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Kitabı oku: «Viriatho: Narrativa epo-historica», sayfa 14

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Foi á meza do banquete, que Viriatho se ergueu, junto de Lisia, e tirando do seu pescôço a Viria ou Collar de ouro do commando, que até áquelle dia trouxera, o collocou no pescoço da formosa esposa, abdicando alli deante de todos do poder militar que lhe tinha sido confiado, e confinando-se na vida pacifica do lar. D'alli em diante o symbolo da guerra ficava uma joia, adorno da graça feminina; e a arma tornar-se-ia utensilio de trabalho.

O banquete correu animado e sempre cordato, dentro das muralhas da Cava, que era n'aquelle momento um arraial pacifico, nunca visto. Á medida que os grupos se iam levantando da meza, na planura vasta da Cava desenvolviam-se os jogos guerreiros, a vapulação, os saltos, os sarilhos, as luctas athleticas, e ouviam-se brados acclamatorios:

– Viva a Callaecia!

– Viva a Vettonia!

– Vivam os Carpetanos!

– Vivam os Oretanos!

– Viva a Beturia!

– Viva a Cynesia!

N'aquelle momento Viriatho ergueu-se com uma taça de vinho rubro na mão, e unificando todos aquelles gritos, que representavam o espirito separatista das differentes terras, proferiu com a voz timbrada e sonora acostumada ao commando:

– Viva a Lusitania!

A vibração d'aquella voz e d'aquelle nome produziu um delirio indescriptivel; e d'entre aquelles gritos sinceros e fervorosos, provocados por um intimo sentimento de Patria, destacou-se uma outra, distincta e magestosa:

– Viva a Lusitania! e com ella Viriatho, symbolo da sua independencia.

As festas do casamento duraram outo dias, e n'esse decurso nunca deixaram de chegar novas mensagens, e carinhosos presentes que se foram accumulando na Cava. No meio d'aquella multidão alegre levantou-se um rumor enthusiastico, vendo apparecer um formoso touro ladeado por cinco campinos; seguia lento e magestoso, levando enfiadas nas pontas, brancas regueifas de trigo, e em volta do pescoço grinaldas das mais rescendentes flôres. Era o costume dos povos da Extremadura, nas suas festas da entrada da primavera, que votavam a Viriatho esta sua manifestação cultual. Por onde o touro passava, uns lançavam-lhe flôres, outros batiam-lhe no lombo lustroso palmadas de affecto, e a multidão seguia atraz para presenciar a entrega d'aquella expressiva offerta a Viriatho. Os chefes das Contrebias, que assistiam á apparatosa cerimonia, approximaram-se de Idevor, insistindo com empenho:

– Explicae-nos o sentido religioso da Festa do Touro. Porque é que encontramos por todo o territorio hispanico Touros de pedra, como esses de Guisande? Que sentido historico terá a lenda do combate de Mithra com o Touro atravessado pela sua espada, como se vê insculpido em tantas rochas e monumentos?

Idevor accedeu promptamente ao empenho:

– «Um povo, que habita na latitude em que o maior dia do anno é o dobro do menor dia do inverno, desenvolveu-se e enriqueceu na paz dos trabalhos da Agricultura. Para elle o Sol representava-se-lhe á mente como o Touro celeste: e no começo do Anno solar, na efflorescencia estival, symbolisou essa Constellação pelo signo do Touro, a força geradora, a potencia fecundante. Esse symbolo zodiacal do Touro, conservou este nome entre todos os povos civilisados, como expressão de um conhecimento astronomico; e foi tambem objecto de adoração. O nome de Thor, o deus dos povos da Germania e da Scandinavia, designa o Touro, tornado a propria imagem do deus. Os Cimbros e Teutonios, que invadiram a Italia, juravam sobre o boi sagrado, que traziam comsigo. Thor, o chefe de todos os deuses scandinavos, é representado com um sceptro com cabeça de boi. Muitos nomes de povos e de logares foram tomados d'este symbolo do Touro, como o monte Tauros, o Darana, ou Atlas, os Tourisci e Taurini, e a região da Taurida. A Civilisação d'este povo occidental foi propagada ao Oriente, e chamaram-lhe Turan, pela representação do Touro, occupando o primeiro logar entre os quatro Signos do Zodiaco, na casa em que marcam no Céo as Estações solsticiaes e equinociaes.

«Contra esta civilisação do Occidente, que divinisára o Fogo material do Sol, no Touro, combateu o Iran, symbolisando no joven Cavalleiro cercado de raios luminosos, Mithra, o Fogo vivente e espiritual. A lucta do Iran e de Turan foi representada em um combate de Mithra atravessando com a sua espada o Touro; era o antagonismo e o triumpho da civilisação militar sobre a civilisação agricola, sacrificada diante das invasões da força armada, da rapina organisada. A vinda dos Persas à Hespanha foi uma consequencia d'essa lucta; Mithra tambem aqui venceu o Touro, que representava as forças impetuosas da Natureza.

«Mas, apesar d'esse triumpho, podemos exaltar o Touro na sua morte, como no velho hymno:==Do seu corpo nascem as plantas salutares que cobrem a terra de verdura; do seu sangue vem o vinho, que produz a bebida sagrada dos Mysterios, e dos seus tutanos o trigo que dá o alvo pão; do seu espermen derramado provieram todos os animaes uteis.==O Touro será vencido pela Espada, mas esse triumpho só ficará effectivo quando os vencedores por seu turno cultivarem a terra, levantarem cidades, abrirem estradas e coadjuvarem pelo commercio a confraternidade dos Povos. Então a Espada desapparecerá, para que a Cornucopia, esse emblema da Força do Touro, seja o symbolo da Abundancia e da riqueza inesgotavel, restabelecendo no mundo a supremacia do Occidente.»

Mal acabára Idevor de esboçar o poema que se recíta em Hierna, do Touro ou Tarvos, defendido pelas arvores cortadas para não ser agarrado, quando se ouviram estrondosas gargalhadas a pouca distancia. Era um desafio de bebedores:

«Ganhava a palma o que bebesse de um só folego um grande cangirão de vinho.»

Só um vencera, sendo por isso acclamado com a gargalhada estrondosa. Viriatho olhou, e reconheceu Bovecio.

– Bovecio! que eu vi hydropico, e que está agora são como um pêro, e faz d'estas valentias!

Acenando-lhe com amisade, Bovecio veiu respeitoso, e murmurou submisso:

– Bebi na fonte de Ouguella. A vós, senhor, devo eu a saude e a vida. Por vós a sacrificarei com orgulho.

XLVII

Estavam as festas do casamento no auge do fervor, quando se aproximou de Viriatho Tantalo, que chegára repentinamente, e lhe communicava:

– Emquanto Quinto Pompeu Rufo está dirigindo o ataque contra os Numantinos, Quinto Servilio Cepio destacou-se do exercito romano, e descendo com algumas Legiões para a região Occidental da Hespanha, rompendo hostilidades, quebranta assim o Tratado de Paz ratificado pelo Senado! Acompanha-o Decio Junio Bruto, o que quer dizer, que é uma campanha em fórma.

Viriatho encarou Tantalo com assombro, por vêr que a infamia de Cepio era tão clamorosa como a carnificina feita por Galba, e apenas proferiu a phrase:

– Ainda tenho a minha espada!

E aproximando-se de Lisia, tomou-lhe as mãos com anciedade:

– Vou partir. Sou informado n'este momento que o Consul Quinto Servilio Cepio opéra com um exercito entre a Oretania e a Carpetania! Tenho de ir sustar de prompto a este perigo, e impedir a deslealdade do Consul.

E aproveitando aquellas ultimas horas da festa do seu noivado, chamou os Mil Soldurios que o acompanharam sempre durante os dez annos de campanha contra os romanos, para que passassem palavra a todos os que alli estavam, representantes da Vettonia, da Carpetania, da Oretania, da Callaecia, da Beturia, da Cynesia, para que partissem para as suas terras, que referissem a infamissima deslealdade de Cepio, e que tivessem promptos para a primeira chamada os Terços e Companhias com que faria frente ao Consul indigno que assim rasgava um Tratado solemne.

E depois de ter beijado a face de Lisia, n'uma despedida muda mas melancholicamente expressiva, seguiu em marcha com os Mil Soldurios, avançando em direcção aos Vettões para formar o seu primeiro nucleo de resistencia.

Corriam a trote largo, quando ao passarem por um rio, em que os cavallos foram dessedentar-se, uma pobre lavadeira que estava ahi á beira d'agua, fitou Viriatho com um olhar compassivo:

– Como uma festa tão alegre do feliz casamento se interrompeu, sem ninguem tal cuidar!

Os Soldurios não fizeram reparo do que dizia a pobre mulher, que lavava á beira do rio; continuou murmurando:

– Elle não morrerá em batalha, isso é bem certo! Lisia ficará sempre noiva.

Em breve os cavalleiros se afastaram da margem e precipitaram a carreira, seguindo Viriatho na frente, com a impaciencia de ir defrontar-se com o perigo. E a obscura mulher, continuando a lavar á beira do rio, fallando comsigo, sem ser ouvida por ninguem, dizia na sua credulidade:

– Na minha choupanasinha eu tinha dependurada a Boliana, para me revelar a sorte de Viriatho. Emquanto Viriatho andou dez annos a fio nas guerras contra os Romanos, a Boliana estava sempre verde. Só de hontem para hoje é que reparei que a Boliana emmurchecia. Estou a vêr o seu destino; mas a Espada de Viriatho é invencivel! e Viriatho não morrerá em batalha! São a favor d'elle os agouros… só a Boliana é que está emmurchecendo.

Ia a perder de vista a cavalgada, e lançando-lhe um olhar demorado, murmurou a pobre mulher antes de continuar no seu trabalho:

– Estão-me a lembrar agora aquellas palavras da Canção do noivado! Fallavam de morte, no meio de tanta alegria; não fui eu só que o notei, quando cantaram:

 
Laço que a união celebra,
Nem mesmo a morte o quebra.
 

O povo tem a intuição das cousas; na sua inconsciencia apparece por vezes como vidente.

XLVIII

Cepio, por cumulo de sua perfidia, sabendo que o exercito de Viriatho fôra licenceado e que os Terços e Companhias tinham regressado ás suas terras e provincias, levou o descaro affrontoso a talar o solo da Lusitania para se encontrar com Viriatho desarmado.

No seu caminho, Viriatho topou com multidões de gente foragida das cidades invadidas, saqueadas e incendiadas por Quinto Servilio Cepio. Vendo-o passar, em grandes alaridos pediam soccorro, que acudisse a tamanha calamidade; por que o Consul Cepio já estava alli perto, e forçára, com medonhos suplicios, alguns aldeões a declararem o caminho que Viriatho seguira, contando agarrar o general lusitano.

Viriatho, encobrindo a surpreza da noticia, e diante do perigo, resolveu o plano a oppôr-lhe: retirar-se para o paiz dos Vettões, aonde tinha gente firme e da maxima confiança. Era-lhe facil ahi um levantamento em massa. E para não perder tempo, mandou emissarios aos Gallaicos, para acudirem ao attentado inqualificavel com a maior presteza, porque desde o crime de Servio Sulpicio Galba, não se vira perfidia mais clamorosa como esta agora de Quinto Servilio Cepio.

No emtanto, o Consul procurava com o seu exercito Viriatho, e sabendo que elle está próximo da Carpetania, com homens recrutados pelo caminho, mal armados, com foices roçadoiras, machados, chuços e mangoaes, entende que é essa a melhor occasião de atacar o caudilho lusitano e libertar o dominio de Roma na Hespanha d'esse libertador patriota. Diante de um exercito assim consideravel como o de Cepio, Viriatho, com um tino pratico imcomparavel, reconheceu que seria rematada loucura acceitar batalha em condições de tamanha desegualdade. E tirando da propria difficuldade do momento os recursos para uma inesperada defeza, descobriu no terreno aonde todo o exercito se perderia um ponto de que soube aproveitar-se para a salvação. Recuando para um valle profundo, para o qual dava entrada uma garganta estreita, por alli fez passar a pouca tropa de que dispunha, embaraçando com os seus Mil Soldurios, que o exercito romano se aproximasse e o envolvesse. Durante esta passagem para o valle amplo, os Cavalleiros simulavam movimentos como quem se preparava para uma batalha campal; e os Romanos suspeitando que Viriatho os attrahira para alli, porque teria no valle um consideravel exercito sobre que se apoiava, fizeram alta, temerosos da cilada, porque viam através da estreita garganta estendidos ao longo do valle negrejarem os vultos dos Terços lusitanos.

Viriatho prolongou esta situação espectante, para dar tempo a pôr fóra de perigo as pequenas forças do seu commando. Conseguido isso com a maior felicidade, Viriatho, a um signal dado, dispersou-se com os seus Soldurios com uma rapidez inacreditavel, desapparecendo por entre os anfractuosidades do terreno com surpreza dos romanos, que debalde tentaram irem no encalço d'elles em perseguição. Cepio, desesperado por aquelle acto heroico de Viriatho, que assim lhe patenteava a sua superioridade militar, avançou pelo territorio dos Vettões, queimando-lhes as ceáras, derrubando os casaes isolados e pondo a saque as povoações, passando á espada todos os que encontrava armados, dando caça ás guerrilhas que procuravam juntar-se a Viriatho.

XLIX

A malvadez com que o Consul Cepio procedia contra as povoações inermes, chegando a mandar expôr nas praças pregados em cruzes os lusitanos que lembravam o Tratado da Paz violada, fez reflectir Viriatho, forçando-o a um acto de coragem e dignidade. Participou aos seus companheiros:

– Aos estragos que Cepio está praticando, não sendo possivel oppôr-lhe já uma força armada, que ainda leva seu tempo a reunir, cumpre oppôr-se-lhe n'este momento a força moral.

– A força moral? Objectou Minouro. – Em que consiste n'este transe a força moral?

– Quero lembrar a Quinto Servilio Cepio, que temos um Tratado de Paz assignado por seu irmão Serviliano, e ratificado pelo Senado e pelo Povo. Que pela nossa parte ainda o não infringimos, e que acreditamos na fidelidade de Roma no cumprimento das leis que ella a si se decreta. Que tres dos meus mais leaes Companheiros vão d'aqui ao acampamento de Cepio mostrar-lhe o Tratado de Paz, e declarar-lhe que á magestade d'elle entregamos a nossa defeza.

E voltando-se para Ditálcon, Andaca e Minouro, que o contemplavam silenciosos, disse-lhes com voz firme:

– A vós, como os meus maiores e mais leaes amigos, encarrego de irem ao arraial de Quinto Servilio Cepio appresentar-lhe a respeitosa homenagem dos Lusitanos; e em seguida ás declarações de confiança no Tratado de Paz ratificado pelo Senado, mostrae-lhe esse diploma authentico, trocado entre Roma e a Lusitania.

E entregou as laminas de cobre em que estava gravado o Tratado a Ditálcon, o mais velho dos tres Companheiros, que partiram rapidos para o acampamento romano, levando ramos de oliveira apanhados pelo caminho, por servirem de parlamentarios que pediam paz, ou que iam com intenções pacificas. Os tres companheiros iam conversando:

– Viriatho, com certeza, não sabe quem é Cepio, um dos maiores devassos de Roma? E é com um sujeito d'estes que Viriatho se fia em força moral!

– O Consul não perde esta occasião; e bem tolo será se a não aproveitar para vingar seu irmão Serviliano, forçado por Viriatho a assignar esta Paz.

– São passadas perdidas, estas; por que Cepio sabe que não temos gente, e carrega sobre nós a valer. Oh, se carrega! Nem fôra elle tão estupido como general para cobrir a sua inepcia com este lance.

– Póde ser que as passadas não sejam perdidas! Porque Cepio é homem para entrar em negocio…

– Em negocio?

– Ha ás vezes combinações imprevistas, que dão novo rumo aos acontecimentos.

– E esta occasião é asada para isso.

– O ponto está em sabel-a approveitar habilmente.

O dialogo entrecruzava-se, quando Ditálcon, Andaca e Minouro chegaram ao acampamento romano. As vedetas e guardas avançadas avisaram de prompto; Cepio mandou alguns Cavalleiros para acompanharem até á sua barraca os parlamentarios enviados por Viriatho, imaginando que vinham annunciar-lhe a rendição do Caudilho lusitano, ou em peior hypothese, que Viriatho achando esta hostilidade incompativel com a dignidade militar, lhe mandava o desafio provocando-o para um combate singular, em campo aberto. Porém Cepio afastando da mente esta conjectura que não lisongeava a sua covardia, reflectiu tacitamente:

– Se me apresentarem um tal doésto, recusarei dizendo: Que deixo esses combates singulares aos gladiadores da arena, pagos para espectaculo do povo, sempre ávido de divertimentos.

E mandando entrar á sua presença os tres parlamentarios, divisou-lhes uma expressão de quem antes de fallar já se entendia.

L

Na ideia em que Cepio os achava, mostrou aos tres parlamentarios um sorriso de affabilidade, e um trato verdadeiramente urbano:

– Direis a que vindes.

– Envia-nos Viriatho. – Assim começou Ditálcon, o mais velho e auctorisado dos companheiros.

– Ouvirei attentamente.

– Envia-nos Viriatho a dizer-vos, que tendo recebido da grande e generosa Roma o titulo extremamente honorifico de Amigo, é-lhe moralmente impossivel, sem pécha de traição, o pegar em armas contra a poderosa Republica. Isto pelo seu lado, dando como prova os factos de estar dissolvido o Exercito lusitano, e ter deposto as armas confinando-se na vida civil pelo seu recente casamento. Quanto a vós, vendo como viestes talando a Lusitania, queimando cidades pacificas, e ainda agora atacaes violentamente os Vettões e Gallaicos, lembra que existe o Tratado assignado por vosso irmão e ratificado pelo Senado e pelo Povo romano, no qual está garantida a paz e tranquillidade da Lusitania. Pedia pois…

Cepio, mal podendo encobrir a colera:

– Não posso ouvir fallar n'esse Tratado assignado por meu irmão, sem que o sangue se me revolva. Perco a cabeça. Ha certas occasiões em que a honra nos prejudica para uma completa e perfeita vingança. Esta é uma das taes.

– Mas, senhor, aqui trazemos o proprio Tratado authentico, para vêres…

Cepio tomou nas mãos o Tratado, olhando-o com desdem, e disse para os tres com um sorriso acanalhado:

– Quando eu acompanhei á Hespanha o Consul Quinto Pompeu Rufo, que está combatendo diante de Numancia, não foi para vir tomar os bellos áres da Lusitania! Esse Tratado nada vale para mim.

– Violaes então a auctoridade da grande e generosa Roma!?

– Quem vos auctorisa a tão monstruosa suspeita? – redarguiu Cepio.

– A letra…

– Qual letra, ou qual careta! volveu Cepio com o seu ár pulha, que combinava de vez em quando com a philaucia de Consul romano. E com ár insolente e confiado continuou, affectando segredo de importancia:

– Os Tratados só têm a força que lhes dão as Espadas. Bem vejo que Viriatho não está bem munido n'este momento, porque me manda lembrar o Tratado. Mas o Tratado… o Tratado já não existe. Quereis saber? Aqui á puridade, e só para nós…

Os tres parlamentarios aproximaram-se de Cepio, sentindo-se lisonjeados pela confidencia que iria fazer-lhes:

– O Senado convenceu-se da indignidade de meu irmão, assignando esse Tratado. Consegui eu mesmo isso; e o Senado concedeu-me secretamente a faculdade de hostilisar Viriatho, mas sómente hostilisal-o…

Minouro fitava o Consul com o maximo interesse; Ditálcon parecia abatido, e Andaca meditava. O Consul, olhando para elles, e pondo-lhes as mãos pelos hombros, continuava:

– Meus amigos! Tenho aqui cartas de Roma dizendo-me, que vem pelo caminho o decreto do Senado mandando continuar a guerra da Lusitania. Quereis vêl-as?

– Basta-nos a vossa palavra! disseram os tres.

– Nem podia deixar de ser assim, – proseguiu Cepio com enfatuado desdem. – Accusarão os vindouros Roma de desleal nos seus Tratados, mas nunca de um governo estupido! Pois era lá possivel que sustentassemos uma guerra desesperada em Numancia, que pertence á primitiva unidade lusitana, e que estivessemos de mãos atadas na parte occidental da Hespanha pelo pacto imposto por um cabecilha, que para nós os romanos nunca deixou de ser o Dux latronum!

– Com que, Roma decreta que se continue a Guerra da Lusitania? inquiriu com assombro Ditálcon.

– Como acabaes de o ouvir.

– A nossa missão parece terminada, – disse Ditálcon, quebrantado o animo.

– Não a considereis terminada, – interrompeu Cepio, tornando a approximar de si os tres emissarios. – Alguma cousa bem combinada se poderá fazer ainda, e depende da vossa intelligencia. Quereis a paz da Lusitania?

– Queremos! accudiram os tres.

– A Paz da Lusitania, mas não a Paz de Viriatho! disse o Consul com orgulho. D'essa tratemos aqui, partindo do ponto que Viriatho é o unico embaraço d'ella, e que emquanto elle viver nunca Roma considerará a Paz da Lusitania senão como uma affrontosa derrota.

– Mas Viriatho é querido do Povo, que o acompanha cegamente.

– É por isso que Viriatho é um perturbador. A sua obra é uma loucura! Quer fazer uma Lusitania restaurada pela unificação de elementos de raças ha tantos seculos extinctas, imaginando Lusonios, com quem nada têm as gerações actuaes.

Ditálcon acenou com a cabeça, em signal de adhesão áquella ideia. E o Consul, vendo que estava sendo comprehendido, voltou-se para Minouro:

– Nós não podemos andar aqui em balanços ao grado dos sonhos de Viriatho; quer fazer uma Patria Lusitana, com um individualismo e autonomia propria, quando entre Lusitanos e Iberos não existem fronteiras separativas, nem de montanhas, nem de rios. É tempo de acabar com estas utopias, tornando a Hespanha uma Iberia unida para acceitar a civilisação de Roma e continuar no occidente a sua obra dominadora.

Minouro regosijava-se com aquellas vistas do Consul, que eram tambem as suas. E Cepio, voltando-se para Andaca, e já com ár determinado a quasi imperativo:

– Para attingir este grande ideal da civilisação romana, do direito, da administração, da ordem publica, é de força que renegueis a Patria lusitana.

E como Cepio notava que os tres estavam entre si de accordo, disse para elles:

– Roma carece das capacidades e energias dos homens de Hespanha. Eu vol-o garanto, Roma encarregou-me de vos conferir o titulo de Cidadãos romanos, e as honras do Patriciado, com accesso aos altos cargos da Republica, e uma somma correspondente de sestercios, se…

Os tres entreolharam-se, e querendo penetrar nas intenções de Cepio, comprehenderam-se todos. Minouro interrompeu a suspensão silenciosa do Consul:

– Effectivamente, Viriatho está-se tornando um embaraço.

– Quando se chega a certo gráo de popularidade, em dados homens torna-se isso um perigo.

– Um acto decisivo vale por annos de lucta.

O Consul volveu então com frieza:

– Mantenho as propostas em nome da Republica romana: Impõe-se n'este momento a necessidade da morte de Viriatho. Roma dá-vos o titulo de Cidadãos romanos…

– Qual de nós ha-de…

– Dá-vos as honras do Patriciado.

– A morte de Viriatho impõe-se…

– Dá-vos o accesso aos altos cargos da Republica, e uma somma de sestercios.

– Tiremos á sorte quem hade matar Viriatho.

O Consul estendeu o seu capacete, lançando dentro d'elle tres pequenos seixos, sobre um dos quaes escrevera==Morte==. Cada um dos tres tirou a sua pedra. A Minouro caiu aquella em que estava inscripto: ==Morte.==