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Kitabı oku: «Memorias de José Garibaldi, volume II», sayfa 8

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Vi então passar-se ahi uma scena incrivel: Marina, seguido dos seus lanceiros, compunha a frente da columna. O intrepido cavalleiro galgou o terraço e, chegado que foi á escada, cravou as esporas na barriga do cavallo, fez-lhe saltar os degraus a galope, tão bem que por um momento appareceu, no patamar que conduzia ao salão, similhante a uma estatua equestre.

Esta apotheose não durou mais que um minuto; uma descarga á queima roupa deitou por terra o cavalleiro; o cavallo cahio sobre elle ferido por nove ballas.

Manara vinha na rectaguarda, á frente d'uma carga de baioneta, a que nada resistio; um momento, foi nossa a Villa-Corsini.

O momento foi pequeno, mas sublime. Os francezes, reunindo todas as reservas, attacaram todos a um tempo; antes mesmo de eu poder reparar a desordem inseparavel da victoria, o combate começou então mais encarniçado, mais sanguinolento, mais mortal: vi tornar a passar junto de mim, impellido por esses dois irresistiveis poderes da guerra, o ferro e o fogo, os mesmos que tinha visto passar um momento antes. Levavam os feridos, entre elles o bravo capitão Rozat.

– Tenho a minha conta, me disse elle, quando passou por diante de mim.

Mostrou-me o peito ensanguentado.

Tenho visto bastantes combates terriveis, vi os do Rio Grande, da Boyada, do Salto Santo-Antonio, nada porém vi egual á matança da villa Corsini.

Fui o ultimo a sahir, com o ponche crivado de balas, mas sem uma unica ferida.

Dez minutos depois, entravamos no Vascello, na linha de casas que nos pertenciam, e o fogo recomeçava de todas as janellas sobre a villa Corsini.

Nada mais havia a fazer.

Comtudo, á noite, uns cem homens commandados por Emilio Dandolo, irmão do que tinha morrido, e por Goffredo Mameli, poeta genovez de grande esperança, vieram pedir-me para fazer um ultimo esforço.

– Tentae, lhes disse eu, pobres rapazes; é talvez Deus que vos inspira.

Partiram e voltaram, depois de terem perdido metade dos seus.

Emilio Dandolo tinha a coxa atravessada; Mameli estava ferido n'uma perna.

Tinhamos soffrido perdas consideraveis. A legião italiana, entre mortos e feridos, tinha quinhentos homens fóra de combate.

Os bersaglieri, que eram seiscentos tiveram cento e cincoenta mortos.

Todas as demais perdas foram na mesma proporção. Perdi mil homens, d'entre quatro mil que formavam a minha divisão, entre os quaes houveram cem officiaes mortos.

Á noite, Bertani, no seu relatorio, contou-me cento e oitenta officiaes feridos, tanto na Villa Corsini como na porta do Povo; só os bersaglieri tiveram dois officiaes mortos e onze feridos.

Os officiaes mortos foram: o coronel Daverio, o coronel Masina, o coronel Pollini, o major Ramorino, o ajudante Peralta, o tenente Bonnet, o tenente Cavalleri, Emmanuel, o alferes Grani, o capitão Searini, o capitão Davio, o alferes Sarete, e o tenente Cazzaniga.

Houveram, n'este dia, rasgos admiraveis de coragem e dedicação.

Na ultima carga, Ferrari e Mangiagalli, que não poderam entrar comnosco, lançaram-se seguidos de alguns homens sobre a villa Valentini.

Ahi, oppoz-se-lhes uma encarniçada resistencia; combateram de degrau em degrau, de quarto em quarto, não com as espingardas – tinham-se tornado inuteis, – mas com o sabre. O de Mangiagalli quebrou-se ao meio; mas continuava a brandir o pedaço que lhe restava com tanto encarniçamento, elle de um lado e Ferrari do outro, que se apoderaram da villa Valentini.

O furriel Monfrini, de dezoito annos de edade, tivera a mão furada por uma bayoneta; foi curar-se, e momentos depois, voltou a tomar o seu logar.

– Que vens tu aqui fazer? gritou-lhe Manara. Ferido d'essa maneira, não serves para nada.

– Perdão, meu coronel, respondeu Monfrini, faço numero.

Este bravo rapaz foi morto.

O tenente Bronzelli, sabendo que a sua ordenança, a quem era muito affeiçoado, tinha sido morta na villa Corsini, tomou quatro homens resolutos, entrou de noite na villa e trouxe o cadaver do seu amigo, que religiosamente enterrou.

Um soldado milanez, de Alla Songa, viu cahir o cabo Fiorani, mortalmente ferido; no momento em que eramos repellidos. Não queria deixar o seu corpo em poder dos francezes. No fim de vinte passos uma bala deu-lhe em cheio, e cahiu morto ao pé do moribundo.

O ferimento de Emilio Dandolo entristeceu todo o exercito. Disse que tinha vindo com Mameli pedir-me para dar uma ultima carga, e que eu lhes tinha concedido a licença.

Dandolo entrou na villa Corsini mas só tratou de seu irmão; julgava-o sómente ferido ou prisioneiro. No meio do fogo, gritou aos seus companheiros: «Veem meu irmão?» e, não se lembrando de si, aproximou-se dos feridos e mortos, interrogando uns, e examinando os outros.

A este tempo, recebeu uma bala na coxa e cahiu.

Os seus companheiros levaram-no. Conduzido á ambulancia, ahi foi curado; pediu immediatamente um pau para se suster e, coxeando, foi á procura do irmão. Entrou na casa onde estava Ferrari; ahi tambem estava o cadaver de Henrique Dandolo. Ferrari sentindo-se demasiadamente fraco para assistir ao espectaculo que se ia preparar, cobriu o morto com um panno.

Emilio entrou, interrogou, insistiu; todos responderam que Henrique Dandolo tinha sido ferido; que, provavelmente, estava prisioneiro; nenhum porém lhe quiz dizer que estava morto.

Finalmente, como era preciso que, cedo ou tarde, Emilio Dandolo soubesse a fatal nova, Manara, á força de pedidos, decidiu-se a dizer-lh'a. No momento em que o joven tenente passava por diante de uma das casinhas tomadas pelos francezes, Manara fez-lhe signal para entrar.

Todos que na camara estavam se retiraram.

– Não procures teu irmão por mais tempo, meu pobre amigo, lhe disse Manara tomando-lhe a mão; de hoje em diante serei eu teu irmão.

Emilio cahiu immediatamente no chão, fulminado mais ainda pela terrivel noticia que enfraquecido pela perda de sangue e pela dôr da ferida.

Duas jovens encontraram-se de repente com o pae, que conduziam morto; uma d'ellas cahiu desmaiada sobre o cadaver e levantou-se completamente doida.

Uma mãe, vendo morrer seu filho, não pôde derramar uma unica lagrima; sómente, tres dias depois, estava morta.

Pelo contrario, um pae cujo nome occultarei para o não denunciar á ira dos padres, tendo o filho mais velho a morrer, mandou-me o segundo, de edade de treze annos, dizendo:

– Ensinae-lhe a vingar seu irmão.

O velho Horacio, seu avô, não o teria feito melhor.

XVIII
O CERCO

Temendo no dia seguinte um assalto encarreguei Giacomo Medici da defensa de toda a nossa linha avançada, que se compunha do Vascello e de tres ou quatro barracas retomadas por nós aos francezes.

Depois passei a noite a organisar os nossos meios de defeza.

Não se tratava já de salvar Roma. Desde o ensejo em que um exercito de quarenta mil homens, fazendo rodar trinta e seis bocas de fogo de sitio, consegue fazer os seus preparativos de ataque, a tomada de uma cidade é mera questão de tempo.

N'um ou outro dia ella cahirá; a esperança unica que lhe resta é de cahir gloriosamente.

Estabeleci na mesma noite o meu quartel general no casino Savorelli, que elevando-se acima das fortalezas, domina a porta de São-Pancracio e deixa vêr tudo o que se passa no Vascello, na villa Corsini, e na villa Valentini.

É verdade que eu estava a meio tiro de espingarda dos atiradores francezes. Mas quem se não aventurou nem perdeu nem ganhou.

Encarreguei um bravo carreteiro de me procurar trabalhadores e de se occupar de todas as pequenas doçuras de que os meus podiam ter necessidade durante a fadiga, copos de vinho e gotas de aguardente, etc. Era um bravo patriota que mais tarde pagou caro o seu patriotismo; Ciceravacchio era o seu sobrenome, seu nome, Angelo Brunetto.

Nunca quiz receber um soldo sequer por seus trabalhos e fornecimentos.

Ha homens n'este mundo em cujas almas Deus põe dobrada porção de perfectibilidade. Em dias tranquillos trabalham para o allivio e instrucção da humanidade, e esforçam-se a facilitar a marcha do progresso; então chamam-se Gutemberg, Vicente de Paula, Galileo, Vico, Rousseau, Volta, Filangieri, e Francklin. Em tempos de calamidade, veem-nos repentinamente surgir, guiar as massas e expôr-se com firmeza ao choque das desfortunas. Então o reconhecimento do mundo os designa sob os nomes de Arnoldo de Mescia, de Savonarole, de Cola di Riezzo, de Masaniello, de José de Lesi, e de Ciceravecchio.

Estes homens nascem sempre pobres na classe popular, n'esta classe que nas épocas desastrosas é sempre a privilegiada no soffrimento; mas, que gemendo, medita; sonhando, espera; soffrendo, trabalha.

Angelo Brunetto, como disse, era um d'estes entes; nada lhe faltou para a consagração da missão recebida pelo martyrio.

Durante todo o cerco de Roma foi a bandeira viva do povo. Applaudido, procurado, acolhido por seus companheiros como uma authoridade, era elle o verdadeiro primus inter pares; mas apezar de seus triumphos, não ficou menos modesto, vivendo como sempre vivêra; franco, leal, honrado, devia sua importancia ao trabalho, a affeição de seus concidadãos á sua affavel probidade, e a estima do proprio Papa, ao qual prestou grandes serviços no dia das desordens, á sua caridade pelos poderosos, uma das mais raras virtudes dos fracos quando são chamados a occupar o lugar dos fortes.

Tinha nascido em Roma em 1802 no bairro de Rijutta. Como era forte, gordo e rubicundo na infancia, sua mãe lhe poz o cognome de Ciceravecchio, o que no calão do povo romano quer dizer florescente, cheio de saude.

Crescendo, este vigor promettido pela creança desenvolveu-se no homem.

Era o titulo que Brunetto reproduzia mais frequentemente. Tinha de quando o conheci em 1849, uma barba loura que começava a embraquecer, cabellos compridos e amellados, pescoço curto e cheio, peito largo, estatura alta, porte firme. Nunca o desgraçado que entrou em sua casa com a mão supplicante sahiu com ella vasia; mas tambem, nunca se viu seu nome inscripto n'essas listas de subscripção destinadas mais a glorificar os subscriptores que a alliviar os desgraçados.

Nas innundações do Tibre, tão frequentes em Roma, era sempre elle o primeiro a fazer-se barqueiro para levar viveres e palavras de consolação a seus compatriotas cercados pelas ondas. Este bravo adorava-me. Quando tinha precisão de trabalhadores para os engenheiros, bastava só que eu lhe fizesse um signal: corria logo com duzentos, trezentos, quatrocentos homens; dei-lhe, sobre o ministerio, bonds, dos quaes não utilisou um só. Á minha saida de Roma, seguiu-me com seus dois filhos, tomou com Ugo Bassi, terra em Nessola, depois encaminhou-se com elles n'uma direcção opposta á minha.

Em occasião opportuna contarei o seu duplo martyrio como pae e como cidadão.

Tenho algumas vezes fallado no capellão Ugo Bassi. Consagremos-lhe tambem algumas paginas. E vão ellas a proposito na tarde e noite de uma batalha que devia tão rude emprego á sua doce piedade.

Para os nossos feridos Ugo Bassi, joven, bello, eloquente, era verdadeiramente o anjo da morte.

Tinha ao mesmo tempo a alegria de uma creança, a fé d'um martyr, a sciencia de um sabio, a coragem de um heroe.

Nascera em Cento, de pae Bolonez, mas como André Clenier, de uma mãe grega. Seu nome era José, mas fazendo-se barnabita, tinha escolhido o de Ugo, sem duvida em lembrança do nosso poeta patriota Ugo Foscolo.

Era pois de raça latina e hellenica ao mesmo tempo, as duas raças mais bellas e intelligentes do mundo. Tinha os cabellos castanhos, e naturalmente amellados, olhos brilhantes como o sol, ora serenos, ora fulgurantes, boca risonha, pescoço alvo e longo, membros ageis e robustos, coração de fogo para a gloria e para o perigo, instinctos bons e honrosos, espirito elevado, cálido, rapido, feito ao mesmo tempo para as piedosas contemplações do anachoreta e para os irresistiveis ardores do apostolado.

Seus estudos foram, não apenas um labor, mas uma conquista. Apoderou-se rapidamente da litteratura, da sciencia das artes, e como espelho de toda a sciencia, sabia de cór o poema inteiro de Dante. Seis mezes lhe foram sufficientes para aprender grego; quanto ao latim, fallava-o como a sua lingua materna, e fazia versos no genero dos de Horacio; escrevia correctamente com a penna o inglez e o francez, e quando os acontecimentos o levaram ao meio dos combates, trazia comsigo Byron e Shakspeare. O tragico inglez e o poeta que morreu em Missolonghi escutavam as patrioticas pulsações do seu coração.

Além d'isto era pintor e musico. Da mesma sorte que eu havia acreditado em Pio IX, Ugo n'elle crêra.

Pio IX succedia a Gregorio XVI, Pio IX dava a amnistia, Pio IX promettia reformas, era adorado por todos os italianos, admirado pelos estrangeiros, e imitado pelos demais principes da Italia.

A 25 de março de 1848, a cruzada partiu de Roma; os auguros pareciam annunciar toda a unidade da Italia.

A sua carreira foi um triumpho perpetuo. Dos campos mais longiquos da Italia accorria a dura raça latina a averiguar e levar a feliz nova da resurreição da Italia, e de que o seu povo com a fronte molhada de suor e de sangue ia emfim ser livre.

Ugo Bassi estava em Ancona, onde prégava a quaresma. A primeira legião de voluntarios chegava ahi; Ugo arengou sobre a praça, e tomando argumento do desgraçado estado em que via suas armas e seus trajes, idealisou com a sua eloquente palavra a sua miseria, de que os nossos inimigos faziam escarneo.

Dois dias depois juntava-se á cruzada e partia com ella como segundo capellão dos voluntarios romanos.

Bassi como Gavazzi, seu amigo, era a providencia do exercito. Não só a sua eloquencia impellia os italianos ao amor da Italia e á dedicação por ella, mas ainda tirava dos mais rebeldes cofres numerosas e ricas offerendas. Em Bolonha fez milagres; os ricos davam dinheiro aos punhados, as mulheres suas joias, seus brincos e anneis.

Uma joven não tendo nada a dar cortou a sua linda trança e l'ha offereceu.

Elle havia assistido a todos os nossos combates e dedicações em Cornuda, Treviso e Veneza.

Irmã de caridade, apostolo, soldado intrepido, foi sobretudo no combate de Treviso, onde morreu o seu amigo e compatriota, o general Guidotti, que mostrou todas as virtudes de seu coração. Uma balla lhe mutilou a mão, o braço esquerdo, e lhe abriu uma longa ferida no peito. Ainda pallido e soffrente d'este cruel ferimento, viram-o no combate de Mestre, com um estandarte na mão, ser o primeiro a subir e sem armas, ao assalto do palacio Bianchini.

Bassi acompanhou a legião italiana em todas as peregrinações. A sua palavra potente fascinava as massas, e se Deus tivesse marcado um termo ás desgraças da Italia, a voz de Bassi como a de S. Bernardo, teria arrastrado as povoações aos campos de batalha. Se a Italia um dia se unificar, que Deus lhe dê a palavra de um Ugo Bassi! Quando Roma cahiu, quando me não ficou senão o exilio, a fome e a miseria, Ugo Bassi, não hesitou um instante em acompanhar-me. Recebi-o na minha barca em Cesenatia, e partilhou comigo o ultimo sorriso de despedida!

N'esta barca, que eu proprio guiei, estavam Anita, Ugo Bassi, Ciceravecchio, e seus dois filhos. Todos morreram, e de que maneira! Oh! sagrados mortos, eu referirei o vosso martyrio!

O nome de Ugo Bassi será a palavra de ordem dos italianos no dia do seu libertamento.

Mas deixei-me levar muito longe do meu fim.

Voltemos ao cerco de Roma.

Na noite de 4 de junho, em quanto que nossos adversarios disfarçavam um attaque na porta de São-Pancracio, foi aberto um fosso a tresentos metros da praça, e foram elevadas duas batterias de arco, uma cem metros atraz do parallelo para fazer face á bateria romana de Vestaccio de Santo-Aleixo. O parallelo apoiava-se á direita em alturas inatacaveis, á esquerda na villa Pamphili.

Desde a alvorada, havia feito chamar Manara, pedindo-lhe de resignar o seu titulo de coronel dos bersaglieri para acceitar o grau de chefe do meu estado maior. Era pedir-lhe um grande sacrificio, eu bem o sabia; mas Manara era mais habil que qualquer outro para estas funcções. Era de um valor exemplar, d'uma rara tranquilidade de espirito no meio do perigo, d'um golpe de vista seguro no combate; tinha feito dos seus bersaglieri a tropa mais bem disciplinada do exercito. Fallava quatro linguas; emfim o seu aspecto tinha esta dignidade que convem aos graus elevados. Acceitou.

O resto do meu estado maior compunha-se dos majores Cenni, e Bueno, dos capitães Caroni, e Davio, de dois francezes, excellentes officiaes, chamados Pilhes e Laviron; do capitão Ceccadi, que durante seus serviços em Hespanha e Africa tinha merecido a cruz de Hespanha, e a da Legião de honra; de Silco e de Stagnetti, que na Palestrina, conduzia emigrados; do tenente de cavallaria Gili, do correio Giannuzzi, e finalmente d'um membro da assembléa, o capitão Cessi.

Manara organisou logo o estado maior no interior; todos queriam ficar comigo na villa Savorelli; porque avistavamos o campo, e nada ahi se passava que não vissemos.

É verdade que a distração não era um perigo. Como se sabia que a villa Savorelli era o meu quartel general, ballas de artilharia, de fuzilaria e de obuz, tudo me offertava o inimigo. Era sobretudo quando subia para melhor observar ao pequeno mirante que dominava a casa, que a coisa se tornava curiosa.

Era uma verdadeira saraivada de ballas, e nunca vi tempestade com eguaes silvos. A casa sacudida pelas balas, tremia como n'um terremoto. Muitas vezes para dar trabalho aos artilheiros, e aos atiradores francezes, fazia com que me servissem o almoço no mirante, que não tinha outra salvaguarda mais que um pequeno parapeito de madeira. Então tinha uma musica que me dispensava de mandar tocar a do regimento.

Isto foi ainda tanto peior quando não sei que má galanteria do estado maior o levou a arvorar no pára raios que sobresahia ao pequeno terrasso uma bandeira onde estavam escriptas em grandes lettras estas palavras:

«Bom dia, Cardeal Oudinot!»

No quarto ou quinto dia em que eu dava esta distracção aos artilheiros e atiradores francezes, o general Avezzana veiu ver-me, e não achando as janellas do salão a uma altura sufficiente, perguntou-me se não tinha um logar mais elevado de onde podesse contemplar a planicie.

Conduzi-o ao meu mirante.

Sem duvida os francezes quizeram honral-o; porque apenas ahi chegamos começou a muzica a tocar.

O general olhou tranquilamente para as guardas avançadas, depois desceu sem dizer nada.

No dia seguinte encontrei o meu mirante intrincheirado com saccos cheios de terra. Perguntei quem havia dado a ordem.

– O ministro da guerra, me responderam.

Não havia meio de reagir contra uma ordem do ministro da guerra.

Esta raiva dos atiradores francezes de crivar o meu pobre quartel general de metralha de toda a sorte, offerecia por vezes scenas divertidas.

Um dia, era a 6 ou 7 de julho, o meu amigo Vecchi que era ao mesmo tempo actor e historiador do drama que representavamos, veiu ver-me á hora do almoço; e como eu tinha convidados havia feito trazer de Roma um jantar completo n'uma caixa de folha de ferro. Vi que o aspecto dos nossos petiscos tentava Vecchi. Offereci-lhe por consequencia para partilhar comnosco da refeição. O general Avezzana e Constantino Rita estavam comnosco. Assentamo-nos no chão do jardim. As ballas sacudiam a casa de maneira que, para jantar sobre uma meza seria mister para a segurar um d'estes apparelhos que em similhante caso se usão nos navios em dia de temporal. Mesmo quando o jantar hia em meio, cahiu uma bomba a um metro de nós. Tudo desaccampou; Vecchi ia fazer como os mais, mas eu retive-o pelo pulso – era membro da Assembléa.

– Padre conscripto, lhe disse rindo, fica na tua cerulea cadeira!

A bomba estalou como, eu acreditava, do lado opposto áquelle em que nós estavamos; fômos porém recompensados, porque ficamos cobertos de poeira; nós e o jantar.

Vecchi tinha feito bem em approveitar o nosso banquete, porque nem sempre tinhamos que jantar. Algumas vezes os moços do restaurant espantados pelo ruido dos morteiros francezes, pela fusilaria dos caçadores de Vincennes, e sobretudo pelos cadaveres que encontravam no caminho, paravam não ousando ir mais além; então o primeiro que apparecia apoderava-se do nosso festim e tragava-o. Um dia um dos meus soldados chamado Casanova, fez-me ás tres horas da manhã um macaroni. Havia quarenta e oito horas que eu era sustentado por uma chavena de caffé com leite e duas ou tres botijas de cerveja.

Além d'isto, era quasi sempre a Vecchi que aconteciam aventuras no genero da que acabo de referir. Um outro dia, como elle tinha sua narração a fazer-me, porque havia dois dias que estava de guarda avançada na vinha Costabili, chamavam assim uma das barracas que tinhamos nas proximidades da villa Corsini, encontrou-me jantando, á mesa. D'esta vez os senhores atiradores tinham tido a bondade de me deixar algum tempo socegado. Ante mim estava um manjar dos mais appetitosos. Dei logar a Vecchi a meu lado e convidei-o a partilhar do jantar.

Mas, quando ia assentar-se, Manara o suspendeu.

– Não façaes tal, Vecchi, lhe disse elle. Ha tres dias consecutivos que os officiaes convidados pelo general são mortos sem ter tempo de fazer a digestão.

E com effeito, Davio, Rozat e Panizzi, acabavam de morrer nas circumstancias assignaladas por Manara. Mas o fumo do manjar foi mais poderoso que o aviso de Manara.

– Bem, disse Vecchi, isso quadra perfeitamente com uma predicção que me fizeram.

– Qual, perguntou Manara.

– Na minha infancia uma bohemia tirou-me o horoscopo. Predisse-me que eu morreria em Roma na edade de trinta e seis annos muito rico. Em 1838 n'uma viagem que fiz a pé de Napoles a Salerno, persegui n'um campo de algodão uma cigana de dezoito annos cujos olhos eu queria absolutamente beijar. Ella defendeu-se com a sua faca; oppuz á arma offensiva uma defensiva; era um bello escudo (moeda) novo. Recebendo o escudo predisse-me, examinando-me a mão, que eu morreria em Roma, na edade de trinta e seis annos muito rico. Estou no trigesimo setimo anno; e sem ser muito rico, sou-o sufficientemente para um homem que vae morrer. Mas sou fatalista como um mahometano. O que está escripto está escripto. Dê-me o manjar, general.

Rimos da historia de Vecchi, mas Manara guardava o seu serio dizendo:

– É o mesmo, Vecchi, eu só me tranquillisarei depois de findo o dia.

Depois, virando-se para mim:

– Por Deus general, não o mandeis hoje a parte alguma.

Isto effectuou-se assim; Vecchi estava horrivelmente fatigado por ter velado as duas precedentes noites, e depois do jantar, pediu-me para se retirar e ir repousar um pouco.

– Deita-te no meu leito, se queres, disse Manara, embora elle fallasse serio ou proseguisse a galanteria. Em nome de Deus, não quero que saias!

Vecchi deitou-se no leito de Manara.

Uma hora depois vi que os officiaes francezes collocavam saccos cheios de terra no fosso aberto em frente do nosso bastião. Procurei ao redor de mim um official para dirigir contra elles o fogo de uma duzia de atiradores.

Não sei onde tinha enviado todos, que me achava só.

Pensei no pobre Vecchi, que dormia com os punhos cerrados. Tinha dó de o despertar, mas as balas faziam uma ceifa horrivel. Puchei-o pela perna. Abriu os olhos.

– Vamos, lhe disse eu, ha vinte e quatro horas que dormes, a predicção de Manara não se deve temer. Toma uma duzia dos melhores atiradores, e acaricia-me as costas d'esses gentis-homens.

Vecchi que é muito bravo, não esperou que lhe gritassem aos ouvidos. Tomou doze bersaglieri amadores, e foi embuscar-se com elles atraz de uma barricada cheia de saccos de terra que um tenente da ordenança chamado Pozzio elevava com a ajuda dos sapadores. D'ali começou sobre os francezes um fogo tão mortifero, que elles responderam por balas de artilheria, ás dos bersaglieri.

Meia hora depois vieram dizer-me:

– Sabei, general, que mataram o pobre Vecchi.

Soffri uma grande dôr. Eu era causa da sua morte, e reprehendi-me de o haver feito. Mas ao fim de uma hora, com grande alegria minha vi-o voltar.

– Ah! parabens, lhe disse eu, deixa-me abraçar-te, julgava-te morto.

– Estava só enterrado, me respondeu elle.

– Como?

Então contou-me que uma bala havia partido um dos saccos de terra, que se havia espalhado sobre elle, que no mesmo momento este sacco despejando-se tinha feito perder o equilibrio aos outros, os quaes haviam cahido em numero de dez ou doze sobre elle e o haviam litteralmente escondido.

Mas tinha succedido uma cousa mais pittoresca que a morte de Vecchi. A mesma bala que o havia enterrado batêra contra a muralha, e indo de recochete tinha despedaçado pelos rins um joven soldado. O pobre soldado collocado sobre uma paviola tinha cruzado as mãos sobre o peito, elevado os olhos ao ceu e exalado o ultimo suspiro.

Iam leval-o para a ambulancia, quando um official se precipitara sobre o cadaver cobrindo-o de beijos.

Este official era Pozzio. O joven soldado era Colomba Antonielli, sua mulher que o tinha seguido a Velletri e tinha combatido a seu lado a 3 de junho.

Isto recordou-me a minha pobre Annita que tambem estava tão tranquilla no meio do fogo, e que a bem ou a mal eu havia deixado em Rieti.

Estava gravida e em nome do filho que trazia, havia-a decidido a separar-se de mim.

A 7 houve treguas dos dois lados; era o dia corpo de Deus.

A 9 commandei uma grande sortida para interromper os trabalhos avançados dos francezes, que se prolongavam até ao segundo bastião da esquerda.

Para esta funcção foram chamados os douaniers e um batalhão do 5.o regimento.

Os bersaglieri n'este momento faziam o serviço das barracas, á esquerda do Visellia, e guardavam os bastiões.

O capitão Rozat, o mesmo que eu tinha visto levar da villa Corsini e que ao passar me dissera: «General, já tenho a minha conta!» o capitão Rozat, digo, apenas havia recebido uma bala morta, que lhe parara n'uma costella. Ainda que em consciencia a contusão fosse rude bastante e o obrigasse a ficar de cama, havia-se levantado de madrugada, e n'este dia quiz absolutamente tomar o commando da quarta companhia destinada ao segundo bastião.

Vendo que a guarda do fosso maltratava os assaltantes, Rozat tomou uma carabina, e como era excellente atirador, despediu quinze tiros a metade dos quaes aproveitaram.

Os seus soldados carregavam, elle atirava.

A sua certeza de pontaria despertou a rivalidade dos caçadores de Africa que começaram, trocar-lhe tiro por tiro.

Uma primeira bala lhe arrebatou o chapeu; mas elle tomando-o de novo o atirou ao ar gritando:

– Viva a Italia!

N'este momento, porém, uma bala lhe entrou pela boca e sahiu pela nuca, abafando-lhe o grito.

No fim de duas horas de agonia expirou.

No dia 10 de junho, recebi aviso do general Roselli de que eu devia tomar o commando de uma grande sortida, que se devia compôr de metade do exercito romano.

Devia operar-se pela porta Cavallegieri, e tinha por fim retomar ou a villa Pamphili ou a villa Valentini.

Em virtude d'isto, o ministro da guerra, Avezzana, tirou-me o commando da linha São-Pancracio, e com a legião italiana e o regimento de bersaglieri, marchei para a praça do Vaticano, onde devia completar-se pelos regimentos Pasi e Mari e a legião polonesa o corpo destinado a esta operação.

Passei a cavallo á frente de cada corpo, chamei os commandantes a conferencia, e communiquei-lhes o fim da tentativa e a maneira pela qual eu comprehendia o ataque.

Fiz em seguida passar a palavra de ordem, distribuir munições, preparando tudo para a hora designada, em quanto que os soldados com os olhos fixos sobre a lua, a apopavam pela lentidão com que fazia o seu giro.

Para evitar um d'estes erros nocturnos tão communs n'estas sortes de expedição, onde, confundindo os amigos com os inimigos, se ferem uns aos outros, ordenei aos meus soldados de vestir suas camisas sobre o uniforme. Foi uma manobra que excitou muito a alegria dos soldados, por causa do estado em que alguns tinham o vestuario interno de que eu fazia o externo.

Ás dez horas da noite, abriu-se a porta e a legião polonesa, commandada por Hoffstetter que deixou um excellente jornal do cerco de Roma, sahiu constituindo a guarda avançada; vinha em seguida a legião italiana, á frente da qual ia o coronel Manara. Esta era seguida dos regimentos de bersaglieri, Passi e Masi.

Masi commandava a retaguarda.

Apenas cheguei ao campo reconheci ter feito uma grande asneira mandando vestir a camisa sobre os uniformes. Os nossos homens eram visiveis como em pleno dia; bastaria elles andarem cem passos para os francezes julgarem ser atacados por um exercito de phantasmas.

Mandei tirar as camisas. É desnecessario dizer que nenhum soldado se deu ao trabalho de as tornar a pôr no logar de onde as havia tirado.

Cavalgava sobre o flanco da legião italiana, quando alguns soldados que levavam uma escada, passando por uma villa quizeram assegurar-se se ella effectivamente estava abandonada como parecia. Alçaram a escada contra uma das janellas do primeiro andar. O regimento parou para vêr o resultado da inquerição, deixando a vanguarda proseguir o caminho.

Cinco ou seis homens subiram a escada.

Repentinamente, um degrau se quebra sob os pés do que estava mais em cima, este cahe sobre o segundo, o segundo sobre o terceiro, e todos com um motim admiravel cahem em terra.

Na queda dispararam-se duas espingardas.

A vanguarda commandada por Hoffstetter e por Sacchi, dois dos meus mais bravos officiaes, julga-se surprehendida pelos francezes que iam surprehender; e enchendo-se de um terror panico, rompe por traz de Hoffstetter e Sacchi que ficam isolados com uma vintena de homens, e vem sobre nós a correr desesperadamente, destruindo com o choque tudo o que encontra ante si. Manara tenta suspendêl-os, mas inutilmente. Eu corro ao meio d'elles, e firo á direita e á esquerda com o meu chicote de gaucho. Nada os detem, e julgo que no mesmo passo os meus heroes teriam entrado em Roma, se os bersaglieri á frente dos quaes estavam dois chefes de batalhão e o capitão Ferrari, não tivessem cruzado bayonetas aos fugitivos.

Depois de todo este barulho, não se podia suppôr que os francezes não estivessem a postos, e era mister renunciar á empreza.

Quanto a mim estava cançado de bater n'esta canalha, e volvi dizendo a Manara:

– Caro amigo errámos em não pôr os bravos bersaglieri na vanguarda.

Com effeito, eram homens maravilhosos os bersaglieris, do que Manara devia com justiça ter orgulho. Quando lhe pedia um destacamento de seus soldados, costumava dizer:

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
27 eylül 2017
Hacim:
170 s. 1 illüstrasyon
Tercüman:
Telif hakkı:
Public Domain

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