na exageração do terror. Nos contos da Edade média ha uma mistura de devoção e desenvoltura; no Heptameron da rainha de Navarra, as aventuras cavalleirosas, as intrigas de amor, os padres e monges seduzindo as noviças, entretecem-se com reflexões moraes, e de quelque léçon de la sainte Ecriture. É a mesma antithese fatal que parodia a exaltação religiosa nos ritos grotescos da egreja. A Edade média retratou-se em todas as suas creações, mesmo nos fabliaux e no conto.

O conto é a passagem do fabulario para a linguagem da prosa, ingenua, rude, de uma franqueza maliciosa muitas vezes, e desenvolta. O conto era uma situação inventada para aproveitar um dito feliz, um repente engenhoso dos serões das côrtes e dos castellos; nasceu d'aquelle genio primitivo, com que Froissart narrava a historia.

Demogeot, na sua Historia da Litteratura franceza, considera os contos do seculo XVI como alheios ao desenvolvimento intellectual; é uma affirmação menos verdadeira por absoluta. A actividade d'este periodo, a fecundidade e originalidade verdadeiramente cahoticas reproduzem-se em Rabelais, o creador de Gargantua e Pantagruel.

A Renascença com as ficções gregas e romanas desnaturara o conto. No seculo XVII elle torna-se volumoso, arrebicado de galanice e galanteria amaneirada. As attenções tinham refluido sobre os trabalhos philosophicos; ficaram as creações imaginativas em poder das Gamberville, de Scudery, de La Calprenède e quejandos, que as alongaram fastidiosamente com pieguices sentimentaes, por essas séries indefinidas de volumes da Polexandra, Caritea, Cytherca, Cassandra, Pharemundo, Ibraim ou o illustre Bassa, Artamene ou o grande Cyrus, Clelia e Almahide. Os heroes apaixonados são Anacreonte conversando em amaveis versos, Bruto e Lucrecia, Horacio Cocles e Clelia, movidos pelos interesses da sociedade moderna; a magestade escultural da antiguidade e da historia em presença das pequeninas intrigas amatorias tocára o cumulo do ridiculo!

O movimento, a convulsão philosophica do seculo XVIII apparece tambem no romance e no conto. Lesage escalpelisa a natureza humana, e o Gil Blas é a synthese das observações profundas; o abbade Prevost analysa as paixões n'uma lucta intima, recondita, e procura os sentimentos novos que scintillam dos que se embatem e se destroem. Manon Lescaut é uma das verdades eternas do sentimento humano, a contradição do que mais se aspira e idealisa, a vontade negando-se, mobilisando-se nos multiplices desejos que tumultuam na alma. Voltaire philosopha tambem nos seus Contos. Diderot, sobretudo, a intelligencia mais robusta do seu tempo, mathematico, artista creador pela reflexão e inspiração, reduz ao interesse do conto, á peripecia da acção as verdades mais abstractas. Na assombrosa maravilha de arte, o Neveu de Rameau, mostra a maldade disfarçada em virtude pelas conveniencias; todos nos horrorisamos ao vêr alli o nosso retrato; sentiamos aquillo, mas não tinhamos a coragem, a abnegação para dizel-o. O sobrinho de Rameau mostra-se infame, ao passo que é sublime de razão, porque diz tudo o que pensa. Vê-se agitarem-se n'aquelle cerebro em ebulição todos os processos intellectuaes. Na Religiosa, Diderot evoca as dores cruciantes e desconhecidas, soffridas nas trevas por um coração ingenuo, que é o ludibrio do interesse egoista, do fanatismo estupido, e da superioridade brutal. Este conto por si é uma revolução latente. A analyse delicadissima dos pequenos sentimentos que formam a grande lucta na alma da Religiosa não é inferior ao quadro do quietismo de Michelet no processo da Cadière, e excede por muitas vezes a profundidade com que Manzoni no Promessi Sposi retrata as agonias da desgraçada Genoveva no convento de Monza.

Uma vez descobertos estes segredos do sentimento, o conto deixou de ser individual; o romance é o desenvolvimento de uma these da vida na sociedade. Richardson é a admiração de Diderot; Goëthe descobre Diderot á Allemanha, traduzindo a sua obra prima; elle mesmo isola os sentimentos do amor e o dever no Werther e chega pela arte á conclusão logica do suicidio.

Hoffmann, o caricaturista das paixões, de uma individualidade extravagante, nas creações abstractas d'aquella imaginação de hypocondriaco deixa-lhes o incompleto do maravilhoso; mais tarde os editores dão aos seus contos o nome de phantasticos. Nos Contos de Hoffmann ha uma série de observações psychologicas, de impressões instinctivas que supprem a falta de imaginação; os seus contos são o diagnostico de uma alma doente. É o lado que os torna apreciaveis, apesar do capricho e grotesco dos typos a que a mente hallucinada dá fórma. Os Contos de Edgar Poë, a imaginação mais extraordinaria da America, têm o phantastico da insolubilidade dos problemas philosophicos que constituem a acção; tocam ás vezes a alta metaphysica. Tendo de transigir com as materialidades da vida, na esterilidade da indigencia pede a inspiração ao alcool; elle sente a excitação lucida que lhe dá a força espantosa da invenção, mas conhece já em si a tremulencia, que é a decomposição inevitavel, e exclama no meio da fadiga —Não ha peior inimigo do que o alcool! Edgar Poë é a força da imaginação e do ideal supplantada pelo positivismo de uma sociedade manufactureira e orgulhosa do seu caracter industrial; nos seus Contos ha a allucinação prophetica da doudice.

A fórma do conto é estudada em todas as litteraturas da Europa; trazendo a lume este pequeno trabalho, só nos inspira a boa vontade de corresponder ao movimento que observamos lá fóra. Que mais teriamos a dizer de um livro simples que lhe não desnaturasse a intenção.

Coimbra, 8 de março de 1865.

THEOPHILO BRAGA.