Kitabı oku: «A Ascensão dos Dragões », sayfa 13

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Eles empurram os homens do Governador para trás ao abrirem caminho com força bruta, derrubando homens – e seus cavalos – à esquerda e à direita. Mas depois de alguns minutos de intensa luta, os guerreiros amadores começam a cair, e o ar é preenchido com seus gritos, enquanto soldados melhor armados e melhor treinados começam a acertá-los. Os homens do Governador começam a ganhar terreno e a vantagem volta a ser deles.

A ponte fica mais cheia quando mais homens do Governador se juntam à batalha. Os homens de seu pai, escorregando na neve, estão cansados, e vários deles são derrotados, mortos pelos homens do Governador. A maré da batalha está se voltando contra eles, e Kyra sabe que ela precisa fazer algo rapidamente.

Kyra olha à sua volta e tem uma idéia: ela pula no muro de pedra na borda da ponte, tendo o ponto de vista de que precisa, vários metros acima dos outros, expondo-se, mas já sem se importar. Ela é a única de seu grupo ágil o suficiente para saltar até ali, e ela pega seu arco, mira e dispara.

Com seu ângulo superior, Kyra é capaz de atirar em um soldado após o outro. Ela mira em um dos homens do Governador, que se prepara para dar uma machadada nas costas de seu pai, que está distraído, e acerta em seu pescoço, derrubando-o antes que ele possa enfiar sua lâmina em seu pai. Ela, então, dispara contra um soldado empunhando um mangual, atingindo-o nas costelas antes que ele pudesse acertar a cabeça de Anvin.

Atirando flecha após flecha, Kyra derrubada uma dúzia de homens – até que ela é finalmente descoberta. Ele sente uma flecha passar ao lado de seu rosto, e vê alguns arqueiros atirando na direção dela. Antes que ela possa reagir, ela sente uma dor horrível quando uma flecha corta seu braço, tirando sangue.

Kyra salta de cima do muro, voltando para o combate. Ela cai rolando e fica de joelhos, respirando com dificuldade, sentindo uma terrível dor no braço, e vê mais reforços chegando até a ponte. Ela vê o seu povo começar a recuar, e vê quando um deles, ao lado dela, um homem que ela conhecia e amava, é esfaqueado no intestino e cai no fosso, morto.

Enquanto ela fica ajoelhada ali, um soldado feroz levanta seu machado lá no e se prepara para golpeá-la. Ela sabe que será impossível reagir a tempo e se prepara para receber o golpe mortal quando, de repente, Leo aparece e afunda suas presas no estômago do homem.

Kyra sente um movimento com o canto do olho e ao se virar se depara com outro soldado prestes a baixar a alabarda na direção do pescoço dela. Incapaz de tomar qualquer atitude, ela se prepara mais uma vez para o golpe, esperando que fosse morrer.

Há um estrondo, e quando ela abre os olhos, Kyra vê a lâmina pairando diretamente acima da cabeça dela – tendo sido bloqueada por uma espada. Seu pai está em pé sobre ela, empunhando a espada, salvando-a do golpe mortal. Ele gira o corpo com a espada, tirando a alabarda do caminho, e em seguida, perfura o coração do soldado.

O movimento, porém, deixa seu pai indefeso, e Kyra assiste horrorizada quando outro soldado dá um passo adiante e fere o braço de seu pai; ele grita e sai cambaleando quando o soldado se joga em cima ele.

Enquanto Kyra permanece ali, uma sensação estranha começa a tomar conta dela; é um calor, surgindo a partir de seu plexo solar e lentamente se espalhando por todo seu corpo. É uma sensação estrangeira, que ela abraça imediatamente ao sentir que ela lhe dá uma força infinita, espalhando-se por seu corpo, um membro de cada vez, enquanto corre por suas veias. Mais do que força, a sensação lhe trás foco, e ao olhar à sua volta, é como se o tempo estivesse mais lento. Em um único olhar, ela vê todos os soldados inimigos, enxergando todas as suas vulnerabilidades, e vendo como matar todos e cada um deles.

Kyra não entende o que está acontecendo com ela, e ela não se importa. Ela abraça esse novo poder que toma conta dela e se permite sucumbir à doce raiva, deixando que ele faça o que quiser com ela.

Kyra está se sentindo invencível, como se todo o mundo estivesse se movendo em câmera lenta em torno dela. Ela levanta o cajado e parte para cima da multidão.

O que acontece em seguida é um flash, uma sequência de acontecimentos que ela mal consegue processar e da qual mal se lembro. Ela sente o poder tomar conta de seus braços, sentindo enquanto ela a instrui sobre o que atacar, para onde ir, e ela se vê atacando soldados inimigos enquanto ela abre caminho no meio da multidão. Ela acerta um soldado no lado da cabeça, em seguida, volta atrás e espeta um na garganta; em seguida, ela salta no alto e com as duas mãos leva seu cajado diretamente para baixo sobre as cabeças de dois soldados. Ela se contorce e gira o cajado sem parar, passando por cima dos soldados inimigos como um furacão, matando homens do Governador por todos os lados e deixando um rastro de destruição por onde passa. Ninguém consegue se aproximar dela, – e ninguém é capaz de detê-la.

O som estridente de seu cajado de metal batendo contra armaduras ecoa no ar, e tudo acontece incrivelmente rápido. Pela primeira vez em sua vida, ela se sente unida ao universo; sentindo-se como se já estivesse tentando controlar, mas permitindo-se ser controlada. Ela sente como se estivesse fora de si, e não entende esse novo poder, que a aterroriza e a deixa eufórica ao mesmo tempo.

Dentro de instantes, ela havia tirado todos os homens do Governador de cima da ponte. Ela se vê em pé no lado mais distante, espetando um último soldado entre os olhos.

Kyra fica parada, respirando com dificuldade, e de repente o tempo parece voltar ao normal. Ela olha em volta e vê o estrago que havia feito, e fica mais chocada do que todos eles.

Uma dúzia dos soldados do Governador que ainda resiste, em pé do outro lado da ponte, olha para ela com pânico nos olhos e corre na direção oposta, escorregando na neve.

Há um grito quando o pai de Kyra lidera um ataque, perseguindo os homens que fogem. Eles matam cada um deles até que não resta qualquer sobrevivente.

Uma trombeta soa, a batalha havia terminado.

Todos os homens de seu pai, todos os moradores, ficam ali, atordoados, percebendo que haviam conseguido o impossível. No entanto, estranhamente, não se ouve o clamor jubilante que normalmente segue uma vitória como aquela; ela chega sem aplausos e abraços de alívio, não há gritos de alegria. Em vez disso, o ar está estranhamente silencioso, o humor sombrio; eles haviam perdido muitos bons irmãos naquele dia, seus corpos espalhados diante deles, e talvez isso estivesse fazendo com que os homens reconsiderassem o acontecido.

Mas é mais do que isso, Kyra sabe. Não é isso que está causando o silêncio. O silêncio, ela sabe, é por sua causa.

Todos os olhos no campo de batalha se voltam para ela. Até Leo olha para ela com medo em seus olhos, como se já não a reconhecesse.

Kyra fica ali, ainda respirando com dificuldade, com as bochechas coradas, e sente todos olhando para ela. Eles a observam com admiração, mas também com desconfiança. Eles olham para ela como se ela fosse um estranho em seu meio. Todos eles, ela sabe, estão fazendo a mesma pergunta. É uma pergunta que ela mesma gostaria de saber a resposta, uma pergunta que a aterroriza mais do que qualquer outra coisa:

Quem era ela?

CAPÍTULO VINTE E UM

Alec tem um sono agitado enquanto continua no carrinho, imprensado entre a massa de meninos, sonhando rápido, sonhos conturbados. Ele se vê sendo esmagado até a morte em um caixão cheio de meninos, vê a tampa sendo fechada sobre ele.

Ele acorda com um sobressalto, respirando com dificuldade, percebendo que ainda está em pé na carroça. Mais paradas são feitas e mais meninos são amontoados em torno dele à medida que a carroça sacode pelo caminho, durante todo o segundo dia de viagem, subindo e descendo morros, dentro e fora de florestas. Alec tinha ficado em pé desde o confronto, sentindo-se mais seguro, e suas costas estão começando a incomodar. Mas ele não se importa mais. Ele acha mais fácil cochilar em pé, especialmente com Marco ao lado dele. Os garotos que o haviam atacado tinham recuado para o outro lado da carroça, mas naquele momento, ele não confia em ninguém.

Os solavancos da carroça havia entrada na consciência de Alec, e ele já não se lembra como é ficar em terra firme. Ele pensa em Ashton e encontra consolo no fato de que, pelo menos, seu irmão não está ali agora. Isso lhe dá um senso de propósito, e coragem para seguir em frente.

Quando as sombras parecem ficar maiores, sem qualquer fim à vista para a sua viagem, Alec começa a perder a esperança, tendo a sensação de nunca chegaria às Chamas.

Mais tempo se passa, e depois de cochilar várias vezes, ele sente uma cotovelada nas costelas. Ele abre os olhos para ver que é Marco, gesticulando com a cabeça.

Alec sente uma onda de excitação tomando conta da multidão de meninos, e desta vez ele sente que algo está diferente. Todos os garotos se animam e começam a virar e olhar pelas barras de ferro. Alec se vira e tenta olhar para fora, desorientado, mas ele não consegue ver através da multidão de corpos diante dele.

"Você tem que ver isso," diz Marco, olhando para fora.

Marco abre caminho para que Alec possa espiar. Quando ele faz isso, Alec tem uma visão que jamais seria capaz de esquecer:

As Chamas.

Alec tinha ouvido falar sobre as Chamas durante toda a sua vida, mas ele nunca tinha acreditado que elas pudessem mesmo existir. É uma daquelas coisas tão difícil de acreditar que, sempre que tentava, ele simplesmente não conseguia imaginar como aquilo poderia ser possível. Como as Chamas poderiam realmente alcançar o céu? Como é possível que elas queimassem para sempre?

Mas agora, ao colocar os olhos sobre elas pela primeira vez, ele percebe que é tudo verdade. Ele fica sem fôlego quando, no horizonte, ele vê as Chamas, erguendo-se, – como dizia a lenda, até as nuvens, tão espessas que ele não consegue ver onde eles terminam. Ele pode até mesmo ouvir seu crepitar, sentir o calor delas, mesmo a essa distância. É imponente e assustador ao mesmo tempo.

Ao longo das chamas, Alec vê centenas de soldados estacionados, rapazes e homens montando guarda, espalhados a cada trinta metros ou mais. No horizonte, no final da estrada, ele vê uma torre de pedra negra, em torno do qual há várias outras pequenas construções. O lugar está bastante movimentado.

"Parece que chegamos ao nosso novo lar," observa Marco.

Alec vê as fileiras de barracas miseráveis, repletas de meninos cobertos de fuligem. Ele sente um vazio na boca do estômago, ao perceber que aquele é um triste vislumbre de seu futuro, do inferno que sua vida se tornaria.

*

Alec se prepara ao ser arrancado para fora da carroça por guardas Pandesianos e é jogado no chão duro sobre um monte de meninos. Outros garotos caem em cima dele, e enquanto ele luta para respirar, ele fica surpreso com a dureza do chão – e ao constatar que eles está coberto de neve. Ele não está acostumado a esse clima do nordeste, e percebe imediatamente que suas roupas das terras médias, muito finas, serão inúteis ali. Em Soli, embora apenas alguns dias de viagem ao sul, o chão é suave, coberto de musgo verde, exuberante; nunca neva lá e o ar cheira a flores. Ali o clima é frio e duro, sem vida, e o ar cheira somente a fogo.

Ao se livrar da massa dos corpos, Alec mal fica em pé quando é empurrado pelas costas. Ele tropeça e, ao olhar para trás, vê um dos guardas atrás dele, arrebanhando os meninos como se fossem gado, levando-os em direção às barracas.

Atrás dele Alec observa várias dezenas de meninos saindo da carroça; mais de um deles, ele fica surpreso ao ver, são tirados da carroça mortos.  Ele se espanta que tenha sobrevivido a viagem, amontoados como estavam. Todos os ossos de seu corpo estão doloridos, suas articulações rígidas, e enquanto marcha, ele nunca havia se sentido mais cansado. Ele sente como se não dormisse há meses, e como se tivesse chegado ao fim do mundo.

Um barulho constante preenche o ar e, ao olhar para cima, Alec vê, – talvez a cem metros de distância, as Chamas. Eles caminham em direção a elas e, à medida que se aproximam, elas ficam cada vez maiores. As Chamas são impressionantes vistas de perto, e ele aprecia o seu calor, ficando mais quente a cada passo que dá. Ele teme, porém, o calor que sentiria ao chegar mais perto, como os outros que estavam na patrulha a quase vinte metros de distância delas. Ele nota que eles usam uma armadura incomum como proteção. Mesmo assim, alguns parecem doentes, prestes a entrarem em colapso.

"Vê aquelas Chamas, rapaz?" Diz uma voz sinistra.

Alec se vira para ver o menino que ele havia enfrentado na carroça se aproximando dele, acompanhado de seu companheiro.

"Quando eu empurrar seu rosto de encontro a elas, ninguém mais irá reconhecê-lo – nem mesmo sua mãe. Eu vou queimar suas mãos até que não reste nada exceto tocos. Aproveite enquanto você as tem, pois logo irá perdê-las."

Ele dá uma risada sombria, soando como uma tosse.

Alec olha pra trás, desafiador, com Marco agora ao lado dele.

"Você não conseguir bater em mim na carroça," Alec responde, "e não vai conseguir me bater agora."

O menino ri.

"Isso aqui não é nenhuma carroça, menino," ele fala. "Você vai dormir comigo hoje à noite. Essas barracas são de todos nós. Uma noite, embaixo de um só telhado. É você e eu, e eu tenho todo o tempo do mundo. Pode ser hoje à noite ou pode ser amanhã, mas uma noite qualquer, quando você menos esperar, você estará dormindo e nós vamos te pegar. Você vai acordar com seu rosto naquelas Chamas. Durma bem," conclui ele com uma risada.

"Se você é tão durão," fala Marco, ao lado dele, "o que você está esperando? Aqui estamos nós. Venha."

Alec vê que o rapaz hesita quando ele olha para os guardas Pandesianos.

"Quando for a hora certa," responde ele.

Com isso, eles se afastam no meio da multidão.

"Não se preocupe," diz Marco. "Você vai dormir quando eu acordar, – e eu farei o mesmo por você. Se essa escória se aproximar de nós, eles terão o que merecem."

Alec concorda com a cabeça, agradecido, olhando para as barracas e pensando. A poucos metros da entrada lotada, Alec já consegue sentir o cheiro que emana de lá. Ele tenta recuar ao ser empurrado para dentro.

Alec tenta se acostumar com a escuridão do alojamento, iluminado apenas pela luz fraca que atravessa algumas janelas no alto. Ele olha para o chão de terra e percebe imediatamente que a carroça, por pior que fosse, era melhor do aquele lugar. Ele vê filas de rostos hostis com olhares suspeitos, apenas o branco dos olhos visíveis, analisando-o. Eles começam a vaiar e a gritar, claramente tentando intimidar os novatos, e para demarcar seu território, e o alojamento irrompe em uma confusão de vozes.

"Carne fresca!" grita um dos garotos.

"Comida para as Chamas!" Grita outro.

Alec sente um profundo senso de apreensão à medida que eles são empurrados cada vez mais para o fundo de um grande quarto. Ele finalmente para, com Marco ao lado dele, diante de uma pilha de feno no chão – apenas para ser imediatamente empurrado por trás.

"Esse lugar é meu, rapaz."

Alec se vira e vê um recruta mais velho olhando para ele, segurando um punhal.

"A menos que você queira que eu corte sua garganta," ele alerta.

Marco dá um passo adiante.

"Fique com o seu feno," ele diz. "Ele cheira mal mesmo."

Os dois deles se viram e continuam avançando pelo alojamento até que, em um canto distante, Alec encontra um pequeno pedaço de feno escondido nas sombras. Ele não vê ninguém por perto, e se senta com Marco, a poucos metros de distância um do outro, de costas contra a parede.

Alec imediatamente dá um suspiro de alívio; ele sente uma sensação de alívio ao descansar as pernas doloridas, finalmente sem a necessidade de movimentá-las. Ele se sente seguro, de costas para a parede, em um canto, onde ele não poderia facilmente sofrer uma emboscada, e de onde ele tem uma visão do lugar. Ele vê centenas de recrutas entediados, todos em algum estado de discussão, enquanto dezenas de outros recrutas continuam entrando. Ele também vê diversos garotos sendo arrastados para fora por seus tornozelos, mortos. Aquele lugar é uma visão do inferno.

"Não se preocupe, isso ainda vai piorar," diz uma voz ao seu lado.

Alec vê um recruta escondido nas sombras a poucos metros de distância, um menino que ele não tinha notado antes, de costas, com as mãos atrás da cabeça, olhando para o teto. Ele mastiga um pedaço de palha, e tem uma voz profunda e cansada.

"A fome provavelmente vai matar você," o garoto acrescenta sombriamente. "Ela mata cerca de metade dos meninos que passam por aqui. A doença mata a maioria dos outros. Se isso não te pegar, outro menino vai. Talvez você vá brigar por um pedaço de pão – ou talvez sem qualquer motivo. Talvez alguém não goste do jeito que você anda, ou da maneira como você olha. Talvez você os lembre de alguém. Ou será apenas por puro ódio, sem motivo. Isso acontece muito por aqui."

Ele suspira.

"E se nada disso te matar," ele acrescenta, "as Chamas vão. Talvez não em sua primeira patrulha – ou durante a segunda. Mas trolls atravessam quando você menos espera, geralmente pegando fogo, sempre à procura de matar alguma coisa. Eles não têm nada a perder e eles surgem do nada. Eu vi um outro dia, que afundou seus dentes na garganta de um menino antes que os outros pudessem fazer qualquer coisa."

Alec troca um olhar com Marco, ambos querendo saber para a que tipo de vida eles tinham  se condenado.

"Não," o rapaz acrescenta, "Eu não vi nenhum menino sobreviver mais do que uma lua aqui."

"Você ainda está aqui," observa Marco.

O menino sorri, mordendo sua palha, ainda olhando para cima.

"Isso é porque eu aprendi a sobreviver," ele responde.

"Há quanto tempo você está aqui?" Pergunta Alec.

"Há duas luas," responde ele. "As mais longas de toda a minha vida."

Alec engasga, chocado. Duas luas, e ele é o sobrevivente mais velho. Aquele lugar é realmente uma fábrica de mortes. Ele começa a se perguntar se teria cometido um erro em vir até ali; Talvez ele devesse apenas ter lutado contra os Pandesianos quando eles chegaram à Solis; ele teria tido uma morte rápida, e ainda estaria em casa. Ele encontra os seus pensamentos se voltando para uma escapada; afinal, seu irmão tinha sido poupado – o que ele teria a ganhar ficando ali agora?

Alec se vê olhando para as paredes, verificando janelas e portas, contando os guardas, e se perguntando se haveria uma maneira.

"Isso é bom," o menino fala, ainda olhando para o teto, mas de alguma forma a observá-lo. "Pense em fugir. Pense em qualquer coisa, exceto neste lugar. É assim que você vai conseguir sobreviver."

Alec enrubesce, envergonhado que o menino tenha lido sua mente, e espantado que ele tenha conseguido fazê-lo sem sequer olhar diretamente para ele.

"Mas, por favor, não tente nada," o menino diz. "Eu nem posso dizer quantos de nós morrem a cada noite tentando escapar. É melhor ser morto do que morrer dessa forma."

"Morrer de que maneira?" Pergunta Marco. "Eles os torturam?"

O garoto balança a cabeça.

"Pior," ele responde. "Eles permitem que você vá."

Alec olha para trás, confuso.

"O que você quer dizer?" ele pergunta.

"Eles escolheram bem este lugar," ele explica. "Essas florestas estão repletas de morte. Javalis, bestas, trolls – tudo que você possa imaginar. Nenhum menino jamais conseguiu sobreviver."

O menino sorri, e olha para eles pela primeira vez.

"Bem vindos às Chamas, meus amigos," ele diz com um grande sorriso nos lábios.

CAPÍTULO VINTE E DOIS

Kyra caminha pelas ruas sinuosas de Volis, esmagando a neve sob suas botas, em transe depois de sua primeira batalha. Tudo havia acontecido muito rápido, e tinha sido mais cruel e mais intenso do que ela poderia ter imaginado. Homens haviam morrido – homens bons, que ela conhecia desde criança, – de formas horríveis e dolorosas. Pais, irmãos e maridos agora jazem mortos na neve, seus cadáveres empilhados do lado de fora dos portões do forte, o solo ainda duro demais para enterrá-los.

Ela fecha os olhos e tenta tirar as imagens de sua mente.

Tinha sido uma grande vitória, mas ainda assim, a batalha a tinha deixado mais humilde, fazendo com que ela visse como era uma batalha de verdade, lembrando-a da fragilidade da vida. A luta havia lhe mostrado a facilidade com que os homens poderiam morrer – e a facilidade com que ela havia tirado a vida de outro homem a tinha deixado igualmente perturbada.

Ser uma grande guerreira é tudo o que ela sempre quis; no entanto, ela pode ver agora que o título custa um alto preço. A coragem é algo pelo qual ela se esforça, mas não é fácil, – ela começa a entender, a ter coragem. Ao contrário dos despojos de guerra, a coragem não é algo que ela possa segurar em sua mão, e não é algo que ela possa pendurar em sua parede. Ainda assim, é algo pelo qual todos os homens se esforçam. Onde está essa coisa chamada coragem? Agora que a batalha havia acabado para onde ela foi?

Mais do que tudo, os acontecimentos do dia forçam Kyra a se perguntar sobre si mesma, sobre seu poder misterioso, que surgia do nada e parecia desaparecer com a mesma rapidez. Ela tenta invocá-lo novamente,  mas não consegue. O que seria? De onde ele vem? Kyra não gosta do que ela não consegue entender, do que ela não pode controlar. Ela preferiria ser menos poderosa e entender de onde seus talentos vinham.

Enquanto Kyra anda pelas ruas, ela fica intrigada com a reação de o povo de sua cidade. Após a batalha, ela esperava que eles entrassem em pânico, voltando para suas casas ou se preparando para evacuar o forte. Afinal de contas, muitos dos homens do Governador haviam morrido, e certamente logo sofreriam a ira de Pandésia. Um grande e terrível exército viria para acabar com todos eles; pode ser que seja no dia seguinte, ou no dia seguinte a ele, ou na semana seguinte – mas eles certamente viriam. Eles são todos mortos-vivos ali. Como poderiam não sentir medo?

No entanto, quando ela se junta ao seu povo, Kyra não detecta qualquer medo. Pelo contrário, ela vê seu povo em júbilo, energizado, rejuvenescido; ela vê um povo que tinha sido libertado. Eles se movimentam em todas as direções, batendo nas costas uns aos outros, celebrando – e se preparando. Eles afiam armas, reforçam portões, empilham pedras, estocam alimentos, e se apressam com grande senso de propósito. Os Volisianos, seguindo o exemplo de seu pai, têm uma vontade de ferro. Eles não são facilmente intimidados e, de fato, parecem estar aguardando, ansiosos, o próximo confronto, custe o que custar e por mais fracas que sejam as chances de vitória.

Kyra também nota outra coisa enquanto caminha entre seus subordinados, algo que a deixa incomodada: a nova maneira que olham para ela. Claramente o boato sobre que ela tinha feito havia se espalhado, e ela pode sentir os sussurros ao passar diante de alguns grupos. Eles olham para ela como se ela não fizesse parte deles, aquelas pessoas que ela conhecia e amava durante toda sua vida. Isso a faz se sentir como uma estranha aqui, e a faz se perguntar onde seria seu verdadeiro lar. Acima de tudo, isso a faz se perguntar sobre o segredo de seu pai.

Kyra caminhou até as muralhas e sobe os degraus de pedra, com Leo logo atrás dela, subindo até os níveis superiores. Ela passa por todos os homens de seu pai, montando guarda a cada vinte metros ou mais, e pode ver que eles também olham para ela de forma diferente agora, com um novo respeito em seus olhos. Aquele olhar faz com que tudo tenha valido a pena para ela.

Kyra vira uma esquina e, ao longe, acima dos portões em arco, com vista para o campo, ela vê o homem que ela estava procurando: seu pai. Ele fica ali, com as mãos nos quadris e vários de seus homens ao seu redor, olhando para a neve que se acumula. Ele encara o vento de frente, sem parecer se incomodar com ele, – ou com seus ferimentos da batalha.

Ele vira quando ela se aproxima, fazendo um gesto para os seus homens. Todos eles se afastam, deixando-os sozinhos.

Leo corre e lambe a mão dele, e seu pai acaricia a cabeça dele.

Kyra fica olhando seu pai de frente, e não sabe o que falar. Ele olha para ela, sem expressão, e ela não sabe dizer se ele está bravo com ela, orgulhoso, ou ambos. Ele é um homem complicado, mesmo no mais simples dos tempos, – e aquela certamente não é uma situação simples. A expressão em seu rosto é dura, como as montanhas além deles, tão branca como a neve que cai, e ele se parece com a rocha antiga a partir da qual Volis tinha sido esculpida. Ela não sabe se ele pertencia a este lugar, ou se o local fazia parte dele.

Ele se vira e olha para o campo, em pé ao lado dela, e Kyra também olha na mesma direção. Eles compartilham o silêncio, interrompido apenas pelo vento, enquanto ela espera que ele fale.

"Eu costumava pensar que a nossa segurança, a nossa vida segura aqui, fosse mais importante do que a liberdade," ele finalmente começa, sua voz um ruído surdo. "Hoje, eu percebo que estava errado. Você me ensinou o que eu esqueci; que a liberdade – e a honra, valem mais do que tudo."

Ele sorri quando ele olha para ela, e ela fica aliviada ao ver o calor em seus olhos.

"Você me deu um grande presente," ele diz. "Você me fez lembrar o que significa a honra."

Ela sorri, tocada por suas palavras, aliviada ao ver que ele não está chateado com ela, sentindo a divisão que havia surgido entre eles desaparecendo.

"É difícil ver homens morrerem," continua ele, pensativo, voltando-se para o campo. "Mesmo para mim."

Um longo silêncio se segue, e Kyra se pergunta se ele pretende falar sobre o ocorrido; sentindo que é isso que ele quer. Ela gostaria de levantar o assunto ela mesma, mas não sabe como.

"Eu sou diferente, papai, não sou?" Ela questiona, sua voz suave, com medo de fazer a pergunta.

Ele continua olhando para o horizonte, inescrutável, até que, finalmente, ele acena ligeiramente com a cabeça.

"Tem alguma coisa a ver com a minha mãe, não é mesmo?" Ela pressiona. "Quem era ela? Eu sou mesmo sua filha?"

Ele se vira e olha para ela, a tristeza evidente em seus olhos, misturada com um olhar nostálgico que ela não entende totalmente.

"Estas são perguntas para outro momento," ele diz. "Quando você estiver pronta."

"Estou pronta agora," ela insiste.

Ele balança a cabeça.

"Há muitas coisas que você deve aprender primeiro, Kyra. Muitos segredos que tive que esconder de você," ele fala, sua voz cheia de remorso. "Não foi fácil para mim, mas tive que fazer isso para protegê-la. Está chegando a hora de você saber de tudo, saber quem você realmente é."

Ela fica parada, e seu coração bate acelerado – desesperada para saber, mas ao mesmo tempo com medo.

"Eu pensei que eu pudesse cuidar de você," ele suspira. "Eles me alertaram que esse dia chegaria, mas eu não acreditei nisso. Não até hoje, não até que eu vi a sua habilidade. Seus talentos… eles estão além do que eu posso compreender."

Ela franze a testa, confusa.

"Eu não entendo, papai," ela fala. "O que você está dizendo?"

Seu rosto endurece com determinação.

"É hora de você nos deixar," completa ele, sua voz cheia de determinação, assumindo o tom que ele usa quando está decidido. "Você deve deixar Volis agora mesmo e procurar seu tio, irmão de sua mãe. Akis. Na Torre de Ur."

"A Torre de Ur?" Ela repete, chocada. "Meu tio então é um Vigilante?"

Seu pai balança a cabeça.

"Ele é muito mais do que isso. É ele quem deve treiná-la e é ele, somente ele, que pode revelar o segredo de quem você realmente é."

Embora aprender o segredo a deixa animada, ela se entristece com a ideia de deixar Volis.

"Eu não quero ir," ela diz. "Eu quero ficar aqui, com vocês – especialmente agora."

Ele respira fundo.

"Infelizmente, o que você e eu queremos não importa mais," ele fala. "Isso não diz respeito apenas a mim e a você, trata-se de Escalon – toda Escalon. O destino de nossas terras encontra-se em suas mãos. Você não vê Kyra?" ele pergunta, voltando-se para ela. "É você. Você é a única que pode guiar o nosso povo para fora da escuridão."

Ela pisca, chocada, mal acreditando em suas palavras.

"Como?" ela pergunta. "Como isso é possível?"

Mas ele apenas permanece em silêncio, recusando-se a dizer mais.

"Eu não posso sair do seu lado, papai," ela implora. "Eu não vou. Não agora."

Ele estuda o campo, a tristeza evidente em seus olhos.

"Dentro de duas semanas, tudo que você vê aqui, será destruído. Não há esperança para nós. Você deve escapar enquanto puder. Você é a nossa única esperança, e se você morrer aqui conosco não vai ajudar ninguém."

Kyra se sente magoada por suas palavras. Ela não tem coragem de abandonar Volis sabendo que seu povo morreria.

"Eles vão voltar, não vão?" ela fala.

É mais uma afirmação do que uma pergunta.

"Sim, ele virão," ele responde. "Eles vão atacar Volis como uma praga de gafanhotos. Tudo o que você está vendo, e tudo que você ama deixará de existir."

Ela sente um vazio no estômago ao ouvir sua resposta, e sabe que ele diz a verdade, ficando grata por isso.

"E o que dizer da capital?" questiona Kyra. "E o antigo rei? Você não pode ir até Andros e ressuscitar o antigo exército para um último confronto?"

Ele balança a cabeça.

"O rei já se rendeu uma vez," ele diz, melancolicamente.  "A hora de lutar já passou. Andros está cercado por políticos agora, não soldados, e nenhum deles é de confiança. "

"Mas certamente eles lutariam por Escalon, se não por Volis," ela insiste.

"Volis é apenas uma fortaleza," ele declara, "que eles podem se dar ao luxo ignorar. A nossa vitória de hoje, por maior que tenha sido, é demasiado pequena para que eles arrisquem uma guerra em toda Escalon."

Ambos ficam em silêncio enquanto eles estudam o horizonte, e Kyra pensa sobre suas palavras.

"Você está com medo?" ela pergunta.

"Um bom líder deve sempre conhecer o medo," responde ele. "O medo aguça nossos sentidos, e ajuda a nos preparar. Não é a morte que eu temo, – preocupa-me apenas que ela seja digna."

Eles continuam ali, olhando para os céus, e Kyra percebe a verdade em suas palavras. Um silêncio longo e confortável recai sobre eles.

Finalmente, ele olha para ela.

"Onde está o seu dragão agora?" Ele pergunta de repente, e então se vira e sai, como às vezes fazia.

Kyra, sozinha, continua ali e estuda o horizonte. Estranhamente, ela havia se perguntado a mesma coisa. O céu está vazio, com nuvens pesadas se movimentando, e ela continua com esperança, no fundo de sua mente, de ouvir um grito, de ver suas asas mergulharem abaixo das nuvens.