Kitabı oku: «Pintar Com O Dragão», sayfa 3
Capítulo 3 . Satsuki
Sendo que Yoshiwara era o próprio distrito da luz-vermelha ele estava sempre cheio de vida, fosse de dia ou de noite.
Yoshiwara pertencia primeiramente à cidade de Edo. Contudo, por conta da expansão da cidade de Edo, Yoshiwara foi relocalizada. Há algum tempo, a antiga Yoshiwara ardeu num incêndio (em 1657).
Como consequência deste infortúnio surgiu o novo distrito de Yoshiwara. Durante algum tempo foi chamada de "Shinyoshiwara" que significava "nova Yoshiwara". Mas com o passar do tempo a palavra "shin" caiu em desuso e voltou a ser simplesmente chamada por Yoshiwara.
Atualmente, Yoshiwara, era o maior distrito da luz-vermelha no Japão. Foi aqui que a Satsuki veio parar há três anos atrás.
Quando aqui chegou a Yoshiwara estava cheia de medo de ser vendida a uma casa yūjo de classe baixa. Mas os seus medos não se chegaram a realizar, pois ela acabou por ser comprada por uma casa de renome em Yoshiwara, chamada de "Peónia", tornou-se então uma aprendiza de oiran.
A mentora da Satsuki era uma jovem e atraente rapariga chamada Karen, ela era bastante gentil para a menina. Pois ela lembrava-se o quão difícil foi quando ela foi vendida em criança que estava em dívida, e como a sua mentora a tinha tratado mal. Por esse motivo, Karen não castigava a sua aprendiza. No entanto, ela era exigente.
Quanto à Satsuki ela percebeu que a sua vida enquanto aprendiza de uma boa mentora não era má de todo. O que mais assustava a menina era o futuro. Nomeadamente: a mizuage e a sua estreia como oiran.
A mizuage era o nome dado ao ritual de passagem para a maioridade tanto das geishas como das yūjo. Era acompanhado pela venda da virgindade da futura yūjo. Por vezes, as aprendizas de geishas, as maiko, perdiam a virgindade da mesma maneira.
A palavra mizuage tinha vários significados. Era formada pelas palavras "mizu" - água, "idade" - "crescimento" ou "sítio". Ou ainda como muitos pensavam podia ser "a primeira pescaria do pescador" na gíria dos pescadores, ou uma metáfora poética na qual diziam que as virgens eram "um barco que nunca navegou nas águas."
O objetivo da mizuage era dar a conhecer a aprendiza, maiko ou kamuro aos clientes. Por outro lado, a geisha tentava receber algum dinheiro por parte do seu mecenas, danna. Este dinheiro servia para iniciar a geisha e era colocado de parte para uma cerimónia especial ericae, que simbolizava a passagem da maiko a geisha. Ao mesmo tempo a geisha, era quase como uma atriz, podia não ter qualquer tipo de relação íntima com o seu danna.
Para a mizuage, eles normalmente escolhiam um cliente mais velho e capaz de levar a rapariga "a outras alturas". Depois da mizuage ele não tinha qualquer relação com ela.
Após a mizuage a geisha ou yūjo fazia um penteado diferente que simbolizava o seu novo status.
Era este o ritual que mais assustava a Satsuki. Uma coisa é ser kamuro: ajudar a servir os clientes, servir-lhe bebidas e tocar instrumentos musicais. Ajudar a sua mentora a pentear o cabelo, vestir-se e ouvir as suas lições. Mas outra coisa completamente diferente era ser oiran e servir os clientes pelo tipo de serviço que os atraiu até Yoshiwara.
A Satsuki tentava não pensar muito sobre isso. Para além disso ela ainda tinha muito tempo antes de atingir a mizuage: na "Peónia", as kamuro só se tornavam cortesãs de pleno direito a partir dos quinze ou dezasseis anos.
No entanto, estes cinco ou seis anos não passavam de um adiar do inevitável. Primeiro ela pensou que os seus pais ainda seriam capazes de recomeçar o negócio novamente e a viriam buscar. Mas depois de três anos em Yoshiwara ela percebeu que isso não ía acontecer. Muitas vezes a Satsuki pensava que se tinham esquecido dela. Claro que ela não sabia que o negócio do seu pai não podia ser salvo. Os seus irmãos estavam muito doentes, e a sua mãe estava destroçada. Ela acreditava que os céus a estavam a castigar por ter vendido a sua filha. E como ela estava arrependida de ter feito isto à sua menina, mas os seus arrependimentos não pagavam dividas e ela nunca a poderia salvar. Quanto ao pai da Satsuki, independentemente do quão cínico este era, ele sentiu alguns remorsos no início, mas acabou por se esquecer completamente dela. O que certamente não mostrava o seu bom carácter enquanto pessoa.
... a Satsuki estava deitada num futon dentro de num quarto que dividia com muitas kamuro, suspirava sempre que pensava no seu destino O quarto tinha um lindo padrão de flores pintado nas paredes, bem como, vários armários para que as aprendizas guardassem os seus pertences. Por último, havia dois painéis com o "emblema da casa"- com enormes peónias. No geral, o interior da "Peónia" era bastante luxuoso. Por outras palavras a "Peónia" era considerada decente, só as cortesãs da mais alta classe lá trabalhavam, e os clientes mais abastados não tinham qualquer problema em lá gastar o seu dinheiro.
"Eu tenho um pressentimento de que no futuro serei uma oiran, isto se eu não adoecer e morrer," pensava a Satsuki melancolicamente. "E vou continuar a ser até que algum cliente rico me compre, ou até que consiga pagar a minha divida e salvar-me a mim própria. Ou se não morrer de alguma doença, ou de um aborto mal sucedido..."
Por falar nisso, recentemente a mentora da menina percebeu que estava grávida, Karen era uma cortesã de elite na "Peónia". Claro que isto iria interferir com o seu trabalho. E embora a mulher quisesse deixar a "Peónia" e ter o bebé (era proibido, fugir de Yoshiwara dava direito a castigo duríssimo), ela bebeu um medicamento que provocava o aborto. Possivelmente enganou-se na dosagem, ou então foi uma reação do seu corpo, mas algo correu mal. A Karen começou a sangrar muito, e a dona do bordel, a Dama Kagero, tal como outras cortesãs acharam que ela não iria sobreviver. Mas felizmente, um dos seus clientes habituais era um médico muito experiente, e ajudou a mulher. Em breve ela estaria pronta para voltar ao trabalho.
Ao lembrar-se da sua mentora, a Satsuki ficou cheia de medo. Ela tinha medo tanto do aborto como do acto de ter um bebé. E o pior de tudo é que ela não podia deixar a "Peónia". Embora ela tivesse noção que dada a sua situação ela ainda teve alguma sorte. Pois se ela tivesse sido comprada por qualquer outro bordel ela já estaria a trabalhar desde os doze anos. E se ela adoecesse num desses sitios ninguém iria chamar um médico.
Satsuki encolheu-se cheia de medo. E embrulhou-se ainda com mais força no cobertor, e finalmente conseguiu adormecer.
Assim que a rapariga se deixou dormir, ela viu algo maravilhoso. Como se tivesse acordado, levantou-se do futon e.… viu-se a ela própria de lado.
Com esta visão a menina assustou-se e exclamou cheia de medo:
"Será que eu morri mesmo e a minha alma deixou o meu corpo?"
Subitamente, atrás do shogi que dava acesso à varanda (o quarto ficava no segundo andar), e soou uma voz de menino familiar.
"Não te preocupes Satsuki, estás viva! Só que agora estás no Mundo dos Sonhos!"
A menina estremeceu. "Algum dos rapazes trepou até à varanda? Mas eles não podem estar nos quartos das kamuro! Mas do que é que eu estou a falar? Se isto é um sonho, então nada disto é real", pensou ela.
Contudo, o medo provocado por estes pensamentos não diminuiu, antes pelo contrário ainda aumentou. Tudo parecia tão real à sua volta, como se estivesse mesmo a acontecer na vida real e não em sonhos. Com as pernas a tremer, ela foi até ao shogi e perguntou timidamente:
"Quem está aí?"
"Não tenhas medo Satsuki, sou eu o Shotaro," "A Ōi veio comigo."
"Shotaro e Ōi?" perguntou a kamuro.
Uma onda de felicidade tomou posse de si. Desde que o Shotaro morreu que ela nunca tinha sonhado com ele. Assim como, era raro ela sonhar com a Ōi. Sem conseguir esconder a vontade de ver os seus amigos de infância, a Satsuki abriu de imediato o shogi. Ficou petrificada tal não era o seu espanto, não conseguia dizer uma única palavra. À sua frente estava um dragão com escamas prateadas e olhos negros, no qual Ōi estava sentada vestindo um leve quimono de algodão.
"Ōi? És tu?" perguntou assustada a aprendiz de oiran, mal reconhecia a sua amiga depois de três anos separadas. "Onde está o Shotaro? E quem é este dragão?"
"Eu sou o Shotaro," respondeu-lhe a mítica criatura. "A única diferença é que renasci como um dragão."
"Há séculos que não te via Satsuki," dizia Ōi a sorrir. Habilmente saltou do dragão e abraçou a sua amiga. "Tu mudaste tanto em apenas três anos. Eu mal te reconheci... E para falar a verdade, quase não te encontrávamos. Mas ainda assim conseguimos!"
Em resposta a Satsuki também abraçou a Ōi. Ela estava tão feliz de ver os seus amigos, mesmo que fosse apenas em sonhos.
"Estou tão feliz de vos ver novamente," foi a única coisa que conseguiu dizer. Depois de uma breve pausa disse: "Mas como é que te tornaste um dragão Shotaro?"
Prontamente lhe contou a sua história e como renasceu sendo filho de Ryūjin. A menina ouviu tudo num espanto total. Como era possível o Shotaro que ela conhecia tinha se tornado filho da divindade dos mares! Quem iria dizer!
"Talvez assim seja, pois, as crianças menores de sete anos pertencem aos deuses?"pensou ela. "Sim é isso mesmo. E se a criança não sobreviver à mudança ela é devolvida aos deuses"
Entretanto o dragão fez um gesto convidativo com a sua pata e ao mesmo tempo apontou para as suas costas.
"Ōi, Satsuki, quando voei até casa dos meus pais da minha vida passada vi um sítio maravilhoso no Mundo dos Sonhos onde a lua se parece com uma divindade, lindo! Talvez devamos voar até lá?"
As meninas concordaram prontamente. A Satsuki estava especialmente feliz com esta oferta. Ela queria tanto sair de Yoshiwara nem que fosse apenas em sonhos.
"Embora tenha um pressentimento de que isto não é um sonho normal," pensou ela. "E o Mundo dos Sonhos é tão real quanto o nosso mundo. É apenas diferente."
Seguindo as passadas da sua amiga Satsuki, trepou para as costas do dragão. Ele disse:
"Segurem-se bem!" e saíu disparado.
Este era o segundo voo da Ōi então ela já estava mais calma. Já a Satsuki soltou um grito amedrontado e agarrou-se bem à sua amiga que estava sentada à sua frente.
"Não te preocupes, nós não vamos cair". O Shotaro voa com muito cuidado. Olha lá para baixo e vê como Edo é linda!"
A kamuro ainda tinha algumas incertezas. Ela tinha medo de alturas desde que era criança, assim sendo, ela evitava constantemente essas situações, tal como trepar às árvores. Ela estava um pouco hesitante, mas decidiu que voar nas costas de um dragão era algo que não acontecia todos os dias (mesmo em sonhos) e olhou para baixo cuidadosamente. E viu tudo aquilo que Ōi tinha visto anteriormente: a cidade, como se estivesse na palma da sua mão, preenchida por pequenos pontos de luz!
"É lindíssima..."
Ao ouvirem tais palavras os seus amigos concordaram com ela.
"Vamos chegar não tarda!" disse o Shotaro.
Após voar em círculos à volta da cidade de Edo, como se fosse um pássaro apressou-se a chegar à fronteira da cidade. Onde rapidamente aterrou num bosque de bambus.
A lua brilhava no céu noturno, que daquele sítio tinha uma vista incrivelmente bela. O bosque de bambu, em parte escondido pela escuridão da noite estava iluminado apenas pelo luar de tom prateado, era simplesmente encantador. Assemelhava-se a um bosque onde se desenrolam as histórias de seres sobrenaturais. O silencio reinava. Apenas era interrompido pelo zunir de alguns insetos na erva. Em comparação com a ruidosa Edo, que mesmo durante a noite estava cheia de luzes e vida, e era ainda pior em Yoshiwara, a qual florescia com a sua vida noturna. Este bosque de bambo parecia algo de outro mundo e muito distante da realidade. Era difícil de acreditar que a cidade estava relativamente perto deste lugar encantado e com esta atmosfera completamente distinta.
"Este lugar é maravilhoso! A lua é surpreendentemente linda!" exclamaram em uníssono Satsuki e Ōi, ao saltarem do dragão.
Elas nem se preocuparam com o facto de estarem descalças, e pisaram a relva molhada do orvalho da noite. Contráriamente ao que se podia pensar, as meninas não gelaram e o frio até lhes fazia algumas cócegas nos pés. Aparentemente as regras do Mundo dos Sonhos eram diferentes, mesmo em coisas triviais, tal como, o orvalho.
O Shotaro sorriu satisfeito e disse:
"Eu pecebi ao observar a lua que este seria o sítio perfeito. Mas acontece que na realidade acabou por ser ainda melhor do que tinha pensado."
Foi aí que se lembrou de fazer uma pergunta perfeitamente lógica:
"Vocês têm frio? Eu não me lembrei que vocês estavam descalças. Devia ter pensado nisso antes."
Mas as meninas abanaram as suas cabeças a dizer que não, aliás o orvalho da noite não lhes causava qualquer transtorno. Foi então que o Shotaro suspirou de alívio. E lembrou-se de algo importante, cuidadosamente tirou uma das suas escamas e entregou-a a Satsuki.
"Fica com ela," disse ele. "Desde que tenhas a minha escama contigo, eu vou sempre conseguir encontrar-te, onde quer que estejas."
Cheia de gratidão a Satsuki aceitou a escama transparente e prateada. O silêncio reinou durante alguns minutos, quando ela se apercebeu de algo.
"Shotaro, há três anos que não vejo os meus pais e irmãos. Claro que durante muito tempo estive zangada com eles porque me venderam. Mas ainda assim, será que os posso ver? Gostava de ver como é que eles estão."
Ao ouvir estas palavras Ōi arrepiou-se. Ela sabia muito bem que os irmãos da sua amiga estavam doentes, qual era a situação financeira da família, ou seja, deixava muito a desejar.
Mas o dragão não sabia de nada disso. Ele apenas perguntou à Ōi:
"Os pais da Satsuki ainda vivem no mesmo sítio? Se assim fosse ele podia encontrá-los facilmente. Mas se eles se mudaram, seria difícil encontrá-los numa cidade tão populosa como Edo."
"Eles não se mudaram," disse Ōi tentando esconder a sua preocupação.
Depois de analisar a situação ela achou que era melhor a Satsuki ver tudo com os seus próprios olhos. "Apesar de tudo, ainda há alguma esperança, eu ouvi a mãe dela a falar com o médico na rua e os seus irmãos podem vir a melhorar," pensou ela na sua cabeça.
Entretanto a kamuro subiu para as costas do dragão e chamou a sua amiga. Depois de hesitar um pouco, a Ōi também se sentou nas costas da mítica criatura e agarrou-se à menina que estava sentada à sua frente. Alguns momentos mais tarde, o dragão branco-prateado levantou voo.
***
Voava determinado, a rasgar os céus de Edo. Havia algumas pessoas a passear durante a noite (e era o início da hora do Boi), mas não podiam vê-lo, porque ele estava no Mundo dos Sonhos. Mas ainda assim sentiram uma ventania vinda do nada.
"E não é que estes espíritos são matreiros," disse decididamente um dos bêbados de forma quase filosófica ao observar o céu noturno. E desatou a correr para casa.
Enquanto o dragão continuava o seu voo determinadamente. Nas suas costas estavam duas meninas vestidas apenas com quimonos de algodão. Entusiasticamente observavam toda a paisagem envolvente da cidade durante a noite que ao mesmo tempo estava preenchida com luzes a brilharem das janelas e das lanternas nas estradas.
Foi então que viram uma mulher com um cabelo incrivelmente longo. Ela pertencia ao mundo das criaturas sobrenaturais e ficou famosa não só pelo seu longo pescoço, mas também pelo facto dela e das outras rokurokubi amarem beber o óleo das lanternas de papel. Que era o que ela estava a estava a fazer no exato momento em que viu o dragão sobrevoar a zona. A Rokurokubi acenou pacificamente e as meninas fizeram o mesmo, até o Shotaro lhe acenou com a sua pata.
"Normalmente há muitas como ela nas cidades maiores" comentou Shotaro.
"As pessoas não a conseguem ver?" indagou a Ōi.
"Não, neste momento a Rokurokubi também está no Mundo dos Sonhos," respondeu o dragão. "O Mundo dos Sonhos encontra-se entre o Mundo das Pessoas e o Mundo dos Espíritos Este é o sítio onde as pessoas se cruzam com criaturas sobrenaturais sem quaisquer consequências para qualquer um deles."
"Então os espíritos também podem vir para o Mundo das Pessoas é isso?" perguntou a Satsuki. "E o que dizer daquelas histórias de pessoas que supostamente visitaram o Mundo dos Espíritos?"
"Pode acontecer," "Embora o Mundo dos Sonhos seja entre estes dois mundos, não significa que que seja impossível entrar no Mundo dos Espíritos. Existem passagens diretas deste mundo para o Mundo das Pessoas.
Veio à memória de Ōi a altura em que ela assistiu ao casamento dos ratos há três anos. Foi então que ela percebeu que já tinha visitado o Mundo dos Espíritos, e ainda que nem tudo é o que parece.
Enquanto isso Shotaro, continuava a voar com as suas companheiras às costas até à casa da Satsuki que lhe era dolorosamente familiar, e disse:
"Chegámos. Eu acho que é melhor veres a tua família, sozinha e fazeres o teu próprio julgamento. Não te preocupes podes entrar na casa à vontade, ninguém te vai ver ou ouvir. Eu e a Ōi vamos esperar por ti aqui fora."
Ōi anuiu. Ela sentia e compartilhava dos mesmos sentimentos de solidariedade do seu amigo, seria melhor que Ōi visse tudo pelos seus próprios olhos. Ela agradeceu aos seus amigos era lhe bastante difícil suprimir a excitação que sentia, ela entrou na casa com as pernas trémulas.
Primeiramente a menina reparou como o interior da casa estava delapidado. Claro que ela notou, ao aproximar-se da casa, que esta não estava no seu melhor. Mas parecia que no interior ainda estava mais degradada.
Um sentimento bastante deprimente instalou-se na Satsuki. Ela percebeu que a sua venda em nada tinha ajudado os seus pais a sair da miséria. A menina olhou pelo shogi de forma a vocalizar os seus pensamentos aos seus amigos.
A Ōi olhou para o chão e disse:
"Estás completamente certa. Os negócios do teu pai não tiveram quaisquer melhorias e os teus irmãos estão gravemente doentes. Às vezes, quando passo pela tua casa oiço uma tosse muito forte que só pode ser deles. Eu não sei se os médicos os podem ajudar ou não."
A Kamuro estava num conflito interno. Por um lado, a sua mente rejubilava:"Isto é castigo divino por me terem arruinado a minha vida! Eles venderam-me a Yoshiwara como se fosse gado!"a outra parte da sua mente, que ainda nutria alguma simpatia pela sua família:"Eles são a minha família. Não importa a forma como me trataram, eles merecem ser perdoados. Eu não acho que tenha sido fácil para eles tomarem uma decisão tão desesperada como a de me venderem. Porque é que este sacrifício em nada os ajudou?"
"É o carma," disse Shotaro subitamente como se lesse os pensamentos da menina.
"O quê?" perguntou a Satsuki.
"Os meus poderes mágicos permitem-me ler a história da tua família nas paredes da tua casa. O que está a acontecer à tua família é a paga," disse novamente o dragão. "Como tu deves saber não é possível construir felicidade assente na tristeza de outrem, no final vais ter de pagar pelas tuas ações: mais cedo ou mais tarde, nesta vida ou na próxima. Os teus pais venderam-te, a única filha deles. Claro que o que lhes aconteceu ajudou-os a redimirem-se um pouco, mas eles tinham outras formas de pagar as suas dividas. Tu não sabes, mas o teu pai tinha escondidos cem ryō que tinha poupado durante os anos mais abonados quando o negócio era próspero. Ele não os queria gastar, esperava expandir o seu negócio no futuro. Embora esse dinheiro fosse suficiente para pagar as suas dividas. Mas ele escolheu sacrificar-te. E por isso toda a família está a pagar pelo seu pecado."
"Ler a história da família nas paredes?" A Satsuki ergueu as suas sobrancelhas estava espantada.
O dragão afirmou-lhe.
"Sim, é verdade. Os sitios e objetos têm memórias próprias. E às vezes é possível ler essas memórias. Nem sempre, mas neste caso consegue-se. Numa palavra apenas, as poupanças do teu pai perderam-se. Ele não conseguiu restabelecer o negócio, tudo piorava diáriamente. Ele ficou outra vez na falência, gastou tudo, os teus irmãos ficaram doentes, e a tua mãe está quase louca com a tua perda. Ela descobriu as poupanças do marido tarde de mais, e culpa-se por não saber disso mais cedo, mas ela já não te consegue salvar."
O ressentimento consumia a Satsuki como se fosse um fogo. Sentia um forte nó na garganta, e os seus olhos encheram-se de lágrimas. Ela apressou-se a subir ao quarto dos seus pais, embora ela soubesse que no Mundo dos Sonhos as pessoas não a conseguiam ver. A Ōi e o Shotaro permaneceram imóveis. A face do dragão espelhava uma profunda tristeza, enquanto a menina era tomada por uns sentimentos conflituosos. Ela queria bater no pai da Satsuki. Mas é claro que uma menina de dez anos não tem qualquer hipótese contra um homem adulto. Já quanto à mãe e irmãos da Satsuki, com quem ela estava ressentida desde o início, sentia agora alguma pena. Afinal eles também foram vítimas da ganância do chefe de família.
O Shotaro perguntou "Não a vais seguir?" enquanto olhava para a direção da Satsuki que se tinha escondido dentro de casa.
Enquanto Ōi apenas pontapeava as pedras do passeio. E finalmente depois de uma breve pausa disse:
"Não, mais vale ela ver tudo. Só assim será capaz de perceber os seus sentimentos."
Foi nesse momento que Satsuki se apressou subir as escadas onde era o seu antigo quarto, o dos seus irmãos e dos seus pais (a loja caída em desgraça ficava no primeiro piso). Assim que chegou encostou-se à parede para tentar recuperar o folego, estava ofegante. De imediato ouviu as vozes que eram tão dolorosas quanto familiares. Pertenciam ao seu pai e à sua mãe.
Cuidadosamente a Satsuki aproximou-se da fusuma (uma porta interior deslizante) que dava entrada para o quarto deles. Assim que se pôs à escuta ouviu logo as palavras.
"O que está a acontecer à nossa família é tudo culpa tua!" chorava a mãe da Satsuki. "Se não fosse a tua ganância, terias dito logo que tinhas aquele dinheiro para não vendermos a Satsuki!"
"E o que é que tu sabes disso? Sua mulher estúpida?" respondeu o pai zangado. "Eu queria o melhor para a nossa família! Com aqueles ryō que poupei e o dinheiro da venda da Satsuki, o nosso negócio podia ser bem-sucedido!"
"Mas acabámos por ser apanhados e não recuperámos o negócio! E a nossa única filha está condenada a receber clientes no futuro! Quem sabe se ela não acaba num bordel rasco, onde vai morrer jovem e sozinha com alguma doença sexualmente transmissível!"
"Não podes voltar atrás!" disse o pai tomado pela raiva. "De qualquer forma a Satsuki ía sempre acabar em Yoshiwara! Com os negócios a falirem, nunca seríamos capazes de juntar dinheiro para o dote e para a conseguir casar!"
"Ela podia trabalhar como empregada quando crescesse! Qualquer coisa era melhor do que ser uma prostituta em Yoshiwara!"
O estrondo que parecia o de uma chávena a partir-se ecoava. A mãe gritava. Cuidadosamente a Satsuki desviou a fusuma e espreitou lá para dentro: o seu pai continuava a beber sake, mas desta vez por uma chávena pequena. Tinha atirado a outra contra uma mesa pequena. Tinha-se partido e havia estilhaços na mesa e no tatami que estava no chão.
Parece que esta barulheira não será a razão para os rapazes acordarem no quarto ao lado. Das duas uma, ou já se acostumaram à gritaria dos seus pais, ou estão tão doentes que não conseguem acordar.
"Eu penhorei a casa," disse o chefe de família. "Se eu não conseguir pagar as minhas dividas num mês, vamos ficar na rua."
"O meu pai só causa sofrimento!" pensou Satsuki, só de pensar nessas palavras ficava perturbada.
Mas a sua mãe, por muito estranho que parecesse reagiu calmamente.
"Vou deixar-te," disse ela numa voz baixinha. "Vou voltar para a minha família. Eu falei com os meus pais: eles estão de braços abertos para me receber a mim e aos meus filhos. Estou farta deste tipo de vida. Ultimamente, só sabes beber e bater-me a mim e aos teus filhos. Nós vamos deixar-te. Aliás eu já não vou ser mais tua esposa, trata tu das tuas dividas como quiseres."
O homem ficou sem saber o que dizer durante algum tempo. Depois ficou vermelho de raiva e começou a chorar:
"Tu não me podes deixar! Tu não vais sobreviver nem que seja um só dia sem mim!"
"Nós vamos sobreviver," respondeu a mulher calmamente,"Eu já arranjei um trabalho como empregada enquanto tu bebias sake. Vou começar a trabalhar depois de amanhã."
"Tu pertences-me!" o homem estava furioso e caminhava vagarosamente estava prestes a bater-lhe.
Por momentos, Satsuki ficou imóvel por conta do medo que sentia. Quando de repente pensou, mesmo que ninguém me consiga ver isso não significa que eu não possa mexer objetos. Finalmente a menina abriu a fusuma…
"O quê? Quem está aí?" O seu pai olhava atentamente e espantado, mas não conseguia ver ninguém.
A Satsuki não se atrapalhou agarrou a garrafa de sake e segurou-a parecia que estava a voar, isto iria colocar o seu pai no limite. E as suas previsões do que iria acontecer acabaram por estar corretas, o simples facto da garrafa de sake voar "sozinha" lançou o homem num ataque de pânico.
Começou a gritar que as forças do mal se tinham instaurado na casa. Entorpecida e surpreendida, a mãe só voltou a si mesma quando sentiu alguém agarrar o seu braço e guiá-la até ao quarto dos filhos.
"O que é que se passa?" ela estava desorientada, não sabia que tudo não passava de um esquema da Satsuki.
Quando a mulher chegou ao quarto e viu que os rapazes já estavam acordados, ela não pensou duas vezes. De imediato agarrou as crianças sonolentas e saíu de casa a correr.
"Mãe onde é que vamos tão tarde? E porque é que o pai está a gritar que existem espíritos malignos?" perguntou o filho mais velho.
"Depois conto-vos tudo, agora o mais importante é chegar a casa do teu avô."
Assim que mulher chegou à rua começou a correr para casa dos seus pais. Felizmente não era muito longe. Durante todo este tempo ela correu ao lado da mãe, era possível ouvir os seus passos. Mas ela não tinha medo, ela achou que estava a ser salva pelo espírito que era o guardião da casa, zashiki-varashi.
Ao chegar a são e salvo a casa dos seus pais disse baixinho:
"Obrigada, zashiki-varashi."
A Satsuki invisível sorriu e desviou-se. A tempo de a mãe começar a bater à porta da casa. Logo apareceram os seus pais à porta de casa.
"O que aconteceu para vires tão tarde? E onde está o teu marido?"
Ela contou a história rapidamente enquanto os seus pais olhavam parar ela, não perguntaram nada, apenas disseram em uníssono:
"Entra com os teus filhos, não vais voltar para casa do teu marido. Amanhã vamos lá ter, juntamente com algumas pessoas de confiança, vamos insistir para que ele te dê o divórcio."
E ajudaram a sua filha e os netos a entrarem em casa. A Satsuki que estava a observar toda esta situação suspirou de alívio e foi ter com os seus amigos, que estavam pacientemente à sua espera. Os seus sentimentos eram conflituosos. Por um lado, perdoou a mãe com quem ela estava zangada. Por outro, odiava ainda mais o pai. "Mas ele já teve o que merecia," disse a menina para si própria. "É pouco provável que ele consiga salvar a casa. E vai ficará a pagar dividas até morrer."
"Fizeste o que querias fazer?" perguntou o dragão.
"Sim," acenou a menina. "Eu pensei muito sobre isto e consigo perceber. Embora isto não altere em nada o facto de na vida real eu continuar presa a Yoshiwara. Não é possível alterar o passado."
Os seus amigos abanaram a cabeça a concordar. É a mais pura das verdades. A jovem kamuro só podia deixar o distrito da luz-vermelha, ou seja, Yoshiwara em sonhos.
Depois de uma curta pausa, Shotaro disse:
"Está a amanhecer. Eu tenho de levar as vossas almas para os vossos corpos, senão não vão conseguir acordar. Subam para as minhas costas. "Primeiro vou levar a Satsuki a casa e depois a Ōi."
As meninas concordaram e logo subiram para as costas do dragão. E em segundos a magnânime e graciosa criatura levantou voo.
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