Kitabı oku: «Cinco minutos», sayfa 2
Emquanto eu proferia estas palavras, repassadas de todo o fel que tinha no coração, a Charton modulava com a sua voz sentimental essa linda aria final da Traviata, interrompida por ligeiros accessos de uma tosse secca.
Ella tinha curvada a cabeça, e não sei si ouvia o que eu lhe dizia ou o que a Charton cantava; de vez em quando as suas espaduas se agitavam com um tremor convulsivo, que eu tomei injustamente por um movimento de impaciencia.
O espectaculo terminou, as pessoas do camarote sahiram, e ella, levantando sobre o chapéu o capuz de seu manto, acompanhou-as lentamente.
Depois, fingindo que se tinha esquecido de alguma cousa, tornou á entrar no camarote, e estendeu-me a mão.
– Não saberá nunca o que me fez soffrer, disse-me com a voz tremula.
Não pude ver-lhe o rosto; fugio, deixando-me o seu lenço impregnado d'esse mesmo perfume de sandalo e todo molhado de lagrimas ainda quentes.
Quiz seguil-a; mas ella fez um gesto tão supplicante que não tive animo de desobedecer-lhe.
Estava como d'antes; não a conhecia, não sabia nada á seu respeito; porém ao menos possuia alguma cousa d'ella; o seu lenço era para mim uma reliquia sagrada.
Mas as lagrimas? Aquelle soffrimento de que ella fallava? O que queria dizer tudo isto?
Não comprendia; si eu tinha sido injusto, era uma razão para não continuar á esconder-se de mim. Que queria dizer este mysterio, que parecia obrigada á conservar?
Todas estas perguntas e as conjecturas á que ellas davam lugar não me deixáram dormir.
Passei uma noite de vigilia á fazer supposições, cada qual mais desarrazoada.
III
Recolhendo-me no dia seguinte, achei em casa uma carta.
Antes de abril-a conheci que era d'ella, porque lhe tinha imprimido esse suave perfume que a cercava como uma aureola.
Eis o que dizia:
«Julga mal de mim, meu amigo; nenhuma mulher póde escarnecer de um nobre coração como o seu.
Si me occulto, si fujo, é porque ha uma fatalidade que á isto me obriga. E só Deus sabe quanto me custa este sacrificio, porque o amo!
Mas não devo ser egoista e trocar sua felicidade por um amor desgraçado.
Esqueça-me.
C.»
Essa assignatura era a mesma lettra que marcava o seu lenço, e á qual eu desde a vespera pedia debalde seu nome!
Reli não sei quantas vezes esta carta, e, apezar da delicadeza de sentimento que parecia ter dictado suas palavras, o que para mim tornava-se bem claro é que ella continuava á fugir-me.
Fosse qual fosse esse motivo que ella chamava uma fatalidade, e que eu suppunha ser apenas escrupulo, sinão uma zombaria, o melhor era aceitar o seu conselho e fazer por esquecel-a.
Reflecti então seriamente sobre a extravagancia da minha paixão, e assentei que com effeito precisava tomar uma resolução decidida.
Não era possivel que continuasse á correr atrás de um fantasma que esvaecia-se quando ia tocal-o.
Aos grandes males os grandes remedios, como diz Hippocrates. Resolvi fazer uma viagem.
Mandei sellar o meu cavallo, metti alguma roupa em um sacco de viagem, embrulhei-me no meu capote e sahi, sem me importar com a manhã de chuva que fazia.
Não sabia para onde iria. O meu cavallo levou-me para o Engenho-Velho, e eu d'ahi encaminhei-me para a Tijuca, onde cheguei ao meio-dia, todo molhado e fatigado pelos máos caminhos.
Si algum dia se apaixonar, minha prima, aconselho-lhe as viagens como um remedio soberano e talvez o unico efficaz.
Deram-me um excellente almoço no hotel; fumei um charuto, e dormi doze horas, sem ter um sonho, sem mudar de lugar.
Quando accordei, o dia despontava sobre as montanhas da Tijuca.
Uma bella manhã, fresca e rociada das gottas do orvalho, desdobrava o seu manto de azul por entre a cerração, que se desvanecia aos raios do sol.
O aspecto d'esta natureza quasi virgem, esse céo brilhante, essa luz esplendida cahindo em cascatas de ouro sobre as encostas dos rochedos, serenou-me completamente o espirito.
Fiquei alegre, o que ha muito tempo não me succedia.
O meu hospede, um Inglez franco e cavalheiro, convidou-me para acompanhal-o á caça; gastámos todo o dia á correr atrás de duas ou tres marrecas e á bater as margens da Restinga.
Assim passei nove dias na Tijuca, vivendo uma vida estupida quanto póde ser; dormindo, caçando e jogando o bilhar.
Na tarde do decimo dia, quando já me suppunha perfeitamente curado e estava contemplando o sol, que se escondia por detrás dos montes, e a lua, que derramava no espaço a sua luz doce e assetinada, fiquei triste de repente.
Não sei que caminho tomáram as minhas idéas; o caso é que d'ahi á pouco descia a cerra no meu cavallo, lamentando esses nove dias, que talvez tivessem feito perder para sempre a minha desconhecida.
Accusava-me de infidelidade, de traição; a minha fatuidade dizia-me que eu devia ao menos ter-lhe dado o prazer de ver-me.
Que importava que ella me ordenasse que a esquecesse? Não me tinha confessado que me amava, e não devia eu resistir e vencer essa fatalidade, contra a qual ella, fraca mulher, não podia lutar?
Tinha vergonha de mim mesmo; achava-me egoista, cobarde, irreflectido, e revoltava-me contra tudo, contra o meu cavallo, que me levára á Tijuca, e o meu hospede, cuja amabilidade alli me havia demorado.
Com esta disposição de espirito cheguei á cidade, mudei de trajo, e ia sahir, quando o meu moleque deu-me uma carta.
Era d'ella.
Causou-me uma sorpresa misturada de alegria e de remorso:
«Meu amigo.
Sinto-me com coragem de sacrificar o meu amor á sua felicidade; mas ao menos deixe-me o consolo de amal-o.
Ha dous dias que espero debalde vêl-o passar, e acompanhal-o de longe com um olhar! Não me queixo; não sabe nem deve saber em que ponto de seu caminho o som de seus passos faz palpitar um coração amigo.
Parto hoje para Petropolis, d'onde voltarei breve; não lhe peço que me acompanhe, porque devo ser-lhe sempre uma desconhecida, uma sombra escura que passou um dia pelos sonhos dourados de sua vida.
Entretanto, eu desejava vêl-o ainda uma vez, apertar a sua mão e dizer-lhe adeus para sempre.
C.»
A carta tinha a data de 3; nós estavamos a 10; havia oito dias que ella partira para Petropolis e que me esperava.
No dia seguinte embarquei na Prainha e fiz essa viagem da bahia, tão pittoresca, tão agradavel, e ainda tão pouco apreciada.
Mas então a magestade d'essas montanhas de granito, a poesia d'esse vasto seio de mar, sempre alisado como um espelho, os grupos de ilhotas graciosas que bordam a bahia, nada d'isto me preoccupava.
Só tinha uma idéa – chegar; e o vapor caminhava menos rapido do que meu pensamento.
Durante a viagem pensava n'essa circumstancia que a sua carta me revelára, e fazia-me por lembrar de todas as ruas por onde costumava passar, para ver si adivinhava aquella onde ella morava, e d'onde todos os dias me via sem que eu suspeitasse.
Para um homem como eu, que andava todo o dia desde a manhã até a noite, á ponto de merecer que a senhora, minha prima, me appellidasse de Judêo Errante, este trabalho era improficuo.
Quando cheguei á Petropolis eram cinco horas da tarde; estava quasi noite.
Entrei n'esse hotel suisso, ao qual nunca mais voltei, e emquanto me serviam um magro jantar, que era o meu almoço, tomei informações.
– Têm subido estes dias muitas familias? perguntei ao criado.
– Não, senhor.
– Mas ha cousa de oito dias não vieram da cidade duas senhoras?
– Não estou certo.
– Pois indague, que preciso saber e já; isto o ajudará á obter informações.
A physionomia sizuda do criado expandio-se ao tinir da moeda, e a lingua adquiriu a sua elasticidade natural.
– Talvez o senhor queira fallar de uma senhora já idosa que veio acompanhada de sua filha.
– É isso mesmo.
– A moça parece doente; nunca a vejo sahir.
– Onde está morando?
– Aqui perto, na rua de…
– Não conheço as ruas de Petropolis; o melhor é acompanhar-me e vir mostrar-me a casa.
– Sim, senhor.
O criado seguio-me, e tomámos por uma das ruas agrestes da cidade allemã.
IV
A noite estava escura.
Era uma d'essas noites de Petropolis, envoltas de nevoeiro e cerração.
Caminhavamos mais pelo tacto do que pela vista, difficilmente distinguiamos os objectos á uma pequena distancia; e muitas vezes, quando o meu guia se apressava, o seu vulto perdia-se nas trevas.
Em alguns minutos chegámos em face de um pequeno edificio construido á alguns passos do alinhamento, e cujas janellas estavam esclarecidas por uma luz interior.
– É alli.
– Obrigado.
O criado voltou, e eu fiquei junto d'essa casa, sem saber o que ia fazer.
A idéa de que estava perto d'ella, que via a luz que a esclarecia, que tocava a relva que ella pisára, fazia-me feliz.
É cousa singular, minha prima! O amor, que é insaciavel e exigente, e não se satisfaz com tudo quanto uma mulher póde dar, que deseja o impossivel, ás vezes contenta-se com um simples gozo d'alma, com uma d'essas emoções delicadas, com um d'esses nadas, dos quaes o coração faz um mundo novo e desconhecido.
Não pense, porém, que eu fui á Petropolis só para contemplar com enlevo as janellas de um chalet; não: ao passo que sentia esse prazer, reflectia no meio de vêl-a e de fallar-lhe.
Mas como?..
Si soubesse todos os expedientes, cada qual mais extravagante, que inventou a minha imaginação! Si visse a elaboração tenaz á que se entregava o meu espirito para descobrir um meio de dizer-lhe que eu estava alli e a esperava!
Por fim achei um; si não era o melhor, era o mais prompto.
Desde que chegára, tinha ouvido uns preludios de piano, mas tão debeis que pareciam antes tirados por uma mão distrahida que roçava o teclado do que por uma pessoa que tocasse.
Isto me fez lembrar que ao meu amor se prendia a recordação de uma bella musica de Verdi; e foi quanto bastou.
Cantei, minha prima, ou antes assassinei aquella linda romanza; os que me ouvissem tomar-me-hiam por algum furioso; mas ella me comprehenderia.
E de facto, quando eu acabei de estropeiar esse trecho magnifico de harmonia e sentimento, o piano, que havia emmudecido, soltou um trilho brilhante e sonoro, que acordou os echos adormecidos no silencio da noite.
Depois d'aquella cascata de sons magestosos, que se precipitavam em ondas de harmonia, do seio d'aquelle turbilhão de notas, que se cruzavam, deslisou plangente, suave e melancolica, uma voz que sentia e palpitava, exprimindo todo o amor que respira a melodia sublime de Verdi.
Era ella quem cantava!
Oh! não posso pintar-lhe, minha prima, a expressão profundamente triste, a angustia de que ella repassou aquella phrase de despedida:
Non ti scordar di me
Addio!..
Partia-me a alma.
Apenas acabou de cantar, vi desenhar-se uma sombra em uma das janellas; saltei a grade do jardim; mas as venezianas descidas não me permittiram ver o que se passava na sala.
Sentei-me sobre uma pedra e esperei.
Não se ria, D***; estava resolvido á passar alli a noite ao relento, olhando para aquella casa, e alimentando a esperança de que ella viria ao menos com uma palavra compensar o meu sacrificio.
Não me enganei.
Havia meia hora que a luz da sala tinha desapparecido e que toda a casa parecia dormir, quando abrio-se uma das portas do jardim, e eu vi ou antes presenti a sua sombra na sala.
Recebeu-me sem sorpresa, sem temor; naturalmente e como si eu fosse seu irmão ou seu marido. É porque o amor puro tem bastante delicadeza e bastante confiança para dispensar o falso pejo, o pudor de convenção de que ás vezes costumam cercal-o.
– Eu sabia que sempre havia de vir, disse-me ella.
– Oh! não me culpe! si soubesse!
– Eu culpal-o? Quando mesmo não viesse, não tinha direito de queixar-me.
– Porque não me ama!
– Pensa isto? disse-me com uma voz cheia de lagrimas.
– Não! não!.. Perdôe!
– Perdôo-lhe, meu amigo, como já lhe perdoei uma vez; julga que lhe fujo, que me occulto, porque não o amo, e entretanto não sabe que a maior felicidade para mim seria poder dar-lhe a minha vida.
– Mas então porque esse mysterio?
– Esse mysterio, bem sabe, não é uma cousa creada por mim, e sim pelo acaso; si o conservo é porque, meu amigo… não deve amar.
– Não a devo amar! Mas eu amo-a!..
Recostou a cabeça no meu hombro, e eu senti uma lagrima cahir sobre meu seio.
Estava tão perturbado, tão commovido d'essa situação incomprehensivel, que senti-me vacilar, e deixei-me cahir sobre o sofá.
Ella sentou-se junto de mim; e, tomando-me as duas mãos, disse-me um pouco mais calma:
– Diz que me ama!
– Juro-lhe!
– Não se illude talvez?
– Si a vida não é uma illusão, respondi, penso que não, porque a minha vida agora é você, ou antes a sua sombra.
– Muitas vezes toma-se um capricho por amor; não conhece de mim, como diz, sinão a minha sombra!..
– Que me importa?..
– E si eu fosse feia? disse ella rindo.
– É bella como um anjo! Tenho toda a certeza.
– Quem sabe?
– Pois bem; convença-me, disse eu passando-lhe o braço pela cintura e procurando leval-a para uma sala vizinha, d'onde filtravam os raios de uma luz.
Desprehendeu-se do meu braço.
A sua voz tornou-se grave e triste.
– Escute, meu amigo; fallemos seriamente. Diz que me ama; eu o creio, eu o sabia antes mesmo que me dissesse. As almas como as nossas quando se encontram se reconhecem e se comprehendem. Mas ainda é tempo; não julga que mais vale conservar uma recordação do que entregar-se á um amor sem esperança e sem futuro?..
– Não, mil vezes não! Não entendo o que quer dizer; o meu amor, o meu, não precisa de futuro e de esperança, porque o tem em si, porque viverá sempre!..
– Eis o que eu temia; e entretanto eu sabia que assim havia de acontecer; quando se tem a sua alma ama-se de uma só vez.
– Então porque exige de mim um sacrificio que sabe ser impossivel?
– Porque, disse ella com exaltação, porque, si ha uma felicidade indefinivel em duas almas que ligam sua vida, que se confundem na mesma existencia, que só têm um passado e um futuro para ambas, que desde a flôr da idade até a velhice caminham juntas para o mesmo horizonte, partilhando os seus prazeres e as suas magoas, revendo-se uma na outra até o momento em que batem as azas e vão abrigar-se no seio de Deos; deve ser cruel, bem cruel, meu amigo, quando, tendo-se apenas encontrado, uma d'essas duas almas irmãs fugir d'este mundo, e a outra, viuva e triste, fôr condemnada á levar sempre no seu seio uma idéa de morte; á trazer essa recordação, que, como um crepe de luto, envolverá a sua bella mocidade; á fazer do seu coração, cheio de vida e de amor, um tumulo para guardar as cinzas do passado! Oh! deve ser horrivel!..
A exaltação com que fallava tinha-se tornado uma especie de delirio; sua voz, sempre tão doce e avelludada, parecia alquebrada pelo cansaço da respiração.
Ella cahio sobre o meu seio, agitando-se convulsivamente em um accesso de tosse.