Kitabı oku: «Escrava, Guerreira e Rainha », sayfa 2

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De repente, eles cederam. Ceres, aliviada, viu Rexus a aparecer e a esmurrar um no rosto, derrubando-o.

De seguida surgiu Nesos, agarrando outro e dando-lhe uma joelhada no estômago antes de lhe dar um pontapé que o atirou para o chão, deixando-o no solo vermelho.

O quarto homem avançou em direção a Ceres, mas precisamente no momento em que ele estava prestes a atacá-la, ela baixou-se, girou e pontapeou-o por trás, fazendo-o voar de cabeça contra um pilar.

Ela ficou ali, respirando com dificuldade, assimilando tudo.

Rexus colocou uma mão no ombro de Ceres. "Estás bem?"

O coração de Ceres estava ainda acelerado, mas um sentimento de orgulho lentamente substituía o seu medo. Ela tinha-se saído bem.

Ela assentiu e Rexus envolveu um braço ao redor dos seus ombros e eles continuaram, esboçando um sorriso.

"O quê?", perguntou Ceres.

"Quando vi o que estava a acontecer, eu queria percorrer a minha espada por cada um deles. Mas então vi como te defendeste a ti própria". Ele abanou a cabeça e riu-se. "Eles não estavam à espera."

Ela sentiu as suas bochechas a corar. Queria dizer que não tinha tido medo, mas a verdade é que tinha tido.

"Eu estava nervosa", ela admitiu.

"Ciri, nervosa? Nunca". Ele beijou Ceres no topo da cabeça e eles continuaram para dentro do Stade.

Encontraram alguns lugares vazios ao nível do solo e sentaram-se. Ceres estava encantada por não ser demasiado tarde e já tinha colocado todos os acontecimentos do dia atrás das costas, permitindo-se deixar levar pelo entusiasmo da multidão.

"Consegues vê-los?"

Ceres seguiu a direção do dedo de Rexus, olhou para cima e viu uma dúzia de adolescentes sentados num camarote a beber vinho em taças de prata. Ela nunca tinha visto roupas tão boas, tanta comida numa mesa, tantas jóias cintilantes em toda a sua vida. Nenhum deles tinha a cara encovada ou barrigas côncavas.

"O que é que eles estão a fazer?", perguntou ela, quando viu um deles a recolher moedas para dentro de uma tigela de ouro.

"Cada um deles é dono de um lorde de combate", disse Rexus, "e eles fazem apostas sobre quem vai ganhar."

Ceres zombou. Ela percebeu que aquele era apenas um jogo para eles. Obviamente, os adolescentes mimados não se preocupavam com os guerreiros ou com a arte do combate. Eles só queriam ver se o seu lorde de combate ganharia. Para Ceres, porém, aquele evento era acerca da honra, da coragem e da habilidade.

Os estandartes reais foram erguidos, as trombetas soaram e, quando os portões de ferro se abriram, um em cada extremidade do Stade, os lordes de combate, um após o outro, saíram dos negros buracos, com a sua armadura de couro e ferro a capturar a luz do sol, emitindo faíscas de luz.

A multidão vibrava enquanto os brutamontes marchavam para a arena. Ceres levantou-se com eles, aplaudindo. Os guerreiros terminaram num círculo virados para o exterior, com os seus machados, espadas, lanças, escudos, tridentes, chicotes e outras armas erguidas para o céu.

"Salve, Rei Claudius", gritaram.

As trombetas soaram novamente e a carruagem dourada do Rei Claudius e da Rainha Athena avançou rapidamente pela arena vinda de uma das entradas. Em seguida, avançou uma carruagem com o príncipe herdeiro Avilius e a princesa Floriana e, a seguir a eles, uma comitiva inteira de carruagens que transportam a realeza inundou a arena. Cada carruagem era rebocada por dois cavalos brancos como a neve, adornados com pedras preciosas e ouro.

Quando Ceres vislumbrou o príncipe Thanos entre eles, ficou chocada com a expressão do rapaz de dezanove anos. De vez em quando, quando fazia a entrega de espadas para o seu pai, ela via-o a falar com os lordes de combate no palácio e ele carregava sempre aquela expressão azeda de superioridade. Ao seu físico não faltava nada quando o que estava em causa eram os gostos de um guerreiro - ele quase que poderia ser confundido com um - os braços abaulados com músculo, a cintura estreita e musculada e as suas pernas duras como troncos de árvores. No entanto, enfurecia-a como ele aparentava não ter nenhum respeito ou paixão pela sua posição.

Enquanto a realeza desfilava até aos seus lugares no pódio, as trombetas soaram novamente, sinalizando que a Matança estava prestes a começar.

A multidão vibrou quando todos os senhores de combate, exceto dois, retiraram-se de volta para os portões de ferro.

Ceres reconheceu um deles como Stefanus, mas não conseguia perceber quem era o outro brutamontes que vestia nada para além de um capacete com viseira e uma tanga presa por um cinto de couro. Talvez ele tivesse viajado de longe para lutar. A sua pele bem oleada era da cor de solo fértil e o seu cabelo era tão negro como a noite mais escura. Pelas ranhuras do capacete, Ceres conseguia ver o olhar de determinação nos olhos dele, percebendo imediatamente que Stefanus não viveria mais de uma hora.

"Não te preocupes", disse Ceres, olhando para Nesos. "Deixo-te ficar com a espada."

"Ele ainda não foi derrotado", respondeu Nesos com um sorriso. "Stefanus não seria o favorito de todos se não fosse superior."

Quando Stefanus levantou o seu tridente e o seu escudo, a multidão ficou em silêncio.

"Stefanus!", gritou do camarote um dos jovens ricos do sexo masculino, com um punho levantado. "Poder e coragem!"

Stefanus acenou com a cabeça para os jovens e o público vibrava em aprovação. De seguida, atirou-se ao forasteiro com força total. O forasteiro desviou-se subitamente, girando e golpeando Stefanus com a sua espada, falhando por pouco.

Ceres encolheu-se. Com reflexos assim, Stefanus não iria durar muito.

Golpeando sem parar o escudo de Stefanus, o forasteiro rugia enquanto Stefanus recuava. Stefanus, desesperado, arremessou por fim a ponta do seu escudo contra o rosto do seu adversário. Quando o seu inimigo caiu, o seu sangue pulverizou-se pelo ar.

Ceres pensou que aquele era um movimento bastante bom. Talvez Stefanus tivesse melhorado a sua técnica desde a última vez que ela o tinha visto a treinar.

"Stefanus! Stefanus! Stefanus!", os espetadores entoavam.

Stefanus ficou aos pés do guerreiro ferido, mas precisamente no momento em que ele estava prestes a esfaqueá-lo com o tridente, o forasteiro levantou os pés e pontapeou Stefanus que caiu para trás, aterrando de costas. Ambos puseram-se de pé tão rapidamente quanto os gatos, encarando-se novamente.

Os seus olhos fixaram-se e eles começaram a circular à volta um ao outro. O perigo no ar era palpável, pensou Ceres.

O forasteiro rosnou e ergueu a sua espada enquanto corria em direção a Stefanus. Stefanus virou-se rapidamente para o lado e golpeou-o na coxa. Em troca, o forasteiro balançou a sua espada e golpeou o braço de Stefanus.

Ambos os guerreiros grunhiam de dor, mas era como se as feridas guiassem a sua fúria em vez de os abrandar. O forasteiro tirou o capacete e atirou-o ao chão. O seu queixo de barba negra estava a sangrar, o olho direito inchado, mas a sua expressão fez com que Ceres pensasse que ele estava farto de brincar com Stefanus e estava a avançar para o matar. Quão rapidamente seria ele capaz de o matar?

Stefanus avançou na direção do forasteiro. Ceres ficou sem fôlego quando o tridente de Stefanus colidiu com a espada do seu oponente. Olhos nos olhos, os guerreiros lutavam um contra o outro, grunhindo, ofegantes, empurrando-se, com os seus protuberantes vasos sanguíneos nas testas e os músculos salientes sob a pele suada.

O forasteiro baixou-se e contorceu-se e, sem Ceres estar à espera, girou como um furacão, cortou o ar com a sua espada e decapitou Stefanus.

Depois de algumas respirações, o forasteiro triunfantemente ergueu o braço no ar.

Por um segundo, a multidão ficou completamente em silêncio. Até mesmo Ceres. Ela olhou para o adolescente que era o dono de Stefanus. Estava de boca aberta, com as sobrancelhas unidas em fúria.

O adolescente arremessou a sua taça de prata para a arena e saiu do camarote. A morte é o grande equalizador, pensou Ceres reprimindo um sorriso.

"August!", gritou um homem no meio da multidão. "August! August!"

Um após o outro os espectadores uniram-se, até todo o estádio ficar a gritar o nome do vencedor. O forasteiro fez uma vénia ao rei Claudius e, em seguida, três outros guerreiros vieram a correr dos portões de ferro, substituindo-o.

No decorrer do dia, as lutas seguiram-se umas após as outras. Ceres assistia com os olhos bem abertos. Ela não conseguia decidir-se lá muito bem sobre se odiava ou adorava as Matanças. Por um lado, ela gostava de observar a estratégia, a habilidade e a bravura dos candidatos; mas, por outro, ela desprezava o facto de os guerreiros não passarem de peões para os ricos.

Com a última luta da primeira ronda, Brennius e outro guerreiro lutaram mesmo ao lado de onde Ceres, Rexus e os seus irmãos estavam sentados. Estavam cada vez mais perto, com as suas espadas a retinir e faíscas a voar. Era emocionante.

Ceres observava Sartes que se inclinava sobre o gradeamento com os olhos colados nos combatentes.

"Encosta-te para trás!", gritou-lhe ela.

Mas antes de ele conseguir responder, de repente, um omnigato saltou para fora de uma escotilha no chão do outro lado do estádio. A enorme besta lambia os seus caninos e as suas garras escavavam o solo vermelho enquanto se dirigia para os guerreiros. Os lordes de combate ainda não tinha visto o animal e o estádio susteve a respiração.

"Brennius está morto", murmurou Nesos.

"Sartes!", gritou novamente Ceres. "Eu disse para te chegares para trás…"

Ela não teve hipótese de terminar as suas palavras. Precisamente naquele momento, a pedra debaixo das mãos de Sartes soltou-se e, antes que alguém conseguisse reagir, ele caiu por cima do gradeamento, aterrando com um estrondo na arena.

"Sartes!", gritou Ceres horrorizada virando-se para baixo.

Ceres olhou para baixo e viu Sartes, dez pés abaixo, sentar-se e encostar-se de costas contra a parede. O seu lábio inferior tremia, mas não havia lágrimas. Não havia palavras. Segurando o seu braço, ele olhou para cima, com uma expressão de agonia no seu rosto.

Ceres não aguentava vê-lo lá em baixo. Sem pensar, ela tirou a espada de Nesos e saltou sobre o gradeamento, para a arena, caindo precisamente à frente do seu irmão mais novo.

"Ceres!", gritou Rexus.

Ela olhou para trás e viu guardas a levarem Rexus e Nesos antes de eles a conseguirem seguir.

Ceres ficou ali na arena, surpreendida com um sentimento surreal por estar ali com os lutadores. Ela queria tirar Sartes de lá, mas não tinha tempo. Então, pôs-se à frente dele, determinada a protegê-lo e o omnigato rugiu-lhe. Com os seus olhos amarelos e maus fixos em Ceres, o omnigato curvou-se para baixo. Ela pressentia o perigo.

Ela vergastou a espada de Nesos com as duas mãos, apertando-a com força.

"Corre, miúda!", gritou Brennius.

Mas era tarde demais. Avançando na sua direção, o omnigato estava agora apenas a alguns pés de distância. Ela aproximou-se de Sartes e, pouco antes de o animal atacar, Brennius apareceu vindo da lateral e cortou a orelha do animal.

O omnigato levantou-se sob as suas pernas traseiras e rugiu, agarrando um pedaço da parede atrás de Ceres. Sangue púrpura manchava o seu pelo.

A multidão vibrava.

O segundo lorde de combate aproximou-se, mas antes de conseguir causar algum dano à besta, o omnigato levantou a pata e cortou a garganta do homem com as suas garras. Apertando as mãos em volta do seu pescoço, o guerreiro caiu no chão, com sangue a escorrer-lhe por entre os dedos.

Com fome de sangue, a multidão aplaudia.

A rosnar, o omnigato bateu em Ceres com tanta força que ela saiu a voar pelo ar, caindo no chão. Com o impacto, a espada saltou da sua mão, caindo a vários pés de distância.

Ceres ficou ali, com dificuldade em respirar. A morrer por ar, com a cabeça às voltas, ela tentou arrastar-se de gatas, mas rapidamente voltou a cair.

Deitada sem fôlego com o rosto pressionado contra a areia grossa, ela viu o omnigato a ir em direção a Sartes. Ao ver o seu irmão num estado tão indefeso, ela sentiu as suas entranhas a inflamarem-se com fogo. Obrigou-se a respirar fundo e discerniu com toda a clareza o que precisava de fazer para o salvar.

A energia inundou-a, dando-lhe poder imediato. Levantou-se, apanhou a espada e correu tão depressa em direção à besta que se convenceu de que estava a voar.

A besta estava agora a dez pés de distância dela. Oito. Seis. Quatro.

Ceres cerrou os dentes e atirou-se para as costas da besta, enfiando insistentemente os seus dedos no seu pelo eriçado, desesperada para distraí-la do seu irmão.

O omnigato ergueu-se sobre as patas traseiras e abanou a parte superior do seu corpo, empurrando Ceres para trás e para a frente. Mas a sua força de ferro e a sua determinação eram mais fortes do que as tentativas da besta para que ela a largasse.

Quando a criatura se colocou novamente em quatro patas, Ceres aproveitou a oportunidade. Ergueu a sua espada no ar e esfaqueou a besta no pescoço.

O animal guinchou e levantou-se sobre as patas traseiras enquanto a multidão vibrava.

Lançando uma pata na direção de Ceres, a criatura perfurou as suas costas com as garras. Ceres gritou de dor, sentindo as garras como se fossem adagas espetadas na sua carne. O omnigato agarrou-a e atirou-a contra a parede. Ela aterrou a vários pés de distância de Sartes.

"Ceres!", gritou Sartes.

Com os ouvidos a zumbir, Ceres tentou sentar-se, sentido a parte de trás da cabeça a latejar e um líquido quente a escorrer-lhe pelo pescoço. Não havia tempo para avaliar a gravidade do ferimento. O omnigato avançou novamente na sua direção.

Quando a besta se atirou para cima dela, Ceres não tinha opções. Sem sequer pensar, ela instintivamente levantou a palma da mão, estendendo-a para a frente. Era a última coisa que ela pensava ver.

Assim que o omnigato atacou, Ceres sentiu como se uma bola de fogo tivesse sido ateada no seu peito e, de repente, sentiu uma bola de energia a disparar da sua mão.

Em pleno ar, a besta, de repente, enfraqueceu.

Caiu no chão, derrapando até parar em cima das pernas dela. Ainda como que a esperar que o animal voltasse à vida e acabasse com ela, Ceres susteve a respiração ao olhar para ele ali deitado.

Mas a criatura não se movia.

Atordoada, Ceres olhou para a palma da mão. Não tendo visto o que tinha acontecido, a multidão provavelmente pensava que o animal tinha morrido porque ela antes o havia esfaqueado com a sua espada. Mas ela sabia mais. Alguma força misteriosa tinha saído da sua mão e matado o animal num ápice. Que força era aquela? Nunca tinha acontecido nada assim, e ela não sabia bem o que fazer com aquilo

Quem era ela para ter aquele poder?

Com medo, ela deixou a sua mão cair para baixo.

Ela levantou os olhos hesitantes e viu que o estádio tinha-se silenciado.

E ela não conseguia deixar de se questionar. Será que eles também tinham visto aquilo?

CAPÍTULO DOIS

Durante um segundo que parecia não acabar, Ceres sentiu todos os olhos em cima dela enquanto ela permanecia ali sentada, entorpecida pela dor e descrença. Mais do que as repercussões que estavam por vir, ela temia o poder sobrenatural que se escondia dentro de si e que havia matado o omnigato. Mais do que todas as pessoas à sua volta, ela temia enfrentar-se a ela própria – um eu que ela já não conhecia.

De repente, a multidão, atordoada em silêncio, rugiu. Ela demorou algum tempo até perceber que eles estavam a aclamar por ela.

Uma voz interrompeu os rugidos.

"Ceres!", gritou Sartes, ao lado dela. "Estás magoada?"

Ela virou-se para o seu irmão, ainda ali deitado no chão do Stade, também, e abriu a boca. Mas não saiu uma única palavra. Estava sem fôlego e sentia-se tonta. Teria ele visto o que realmente tinha acontecido? Ela não sabia sobre os outros, mas a esta distância, seria praticamente um milagre se ele não tivesse visto.

Ceres ouviu passos e, de repente, duas mãos fortes levantaram-na e puseram-na de pé.

"Vai-te embora agora!", Brennius rosnou, empurrando-a para o portão aberto à sua esquerda.

As feridas nas costas doíam-lhe, mas ela esforçou a voltar à realidade, agarrando Sartes e levantando-o. Juntos, eles lançaram-se em direção à saída, tentando escapar dos aplausos da multidão.

Chegaram rapidamente ao escuro e abafado túnel e, ao fazerem-no, Ceres viu dezenas de lordes de combate lá dentro, esperando pela sua vez por alguns momentos de glória na arena. Alguns estavam sentados nuns bancos em profunda meditação, outros estavam a enrijecer os músculos, contraindo os braços enquanto andavam de um lado para outro e outros estavam a preparar as suas armas para o banho de sangue iminente. Todos eles, tendo acabado de testemunhar a luta, levantaram os olhos e olharam para ela, com curiosidade.

Ceres correu pelos corredores subterrâneos que estavam forrados com tochas dando aos tijolos cinzentos um brilho quente, e passou por todo tipo de armas encostadas nas paredes. Ela tentava ignorar a dor nas costas, mas era difícil fazê-lo quando a cada passo, o material áspero do seu vestido fricionava nas feridas abertas. As garras do omnigato tinham parecido adagas a enfiarem-se, mas agora, com o latejar de cada ferida, ainda parecia pior.

"As tuas costas estão a deitar sangue", disse Sartes, com a voz a tremer.

"Eu vou ficar bem. Precisamos de encontrar Nesos e Rexus. Como é que está o teu braço? "

"A doer."

Quando chegaram à saída, a porta abriu-se e dois soldados do Império estavam ali.

"Sartes!"

Antes de ela conseguir reagir, um soldado agarrou no seu irmão e outro agarrou-a a ela. Não adiantava resistir. O outro soldado balançou-a para cima do seu ombro como se ela fosse um saco de grão, levando-a dali. Temendo ter sido presa, ela batia-lhe nas costas, sem sucesso.

Já fora do Stade, ele atirou-a para o chão. Sartes aterrou ao lado dela. Alguns mirones formaram um semicírculo ao seu redor, de boca aberta, como se famintos pelo derramamento do seu sangue.

"Se entrarem novamente no Stade, serão enforcados", o soldado rosnou.

Os soldados, para sua surpresa, viraram-se sem dizer mais uma palavra e desapareceram de volta para a multidão.

"Ceres!", gritou uma voz profunda por cima do barulho da multidão.

Ceres olhou ficando aliviada ao ver Nesos e Rexus indo na direção de eles. Quando Rexus lançou os seus braços ao redor dela, ela engasgou-se. Ele chegou-se para trás, preocupado.

"Eu vou ficar bem", disse ela.

As multidões saíram do Stade e Ceres e os outros misturaram-se e correram de volta para as ruas, não querendo mais nenhum encontro. Caminhando em direção à Praça do Chafariz, Ceres repetiu na sua mente tudo o que tinha acontecido, ainda a cambalear. Ela notou que os seus irmãos olhavam para os lados e questionou-se sobre o que eles estavam a pensar. Teriam eles testemunhado os seus poderes? Provavelmente não. O omnigato tinha estado muito próximo. No entanto, ao mesmo tempo eles olhavam para ela com um novo sentido de respeito. Mais do que tudo ela queria dizer-lhes o que tinha acontecido. No entanto, ela sabia que não podia. Ela própria não tinha a certeza.

Havia tanta coisa por dizer entre eles, mas agora, no meio daquela imensa multidão, não era o momento de o fazer. Primeiro, eles precisavam de chegar a casa em segurança.

As ruas ficavam muito menos povoadas à medida que eles se afastavam do Stade. Caminhando ao seu lado, Rexus pegou numa das suas mãos e interlaçou os seus dedos nos dela.

"Estou orgulhoso de ti", disse-lhe ele. "Salvaste a vida do teu irmão. Não tenho a certeza de quantas irmãs o fariam."

Ele sorriu, com os olhos cheios de compaixão.

"Essas feridas parecem profundas", observou ele, olhando para as costas dela.

"Eu vou ficar bem", ela murmurou.

Era uma mentira. Ela não tinha de todo a certeza de que fosse ficar bem ou até de que conseguisse chegar a casa. Sentia-se bastante tonta com a perda de sangue e não ajudava nada o facto do seu estômago roncar e do sol a estar a incomodar, fazendo-a transpirar.

Finalmente, eles chegaram à Praça do Chafariz. Ao passarem pelas tendas, um comerciante foi atrás deles, oferecendo-lhes uma grande cesta de alimentos por metade do preço.

Sartes sorriu de orelha a orelha – o que ela achou um pouco estranho - e, em seguida, ele ergueu uma moeda de cobre com o seu braço saudável.

"Acho que te devo um pouco de comida", disse ele.

Ceres engasgou-se em estado de choque. "Onde é que conseguiste isso?"

"Aquela miúda rica na carruagem dourada atirou para fora duas moedas, não uma, mas as pessoas todas estavam tão focadas na luta entre os homens que nem sequer notaram”, respondeu Sartes, com o seu sorriso ainda muito intacto.

Ceres zangou-se e preparou-se para confiscar a moeda a Sartes e atirá-la. Aquilo era dinheiro de sangue, afinal. Eles não precisavam de nada que viesse de pessoas ricas.

Ao se aproximar para a agarrar, de repente, uma mulher velha apareceu e bloqueou-lhe a passagem.

"Tu!", disse ela, apontando para Ceres, com uma voz tão alta que Ceres sentiu-a como se vibrasse diretamente através dela.

A tez da mulher era ligeira, mas aparentemente transparente, e os seus lábios perfeitamente arqueados tinham uma tonalidade esverdeada. Bolotas e musgos adornavam o seu longo e espesso cabelo preto, e os seus olhos castanhos combinavam com o seu longo vestido castanho. Ela era bonita de se ver, Ceres pensou, tanto que ela ficou hipnotizada por um momento.

Ceres pestanejou, atordoada, certa de que nunca havia conhecido aquela mulher antes.

"Como é que sabes o meu nome?"

O seu olhar prendeu-se no da mulher e quando ela deu alguns passos na sua direção, Ceres reparou que a mulher cheirava fortemente a mirra.

"Veia das estrelas", disse ela, numa voz estranha.

Quando a mulher levantou o braço num gesto gracioso, Ceres viu que uma triquetra estava marcada no lado de dentro do seu pulso. Uma bruxa. Com base no aroma dos deuses, talvez uma vidente.

A mulher pegou no cabelo rosa dourado de Ceres e cheirou-o.

"Tu não és nenhuma estranha para a espada", disse ela. "Tu não és nenhuma estranha para o trono. O teu destino é grandioso, na verdade. Poderosa será a mudança."

De súbito, a mulher virou-se e foi-se embora a correr, desaparecendo por detrás da sua tenda. Ceres ficou ali, entorpecida. Ela sentiu as palavras da mulher a penetrarem a sua alma. Sentiu que tinham sido mais do que uma observação; eram uma profecia. Poderosa. Mudança. Trono. Destino. Eram palavras que ela nunca tinha associado a si própria antes.

Poderiam elas ser verdade? Ou eram apenas as palavras de uma louca?

Ceres olhou e viu Sartes a segurar uma cesta de alimentos, com a sua boca já recheada com pão mais do que suficiente. Ele estendeu-a para ela. Ela viu pastelaria, frutas e legumes, sendo quase o suficiente para quebrar a sua determinação. Numa situação normal ela teria devorado a comida.

No entanto, agora, por alguma razão, ela tinha perdido o apetite.

Havia um futuro à sua frente.

Um destino.

*

A caminhada para casa tinha levado quase uma hora a mais do que o habitual. Permaneceram todos em silêncio durante todo o caminho, cada um perdido nos seus próprios pensamentos. Ceres só conseguia pensar no que as pessoas que ela mais amava no mundo pensavam dela. Ela mal sabia o que pensar de si mesma.

Ela olhou para cima e viu a sua humilde casa, ficando surpreendida por ter conseguido fazer todo o caminho, dada a forma como a cabeça e as costas lhe doíam.

Os outros haviam-se separado dela há algum tempo, para fazer um recado ao seu pai, e Ceres entrou sozinha na soleira que rangia, preparando-se, esperando não encontrar a sua mãe.

Ela entrou num banho de calor. Dirigiu-se para o pequeno frasco de álcool de limpeza que a sua mãe tinha guardado sob a sua cama e tirou-lhe a rolha. Fê-lo com cuidado para não usar demais senão podia ser detetado. Preparando-se para a picada, ela arrancou a sua camisa e derramou-o pelas costas.

Ceres gritou de dor, cerrando o punho e inclinando a cabeça contra a parede, sentindo mil picadas das garras do omnigato. Ela sentia como se aquelas feridas nunca se fossem curar.

A porta abriu-se com força e Ceres encolheu-se. Ela ficou aliviada ao ver que era apenas Sartes.

"O Pai precisa de ter ver, Ceres", disse ele.

Ceres notou que os seus olhos estavam ligeiramente vermelhos.

"Como é que está o teu braço?", perguntou ela, assumindo que ele estava a chorar de dor por causa do seu braço ferido.

"Não está partido. Apenas torcido". Ele aproximou-se e o seu rosto ficou sério. "Obrigado por me teres salvado hoje."

Ela ofereceu-lhe um sorriso. "Como é que eu poderia estar em outro lugar?", disse ela.

Ele sorriu.

"Vai ter com o Pai agora", disse ele. "Eu vou queimar o teu vestido e o pano."

Ela não sabia como ela seria capaz de explicar à sua mãe como é que o seu vestido, de repente, tinha desaparecido, mas a peça de roupa herdada definitivamente tinha de ser queimada. Se a sua mãe a encontrasse no seu atual estado - ensanguentado e cheio de buracos – não haveria quem conseguisse dizer o quão severa a punição seria.

Ceres foi-se embora, caminhando pelo trilho de ervas espezinhadas para o telheiro atrás da casa. Restava uma árvore no seu humilde lote - as outras haviam sido cortadas em lenha e queimadas na lareira para aquecer a casa durante as noites frias de Inverno - e os seus ramos pairavam sobre a casa como uma energia protetora. Toda vez que Ceres a via, ela lembrava-se da sua avó, que falecera dois anos antes. Tinha sido a sua avó que tinha plantado a árvore quando ela era criança. Era o seu templo, de certa forma. E do seu pai também. Quando a vida se tornava demasiado difícil de suportar, eles ficavam sob as estrelas e abriam os seus corações para Nana como se ela ainda estivesse viva.

Ceres entrou no telheiro e cumprimentou o seu pai com um sorriso. Para sua surpresa, ela reparou que a maioria das suas ferramentas haviam sido retiradas da mesa de trabalho e que não havia espadas a aguardar junto da lareira para serem forjadas. Ela não se conseguia lembrar de ver o chão tão bem varrido ou as paredes e o teto sem ferramentas.

Os olhos azuis do seu pai iluminaram-se, como sempre acontecia quando ela a via.

"Ceres", disse ele, levantando-se.

Naquele último ano, o seu cabelo escuro tinha ficado muito mais grisalho assim como a sua curta barba, e as bolsas sob os seus olhos amorosos tinham duplicado de tamanho. No passado, tinha sido de estatura larga e quase tão musculado quanto Nesos; no entanto, recentemente, Ceres notava que ele tinha perdido peso e a sua postura, anteriormente perfeita, estava a ceder.

Ele foi ter com ela à porta e colocou uma mão calejada nas suas costas.

"Vem comigo."

O peito dela comprimiu-se um pouco. Quando ele queria falar e andar, isso significava que ele estava prestes a compartilhar algo significativo.

Lado a lado, eles vaguearam até à parte traseira do telheiro e na direção do pequeno campo. Não muito longe apareciam umas nuvens escuras, enviando rajadas de vento quente e temperamental. Ela esperava que elas produzissem a chuva necessária para recuperarem daquela seca aparentemente interminável, mas como já antes acontecera, elas provavelmente apenas contivessem vazias promessas de chuviscos.

A terra rangia sob os seus pés enquanto ela caminhava, com o solo seco, as plantas amarelas, castanhas e mortas. Aquele pedaço de terra atrás da sua subdivisão era do Rei Claudius, apesar de não ser semeada há anos.

Eles subiram uma colina e pararam, olhando através do campo. O pai dela permanecia em silêncio, com as mãos cruzadas atrás das costas e a olhar para o céu. Ele não era assim e o medo dela aprofundou-se.

Então ele falou, parecendo selecionar as palavras com cuidado.

"Às vezes não temos o luxo de escolher os nossos caminhos", disse ele. "Devemos sacrificar tudo o que queremos pelos que amamos. Sacrificarmo-nos mesmo a nós, se necessário."

Ele suspirou e, no longo silêncio, interrompido apenas pelo vento, o coração de Ceres batia com força, indagando-se onde é que ele queria chegar com aquilo.

"O que eu não daria para manter a tua infância para sempre", acrescentou ele, olhando para o céu, com o rosto contorcido de dor antes de relaxar novamente.

"O que é que se passa?", perguntou Ceres, colocando uma mão no braço dele.

"Eu tenho de me ir embora por algum tempo", disse ele.

Ela sentiu como se não pudesse respirar.

"Ir embora?"

Ele virou-se e olhou-a nos olhos.

"Como sabes, o inverno e a primavera foram particularmente difíceis este ano. Os últimos anos de seca têm sido difíceis. Nós não fizemos dinheiro suficiente para nos aguentarmos durante o próximo inverno e, se eu não for, a nossa família vai morrer à fome. Fui incumbido por outro rei de ser o seu cuteleiro principal. Será um bom dinheiro. "

"Vai levar-me contigo, certo?",perguntou Ceres, com um tom frenético na sua voz.

Ele abanou a cabeça tristemente.

"Tens de ficar aqui e ajudar a tua mãe e irmãos."

Aquele pensamento horrorizava-a.

"Não me podes deixar aqui com a Mãe", disse ela. "Não o farias."

"Eu falei com ela e ela vai cuidar de ti. Ela vai ser gentil."

Ceres bateu com o pé na terra, fazendo com que se levantasse poeira.

"Não!"

Escorriam-lhe pelas bochechas as lágrimas que lhe explodiam dos olhos.

Ele deu um pequeno passo em direção a ela.

"Ouve-me com muita atenção, Ceres. O palácio ainda precisa de espadas entregues de tempos a tempos. Eu dei referências tuas e se fizeres espadas da maneira que te ensinei, tu própria podes ganhar algum dinheiro."

Ganhar o seu próprio dinheiro podia, eventualmente, permitir-lhe ter mais liberdade. Ela tinha descoberto que as suas pequenas e delicadas mãos tinham vindo a calhar quando esculpia intrincados desenhos e inscrições nas lâminas e punhos. As mãos do seu pai eram grandes, os seus dedos grossos e atarracados e poucos tinham a habilidade que ela tinha.

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Yaş sınırı:
16+
Litres'teki yayın tarihi:
10 ekim 2019
Hacim:
251 s. 3 illüstrasyon
ISBN:
9781632918307
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