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Scarlet virou em um beco cheio de pessoas. Ela olhou para trás e, em momentos, podia ver o grupo de meninos indo atrás dela. Eles não estavam muito atrás e estavam ganhando velocidade. Bem rápido. O cachorro deles corria junto com eles e Scarlet sentiu que eles a alcançariam. Ela precisava fazer uma volta para que eles a perdessem de vista.

Scarlet virou outra esquina, esperando encontrar uma saída. Mas, quando o fez, seu coração parou.

Era uma rua sem saída.

Scarlet se virou lentamente, Ruth ao seu lado, e encarou os meninos. Eles estavam a uns três metros de distância. Foram parando à medida que se aproximavam dela, cada um em seu tempo, saboreando o momento. Eles ficaram ali, havia sorrisos maldosos em seus rostos.

“Parece que sua sorte se esgotou, garotinha,” o líder falou.

Scarlet estava pensando a mesma coisa.

CAPÍTULO TRÊS

Sam acordou com uma terrível dor de cabeça. Ele levantou suas mãos e segurou sua cabeça, tentando fazer a dor ir embora. Mas ela não foi. Parecia que o mundo inteiro havia entrado em seu crânio.

Sam abriu seus olhos para descobrir onde ele estava e, ao fazê-lo, a dor foi insuportável. A luz ofuscante do sol refletia nas rochas do deserto obrigando-o a proteger seus olhos e abaixar a cabeça. Ele sentiu que estava deitado em um chão rochoso no deserto, sentia o calor seco, a poeira levantando em seu rosto. Encolheu-se em uma posição fetal e segurou sua cabeça com mais força, tentando fazer a dor ir embora.

As memórias voltaram à tona.

Primeiro, lá estava Polly.

Ele lembrou-se da noite do casamento de Caitlin. A noite em que ele pediu Polly em casamento. Ela aceitando. A felicidade em seu rosto.

Ele lembrou-se do dia seguinte. Sua ida à caça. Sua ansiedade para a noite dos dois chegar.

Ele lembrou-se de encontrá-la. Na praia. À beira da morte. Ela lhe contando sobre o bebê.

Ondas de sofrimento voltaram com tudo. Era mais do que ele conseguia suportar. Era como se um pesadelo passasse de novo em sua cabeça, um do qual que não podia se desligar. Sentia que tudo que tinha para viver havia sido arrancando dele, tudo em um momento importante. Polly. O bebê. A vida como ele conhecia.

Ele queria ter morrido naquele momento.

Então se lembrou da sua vingança. De sua fúria. De matar Kyle.

E o momento em que tudo mudou. Lembrou-se do espírito de Kyle infundindo nele. Lembrou-se do sentimento indescritível de raiva, do espírito, alma e energia de outra pessoa invadindo seu ser, possuindo-o por completo. Foi quando Sam parou de ser quem ele era. Quando ele passou a ser outra pessoa.

Sam abriu completamente seus olhos e ele sentiu, ele sabia, que eles estavam com um brilho avermelhado. Ele sabia que não eram seus olhos. Sabia que agora eram de Kyle.

Ele sentiu o ódio de Kyle, o poder de Kyle, correndo por dentro dele, através de cada centímetro de seu corpo, vindo de seus dedos do pé, atravessar suas pernas e atingir seus braços até alcançar sua cabeça. Ele sentiu a necessidade que Kyle tinha de destruir tudo pulsando em cada parte de seu corpo, como se fosse algo vivo, como se algo estivesse preso em seu corpo e fosse incapaz de sair. Ele sentia que não tinha mais o controle de seu corpo. Uma parte dele sentia falta de quem o Sam anterior era, como ele era. Mas outra parte dele sabia que ele jamais seria essa pessoa de novo.

Sam ouviu um sibilo, um barulho de chocalho, e abriu seus olhos. Seu rosto estava deitado nas pedras do chão deserto e, quando ele olhou para cima, viu uma cascavel, a apenas alguns centímetro dele, sibilando para ele. Os olhos da cobra olhavam diretamente nos olhos de Sam, como se estivesse se comunicando com um amigo, sentindo uma energia similar. Ele podia sentir que a fúria da raiva combinava com a dele – e que ela estava prestes a dar o bote.

Mas Sam não estava com medo. Pelo contrário – ele estava cheio de uma raiva não apenas igual a da cobra, mas ainda maior. E seus reflexos também eram comparáveis.

Na fração de segundo em que a cobra se preparou para atacar, Sam a venceu: ele a pegou com sua própria mão, agarrou sua garganta no ar e a impediu de mordê-lo a apenas dois centímetros de seu rosto. Sam segurou a cascavel deixando os olhos dela na altura dos seus e os encarou tão de perto que ele podia sentir o cheiro de seu bafo, suas presas estavam a poucos centímetros dele, ansiosas para entrar em sua garganta.

Mas ele a dominara. Ele a apertou mais e mais forte e, aos poucos, foi tirando-lhe a vida. Ela ficou mole em sua mão, esmagada até a morte.

Ele se inclinou para trás e a arremessou no chão do deserto.

Sam se levantou e observou seus arredores. Tudo o que havia a sua volta eram pedras e poeira – um infindável trecho do deserto. Ele se virou e notou duas coisas: primeiro, um grupo de crianças pequenas vestidas em trapos, olhando com curiosidade para ele. Quando ele girou na direção deles, as crianças fugiram, correram de volta, como se estivessem assistindo um animal selvagem se levantar do caixão. Sam sentiu a fúria de Kyle dentro dele e teve vontade de mata-los.

Mas a segunda coisa que ele viu o fez mudar de foco. Uma muralha. Uma imensa muralha de pedras, se elevando centenas de metros no ar, sem fim. Foi quando Sam percebeu: ele havia despertado nos arredores de alguma cidade antiga. Diante dele, havia um enorme portão em forma de arco, dezenas de pessoas saíam e entravam por ele, vestidas em roupas primitivas. Pareciam dos tempos romanos, vestiam túnicas e vestes simples. Criações de gados também passavam por ali e Sam já podia sentir o calor e o barulho da população por trás daquela muralha.

Sam deu alguns passos em direção ao portão e, ao fazê-lo, as crianças se dispersaram, como se estivessem fugindo de um monstro. Ele se perguntou o quão assustadora era sua aparência. Mas ele não se importava muito. Sentiu que precisava entrar na cidade, descobrir o que havia ali. Mas, ao contrário do antigo Sam, ele não sentia vontade de explorá-la: sentia vontade de destruí-la. De deixar a cidade em pedaços.

Uma parte dele tentou se livrar deste pensamento e trazer o antigo Sam de volta. Ele se forçou a pensar em outra coisa que o trouxesse de volta. Forçou-se a pensar em sua irmã, Caitlin. Mas era difícil; ele não conseguia visualizar mais o seu rosto, por mais que tentasse. Tentou invocar seus sentimentos por ela, a missão que eles tinham, seu pai. Ele sabia, no fundo, que ainda se importava com ela, que ainda queria ajuda-la.

Mas essa pequena parte dele logo foi dominada pela nova e viciosa parte. Ela mal podia se reconhecer agora. E o novo Sam o obrigou a parar com estes pensamentos e a continuar andando em direção à cidade.

Sam atravessou os portões da cidade, acotovelando as pessoas que estavam no seu caminho enquanto andava. Uma senhora, que estava equilibrando uma cesta em sua cabeça, se aproximou demais e ele bateu com força em seu ombro, mandando-a pelos ares e derrubando sua cesta, frutas voaram para todos os lados.

“Ei!” gritou um homem. “Olha só o que você fez! Peça desculpa a ela!”

O homem se dirigiu a Sam e, estupidamente, estendeu a mão e agarrou seu casaco. O homem deveria ter percebido que aquele era um casaco o qual ele não reconhecia: preto, de couro, justo. O homem deveria ter percebido que a vestimenta de Sam era de outro século – e que Sam era o último homem com quem ele gostaria de arranjar encrenca.

Sam olhou para a mão do homem como se fosse um inseto, então alcançou seu pulso e o agarrou e, com a força de cem homens, ele o virou para trás. Os olhos do homem se arregalaram de medo e dor enquanto Sam continuava torcendo seu pulso. O homem finalmente virou de lado e caiu de joelhos. Mas Sam continuou virando seu pulso até ele ouvir um estalo agonizante, e o homem gritou de dor, seu braço estava quebrado.

Sam se inclinou para trás e , para finalizar, chutou o rosto do homem com força, derrubando-o, inconsciente, no chão.

Um pequeno grupo de transeuntes assistia, e deram a Sam muito espaço para ele continuar andando. Ninguém parecia querer chegar perto dele.

Sam continuou andando, dirigindo-se par a multidão, e logo foi envolvido por uma nova multidão. Ele misturou-se no fluxo infindável de pessoas que enchiam a cidade. Não tinha certeza em que direção seguir, mas sentia novos desejos tomando conta dele. Sentia o desejo de se alimentar correndo pelo seu corpo. Ele queria sangue. Queria uma morte fresca.

Sam deixou seus sentidos dominarem e se sentiu conduzido para uma ruazinha em particular. Enquanto descia por este caminho, a viela se tornava mais estreita, escura, coberta, desligada do resto da cidade. Era claramente uma parte decadente da cidade e, à medida que ele andava, a multidão ia dissipando.

Mendigos, bêbados e prostituas tomavam conta das ruas, Sam se acotovelou com vários homens, gordos, malandros, com barba e sem dentes que tropeçavam por lá. Ele se certificou de ficar inclinado e bater seus ombros fortemente neles, jogando-os em todas as direções. Sabiamente, nenhum parou para desafiá-lo, apenas gritavam, indignados: “Ei!”

Sam seguiu em frente e logo se viu em uma pequena praça. Estavam lá, no meio, de costas para ele, um círculo com uma dúzia de homens aplaudindo. Sam se aproximou e abriu caminho para ver o que eles estavam assistindo.

No meio do círculo, havia dois galos, se rasgando, cobertos de sangue. Sam olhou e os viu fazendo apostas, trocando moedas antigas. Rinha de galos. O esporte mais velho do mundo. Tantos séculos se passaram e nada realmente mudou.

Sam já havia visto o suficiente. Ele estava ficando nervoso, sentia a necessidade de causar um pouco de caos. Entrou no meio do ringue, bem entre os dois pássaros. E, com isso, a plateia explodiu com um grito indignado.

Sam os ignorou. Ele então estendeu a mão, pegou um dos galos pela garganta, levantou-o no alto e girou sua cabeça. Houve um barulho de estalo e ele sentiu o bicho ficar inerte em sua mão, com o pescoço quebrado.

Sam sentiu suas presas se sobressaírem e as afundou no corpo do galo. Ele ficou repleto de sangue, que se derramava e se espalhava pelos seus rostos, descendo pelas suas bochechas. Por fim, ele deixou o animal cair, insatisfeito. O galo saiu correndo o mais rápido que podia.

A multidão ficou encarando Sam, obviamente chocada. Mas eles eram do tipo cru, rude, do tipo que não iria embora facilmente. Eles fizeram caretas, prontos para lutar.

“Você acabou com nosso esporte!” um deles retrucou.

“Você irá pagar por isso!” outro gritou.

Vários homens corpulentos sacaram seus punhais e investiram contra Sam, golpeando em sua direção.

Sam quase não se encolheu. Ele viu aquilo acontecendo como se estivesse em câmera lenta. Seus reflexos eram milhões de vezes mais rápidos, ele simplesmente levantou a mão, pegou o pulso de um dos homens em pleno ar e o torceu com um único movimento, quebrando seu braço. Então ele pegou impulso para trás e chutou o homem no peito, lançando-o de volta para o círculo.

Quando outro homem se aproximou, Sam pulou para frente, em sua direção, chocando-se com ele. Ele se aproximou e, antes que o homem pudesse reagir, ele afundou suas presas na garganta dele. Sam bebeu profundamente, sangue espirrava para todos os lados enquanto o homem gritava de dor. Em momentos, ele havia sugado sua vida e o homem caiu no chão, inconsciente.

Os outros ficaram olhando, com medo. Depois, eles devem ter percebido que estavam na presença de um monstro.

Sam deu um longo passo na direção deles, todos se viraram e começaram a correr. Desapareceram como moscas e, em um segundo, Sam era o único naquela praça.

Ele havia vencido todos. Mas não era o suficiente para Sam. Não havia fim para o sangue e a morte e a destruição que ele ansiava. Ele queria matar todos os homens naquela cidade. E, mesmo assim, não seria o suficiente. Sua não satisfação o frustrava demais.

Ele inclinou seu pescoço para trás, ficando de rosto para o céu e urrou. O grito era de um animal finalmente libertado. Seu grito de angústia reverberou no ar, nas paredes de pedra de Jerusalém, mais alto que os sinos, mais alto que o clamor das orações. Por um breve momento, seu grito sacudiu as paredes, dominou a cidade inteira – de um lado ao outro, seus habitantes pararam e ouviram e temeram.

Neste momento, eles sabiam, havia um monstro entre eles.

CAPÍTULO QUATRO

Caitlin e Caleb desciam pela parede da íngreme montanha, em direção ao vilarejo de Nazaré. Havia muitas pedras e eles escorregavam mais do que andavam ali, levantando poeira. E, à medida que avançavam, o terreno começou a mudar, as rochas davam lugar a tufos de ervas daninha, então palmeiras ocasionais e então gramado de verdade. Enquanto caminhavam, eles finalmente se viram em um olival, caminhando entre filas de oliveiras, em direção à cidade.

Caitlin olhou com mais atenção aos galhos e viu milhares de pequenas azeitonas, brilhando ao sol, e ficou maravilhada de como elas eram bonitas. Quanto mais eles se aproximavam da cidade, mais férteis as plantas eram. Caitlin olhou para baixo e, daquele ponto de vista, ela tinha uma visão maravilhosa do vale e da cidade.

Um pequeno vilarejo descansava em meio a gigantes vales, Nazaré mal podia ser chamada de cidade. Parecia haver apenas algumas centenas de habitantes, algumas dúzias de construções, de um andar e feitas de pedras. Várias pareciam ter sido construídas de uma pedra de calcário branca e, à distância, Caitlin conseguia ver aldeões martelando enormes pedras de calcário ao redor da cidade. Ela podia ouvir o suave barulho de seus martelos ecoando mesmo dali e podia ver a poeira fina do calcário se levantando no ar.

Nazaré era protegia por um muro sinuoso e baixo, de pedras, talvez tivesse uns 3 metros, e parecia bastante antigo, mesmo naquela época. No centro, havia um enorme portão arqueado. Ninguém estava de guarda no portão e Caitlin suspeitou que eles não tinham motivo para isso; afinal de contas, aquilo era uma pequena cidade no meio do nado.

Caitlin se pegou pensado no motivo de eles terem acordado naquele tempo e naquele local. Por que Nazaré? Ela forçou a memória tentando se lembrar o que ela sabia de Nazaré. Ela se lembrava vagamente de ter aprendido algo sobre esta cidade, mas não conseguia relembrar. E por que no século primeiro? Era uma mudança muito drástica da Escócia Medieval, ela sentia falta da Europa. Esta paisagem nova, com suas palmeiras e calor do deserto eram tão desconhecidos para ela. E, mais que tudo, Caitlin se perguntava se Scarlet estava atrás daquele muro. Ela torcia – ela rezava – que sim. Precisava encontrá-la. Não iria descansar até achá-la.

Caitlin atravessou o portão com Caleb, entrou com grande ansiedade. Ela podia sentir seu coração batendo forte com a ideia de encontrar Scarlet – e entender o porquê de eles terem sido mandados para aquele lugar, para começo de conversa. Será que seu pai estava lá dentro, esperando?

Quando entraram na cidade, ela ficou impressionada com a vibração do local. As ruas estavam cheias de crianças correndo, brincando. Cachorros corriam soltos, assim como galinhas. Ovelhas e bois compartilhavam a rua, andando a passos lentos, e, fora de cada casa havia um burro ou um camelo preso a um poste.

Os aldeões andavam casualmente, usando vestes e túnicas antigas, carregando cestas de suprimentos em seus ombros. Caitlin sentiu que ela havia entrado em uma máquina do tempo.

Enquanto eles desciam as estreitas ruelas, passando por pequenas residências, passando por senhoras lavando roupa, as pessoas paravam e os encaravam. Caitlin percebeu que eles pareciam estar muito deslocados andando por aquelas ruas. Ela olhou para baixo e notou suas vestimentas modernas – sua justa roupa de batalha e de couro – e imaginou o que aquelas pessoas deviam pensar deles. Deviam pensar que eles eram aliens que haviam caído do céu. Ela não os culpava.

Na frente de cada casa havia alguém preparando comida, vendendo mercadorias, trabalhando com artesanato. Eles passaram por várias famílias de carpinteiros, o homem ficava sentado for a de casa serrando, martelando, construindo desde camas e armários até eixos para guilhotina. Na frente de uma casa, havia uma enorme cruz, com vários centímetros de espessura e uns 3 metros de comprimento. Caitlin percebeu que era uma cruz para alguém ser crucificado. Ela estremeceu e desviou o olhar.

Quando entraram em outra rua, a quadra inteira estava cheia de ferreiros. De todos os lados voavam bigornas e martelos, barulhos metálicos ressoavam por toda a rua, cada ferreiro parecia ecoar o outro. Havia também cerâmicas com grandes chamas esquentando pedaços de metal em brasas, estavam forjando ferraduras, espadas, e todos os tipos de objeto de metal. Caitlin notou os rostos das crianças, pretos de fuligem, sentadas ao lado de seus pais, assistindo-os trabalhar. Ela se sentiu mal que as crianças trabalhavam com uma idade tão jovem.

Caitlin procurou em toda parte por um sinal de Scarlet, ou de seu pai, ou de qualquer sinal de que os dois estivessem ali – mas não encontrou nada.

Eles viraram em outra rua mais para baixo e esta estava cheio de pedreiros. Aqui, os homens moldavam enormes blocos de pedra calcária, faziam estátuas de artesanato, cerâmica e enormes, prensas planas. A princípio, Caitlin não entendeu para que estas últimas serviam.

Caleb esticou o braço e apontou.

"São lagares de vinho", disse ele, lendo sua mente, como sempre. "E lagares para olivas. Eles usam para esmagar as uvas e azeitonas, para extrair o mosto e de azeite. Está vendo aquelas manivelas? "

Caitlin olhou com atenção e admirou o artesanato, as longas lajes de calcário, o trabalho intricado das engrenagens de metal. Ela ficou surpresa ao ver as máquinas sofisticadas que eles tinham, mesmo naquele tempo e lugar. Também ficou surpresa ao notar que a manufatura de vinho era um ofício tão antigo. Ali estava ela, milhares de anos no passado, e as pessoas já faziam garrafas de vinho e de azeite, assim como eles no século 21. E quando ela olhou para as garrafas de vidro, sendo lentamente cheias com vinho e azeite, ela percebeu que elas eram exatamente como as garrafas que ela utilizava.

Um grupo de crianças passou correndo por ela, brincando de pega-pega, rindo e, quando eles o fizeram, nuvens de poeira levantaram e cobriram os pés de Caitlin. Ela olhou para baixo e percebeu que as estradas não eram pavimentadas nesta aldeia – provavelmente, ela pensou, era um lugar pequeno demais para ser capaz de sustentar estradas pavimentadas. E, no entanto, ela sabia que Nazaré era famosa por alguma coisa, estava ficando incomodada por não conseguir se lembrar do porquê. Mais uma vez, ela estava se arrependendo de não ter prestado mais atenção nas aulas de história.

“Esta é a cidade onde Jesus viveu,” Caleb disse, lendo sua mente.

Caitlin sentiu-se corar mais uma vez, ele sabia o que passava em sua mente com tanta facilidade. Não escondia nada de Caleb, mas, mesmo assim, ela não queria que ele lesse seus pensamentos quando o assunto era o quanto ela o amava. Ela ficaria envergonhada.

“Ele vive aqui?” ela perguntou.

Caleb assentiu.

“Se nós chegamos ao seu tempo,” Caleb falou. “Certamente, estamos no século primeiro. Eu posso ver pelas roupas, pela arquitetura. Eu estive aqui antes. É um lugar difícil de esquecer.”

Caitlin arregalou seus olhos com esta ideia.

“Você realmente acha que ele poderia estar aqui, agora? Jesus? Andando por ai? Nesta época, neste lugar? Nesta cidade?"

Caitlin mal conseguia compreender. Ela tentou se imaginar dobrando uma esquina e encontrando Jesus na rua, casualmente. A ideia parecia absurda.

Caleb franziu a testa.

"Eu não sei", disse ele. "Não estou sentindo que ele está aqui agora. Talvez nós não o encontremos".

Caitlin ficou boquiaberta com este pensamento. Ela olhou a sua volta com um novo sentimento de admiração.

Será que ele poderia estar aqui? ela se perguntava.

Ela ficou sem palavras e sentiu ainda mais a importância da sua missão.

"Ele pode estar aqui, neste período", Caleb falou. "Mas não necessariamente em Nazaré. Ele viajou muito. Belém. Nazaré. Cafarnaum – e Jerusalém, é claro. Eu nem sei ao certo se estamos em seu tempo exato ou não. Mas se nós estivermos, ele poderia estar em qualquer lugar. Israel é um lugar grande. Se ele estivesse aqui, nesta cidade, iríamos senti-lo. "

“O que você quer dizer?” Caitlin perguntou, curiosa. “Como a gente se sentiria?”

“Eu não sei explicar. Mas você saberia. É a energia dele. É diferente de tudo que você já conhece.”

De repente, um pensamento ocorreu a Caitlin.

“Você o conheceu de verdade?” ela perguntou.

Caleb sacudiu sua cabeça lentamente.

"Não, não de perto. Uma vez, eu estava na mesma cidade, ao mesmo tempo em que ele. E a energia era impressionante. Diferente de tudo que eu já havia sentido antes. "

Mais uma vez, Caitlin se surpreendeu com todas as coisas que Caleb havia visto, todas as épocas e locais que ele havia vivido.

“Só há uma maneira de descobrir.” Caleb continuou. “Precisamos saber em que ano estamos. Mas, o problema é que, logicamente, ninguém começou a contas os anos como nós, até bem depois da morte de Cristo. Afinal, nosso calendário é baseado no ano do seu nascimento. E, quando ele viveu, ninguém contava os anos baseando-se no nascimento de Jesus – a maioria das pessoas sequer sabia quem ele era! Então, se perguntarmos alguém em que ano estamos, vão achar que somos loucos.”

Caleb olhou a sua volta, atentamente, como se procurasse por pistas, e Caitlin fez o mesmo.

“Eu sinto que estamos na época dele,” Caleb falou devagar. “Mas não é este o local.”

Caitlin contemplou o vilarejo com um novo respeito.

“Mas esta vila,” ela disse, “parece tão pequena, tão humilde. Mas parece a grande cidade bíblica que eu imaginava. Parece uma cidade qualquer no deserto.”

“Você está certa,” Caleb respondeu, “mas é aqui onde ele morou. Não foi em um lugar grande Foi aqui, entre estas pessoas.”

Eles continuaram andando e, finalmente, dobraram uma esquina e chegaram a uma pequena praça no centro da cidade. Era uma pequena praça comum, em torno da qual havia pequenos edifícios e, no centro, havia um poço. Caitlin olhou a sua volta e viu alguns homens idosos sentados à sombra, segurando bastões, olhando para a praça da cidade, vazia e empoeirada.

Eles se aproximaram do poço. Caleb tocou a manivela oxidada e começou a girá-la, lentamente, a corda desgastada puxou um balde de água.

Caitlin estendeu as mãos, segurou a água fria e jogou em seu rosto. Foi tão refrescante com aquele calor. Ela limpou seu rosto novamente, então molhou em seu longo cabelo, passando as mãos por ele. Suas madeixas estavam oleosas e com poeira, a água fria parecia o paraíso. Ela faria qualquer coisa por um chuveiro. Depois, se inclinou, segurou um pouco mais de água e bebeu. Sua garganta estava seca demais e a água ajudou. Caleb fez o mesmo.

Depois, os dois ficaram de costas para o poço e inspecionaram a praça. Não parecia haver nenhuma construção diferente, nenhum sinal especial, tampouco pistas de onde eles deveriam ir.

"Então, para onde agora?", perguntou ela, por fim.

Caleb olhou em volta e depois mirou o sol, erguendo as mãos na altura dos olhos. Ele parecia tão perdido quanto ela.

"Eu não sei", ele respondeu, sem rodeios. "Estou desnorteado."

"Em outros tempos e lugares", continuou ele, "parecia que igrejas e mosteiros sempre nos mostravam pistas. Mas nesta época, não há igreja. Não há cristianismo. Não há cristãos. Foi só depois que Jesus morreu que as pessoas começaram a criar uma religião. Neste tempo, só há uma religião. A religião de Jesus: o judaísmo. Afinal, Jesus era judeu. "

Caitlin tentou processar tudo isso. Era tudo tão complexo. Se Jesus era judeu, ela pensou, isso significava que ele deve ter orado em uma sinagoga. De repente, ela teve uma ideia.

"Então, talvez o melhor lugar para procurarmos seja onde Jesus orou. Talvez devêssemos procurar de uma sinagoga ".

"Acho que você está certa", concordou Caleb. "Afinal de contas, a única outra prática religiosa desta época, se é que podemos chamar assim, era o paganismo – a adoração de ídolos. E tenho certeza que Jesus não iria adorar em um templo pagão. "

Caitlin olhou ao examinou a cidade novamente, apertando os olhos, à procura de qualquer edifício que se assemelhasse a uma sinagoga. Mas não o achou. Todas as construções eram simples.

"Eu não estou vendo nada", ela falou. "Todas as edificações aqui parecem iguais para mim. Todos são apenas pequenas casas. "

"Nem", Caleb respondeu.

Houve um longo silêncio, Caitlin estava tentando processar tudo aquilo. Sua mente acelerava com possibilidades.

"Você acha que meu pai e o Escudo estão, de alguma forma, ligados a tudo isso?", Perguntou Caitlin. "Você acha que irmos aos lugares onde Jesus esteve nos levará até meu pai?"

Caleb estreitou os olhos, ele parecia pensativo.

"Eu não sei", ele, disse, finalmente. "Mas, claramente, o seu pai está guardando um grande segredo. Um segredo não apenas para a raça dos vampiros, mas para toda a humanidade. Um Escudo, ou uma arma, que vai mudar a natureza de toda a raça humana, para sempre. Deve ser muito poderoso. E, eu acho, que se alguém foi concebido para nos ajudar a nos levar ao seu pai, esse alguém seria muito poderoso. Como Jesus. Faz sentido para mim. Talvez, para encontrarmos um, teremos de encontrar o outro. Afinal, sua cruz que destravou tantas chaves para podermos chegar aqui. E, quase todas as nossas pistas foram encontradas em igrejas e mosteiros ".

Caitlin tentou absorver tudo isto. Seria possível que seu pai conhecesse Jesus? Será que ele foi um dos seus discípulos? A ideia era surpreendente, e a sensação de mistério em torno dele se intensificou.

Ela se sentou no poço e olhou para aquela monótona vila, perplexa. Ela não tinha ideia por onde deveria começar a procurar. Em sua opinião, nada se destacava. E, para piorar, estava ficando mais e mais desesperada para encontrar Scarlet. Sim, ela queria encontrar seu pai mais do que nunca; estava sentindo as quatro chaves praticamente queimarem em seu bolso. Mas não enxergava nenhuma maneira óbvia de usá-las e era difícil manter foco nisso com tantos pensamentos sobre Scarlet em sua mente. A ideia de que ela estava sozinha em algum lugar partia seu coração. Quem sabe se ela estava realmente segura?

Mas, de novo, ela não fazia ideia de onde começar a procurar por Scarlet. Ela sentia se cada vez mais sem esperanças.

De repente, um pastor apareceu pelo portão, andando lentamente pela praça da cidade, seguido por seu rebanho de ovelhas. Ele vestia uma longa túnica branca com um capuz, que cobria sua cabeça do sol, e estava indo na direção deles, segurando um cajado. A princípio, Caitlin achou que ele estava andando diretamente em direção a eles. Mas, então, ela percebeu: o poço. Ele estava apenas indo pegar algo para beber, e eles estavam no meio do caminho.

À medida que ele se aproximava, suas ovelhas se espalhavam ao redor dele, enchendo a praça, todas caminhando para o poço. Elas deviam saber que era a hora de beber água. Dentro de instantes, Caitlin e Caleb se viram no meio do rebanho, os animais delicados cutucavam-nos para que eles saíssem do caminho e, assim, eles pudessem chegar à água. Seus balidos impacientes tomavam conta do ar enquanto esperavam o seu pastor cuidar deles.

Caitlin e Caleb foram para o lado, quando o pastor se aproximou do poço e girou a manivela enferrujada, elevando lentamente o balde. Quando ele foi levantá-lo, puxou o capuz para trás.

Caitlin ficou surpresa ao ver que ele era jovem. Tinha uma grande mecha de cabelos loiros, uma barba loira e olhos azuis brilhantes. Ele sorriu, e ela podia ver as linhas de expressão no seu rosto, enrugando em torno de seus olhos, podia sentir o calor e bondade que irradiava dele.

Ele pegou o balde transbordando água, e, apesar de todo suor em sua testa, apesar do fato de aparentar ter sede, ele se virou e derramou o primeiro balde de água no cocho, na base do poço. As ovelhas encheram o seu entorno, balindo, empurrando umas às outras enquanto bebiam.

Caitlin foi tomada pela estranha sensação de que talvez este homem soubesse de algo, que, talvez, ele foi colocado em seu caminho por uma razão. Se Jesus viveu neste tempo, ela pensou, talvez este homem possa ter ouvido falar dele?

Caitlin sentiu uma pontada de nervosismo quando ela limpou sua garganta.

“Com licença?” ela disse.

O homem se virou e olhou para ela, ela podia sentir a intensidade daqueles olhos.

“Estamos procurado por uma pessoa. Talvez você saiba se esta pessoa vive por aqui.”

O homem apertou seus e olhos e, com isto, Caitlin sentiu como se ele pudesse ver através dela. Muito misterioso.

“Ele vivia,” o homem respondeu, como se lesse sua mente. “Mas não se encontra mais neste local.”

Caitlin mal podia acreditar. Ela verdade.

“Para onde ele foi?” Caleb perguntou. Caitlin percebeu a intensidade em sua voz e podia sentir como ele estava desesperado para saber.

O homem direcionou seu olhar para Caleb.

“Para onde mais, para Galileia,” o homem respondeu, como se fosse óbvio. “Para o mar.”

Caleb estreitou seus olhos.

“Cafarnaum?” Caleb indagou, hesitante.

O homem assentiu com a cabeça.

Os olhos de Caleb se arregalaram em reconhecimento.

“Há muitos seguidores no caminho,” o homem disse, misteriosamente. “Procurem e irão encontrar.”

O pastor , de repente, abaixou a cabeça, virou-se e começou a se afastar, seguido por suas ovelhas. Logo, ele estava cruzando a praça.

Caitlin não podia deixá-lo ir. Ainda não. Ela precisava que saber mais. E ela sentiu que ele estava escondendo alguma coisa.

“Espere!” ela gritou.

O pastor parou e se virou, encarando-a.

“Você conhece meu pai?” ela perguntou.

Para a surpresa de Caitlin, o homem lentamente acenou com a cabeça.

“Onde ele está?” Caitlin perguntou.

“Isto, é você que precisa descobrir,” ele disse. “É você quem carrega as chaves.”

“Quem é ele?” Caitlin indagou, desesperada para saber.

Devagar, o homem balançou a cabeça.

“Eu sou apenas um pastor no seu caminho.”

“Mas eu nem faço ideia de onde procurar!” Caitlin respondeu, aflita. “Por favor, eu preciso encontrá-lo.”

O pastor lentamente abriu um sorriso.

“O melhor lugar para procurar é sempre exatamente onde você está.,” ele disse.

E, com isso, ele cobriu sua cabeça, se virou e cruzou a praça. Ele atravessou o arco do portão e, um segundo depois, havia sumido de vista, com suas ovelhas o seguindo.

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