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CAPÍTULO DOIS
Roma, 1790
Kyle fica em pé no escuro, com a respiração ofegante. Há poucas coisas que ele deteste mais que espaços restritos, e ao esticar a mão na escuridão e se deparar com a rocha à sua volta, ele começa a transpirar. Preso. Não há como piorar.
Ele cerra o punho e dá um murro que abre um buraco na parede de pedra. Ela quebra em pedaços, e Kyle rapidamente cobre os olhos, protegendo-os da luz do sol.
Se há algo que Kyle odeie mais que estar preso, é ser acertado de frente pela luz do sol, especialmente sem suas proteções de pele. Ele rapidamente salta sobre os escombros da parede e se protege atrás de um muro.
Kyle respira fundo e analisa o seu entorno, desorientado, enquanto retira a poeira dos olhos. Isso é exatamente o que ele mais detestava sobre a viagem no tempo: ele nunca sabia onde iria parar. Ele não havia tentado há séculos e, não teria enfrentado a viagem agora se não fosse pela eterna pedra em seu sapado, Caitlin.
Não muito tempo depois da partida dela de Nova Iorque, Kyle tinha percebido que a Guerra estava somente parcialmente ganha. Com ela ainda à solta, e sua busca pelo Escudo, ele logo havia percebido que não poderia relaxar. Ele estava prestes a ganhar a guerra, e escravizar toda a raça humana, prestes a se tornar o único líder de toda a raça vampira; mas Caitlin, aquela garotinha patética, o estava impedindo. Enquanto o Escudo estivesse desaparecido, ele não poderia assumir o poder absoluto. Ele não teria escolha a não ser rastreá-la e matá-la. E se isso significasse que ele teria que viajar no tempo, era isso que ele faria, e assim o fez.
Quase sem fôlego, Kyle retira uma proteção de pele do bolso e as envolve em torno dos braços, pescoço e torso. Ao prestar mais atenção ao local, ele se dá conta de que está em um mausoléu. As marcações na parede parecem escritas em romano. Roma.
Ele não visitava Roma há anos. Ele tinha levantado poeira demais ao estourar a parede de mármore, e era possível ver a poeira suspensa no ar contra a luz, e ele não consegue ter certeza de onde está. Respirando fundo, ele se prepara e caminha até a saída.
Ele estava certo: É Roma. Ele olha para fora, vê os Ciprestes Italianos, e tem certeza de sua localização. Ele percebe estar no Fórum Romano, com seu gramado, colinas, vales esparramados à sua frente em uma leve descida. As lembranças não demoram a aflorar; ele havia matado muitas pessoas aqui, quando ainda se costumava fazer isso. Ele mesmo quase havia sido morto, sorri Kyle ao lembrar, – era exatamente o seu tipo de lugar.
É o lugar perfeito para estar. O Partenon não é muito longe, e dentro de minutos, ele estaria diante dos juízes do Grande Conselho Romano, e seu poderoso coven, – e conseguir as respostas que tanto quer. Ele logo saberia onde Caitlin está e, se tudo corresse bem, conseguiria a permissão deles para matá-la.
Não que ele precisasse de permissão, seria uma questão de cortesia – de etiqueta – seguir a milenar tradição. Sempre se pede permissão para matar no território de outro coven.
Mas se eles recusassem, ele dificilmente desistiria. Isso poderia tornar sua vida mais difícil, mas ele mataria qualquer pessoa que tentasse impedi-lo.
Kyle respira o ar romano, sentindo-se em casa. Há muito tempo ele não visitava aquele lugar. Ele tinha se envolvido demais em Nova Iorque, com a política da era moderna. Isso é mais seu estilo; ele pode ver cavalos à distância e estradas de terra, e supõe que esteja em algum momento do século XVIII. Perfeito. Roma é urbana, mas ainda inocente, ainda tem 200 anos de aprendizado pela frente.
Ao analisar seu estado, Kyle percebe ter sobrevivido relativamente bem à viagem no tempo. Em outras viagens, ele tinha chegado bem destruído, havia precisado de mais tempo para se recuperar. Mas não desta vez. Agora ele se sente mais forte do que nunca, pronto para qualquer situação, como se suas asas pudessem brotar a qualquer momento; sentindo como se pudesse voar direto até o Partenon se assim desejasse, e colocar seu plano em ação imediatamente.
Mas ele não está exatamente preparado. Ele não viajava no tempo a muitos anos, e a sensação de estar de volta lhe agrada. Ele pretende explorar um pouco, ver e recordar como tinha sido viver ali.
Kyle desce a colina com sua supervelocidade, e em poucos instantes, está fora do Fórum e no meio das movimentadas ruas de Roma.
Ele se surpreende que mesmo 200 anos antes, Roma já tem mais gente do que aparentemente pode comportar.
Kyle diminui o ritmo ao misturar-se à multidão, caminhando lado a lado. É uma massa humana; a larga avenida, ainda feita de terra, está repleta de milhares de pessoas, apressando-se em todas as direções. Há também cavalos de todos os tipos e tamanhos, assim como carrinhos puxados por cavalos, carroças e carruagens. As ruas cheiram a esterco e suor humanos; Kyle começa a se recordar, da falta de água encanada e de banhos, o fedor dos tempos antigos, – isso o enoja.
Kyle é empurrado para os lados, à medida que o grupo se torna mais denso, pessoas de todas as raças e classes sociais indo e vindo em todas as direções. Ele se encanta com as vitrines antigas, vendendo velhos chapéus italianos. Ele fica maravilhado com os garotinhos vestidos com trapos que correm até ele, oferecendo pedaços de fruta para vender; algumas coisas nunca mudam.
Kyle vira em um pequeno beco decadente de que se recordava, na esperança de que ainda fosse o que costumava ser. Ele fica feliz ao constatar que sim: diante dele, dezenas de prostitutas, encostadas contra os muros, chamam por ele enquanto ele caminha.
Kyle abre um largo sorriso.
Ao se aproximar de uma delas, – uma mulher grande e peituda, com cabelos vermelhos intensos e maquiagem demais – ela estende a mão e acaricia seu rosto.
“Oi garotão,” ela diz, “você quer se divertir? Quanto dinheiro você tem?”.
Kyle sorri, abraçando a mulher, e a acompanha até um beco lateral.
Ela o segue, satisfeita.
Logo que viram a rua, ela diz, “Você não respondeu minha pergunta. Quanto você-“.
É uma pergunta que ela nunca terá a chance de terminar.
Antes que ela complete a frase, Kyle perfura o pescoço dela com suas presas afiadas.
Ela tenta gritar, mas ele fecha a boca dela com sua mão livre, e a puxa para mais perto, sugando sem parar. Ele sente o sangue humano correr por suas veias, e se sente excitado. Ele estava sedento, desidratado. A viagem no tempo o havia deixado exausto, e é exatamente disso que ele precisava para restaurar seu ânimo.
Quando o corpo da mulher relaxa, ele continua bebendo, sugando mais do que possivelmente poderia precisar. Finalmente, se sentindo completamente saciado, ele deixa seu corpo inerte cair até o chão.
Ao se virar para sair, um homem robusto, barbudo e sem um dente, se aproxima, retirando um punhal do cinto.
O homem olha a mulher morta e depois para Kyle, e faz uma careta.
“Ela era minha propriedade,” ele diz. “é melhor você ter dinheiro para pagar.”
Ele dá dois passos na direção de Kyle e o ataca com o punhal.
Kyle, com seu super-reflexo, dá um passo ao lado, agarra o braço do homem e o dobra para trás de uma única vez, partindo-o ao meio. O homem grita, mas antes que possa terminar, Kyle retira o punhal de suas mãos e, com um gesto rápido, corta seu pescoço. Ele deixa o corpo do homem cair no chão.
Kyle olha para o punhal, pequeno com um cabo de marfim, e balança a cabeça, – não é tão ruim. Ele enfia o punhal no cinto, limpando o sangue da boca. Kyle respira profundamente e, finalmente satisfeito, sai do beco e caminha em direção à rua.
Ah, como ele tinha sentido falta de Roma.
CAPÍTULO TRÊS
Caitlin acompanha o padre pela igreja, enquanto ele termina de fechar a porta de frente e todas as outras entradas. O sol já se pôs, e ele acende tochas pelo caminho, gradualmente iluminando as amplas salas.
Caitlin olha para cima, vê grandes cruzes, e se pergunta por que se sente tão bem ali. Vampiros não deveriam ter medo de igrejas, e de cruzes? Ela se lembra da casa do Coven White, nos Claustros de Nova Iorque, e das cruzes, penduradas nas paredes. Caleb havia dito que certas raças vampiras aceitavam a igreja. Ele tinha dado uma extensa explicação sobre a história da raça vampire e de sua relação com o Cristianismo, mas ela não tinha prestado muita atenção na época, – estava apaixonada demais. Agora ela gostaria de tê-lo escutado.
O padre vampire dirige Caitlin até uma porta lateral, e Caitlin se vê descendo um lance de escada com degraus de pedra. Eles caminham por uma passagem medieval estreita, e ele continua acendendo tochas pelo caminho.
“Eu não acho que eles voltarão.” Ele diz, trancando outra porta por onde passam. “Eles varrerão a área atrás de você, e quando não encontrá-la, voltarão para suas casas. É o que sempre fazem.”
Caitlin se sente segura ali, e está muito grata pela ajuda. Ela se pergunta por que ele a teria ajudado, por que se tinha se arriscado por ela.
“Por que sou da mesma raça que você,” ele diz, virando-se para ela e olhando direto para ela, com seus olhos azuis penetrantes.
Caitlin sempre se esquecia de que vampiros podem ler mentes, mas por um momento também havia esquecido que ele era como ela.
“Nem todos tememos igrejas,” continua ele, respondendo suas perguntas. “Você sabe que nossa raça está dividida. Nosso grupo, o do bem, precisa de igrejas. Sobrevivemos com elas.”
Ao passarem por outro corredor e descerem outro lance de escada, Caitlin pensa sobre onde eles estariam indo. Tantas perguntas passam por sua cabeça, que ela não sabe o que perguntar primeiro.
“Onde estou?” ela pergunta, percebendo ao fazer isso, que é a primeira coisa que ela diz para ele desde que se conheceram. Todas as perguntas saem de uma vez: “Em que país eu estou? – Em que ano?”
Ele sorri enquanto caminham, suas rugas se pronunciando em seu rosto. Ele era um homem baixo, frágil, de cabelos broncos e sem barba, sua voz macia como a de um avô. Ele estava vestindo os trajes elaborados de um padre, e mesmo para um vampiro, pareciam velhos. Ela se pergunta há quantos séculos ele estaria aqui na terra. Caitlin sente a bondade e calor que emanam dele, e se sente em paz ao lado do padre.
“Tantas perguntas,” ele fala finalmente, com um sorriso. “Eu compreendo, é muito para você. Bem, para começar você está na Úmbria, na pequena cidade de Assis.”
Ela se esforça, tentando lembrar onde fica esse lugar.
“Na Itália?” ela pergunta.
“No futuro, sim, esta região será parte de um país chamado Itália,” diz ele, “mas não agora. Nós ainda somos independentes. Lembre-se,” ele sorri, “você não está mais no Século XXI, como deve ter percebido pelo comportamento daqueles aldeões.”.
“Em que ano estamos?” Caitlin pergunta baixinho, quase com medo de ouvir a resposta. Seu coração bate acelerado.
“Você está no século XVIII,” ele responde. “Para ser mais preciso: no ano de 1790.”
1790. Assis. Úmbria. Itália.
A ideia a assombra. Tudo parece surreal, como se ela estivesse sonhando. Ela mal pode acreditar que isso está realmente acontecendo, que ela realmente esteja ali, naquele dia e local. Que a viagem no tempo tinha realmente.
Ela também se sente um pouco aliviada: de todos os lugares e anos em que poderia estar, a Itália de 1790 não lhe parece tão mal, – não é como a pré-história.
“Por que aquelas pessoas estavam tentando me matar? E quem é você?”
“Apesar de todos os nossos avanços, ainda vivemos em uma época primitiva e supersticiosa,” ele responde. “Mesmo nessa época de luxo e decadência, há milhares de plebeus que ainda vivem com medo de nós.”
“Veja bem, o pequeno vilarejo de Assis sempre foi um reduto do nosso povo. Ele é frequentado por vampiros, e sempre foi. Nosso grupo se alimenta apenas de animais. Ainda assim, com o tempo, os aldeões começaram a perceber.”
“Às vezes eles veem um dos nossos. E quando isso acontece, a situação se torna intolerável. Então, vez ou outra, deixamos que nos enterrem. Deixamos que sigam os tolos rituais humanos, deixando que pensem que estão se livrando de nós. E quando não estão olhando, levantamos e retomamos nossa vida.”
“Mas às vezes, um vampiro levanta cedo demais, ou é visto quando se levanta, e lá vêm os plebeus de novo. Vai passar, – essas coisas sempre passam; trazem atenção indesejada para a nossa raça, mas apenas momentaneamente.”
“Lamento muito,” Caitlin diz, sentindo-se mal pela situação.
“Não se preocupe,” ele responde, “esta foi sua primeira viagem no tempo. Você não pôde evitar, é preciso tempo até se acostumar. Mesmo os melhores de nós não conseguem controlar o despertar muito bem. É sempre difícil prever exatamente onde e quando ressurgiremos; você se saiu bem,” ele completa, colocando a mão gentilmente sobre a dela.
Eles atravessam outro corredor, este mais baixo, com o teto arqueado.
“Além disso, não foi tão mal assim,” finaliza ele. “Afinal de contas, você sabia o suficiente para vir até aqui.”
Caitlin se recorda que tinha visto a igreja enquanto corria pelo campo.
“Mas apenas me pareceu o lugar lógico aonde ir,” ela responde. “É o primeiro prédio que vi, e parecia uma fortaleza.”
Ele sorri, negando com a cabeça. “Não existem coincidências no mundo vampiro,” diz ele. “Tudo está destinado a acontecer. Um prédio que lhe pareça seguro pode parecer frágil para outra pessoa. Não, você escolheu este lugar por um motivo, um motivo bastante específico. E você foi conduzida até mim.”
“Mas você é um padre.”
Ele balança ligeiramente a cabeça. “Você é ainda muito jovem, e ainda tem muito a aprender. Nós temos nossa própria religião, nossas próprias crenças. Não diferem muito do que prega a igreja, é possível ser um vampiro e ainda assim, manter uma vida religiosa. Especialmente os vampiros como nós,” ele fala. “Eu até ajudo os humanos com suas vidas espirituais e cotidianas. Afinas de contas, tenho o benefício de milhares de anos de vida neste planeta e a experiência que a acompanha – diferente dos padres humanos. Por sorte, os humanos que conheço não sabem que não sou como eles. Tudo o que sabem é que sou o padre da cidade, e que sempre fui.”
A mente de Caitlin se confunde quando ela tenta absorver tudo aquilo. A ideia de um padre vampiro lhe parece um paradoxo. E ideia de uma religião vampire, trabalhando de dentro da igreja… tudo aquilo lhe parece muito estranho.
Por mais fascinante que fosse tudo aquilo, ela realmente não quer saber sobre vampiros, ou igrejas e religião. Ela quer notícias de Caleb: Ele tinha sobrevivido à viagem? Estava vivo? Onde estava ele?
E ela precisa desesperadamente saber sobre o filho deles: Ela ainda estava grávida? O bebê tinha sobrevivido?
Ela se concentra nas perguntas com força, e espera que o padre consiga ler seus pensamentos e respondê-las.
Mas ele não faz isso.
Ela sabe que ele tinha lido seus pensamentos e está escolhendo não tirar suas dúvidas. Ele quer que ela fale, e provavelmente sabe que são perguntas que ela teme fazer-lhe.
“E o que aconteceu com Caleb?” ela finalmente pergunta, com a voz embargada. Ela está nervosa demais para perguntar pelo bebê.
Ela olha pra ele e vê que se sorriso desaparece, e uma leve preocupação cruza o seu olhar.
O coração de Caitlin se aperta.
Por favor, ela pensa. Por favor, não me dê más notícias.
“Algumas coisas você vai ter que descobrir sozinhas,” ele fala lentamente, “e outras eu não devo lhe. É uma jornada que você deve fazer sozinha. Apenas você.”.
“Mas ele está aqui?” ela pergunta esperançosa. “Ele sobreviveu?”
O padre, caminhando ao lado dela, cerra os lábios. Ele deixa a pergunta pairar no ar, sem resposta, por um tempo aparentemente interminável.
Finalmente, eles param diante de outro lance de escada, e ele se vira e olha para ela. “Gostaria de poder lhe dizer mais,” ele diz. “Eu realmente gostaria.”
Virando-se, ele ergue a tocha, e lidera o caminho por outra pequena escadaria.
Eles adentram um longo corredor arqueado, com teto dourado e detalhadamente decorado. Eles eram inteiramente cobertos por afrescos multicoloridos, e entre eles há arcos pintados a ouro. O teto brilha.
E o chão também. Ele é lindo, de mármore rosa, e parece ter sido limpo recentemente. O nível subterrâneo da igreja é maravilhoso, assemelhando-se a uma sala de tesouro medieval.
“Nossa,” Caitlin diz em voz alta. “Que lugar é esse?”
“É um lugar de muitos milagres: Você está na igreja de São Francisco de Assis. Este é também o seu local de descanso, um lugar muito sagrado para nossa religião. As pessoas – tanto humanos como vampiros – peregrinam até aqui, viajando milhares de quilômetros, apenas para estar exatamente neste local. Francisco era o santo dos animais, e também o santo de todas as criaturas que não fazem parte da raça humana – incluindo o nosso povo. Acredita-se que milagres ocorram aqui; somos protegidos neste lugar, pela energia dele.”
“Você não veio parar aqui por acidente,” continua ele. “Este lugar é um portal para você. O local de partida para que você comece a sua jornada, sua peregrinação.”
Ele se vira para ela.
“O que você ainda não conseguiu compreender,” ele diz, “é que você está em uma busca. Algumas peregrinações levam anos, e muitas, muitas milhas.”.
Caitlin pensa. Tudo aquilo é muito para assimilar. Ela não quer estar em uma busca. Ela quer voltar para casa, com Caleb, em segurança no século XXI, com tudo isso no passado. Ela está cansada de viajar, de sempre estar fugindo, sempre em busca de algo.
Mas ela não se permite pensar assim. Isso não estava ajudando, ela sabe. As coisas haviam mudado – permanentemente – e elas nunca seriam as mesmas novamente. Ela sabe que mudanças fazem parte de sua vida agora. Ela não tem a mesma idade da velha, e entediante, Caitlin humana. Ela é mais velha agora, mais sábia. E quer quisesse ou não, ela estava em uma missão muito especial, – e simplesmente teria que lidar com isso.
“Mas qual é a minha busca?” Caitlin pergunta. “Qual é o meu destino? Onde exatamente estou indo?”
Ela a leva até o fim do último corredor, e eles param diante de uma grande e elaborada sepultura.
Caitlin pode sentir a energia vinda da sepultura, e imediatamente sabe que se trata do túmulo de São Francisco. Ele se sente reenergizada apenas pela proximidade, sentindo-se cada vez mais forte, voltando a sua antiga forma. Ela se pergunta mais uma vez se teria voltado como humana ou como vampira, – sentia muita falta de seus poderes.
“Sim, você ainda é uma vampira,” ele diz. “Não se preocupe; vai levar um tempo até que se recupere por completo.”
Ela se sente envergonhada por ter esquecido, mais uma vez, de guardar seus pensamentos, mas sente-se confortada por suas palavras.
“Você é uma pessoa muito especial, Caitlin,” ele diz. “nossa raça precisa muito de você. Sem sua ajuda, me atrevo a dizer, toda nossa raça, e até mesmo a raça humana, estará a um passo da extinção. Precisamos de você, e da sua ajuda.”
“Mas o que esperam que eu faça?” ela pergunta.
“Precisamos que você encontre o Escudo,” responde ele. “E para que você o Escudo, você precisa encontrar seu pai. Ele – e somente ele – o possui. E para encontrá-lo, você deverá encontrar seu coven, – seu verdadeiro coven.”
“Mas não faço ideia por onde começar,” ela diz. “Nem mesmo sei por que estou neste lugar, nesta época. Por que a Itália? Por que 1790?”
“As respostas para estas perguntas você terá que encontrar sozinha. Mas lhe garanto que há razões muito especiais para você estar aqui; pessoas em especial para ver, e coisas a fazer. Tenha certeza que esta época e lugar a levarão até o Escudo.”
Caitlin considera tudo aquilo.
“Mas não faço ideia onde meu pai está. Não sei por onde começar.”
Ele olha para ela e sorri. “Ah, mas você sabe,” ele responde. “É esse o seu problema. Você não confia em sua intuição, precisa aprender a buscar dentro de si mesma. Experimente, feche os olhos e respire fundo.”
Caitlin faz o que ele pede.
“Pergunte a si mesma: onde devo ir agora?”
Caitlin faz isso, esforçando seus pensamentos, mas nada acontece.
“Ouça o som de sua respiração. Deixe sua mente vazia.”
Quando faz isso, quando realmente se concentra e relaxa, imagens surgem em sua cabeça. Ela abre os olhos por fim, e olha para o padre.
“Vejo dois lugares,” ela diz. “Florença, e Veneza.”.
“Sim,” ele fala. “Muito bem.”
“Mas estou confusa, para onde devo ir?”
“Não há escolhas erradas em sua busca. Cada caminho só nos leva a um lugar diferente. A escolha é sua. Você tem um destino muito forte, mas também tem livre arbítrio. Você pode escolher a cada etapa. Agora, por exemplo, você enfrenta uma escolha essencial para sua jornada. Em Florença, você cumpriria certas obrigações, chegaria mais perto do Escudo. E em Veneza, você estaria resolvendo questões do coração. Você deverá escolher entre sua missão e o amor.”
O coração de Caitlin se anima.
Questões do coração. Isso queria dizer que Caleb estaria em Veneza?
Ele se sente atraída para Veneza. Entretanto, intelectualmente, ela sabe que Florença era onde ela deve ir para fazer o que esperam dela.
Caitlin já se sente dividida.
“Você já é uma mulher agora,” ele diz. “A escolha é sua, mas se escolher seguir seu coração haverá sofrimento,” ele avisa. “A estrada para o coração nunca é fácil. E é sempre inesperada.”
“Sinto-me tão confusa,” ela fala.
“Fazemos nosso melhor trabalho dormindo,” ele diz. “Há um claustro ao lado, e você pode passar a noite aqui, descansar e decidir pela manhã. Até lá, estará completamente recuperada.”
“Obrigada,” ele responde, esticando o braço e pegando mão dele.
Ele se vira para partir, e quando faz isso, o coração dela se contrai. Há mais uma pergunta que ela deve fazer – a mais importante de todas. Mas uma parte dela teme perguntá-la. Tremendo, ela abre a boca para falar, mas não consegue.
Ele caminha pelo corredor, e está prestes a fazer a curva quando ela finalmente toma coragem.
“Espere!” ela grita. E completa, mais baixo, “Por favor, eu tenho mais uma pergunta.”
Ele para de caminhar, mas permanece de costas para ela. Estranhamente, ele não se volta para ela, como se pressentisse o que ela está prestes a perguntar.
“Meu bebê,” ela diz, coma voz trêmula. “Ele… ela… sobreviveu? À viagem? Eu ainda estou grávida?”
Ele se vira lentamente, e a encara. Então, ele olha para baixo.
“Lamento,” ele diz finalmente, tão baixo que ela quase não ter certeza se o ouviu direito. “Você voltou no tempo; crianças podem ir apenas pra frente. Seu filho vive, mas não agora – somente no futuro.”
“Mas…” começa ela, tremendo, “Pensei que vampiros só viajassem para o passado, nunca para o futuro.”.
“É verdade,” ele responde. “Sinto que seu filho viva em um lugar e época sem a sua presença.” Ele baixa os olhos mais uma vez, e completa. “Lamento muito.”.
Com isso, ele se vira e vai embora.
E Caitlin sente como se um punhal tivesse atravessado seu coração.