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A Ascensão dos Dragões

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Seriler: Reis e Feiticeiros #1
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Maltren solta um grito agudo, tentando intimidá-la, e ataca, erguendo sua espada no alto, que brilha sob a luz das tochas. Maltren, ela sabe, é um lutador diferente dos outros, mais imprevisível, com menos honra, um homem que luta pela sobrevivência em vez de se concentrar na vitória. Ela se surpreende ao ver que ele pretende acertar seu peito.

Kyra desvia para fora do caminho e a lâmina passa reto.

Os homens engasgam, indignados, e Anvin, Vidar e Arthfael avançam.

"Maltren!" Anvin grita furioso, prestes a interferir na luta.

"Não!" Kyra grita de volta, ainda focada em Maltren e respirando com dificuldade, quando ele parte pra cima dela mais uma vez. "Deixe-nos lutar!"

Maltren imediatamente se vira e a ataca de novo – e de novo, repetidas vezes. Cada vez que ele ataca, ela se esquiva, dando um passo para trás, ou pulando sobre a espada dele. Ele é forte, mas não é tão rápido quanto ela.

Ele então ergue a espada e a abaixa novamente em um golpe rápido, na expectativa de que Kyra tentasse bloqueá-lo para que ele pudesse partir seu cajado ao meio.

Mas Kyra consegue prever seu plano e não se esquiva, dando um golpe lateral com seu cajado que acerta a espada dele, desviando o golpe e ao mesmo tempo protegendo seu cajado.  Com o mesmo movimento, ela aproveita a abertura e acerta um golpe na boca do estômago de Maltren.

Ele engasga e cai de joelhos assim que a buzina soa.

Há um grande grito de aprovação, e todos os homens olham para ela com orgulho, enquanto ela ainda está sobre Maltren, sagrando-se a campeã.

Maltren, enfurecido, olha para ela e, em vez de admitir a derrota como todos os outros tinham feito, de repente parte para cima dela, erguendo a espada e preparando-se para golpeá-la.

É uma jogada que Kyra não esperava, tendo presumido que ele admitiria a derrota honrosamente. Quando ele parte para cima dela, Kyra percebe que não há muito que ela possa fazer em tão pouco tempo – não seria possível sair do caminho a tempo.

Kyra mergulha no chão, rolando para fora do caminho e, ao mesmo tempo, ela vira com seu cajado e bate atrás dos joelhos de Maltren, dando-lhe uma rasteira.

Ele cai de costas na neve e sua espada voa de suas mãos. Kyra imediatamente fica em pé e se coloca em cima dele, segurando a ponta de seu cajado contra a garganta dele e pressionando. No mesmo momento, Leo se aproxima dela e rosna para o rosto de Maltren, a centímetros de distância, babando na bochecha dele e aguardando a ordem para atacar.

Maltren olha para cima com sangue nos lábios, atordoado e, finalmente, humilhado.

"Você desonra os homens de meu pai," Kyra ferve de raiva, ainda furiosa. "O que você acha da minha pequena varinha agora?"

Um silêncio tenso cai sobre eles enquanto ela o mantém preso, uma parte dela querendo levantar seu cajado e golpeá-lo ou deixar que Leo o ataque. Nenhum dos homens tenta impedir que ela o faça, ou se aproxima para ajudá-lo.

Percebendo que está sozinho, Maltren olha para cima com medo de verdade.

"KYRA!"

Uma voz dura de repente corta o silêncio.

Todos os olhos se voltam, e seu pai aparece de repente, marchando até a clareira e usando suas peles, ladeado por uma dúzia de homens e olhando para ela com desaprovação.

Ele para a alguns metros dela, encarando-a, e ela já antecipa o sermão que está por vir. Enquanto eles se enfrentam, Maltren sai de debaixo dela e se afasta correndo, e ela se pergunta por que seu pai não havia repreendido Maltren em vez dela. Isso a irrita, deixando pai e filha diante um do outro em um impasse de raiva, ela tão teimosa quanto ele, ninguém disposto a ceder.

Finalmente, o pai dela lhe dá as costas, seguido por seus homens, e marcha de volta ao forte, sabendo que ela o seguiria. A tensão se dissipa quando todos os homens vão atrás dele, e Kyra, relutantemente, os acompanha. Ela começa a marchar de volta através da neve, vendo as luzes distantes do forte, sabendo que levaria uma bronca, mas já sem se importar.

Se ele a aceita como ela é ou não, não lhe importa, ela tinha sido aceita entre os seus homens – e para ela, isso é tudo que importa. Deste dia em diante, ela sabe, tudo mudaria.

CAPÍTULO SEIS

Kyra caminha ao lado de seu pai pelos corredores de pedra da Fortaleza Volis, um forte desmedido do tamanho de um pequeno castelo, com paredes lisas de pedra, tetos cônicos e grossas portas de madeira entalhada, um reduto antigo que tinha servido para abrigar os Guardiões das Chamas e proteger Escalon por séculos. Ele é um forte crucial para o seu reino, ela sabe, ainda que também seja a casa dela, o único lar que ela conhecia. Kyra muitas vezes adormecia ao som de guerreiros, festas pelos corredores, o rosnado de cães brigando por restos de comida, lareiras sibilando com chamas quase extintas e o barulho do vento que encontra caminho através das rachaduras. Apesar de todas as suas peculiaridades, ela ama cada canto daquele lugar.

Enquanto Kyra se esforça para manter o ritmo, ela se pergunta o que está incomodando seu pai. Eles caminham rapidamente em silêncio, acompanhados por Leo, atrasados para a festa ao atravessarem os corredores à medida que soldados e lacaios se colocam a postos quando eles passam. Seu pai anda mais rápido do que o habitual, e apesar de estarem atrasados, ela sabe que há algo de errado com ele. Normalmente, ele caminha lado a lado com ela, sempre com um grande sorriso pronto escondido atrás de sua barba, colocando o braço em torno do ombro dela, por vezes contando piadas ou os acontecimentos de seu dia.

Mas agora ele caminha melancolicamente, com semblante sério, vários passos à frente dela, mostrando o que parece ser uma expressão de desaprovação que ela raramente tinha visto. Ele também parece perturbado, e ela presume que seja devido aos acontecimentos do dia, a imprudente caçada de seus irmãos, devido ao fato dos homens do Governador terem levado seu javali – ou talvez até mesmo porque ela, Kyra, havia duelado. No início, ela havia pensado que ele estava apenas preocupado com o banquete – festas eram sempre onerosas para ele, tendo que hospedar tantos guerreiros e visitantes até depois da meia-noite, como mandava a tradição antiga. Kyra havia sido informada que quando sua mãe ainda era viva e organizava estes eventos, aquilo costumava ser muito mais fácil para ele. Ele não é uma criatura social, e se esforça para receber bem seus convidados.

Mas à medida que o seu silêncio se estende, Kyra começa a se perguntar se seria algo completamente diferente. Muito provavelmente, ela deduz, tinha algo a ver com o treinamento dela junto aos seus homens. Sua relação com o pai, que costumava ser tão simples, está se tornando cada vez mais complicada à medida que ela cresce. Ele parece ter uma grande ambivalência sobre o que fazer com ela, sobre que tipo de filha ele espera que ela seja. Por um lado, muitas vezes ele lhe ensina os princípios de um guerreiro, como um cavaleiro deve pensar, como se conduzir. Eles costumavam ter conversas intermináveis sobre valentia, honra, coragem, e muitas vezes ele ficava acordado até tarde da noite contando contos de batalhas de seus antepassados, momentos pelos quais ela ansiava,–  e os únicos contos que ela tinha interesse em ouvir.

Mas, ao mesmo tempo, Kyra repara que ele agora se cala ao se ver discutindo esses assuntos com ela, silenciando-se abruptamente, como se percebesse que não deveria falar com ela sobre aquilo, ou como se sentisse que havia plantado algo dentro dela e desejasse ser capaz de voltar atrás. Falar sobre batalhas e bravura faz parte da natureza dele, mas agora que Kyra não é mais uma menina, agora que ela está se tornando uma mulher, e uma guerreira está nascendo dentro dela, uma parte dele parece surpresa com isso, como se ele nunca esperasse que ela crescesse. Ele parece não saber como se relacionar com uma filha adulta, especialmente uma que deseja ser uma guerreira, como se não soubesse qual caminho incentivá-la a seguir. Ele não sabe o que fazer com ela, ela percebe, e uma parte dele até mesmo se sente desconfortável na presença dela. No entanto, ao mesmo tempo ela sente que ele está secretamente orgulhoso. Ele simplesmente não pode se permitir demonstrar isso.

Kyra não consegue mais suportar seu silêncio – ela precisar chegar ao fundo da questão.

"Você se preocupa com a festa?" ela pergunta.

"Por que eu deveria me preocupar?" Ele responde sem olhar para ela, um sinal claro de que ele está chateado. "Tudo está preparado. Na verdade, estamos atrasados. Se eu não tivesse ido até o Portal dos Lutadores para encontrá-la, eu estaria sentado na cabeceira de minha própria mesa até agora," ele conclui ressentido.

Então é isso, ela percebe: seu duelo. O fato de que ele está com raiva a deixa chateada também. Afinal, ela havia vencido seus homens e merece sua aprovação. Em vez disso, ele está agindo como se nada tivesse acontecido, e até mesmo demonstrando sua desaprovação.

Ela exige saber a verdade e, irritada, decide provocá-lo.

"Será que você não me viu vencer seus homens?" ela diz, querendo humilhá-lo, exigindo a aprovação que ele se recusa a dar.

Ela vê seu rosto cora, sutilmente, mas ele segura a língua enquanto caminha – o que só aumenta a raiva dela.

Eles continuam andando, passando pelo Salão de Heróis e da Câmara da Sabedoria, e estão quase chegando ao Salão Principal quando ela não consegue mais se segurar.

"O que aconteceu, papai?" Ela pergunta. "Se você desaprova meu comportamento, basta dizê-lo."

Ele finalmente para diante das portas arqueadas do Salão de Festas, e olha para ela com uma expressão séria. A maneira como ele olha para ela a entristece; seu pai, a pessoa que ela ama mais do que qualquer outra pessoa no mundo, que sempre tinha um sorriso reservado para ela, agora a encara como se ela fosse uma estranha. Ela não consegue entender.

 

"Eu não quero que você volte ao campo de treinamento de novo," ele declara com raiva em sua voz.

O tom que ele usa a deixa ainda mais magoada que as palavras que ele profere, e ela sente um arrepio de traição atravessar o corpo dela. Vindo de qualquer outra pessoa, isso dificilmente a teria incomodado, mas vindo dele, um homem que ela ama e tanto admira, que era sempre tão gentil com ela, aquele tom de voz faz seu sangue gelar.

Mas Kyra não é o tipo de pessoa a recuar de um confronto – uma característica que ela tinha aprendido com ele.

"E por que isso?" Ela pergunta.

Sua expressão se torna sombria.

"Eu não preciso lhe dar uma razão," ele responde. "Eu sou o seu pai. Eu sou o comandante deste forte, dos meus homens. E eu não quero que você treine com eles."

"Você tem medo que eu vá derrotá-los?" pergunta Kyra, querendo tirar a melhor, recusando-se a permitir que esta porta seja fechada para sempre.

Ele fica vermelho, e ela pode ver que suas palavras também o tinham magoado.

"A arrogância é para pessoas comuns," ele a repreende, "não para guerreiros."

"Mas eu não sou uma guerreira, não é mesmo, papai?" ela provoca.

Ele estreita os olhos, incapaz de responder.

"É o meu décimo quinto aniversário. Você deseja que eu lute contra as árvores e galhos durante toda a minha vida? "

"Eu não quero que você lute de forma alguma," ele retruca. "Você é uma garota – uma mulher agora. Você deve fazer o que as mulheres fazem – culinária, costura – seja lá o que sua mãe teria lhe ensinado se estivesse viva."

Agora a expressão de Kyra fica sombria.

"Me desculpe por não ser a garota que você gostaria que eu fosse, papai," ela responde. "Eu sinto muito por não ser como todas as outras meninas."

A expressão de seu pai também muda, e ele também parece chateado.

"Mas eu sou filha do meu pai," ela continua. "Eu sou a garota que você criou. E me reprovar é desaprovar a si mesmo."

Ela fica ali, com as mãos nos quadris, seus olhos cinza claros carregados com a força de um guerreiro, encarando seu pai. Ele olha para ela com seus olhos castanhos e balança a cabeça.

"Hoje é um feriado," ele fala, "uma festa não só para guerreiros, mas para visitantes e dignitários. Pessoas de toda Escalon e de terras estrangeiras estarão presentes." Ele a olha de cima a baixo com desaprovação. "Você está usando roupas de um guerreiro. Vá para o seu quarto e vista as roupas de uma mulher, como todas as outras mulheres da mesa."

Ela enrubesce, furiosa, e ele se aproxima dela com o dedo erguido.

"E não deixe que eu a veja em campo com os meus homens de novo," ele adverte.

Ele lhe dá as costas abruptamente quando criados abrem as enormes portas para ele, e uma onda de barulho sai do salão para recebê-los, assim como o cheiro de carne assada, de cães sujos e da lareira. A música atravessa o ar, e o barulho da atividade dentro da sala toma conta de tudo. Kyra observa seu pai virar e entrar, seguido por seus atendentes.

Vários servos continuam ali, segurando as portas abertas, esperando Kyra que arde de raiva, debatendo sobre o que fazer. Ela nunca havia se sentido tão irritada em toda sua vida.

Ela finalmente se vira e sai com Leo, distanciando-se do Salão e voltando para o seu quarto. Pela primeira vez em sua vida, ela odeia seu pai. Ela achava que ele fosse diferente, acima de tudo aquilo; mas agora havia aprendido que ele era um homem menor do que ela acreditava – e isso, mais do que qualquer outra coisa, a tinha deixado abalada. O fato de seu pai tê-la afastado de tudo que ela mais ama – os campos de treinamento – é como uma faca em seu coração. A ideia de viver sua vida confinada a sedas e vestidos a deixa mais desesperada do que ela jamais acreditou ser possível.

Ela quer deixar Volis – e nunca mais voltar.

*

O comandante Duncan se senta à cabeceira da mesa de banquete, no enorme salão de festas da Fortaleza Volis, e olha para sua família, seus guerreiros, súditos, conselheiros, assessores e visitantes, – mais de uma centena de pessoas, todos sentados ao longo da mesa para o feriado – com o coração pesado. De todas essas pessoas diante dele, a mais presente em sua mente é justamente aquela que ele a princípio tenta não olhar: sua filha,  Kyra. Duncan sempre teve uma relação especial com ela, sempre sentiu a necessidade de ser pai e mãe para ela, para compensar a perda de sua mãe. Mas ele estava falhando, ele sabe, em seu papel como pai – e sobretudo como sua mãe.

Duncan sempre fizera questão de acompanhá-la de perto, a única menina em uma família de meninos, e em um forte cheio de guerreiros – especialmente considerando que ela era uma menina diferente das outras meninas, uma menina, ele tinha que admitir, muito parecida com ele. Ela certamente era muito sozinha em mundo de um homens, e ele havia se esforçado por ela, não só por obrigação, mas também porque ele a amava muito, mais do que ele poderia dizer, talvez até mais, ele odiava ter que admitir, que seus filhos. Pois de todos os seus filhos, ele tem que admitir, estranhamente, mesmo sendo uma menina, é nela que ele vê mais de si mesmo. Sua obstinação; sua determinação feroz; seu espírito guerreiro; sua recusa em recuar; seu destemor; e sua compaixão. Ela sempre saía em defesa dos fracos, especialmente seu irmão mais novo, e sempre defendia a justiça – qual fosse o seu custo.

O que é outra razão pela qual a conversa havia lhe irritado tanto, deixando-o naquele estado de espírito. Quando ele a tinha visto no campo de treinamento naquela noite, empunhando seu cajado contra aqueles homens com notável habilidade, seu coração tinha se enchido de orgulho e alegria. Ele odeia Maltren, um fanfarrão e uma pedra em seu sapato, e tinha ficado feliz que sua filha, de todas as pessoas, o tinha colocado no devido lugar. Ele se sente mais que orgulhoso de que ela, uma menina de apenas quinze anos, havia conseguido se defender contra seus homens – e até mesmo vencê-los. Ele gostaria muito de abraçá-la, cobri-la de louvores na frente de todos os outros.

Mas, como seu pai, ele não pode fazer isso. Duncan quer o melhor para ela e, no fundo, ele sente que ela está seguindo por um caminho perigoso, uma estrada de violência em um mundo de homens. Ela seria a única mulher em um campo de homens perigosos, homens com desejos carnais, os homens que, quando provocados, lutariam até a morte. Ela não percebe o que uma verdadeira batalha significa, ou como é presenciar o derramamento de sangue, a dor e a morte de perto. Essa não é a vida que ele quer para ela – mesmo que isso fosse permitido. Ele quer que ela fique segura e protegida ali no forte, vivendo uma vida doméstica de paz e conforto. Mas ele não sabe o que fazer para que ela deseje o mesmo.

Aquilo tudo o tinha deixado confuso. Ao se recusar a elogiá-la, ele havia pensado que pudesse dissuadi-la. No entanto, no fundo, ele tem a sensação de que ele não conseguiria – e que o fato de não aprovar ou elogiar suas ações só a afastariam ainda mais. Ele não está feliz com a forma como tinha agido aquela noite, ou com a maneira como se sente naquele momento. Mas ele não sabe o que mais poderia fazer.

O que o deixa ainda mais perturbado, é a lembrança que ecoa em sua mente: a profecia proclamada sobre ela no dia de seu nascimento. Ele sempre havia considerado tudo aquilo uma grande bobagem, apenas as palavras de uma bruxa; mas hoje, olhando para ela, vendo sua proeza, o faz perceber como ela é especial, fazendo com que ele se pergunte se a profecia poderia realmente ser verdade. E esse pensamento o aterroriza mais do que qualquer coisa. O destino dela está se aproximando rapidamente, e ele não tem qualquer maneira de impedir que isso aconteça. Quanto tempo levaria até que todos descobrissem a verdade sobre ela?

Duncan fecha os olhos e balança a cabeça, dando um longo gole de seu saco de vinho e tentando tirar tudo isso de sua mente. Esta deve ser uma noite de comemoração, afinal. O solstício de inverno havia chegado, e quando ele abre os olhos, ele vê a neve forte através da janela, agora uma nevasca de verdade, e se acumulando em pilhas altas na pedra, como se estivesse chegando para o feriado. Enquanto o vento uiva lá fora, estão todos seguros ali dentro do forte, aquecidos pelos fogos que ardem nas lareiras, pelo calor do corpo dos convidados, pela comida e pelo vinho.

De fato, ao olhar a sua volta, todos parecem felizes – malabaristas, bardos e músicos demonstram seus talentos enquanto os homens riem e se divertem, compartilhando histórias de batalha. Duncan olha com apreço a impressionante fartura diante dele, a mesa de banquete coberta com todo tipo de comida e iguarias. Ele sente orgulho ao ver todos os escudos pendurados ao longo da parede, cada um com uma insígnia diferente martelada à mão, cada um representando sua casa, um guerreiro diferente que havia comparecido para lutar junto dele. Ele vê todos os troféus de guerra pendurados, também, memórias de uma vida de luta por Escalon. Ele é um homem de sorte, e sabe disso.

E, no entanto, por mais que prefira fingir o contrário, ele deve encarar o fato de que o seu, é um reino sob ocupação. O velho rei, o rei Tarnis, havia rendido seu povo, para sua própria vergonha, desistindo sem nem mesmo oferecer resistência, permitindo a que Pandésia os invadisse. Ele havia poupado vidas e cidades, mas também tinha roubado o espírito da população. Tarnis sempre argumentava que Escalon era indefensável de qualquer maneira e que, mesmo que eles defendessem o Portão Sul, a Ponte das Dores, Pandésia poderia cercá-los e atacar pelo mar. Mas todos sabiam que esse era um argumento fraco. Escalon é abençoada com costas feitas de falésias de cem metros de altura, com ondas e pedras irregulares em sua base. Nenhum navio poderia se aproximar – e nenhum exército seria capaz de superá-los sem pagar um alto preço. Pandésia poderia atacar por mar, mas o preço seria alto, mesmo para tamanho império. Atacar por terra seria o único caminho viável, deixando apenas o gargalo do Portão Sul, que todos em Escalon sabiam ser defensável. Render-se tinha sido uma escolha de pura fraqueza e nada mais.

Agora, ele e todos os outros grandes guerreiros estavam sem rei, deixados aos seus próprios recursos, sua própria província, a sua própria fortaleza, e forçados a dobrar o joelho e responder ao Lorde Governador nomeado pelo Império Pandesiano. Duncan ainda se lembra do dia em que tinha sido forçado a fazer um novo juramento de fidelidade, da sensação que ele teve quando foi obrigado a se ajoelhar, e a lembrança o deixa enojado.

Duncan tenta lembrar os primeiros dias, quando ele estava lotado em Andros, e todos os cavaleiros de todas as casas estavam juntos, reunidos por uma causa, um rei, uma de capital, um estandarte, com uma força dez vezes maior que os homens que ele vê diante de si. Agora eles estão espalhados por todos os cantos do Reino, e os homens ali presentes são tudo o que resta de uma força unificada.

O rei Tarnis sempre tinha sido um rei fraco; Duncan soube disso desde o início. Como seu comandante-chefe, ele tinha a tarefa de defendê-lo, mesmo que ele não merecesse. Uma parte de Duncan não tinha ficado surpresa quando o Rei havia se rendido, mas ele tinha se surpreendido com a rapidez com que tudo havia desmoronado. Todos os grandes cavaleiros se separaram, voltando para suas casas, sem um rei para lhes governar e com todo o poder  nas mãos de Pandésia. Isso havia acabado com as leis e tornado o reino, antes tão pacífico, em um terreno fértil para o crime e o descontentamento. Não é mais prudente até mesmo viajar pelas estradas, outrora tão seguras, longe da proteção das fortalezas.

Horas se passam, e à medida que a comida é consumida, criados retiram a mesa e completam as canecas de cerveja. Duncan come vários chocolates, saboreando-os, quando bandejas de iguarias da Lua de Inverno são trazidos para a mesa. Canecas de chocolate real são servidas, cobertas com creme de leite fresco de cabra, e Duncan, com cabeça girando por causa da bebida e precisando se concentrar, pega uma delas nas mãos e saboreia o seu calor. Ele bebe tudo de uma vez, e o calor se espalha através de seu corpo. A neve continua caindo lá fora, mais forte a cada momento, enquanto bobos da corte fazem suas brincadeiras, bardos contam histórias, músicos fazem interlúdios, e a noite avança, alheios ao clima. É uma tradição na Lua do Inverno festejar até depois da meia-noite, para receber o inverno como a um amigo. Mantendo a tradição corretamente, como dizia a lenda, faria com que o inverno não durasse tanto tempo.

Duncan, apesar de seus esforços, finalmente olha na direção de Kyra; ela está ali, desconsolada, olhando para baixo, como se estivesse sozinha. Ela não tinha tirado sua roupa de guerreira, como ele havia ordenado; por um momento, sua ira se acende, mas então ele decide ignorá-la. Ele percebe que ela também está chateada; ela, como ele, sente as coisas muito profundamente.

 

Duncan decide que é hora de fazer as pazes com ela, pelo menos para consolá-la mesmo que ele não possa concordar com ela, e ele está prestes a se levantar da cadeira e ir até ela quando, de repente, as grandes portas do salão de banquete se abrem.

Um visitante corre para dentro do salão, um homem pequeno com peles luxuosas anunciando outra terra, seu cabelo e capa cobertos de neve, e ele é escoltado por atendentes até a mesa do banquete. Duncan fica surpreso por receber um visitante tão tarde da noite, especialmente naquela tempestade, e quando o homem tira o capuz, Duncan observa que ele veste o roxo e amarelo de Andros. Ele tinha vindo, Duncan percebe, todo o caminho desde a capital, uma viagem de uns bons três dias.

Visitantes haviam chegando durante toda a noite, mas nenhum tão tarde, e nenhum indo de Andros. Ver aquelas cores faz Duncan pensar no velho rei, em dias melhores.

O salão se acalma quando o visitante para diante dele e abaixa a cabeça graciosamente para Duncan, à espera de ser convidado a sentar-se.

"Perdoe-me, meu senhor," diz ele. "Eu tinha a intenção de chegar mais cedo. Receio que neve tenha me atrasado. Não quero, com isso, desrespeitá-lo. "

Duncan assente.

"Eu não sou seu senhor," Duncan corrige, "mas um mero comandante. E somos todos iguais aqui, nobres e plebeus, homens e mulheres. Todos os visitantes são bem vindos, a qualquer momento."

O visitante assente graciosamente e está prestes a se sentar quando Duncan levanta a palma da mão.

"A nossa tradição manda que visitantes de longe devem sentar-se em posição de honra. Venha, sente-se perto de mim."

O visitante, surpreendido, acena graciosamente com a cabeça e os atendentes o levam, um homem magro, baixo, com bochechas e olhos profundos, talvez na casa dos quarenta, mas aparentando ser muito mais velho, para um assento perto de Duncan. Duncan o examina e detecta ansiedade em seus olhos; o homem parece estar bastante incomodado para um visitante em pleno feriado. Algo, ele sabe, está errado.

O visitante se senta, de cabeça baixa e desviando o olhar, e quando todos no salão retomam suas conversas, o homem engole o prato de sopa e chocolate quente colocados diante dele, engolindo tudo com um grande pedaço de pão, claramente faminto.

"Diga-me," Duncan fala assim que o homem termina, ansioso para saber mais, "quais são as notícias que você traz da capital?"

O visitante lentamente empurra sua taça e olha para baixo, sem vontade de encontrar os olhos de Duncan. A mesa se acalma, vendo o olhar triste no rosto dele. Todos esperam por sua resposta.

Finalmente, ele se vira e olha para Duncan, com os olhos injetados de sangue, marejados.

"Nenhuma notícia que um homem mereça ouvir," ele responde.

Duncan se prepara, pressentindo o mesmo.

"Diga de uma vez, então," ordena Duncan. "Más notícias ficam mais velhas com o tempo."

O homem olha ao redor da mesa, esfregando os dedos, nervoso.

"A partir da Lua de Inverno, uma nova lei Pandesiana será promulgada em nossas terras: puellae nuptias."

Duncan sente seu sangue gelar ao ouvir essas palavras, ao mesmo tempo em que um suspiro de indignação é emitido ao longo da mesa, um ultraje que compartilha. Puellae Nuptias. É incompreensível.

"Você tem certeza?" Duncan exige.

O visitante assente.

"A partir de hoje, a primeira filha solteira de cada homem, senhor, e guerreiro em nosso reino, ao atingir seu décimo quinto ano, podem ser tomadas pelo Lorde Governador – para casar com ele mesmo, ou com quem ele escolher."

Duncan imediatamente olha para Kyra, e vê o olhar de surpresa e indignação em seus olhos. Todos os outros homens na sala, todos os guerreiros, também se viram e olham para Kyra, compreendendo a gravidade da notícia. Qualquer outra garota teria sido tomada pelo terror, mas ela aparenta querer vingança.

"Eles não podem levá-la!" Anvin grita, indignado, levantando a voz no silêncio. "Eles não podem levar qualquer uma de nossas meninas!"

Arthfael saca sua adaga e esfaqueia a mesa com ela.

"Eles podem ficar com o nosso javali, mas vamos lutar até a morte, antes que os deixemos levar nossas meninas!"

Os guerreiros dão um grito de aprovação, sua raiva alimentada também pela bebida. Imediatamente, o clima na sala se transforma.

Lentamente Duncan fica em pé, sua refeição estragada, e o salão se acalma quando ele se levanta da mesa. Todos os outros guerreiros fazem o mesmo em sinal de respeito.

"Esta festa acabou," anuncia ele, sua voz pesada. Mesmo ao pronunciar as palavras, ele observa que ainda não é meia-noite – um presságio terrível para a Lua de Inverno.

Duncan se aproxima de Kyra no silêncio espesso, passando fileiras de soldados e dignitários. Ele para diante de sua cadeira, e olha nos olhos dela, que retribui com força e desafio em seu olhar, um olhar que o enche de orgulho. Leo, a seu lado, também olha para ele.

"Venha, minha filha," ele diz. "Você e eu temos muito a discutir."