Kitabı oku: «Os Lusíadas»
Eu el Rey faço ſaber aos que eſte Aluara virem que eu ey por bem & me praz dar licença a Luis de Camoẽs pera que poſſa fazer imprimir neſta cidade de Lisboa, hũa obra em Octaua rima chamada Os Luſiadas, que contem dez cantos perfeitos, na qual por ordem poetica em verſos ſe declarão os principaes feitos dos Portugueſes nas partes da India depois que ſe deſcobrio a nauegação pera ellas por mãdado del Rey dom Manoel meu viſauo que ſancta gloria aja, & iſto com priuilegio pera que em tempo de dez anos que ſe começarão do dia que ſe a dita obra acabar de empremir em diãte, ſe não poſſa imprimir nẽ vender em meus reinos & ſenhorios nem trazer a elles de fora, nem leuar aas ditas partes da India pera ſe vender ſem licẽça do dito Luis de Camoẽs ou da peſſoa que pera iſſo ſeu poder tiuer, ſob pena de quẽ o contrario fizer pagar cinquoenta cruzados & perder os volmes que imprimir, ou vender, a metade pera o dito Luis de Camoẽs, & a outra metade pera quem os acuſar. E antes de ſe a dita obra vender lhe ſera poſto o preço na meſa do deſpacho dos meus Deſembargadores do paço, o qual ſe declarará & porá impreſſo na primeira folha da dita obra pera ſer a todos notorio, & antes de ſe imprimir ſera viſta & examinada na meſa do conſelho geral do ſanto officio da Inquiſição pera cõ ſua licença ſe auer de imprimir, & ſe o dito Luis de Camões tiuer acrecentados mais algũs Cantos, tambem ſe imprimirão auendo pera iſſo licença do ſancto officio, como acima he dito. E eſte meu Aluara ſe imprimirà outroſi no principio da dita obra, o qual ey por bem que valha & tenha força & vigor, como ſe foſſe carta feita em meu nome por mim aſſinada & paſſada por minha Chancellaria ſem embargo da Ordenação do ſegundo liuro, tit. xx. que diz que as couſas cujo effeito ouuer de durar mais que hum ano paſſem per cartas, & paſſando por aluaras não valhão. Gaſpar de Seixas o fiz em Lisboa, a .xxiiij: de Setembro, de M.D.LXXI. Iorge da Coſta o fiz eſcreuer.
OS LVSIADAS DE LVIS DE CAMÕES
Canto primeiro
As armas, & os barões aſsinalados,
Que da Occidental praya Luſitana,
Por mares nunca de antes nauegados,
Paſſaram, ainda alem da Taprobana,
Em perigos, & guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana.
E entre gente remota edificarão
Nouo Reino, que tanto ſublimarão.
E tambem as memorias glorioſas
Daquelles Reis, que forão dilatando
A Fee, o Imperio, & as terras vicioſas
De Affrica, & de Aſia, andarão deuaſtando,
E aquelles que por obras valeroſas
Se vão da ley da Morte libertando.
Cantando eſpalharey por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho & arte.
Ceſſem do ſabio Grego, & do Troyano,
As nauegações grandes que fizerão:
Calleſe de Alexandro, & de Trajano,
A fama das victorias que tiuerão,
Que eu canto o peyto illuſtre Luſitano,
A quem Neptuno, & Marte obedeçerão:
Ceſſe tudo o que a Muſa antigua canta,
Que outro valor mais alto ſe aleuanta.
E vos Tagides minhas, pois criado
Tendes em my hum nouo engenho ardente.
Se ſempre em verſo humilde, celebrado
Foy de my voſſo rio alegremente,
Daime agora hum ſom alto, & ſublimado,
Hum estillo grandiloco, & corrente,
Porque de voſſas agoas Phebo ordene,
Que não tenhão enueja aas de Hypocrene.
Daime hũa furia grande & ſonoroſa,
E não de agreſte a vena, ou frauta ruda:
Mas de tuba canora & belicoſa,
Que o peito acende, & a cor ao geſto muda:
Daime igoal canto aos feitos da famoſa
Gente voſſa, que a Marte tanto ajuda:
Que ſe eſpalhe & ſe conte no vniuerſo,
Se tam ſublime preço cabe em verſo.
E vos ò bem naſcida ſegurança
Da Luſitana antigua liberdade,
E não menos certiſsima eſperança,
De aumento da pequena Chriſtandade:
Vos o nouo temor da Maura lança,
Marauilha fatal da noſſa idade:
Dada ao mundo por Deos q̃ todo o mande,
Pera do mundo a Deos dar parte grande.
Vos tenrro, & nouo ramo florecente,
De hũa aruore de Christo mais amada
Que nenhũa naſcida no Occidente,
Ceſarea, ou Christianiſsima chamada:
Vedeo no voſſo eſcudo, que preſente
Vos amostra a victoria ja paſſada.
Na qual vos deu por armas, & deixou
As que elle pera ſi na Cruz tomou.
Vos poderoſo Rei, cujo alto Imperio,
O Sol logo em naſcendo ve primeiro:
Veo tambem no meio do Hemiſpherio,
E quando dece o deixa derradeiro.
Vos que eſperamos jugo & vituperio,
Do torpe Ismaelita caualleiro:
Do Turco Oriental, & do Gentio,
Que inda bebe o licor do ſancto Rio.
Inclinay por hum pouco a magestade,
Que neſſe tenrro gesto vos contemplo,
Que ja ſe mostra, qual na inteira idade,
Quando ſobindo yreis ao eterno templo,
Os olhos a real benignidade
Ponde no chão: vereis hum nouo exemplo,
De amor, dos patrios feitos valeroſos,
Em verſos deuulgado numeroſos.
Vereis amor da patria, não mouido
De premio vil: mas alto, & quaſi eterno
Que nam he premio vil, ſer conhecido
Por hum pregão do ninho meu paterno.
Ouui vereis o nome engrandecido
Daquelles de quem ſois ſenhor ſuperno.
E julgareis qual he mais excelente,
Se ſer do mundo Rei, ſe de tal gente:
Ouui, que não vereis com vãs façanhas
Fantaſticas, fingidas, mentiroſas,
Louuar os voſſos, como nas eſtranhas
Muſas, de engrandecerſe deſejoſas,
As verdadeiras voſſas ſam tamanhas,
Que excedem as ſonhadas fabuloſas:
Que excedem Rodamonte, & o vão Rugeiro,
E Orlando, inda quefora verdadeiro.
Por eſtes vos darey hum Nuno fero,
Que fez ao Rei, & ao Reino tal ſeruiço,
Hum Egas, & hũ dom Fuas, q̃ de Homero
A Citara parelles ſo cobiço:
Pois polos doze pares daruos quero,
Os doze de Inglaterra, & o ſeu Magriço.
Douuos tambem aquelle illustre Gama,
Que para ſi de Eneas toma a fama.
Pois ſe a troco de Carlos Rei de França,
Ou de Ceſar, quereis iqual memoria:
Vede o primeiro Afonſo, cuja lança
Eſcura faz qualquer eſtranha gloria:
E aquelle que a ſeu Reino a ſegurança
Deixou, com a grande & proſpera victoria.
Outro Ioane, inuicto caualleiro,
O quarto, & quinto Afonſos, & o terceiro.
Nem deixarão meus verſos eſquecidos,
Aquelles que nos Reinos la da Aurora,
Se fizerão por armas tam ſubidos,
Voſſa bandeira ſempre vencedora.
Hum Pacheco fortiſsimo, & os temidos
Almeidas, por quem ſempre o Tejo chora.
Albuquerque terribil, Caſtro forte,
E outros em quem poder não teue a morte.
E em quanto eu eſtes canto, & a vos nam poſſo
Sublime Rei, que nam me atreuo a tanto,
Tomay as redeas vos do Reino voſſo,
Dareis materia a nunca ouuido canto:
Comecem a ſentir o peſo groſſo,
(Que polo mundo todo faça eſpanto,)
De exercitos, & feitos ſingulares,
De affricas as terras, & do Oriente os mares.
Em vos os olhos tem o Mouro frio,
Em quem vè ſeu exicio afigurado,
So com vos ver o barbaro Gentio,
Moſtra o peſcoço ao jugo ja inclinado:
Thetis todo o ceruleo ſenhorio,
Tem pera vos por dote aparelhado:
Que affeiçoada ao geſto bello, & tenro,
Deſeja de compraruos pera genro.
Em vos ſe vem da Olimpica morada,
Dos ous auôs, as almas ca famoſas,
Hũa na paz Angelica dourada,
Outra polas batalhas ſanguinoſas:
Em vos eſperão, verſe renouada,
Sua memoria, & obras valeroſas.
E la vos tem lugar no fim da idade,
No templo da ſuprema eternidade.
Mas em quanto eſte tempo paſſa lento,
De regerdes os pouos, que o deſejão:
Day vos fauor ao nouo atreuimento,
Pera que estes meus verſos voſſos ſejão:
E vereis ir cortando o ſalſo argento:
Os voſſos Argonautas, por que vejão,
Que ſam vistos de vos no mar yrado,
E costumaiuos ja a ſer inuocado.
Ia no largo Occeano nauegauão,
As inquietas ondas apartando,
Os ventos brandamente reſpirauão,
Das naos as vellas concauas inchando:
Da branca eſcuma, os mares ſe moſtrauão
Cubertos, onde as proas vão cortando.
As maritimas agoas conſagradas,
Que do gado de Proteo ſam cortadas.
Quando os Deuſes no Olimpo luminoſo,
Onde o gouerno esta, da humana gente,
Se ajuntão em conſilio glorioſo,
Sobre as couſas futuras do Oriente:
Piſando o criſtalino Ceo fermoſo,
Vem pela via Lactea, juntamente
Conuocados da parte do Tonante,
Pelo Neto gentil do velho Atlante.
Deixão dos ſete Ceos o regimento,
Que do poder mais alto lhe foi dado,
Alto poder, que ſo co penſamento
Governa o Ceo, a Terra, & o Mar yrado:
Ali ſe acharão juntos num momento,
Os que habitão o Arcturo congelado.
E os que o Auſtro tem, & as partes onde
A Aurora naſce, & o claro Sol ſe eſconde.
Eſtava o Padre ali ſublime & dino,
Que vibra os feros rayos de Vulcano,
Num aſſento de estrellas criſtalino,
Com geſto alto, ſevero, & ſoberano,
Do roſto reſpiraua hum ar diuino,
Que diuino tornàra hum corpo humano:
Com hũa coroa, & ceptro rutilante,
De outra pedra mais clara que diamante.
Em luzentes aſſentos, marchetados
De ouro, & de perlas, mais abaixo estavão
Os outros Deuſes todos aſſentados,
Como a Razão, & a Ordem concertauão.
Precedem os antiguos mais honrrados,
Mais abaixo os menores ſe aſſentauão:
Quando Iupiter alto, aſſy dizendo,
Cum tom de voz começa, graue & horrendo.
Eternos moradores do luzente
Eſtelifero polo & claro aſſento,
Se do grande valor da forte gente,
De Luſo, não perdeis o penſamento,
Deueis de ter ſabido claramente
Como he dos fados grandes certo intento
Que por ella ſeſqueção os humanos,
De Aſsirios, Perſas, Gregos & Romanos.
Ia lhe foy (bem o vistes) concedido
Cum poder tam ſingelo & tam pequeno
Tomar ao Mouro forte & guarnecido,
Toda a terra que rega o Tejo ameno:
Pois contra o Caſtelhano tam temido
Sempre alcançou fauor do Ceo ſereno.
Aſsi que ſempre em fim com fama & gloria,
Teue os tropheos pendentes da victoria.
Deixo Deoſes atras a fama antigua,
Que co a gente de Romulo alcançarão,
Quando com Viriato, na inimiga
Guerra Romana tanto ſe affamarão.
Tambem deixo a memoria, que os obriga
A grande nome, quando aleuantarão
Hum, por ſeu capitão, que peregrino
Fingio na Cerua eſpirito diuino.
Agora vedes bem, que cometendo,
O diuidoſo mar, num lenho leue,
Por vias nunca vſadas, não temendo
De Affrico & Noto a força a mais ſatreue:
Que auendo tanto ja que as partes vendo,
Onde o dia he comprido, & onde breue.
Inclinão ſeu propoſito, & perfia
A ver os berços, onde naſce o dia
Prometido lhe eſtà do fado eterno,
Cuja alta ley nam pode ſer quebrada,
Que tenhão longos tempos o gouerno
Do mar, que vé do Sol a roxa entrada.
Nas agoas tem paſſado o duro Inuerno,
A gente vem perdida & trabalhada.
Ia parece bem feito, que lhe ſeja
Mostrada a noua terra que deſeja.
E porque, como viſtes, tem paſſados
Na viagem, tam aſperos perigos,
Tantos Climas & Ceos experimentados,
Tanto furor de ventos inimigos
Que ſejam, de termino, agaſalhados
Neſta coſta affricana como amigos.
E tendo guarnecida a laſſa frota,
Tornarão a ſeguir ſua longa rata.
Eſtas palauras Iupiter dezia,
Quando os Deoſes por ordem reſpondendo,
Na ſentença hum do outro difiria,
Razões diuerſas dando & recebendo.
O padre Baco, ali nam conſentia
No que Iupiter diſſe, conhecendo
Que eſquecerão ſeus feitos no Oriente,
Se la paſſar a Luſitana gente.
Ouuido tinha aos Fados que viria
Hũa gente fortiſsimo de Heſpanha,
Pelo mar alto, a qual ſojeitaria
Da India, tudo quanto Doris banha:
E com nouas victorias venceria,
A fama antiga, ou ſua, ou foſſe eſtranha.
Altamente lhe doe perder a gloria,
De que Niſa celebra inda a memoria.
Ve que ja teue o Indo ſojugado,
E nunca lhe tirou Fortuna, ou caſo,
Por vencedor da India ſer cantado,
De quantos bebem a agoa de Parnaſo.
Teme agora que ſeja ſepultado,
Seu tam celebre nome, em negro vaſo,
Dagoa do eſquecimento, ſe la chegão
Os fortes Portugueſes, que nauegão,
Suſtentaua contra elle Venus bella,
Affeiçoada aa gente Luſitana,
Por quantas qualidades via nella,
Da antiga tam amada ſua Romana,
Nos fortes corações, na grande estrella,
Que mostrarão na terra Tingitana:
E na lingoa, na qual, quando imagina,
Com pouca corrupção cre que he a Latina.
Eſtas cauſas mouião Cyterea,
E mais, porque das Parcas claro entende
Que ha de ſer celebrada a clara Dea,
Onde a gente beligera ſe eſtende.
Aſsi que hum pela infamia que arrecea,
E o outro polas honras que pretende,
Debatem, & na perfia permanecem,
A qualquer ſeus amigos fauorecem:
Qual Auſtro fero, ou Boreas na eſpeſſura,
De ſilueſtre aruoredo abastecida,
Rompendo os ramos vão da mata eſcura,
Com impito & braueza deſmedida.
Brama toda montanha, o ſom murmura,
Rompenſe as folhas, ferue a ſerra erguida.
Tal andaua o tumulto leuantado,
Entre os Deoſes no Olimpo conſagrado.
Mas Marte que da Deoſa ſuſtentaua,
Entre todos as partes em porfia,
Ou por que o amor antiguo o obrigaua,
Ou porque a gente forte o merecia,
De entre os Deoſes em pee ſe leuantaua,
Merencorio no gesto parecia:
O forte eſcudo ao collo pendurado,
Deitando para tràs medonho e irado.
A viſeira do elmo de Diamante,
Aleuantando hum pouco, muy ſeguro,
Por dar ſeu parecer ſe pos diante
De Iupiter, armado, forte & duro:
E dando hũa pancada penetrante,
Co conto do baſtão, no ſolio puro:
O ceo tremeo, & Apolo de toruado,
Hum pouco a luz perdeo, como infiado.
E diſſe aſsi, ò padre a cujo imperio,
Tudo aquillo obedece, que criaſte,
Se eſta gente que buſca outro Emiſpherio,
Cuja valia, & obras tanto amaſte:
Não queres que padeção vituperio,
Como ha ja tanto tempo que ordenaste
Não ouças mais, pois es juyz direito,
Razões de quem parece que he ſoſpeito.
Que ſe aqui a razão ſe não mostraſſe
Vencida do temor demaſiado,
Bem fora que aqui Baco os ſoſtentaſſe,
Pois que de Luſo vem, ſeu tam priuado:
Mas eſta tenção ſua, agora paſſe,
Porque em fim vem de eſtamago danado.
Que nunca tirarà alhea enueja,
O bem que outrem mereçe, & o ceo deſeja.
E tu padre de grande fortaleza,
Da determinaçam que tẽs tomada,
Nam tornes por detras pois he fraqueza
Deſistir ſe da couſa começada.
Mercurio pois excede em ligeireza
Ao vento leue, & aa ſeta bem talhada,
Lhe va mostrar a terra, onde ſe informe
Da India, & onde a gente ſe reforme.
Como iſto diſſe o Padre poderoſo,
A cabeça inclinando, conſentio
No que diſſe Mauorte valeroſo,
E Nectar ſobre todos eſparzio:
Pelo caminho Lacteo glorioſo,
Logo cada hum dos Deoſes ſe partio.
Fazendo ſeus reaes acatamentos,
Pera os determinados apouſentos.
Em quanto iſto ſe paſſa, na fermoſa
Caſa eterea do Olimpo omnipotente
Cortaua o mar a gente belicoſa:
Ia la da banda do Auſtro, & do Oriente,
Entre a coſta Ethiopica, & a famoſa
Ilha de ſam Lourenço, & o Sol ardente
Queimaua entam os Deoſes, que Tifeô
Co temor grande em pexes conuerteô.
Tam brandamente os ventos os leuauão,
Como quem o ceo tinha por amigo:
Sereno o ar, & os tempos ſe mostrauão
Sem nuuẽs, ſem receio de perigo:
O promontorio praſſo ja paſſauão
Na coſta de Ethiopia, nome antiguo.
Quando o mar deſcobrindo lhe moſtraua,
Nouas ilhas que em torno cerca, & laua.
Vaſco da gama, o forte Capitão,
Que a tamanhas empreſas ſe offerece,
De ſoberbo, & de altiuo coração,
A quem fortuna ſempre fauorece
Pera ſe aqui deter, não ve razão,
Que inhabitada a terra lhe parece:
Por diante paſſar determinaua:
Mas nam lhe ſoccedeo como cuydaua.
Eis aparecem logo em companhia,
Hũs pequenos bateis, que vem daquella
Que mais chegada à terra parecia,
Cortando o longo mar com larga vella:
A gente ſe aluoroça, & de alegria
Não ſabe mais que olhar a cauſa della.
Que gente ſera eſta, em ſi dezião,
Que costumes, que ley, que Rei terião?
As embarcações erão, na maneira
Muy veloces, eſtreitas, & compridas,
As vellas com que vem erão de eſteira,
Dũas folhas de Palma bem tecidas:
A gente da cor era verdadeira,
Que Phaeton, nas terras acendidas
Ao mundo deu, de ouſado, & não prudente,
O Pado o ſabe, & Lampetuſa o ſente.
De panos de algodão vinhão veſtidos,
De varias cores, brancos, & liſtrados,
Hũs trazem derredor de ſi cingidos,
Outros em modo ayroſo ſobraçados,
Das cintas pera cima vem deſpidos:
Por armas tem adagas, & tarçados.
Com toucas na cabeça, & nauegando,
Anafis ſonoroſos vão tocando.
Cos panos, & cos braços açenauão,
Aas gentes Luſitanas, que eſperaſſem:
Mas ja as proas ligeiras, ſe inclinauão,
Pera que junto aas Ilhas amainaſſem.
A gente, & marinheiros trabalhauão,
Como ſe aqui os trabalhos ſacabaſſem:
Tomão vellas, amainaſe a verga alta,
Da ancora o mar ferido, encima ſalta.
Não erão ancorados, quando a gente
Eſtranha, polas cordas ja ſubia,
No geſto ledos vem, & humanamente,
O Capitão ſublime os recebia.
As meſas manda por em continente,
Do licor que Lieo prantado auia:
Enchem vaſos de vidro, & do que deitão,
Os de Phaeton queimados nada engeitão.
Comendo alegremente perguntauão,
Pela Arabica lingoa, donde vinhão,
Quem erão, de que terra, que buſcauão,
Ou que partes do mar corrido tinhão?
Os fortes Luſitanos lhe tornauão,
As diſcretas repostas que conuinhão.
Os Portugueſes ſomos do Occidente,
Himos buſcando as terras do Oriente.
Do mar temos corrido, & nauegado
Toda a parte do Antartico, & Caliſto,
Toda a coſta Affricana rodeado,
Diuerſos Ceos, & Terras temos viſto:
Dum Rei potente ſomos, tam amado,
Tam querido de todos, & bem quisto:
Que nam no largo Mar, com leda fronte:
Mas no lago entraremos de Acheronte.
E por mandado ſeu, buſcando andamos
A terra Oriental, que o Indo rega,
Por elle o Mar remoto nauegamos,
Que ſo dos feos Focas ſe nauega:
Mas ja razão parece que ſaibamos,
Se entre vos a verdade não ſe nega.
Quem ſois, que terra he eſta que abitais?
Ou ſe tendes da India algũs ſinais?
Somos, hum dos das Ilhas lhe tornou,
Eſtrangeiros na terra, Lei, & nação
Que os proprios, ſam aquelles que criou
A Natura ſem Lei, & ſem Razão:
Nos temos a Lei certa que inſinou,
O claro deſcendente de Abrahão:
Que agora tem do Mundo o ſenhorio,
A mãy Hebrea teue, & o pai Gentio.
Esta Ilha pequena que habitamos,
He em toda eſta terra certa eſcala,
De todos os que as Ondas nauegamos,
De Quiloa, de Mombaça, & de Sofala:
E por ſer neceſſaria, procuramos,
Como proprios da terra, de habitala.
E porque tudo em fim vos notifique,
Chamaſe a pequena Ilha Moçambique.
E ja que de tam longe nauegais,
Buſcando o Indo Idaſpe, & terra ardente,
Piloto aqui tereis, por quem ſejais
Guiados pelas ondas ſabiamente.
Tambem ſera bemfeito que tenhais,
Da terra algum refreſco, & que o Regente
Que esta terra gouerna, que vos veja,
E do mais neceſſario vos proueja.
Iſto dizendo, o Mouro ſe tornou
A ſeus bateis com toda a companhia,
Do Capitão & gente ſe apartou,
Com mostras de deuida corteſia:
Niſto Febo nas agoas encerrou,
Co carro de Christal, o claro dia:
Dando cargo aa Irmaã, que alumiaſſe,
O largo Mundo, em quanto repouſaſſe.
A noyte ſe paſſou na laſſa frota,
Com eſtranha alegria, & não cuydada,
Por acharem da terra tão remota,
Noua de tanto tempo deſejada:
Qualquer então conſigo cuyda, & nota
Na gente, & na maneira deſuſada.
E como os que na errada Seita crérão,
Tanto por todo o mundo ſe eſtendérão.
Da Lũa os claros rayos rutilauão,
Polas argenteas ondas Neptuninas,
As Estrellas os Ceos acompanhauão.
Qual campo reueſtido de boninas,
Os furioſos ventos repouſauão,
Polas couas eſcuras peregrinas.
Porem da armada a gente vigiaua,
Como por longo tempo coſtumaua.
Mas aſſy como a Aurora marchetada,
Os fermoſos cabellos eſpalhou,
No Ceo ſereno, abrindo a roxa entrada,
Ao claro Hiperionio que acordou,
Começa a embandeirarſe toda a armada,
E de todos alegres ſe adornou:
Por receber com festas, & alegria,
O Regedor das Ilhas que partia.
Partia alegremente nauegando,
A ver as naos ligeiras Luſitanas,
Com refreſco da terra, em ſi cuidando,
Que ſam aquellas gentes inhumanas:
Que os apouſentos Caſpios habitando,
A conquiſtar as terras Aſianas
Vierão: & por ordem do deſtino,
O Imperio tomarão a Coſtantino.
Recebe o Capitão alegremente,
O Mouro, & toda ſua companhia,
Dalhe de ricas peças hum preſente,
Que ſo pera eſte effeito ja trazia:
Dalhe conſerua doçe, & dalhe o ardente
Não vſado licor que dâ alegria.
Tudo o Mouro contente bem recebe,
E muito mais contente come, & bebe.
Eſtà a gente maritima de Luſo,
Subida pela exarcia, de admirada,
Notando o estrangeiro modo, & vſo,
E a lingoagem tam barbara & enleada.
Tambem o Mouro astuto eſtà confuſo,
Olhando a cor, o trajo, & a forte armada.
E perguntando tudo lhe dezia,
Se porventura vinhão de Turquia.
E mais lhe diz tambem, que ver deſeja
Os liuros de ſua ley, preceito, ou fé,
Pera ver ſe conforme à ſua ſeja,
Ou ſe ſam dos de Christo, como crè:
E porque tudo note, & tudo veja,
Ao Capitão pedia, que lhe dé,
Mostra das fortes armas de que vſauão,
Quando cos inimigos pelejauão.
Responde o valeroſo Capitão,
Por hum que a lingoa eſcura bem ſabia:
Darte ey Senhor illuſtre relação
De my, da ley, das armas que trazia:
Nem ſou da terra, nem da geraçam,
Das gentes enojoſas de Turquia:
Mas ſou da forte Europa belicoſa,
Buſco as terras da India tam famoſa?
A ley tenho daquelle, a cujo imperio
Obedece o viſibil, & inuiſibil,
Aquelle que criou todo o Emispherio,
Tudo o que ſente, & todo o inſenſibil
Que padeceo deshonra, & vituperio,
Sofrendo morte injuſta, & inſufribil:
E que do ceo aa terra em fim deceo,
Por ſubir os mortais da terra ao ceo.
Deste Deos homem, alto, & infinito,
Os Liuros que tu pedes, nam trazia,
Que bem poſſo eſcuſar trazer eſcripto
Em papel, o que na alma andar deuia.
Se as armas queres ver, como tẽs dito,
Comprido eſſe deſejo te ſeria:
Como amigo as veras, porque eu me obrigo,
Que nunca as queiras ver como inimigo.
Iſto dizendo, manda os diligentes
Miniſtros, amoſtrar as armaduras,
Vem arneſes, & peitos reluzentes,
Malhas finas, & laminas ſeguras,
Eſcudos de pinturas differentes,
Pilouros, eſpingardas de aço puras,
Arcos, & ſagittiferas aljauas,
Partaſanas agudas, chuças brauas.
As bombas vem de fogo, & juntamente
As panellas ſulfureas, tam danoſas,
Porem aos de Vulcano nam conſente
Que dem fogo aas bombardas temeroſas:
Porque o generoſo animo, & valente,
Entre gentes tam poucas, & medroſas,
Não mostra quanto pode, & com razão,
Que he fraqueza entre ouelhas ſer lião.
Porem diſto que o Mouro aqui notou,
E de tudo o que vio, com olho atento,
Hum odio certo na alma lhe ficou,
Hũa vontade mà de penſamento.
Nas moſlras, & no gesto o não moſtrou:
Mas com riſonho, & ledo fingimento,
Tratalos brandamente determina,
Ate que moſtrar poſſa o que imagina.
Pilotos lhe pedia o Capitão,
Por quem podeſſe aa India ſer leuado,
Dizlhe, que o largo premio leuarão,
Do trabalho que niſſo for tomado.
Prometelhos o Mouro, com tenção
De peito venenoſo, & tão danado:
Que a morte ſe podeſſe neste dia,
Em lugar de Pilotos lhe daria.
Tamanho o odio foy, & a mà vontade,
Que aos eſtrangeiros ſupito tomou,
Sabendo ſer ſequaces da verdade,
Que o filho de Dauid nos enſinou,
Os ſegredos daquella Eternidade
A quem juyzo algum não alcançou.
Que nunca falte hum perfido inimigo,
A aqueles de quem foſte tanto amigo?
Partioſe nisto em fim co a companhia,
Das naos o falſo Mouro despedido,
Com enganoſa & grande corteſia,
Com geſto ledo a todos, & fingido:
cortárão os bateis a curta via
Das agoas de Neptuno, & recebido
Na terra do obſequente ajuntamento,
Se foy o Mouro ao cognito apouſento:
Do claro aſſento Etereo, o grão Tebano,
Que da paternal coxa foy naſcido
Olhando o ajuntamento Luſitano,
Ao Mouro ſer moleſto, & auorrecido:
No penſamento cuyda hum falſo engano
Com que ſeja de todo deſtruydo.
E em quanto iſto ſo na alma imaginaua
Configo eſtas palauras praticaua.
Eſtà do fado ja determinado,
Que tamanhas victorias tam famoſas,
Ajão os Portugueſes alcançado,
Das Indianas gentes belicoſas.
E eu ſo filho do Padre ſublimado,
Com tantas qualidades generoſas:
Ey de ſofrer que o Fado fauoreça
Outrem, por quem meu nome ſe eſcureça?
Ia quiſeram os Deoſes que tiueſſe,
O filho de Filipo neſta parte,
Tanto poder, que tudo ſometeſſe
Debaixo do ſeu jugo, o fero Marte:
Mas aſſe de ſoffrer que o Fado deſſe,
A tam poucos tamanho esforço, & arte
Queu co gram Macedonio, & Romano,
Demos lugar ao nome Luſitan?
Não ſera aſſy, porque antes que chegado
Seja eſte Capitão, astutamente
Lhe ſera tanto engano fabricado,
Que nunca veja as partes do Oriente:
Eu decerey aa terra, & o indignado
Peito, reuoluerey da Maura gente,
Porque ſempre por via yra dereita,
Quem do oportuno tempo ſe aproueita.
Iſto dizendo yrado, & quaſi inſano,
Sobre a terra Affricana deſcendeo,
Onde vestindo a forma & geſto humano,
Pera o Praſſo ſabido ſe moueo.
E por milhor tecer o aſtuto engano,
No geſto natural ſe conuerteo,
Dum Mouro, em Moçambique conhecido,
Velho, ſabio, & co Xeque muy valido.
E entrando aſſy a falarlhe, a tempo & horas,
A ſua falſidade acomodadas,
Lhe diz como erão gentes roubadoras,
Eſtas que ora de nouo ſam chegadas:
Que das nações na coſta moradoras,
Correndo a fama veio, que roubadas,
Forão por estes homẽs que paſſauão,
Que com pactos de paz ſempre ancorauão.
E ſabe mais, lhe diz, como entendido
Tenho destes Christãos ſanguinolentos,
Que quaſi todo o mar tem destruido,
Com roubos, com incendios violentos:
E trazem ja de longe engano vrdido,
Contra nos, & que todos ſeus intentos
Sam pera nos matarem, & roubarem,
E molheres & filhos captiuarem.
E tambem ſey que tem determinado,
De vir por agoa a terra muito cedo,
O Capitão dos ſeus acomponhado,
Que da tençam danada naſce o medo:
Tu deues de yr tambem cos teus armado
Eſperallo em cilada, occulto & quedo:
Por que ſaindo a gente deſcuydada,
Cairão facilmente na cilada.
E ſe inda não ficarem deste geito,
Destruydos, ou mortos totalmente,
Eu tenho imaginada no conceito,
Outra manha & ardil que te contente:
Mandalhe dar Piloto, que de geito
Seja aſtuto no engano, & tam prudente,
Que os leue aonde ſejão deſtruydos,
Desbaratados mortos, ou perdidos.
Tanto que eſtas palauras acabou,
O Mauro nos tais caſos, ſabio & velho
Os braços pelo collo lhe lançou,
Agradecendo muito o tal conſelho:
E logo neſſe inſtante concertou,
Pera a guerra o beligero aparelho:
Pera que ao Portugues ſe lhe tornaſſe,
Em roxo ſangue a agoa que buſcaſſe.
E buſca mais pera o cuydado engano,
Mouro que por Piloto aa nao lhe mande,
Sagaz, aſtuto, & ſabio em todo o dano
De quem fiar ſe poſſa hum feito grande,
Dizlhe que acompanhando o Luſitano,
Por tais coſtas, & mares co elle ande:
Que ſe daqui eſcapar, que la diante
Va cair onde nunca ſe aleuante.
Ia o rayo Apolina viſitaua,
Os Montes Nabatheos acendido,
Quando Gama cos ſeus determinaua,
De vir por agoa a terra apercebido:
A gente nos bateis ſe concertaua,
Como ſe foſſe o engano ja ſabido:
Mas pode ſoſpeitarſe facilmente,
Que o coração preſago nunca mente.
E mais tambem mandado tinha a terra,
De antes pelo Piloto neceſſario:
E foilhe reſpondido em ſom de guerra,
Caſo do que cuydaua muy contrario:
Por iſto, & porque ſabe quanto erra,
Quem ſe cre de ſeu perfido aduerſario,
Apercebido vay como podia,
Em tres bateis ſomente que trazia:
Mas os Mouros que andauão pela praya,
Por lhe defender a agoa deſejada,
Hum de eſcudo embarcado, & de azagaya,
Outro de arco encuruado, & ſeta eruada:
Eſperão que a guerreira gente ſaya,
Outros muytos ja poſtos em cillada.
E porque o caſo leue ſe lhe faça,
Poem hũs poucos diante por negaça.
Andão pela ribeira alua arenoſa,
Os belicoſos Mouros acenando,
Com a adarga, & co a aſtea perigoſa,
Os fortes Portugueſes incitando:
Nam ſoſfre muito a gente generoſa,
Andarlhe os cães os dentes amoſtrando.
Qualquer em terra ſalta, tam ligeiro,
Que nenhum dizer pode que he primeiro.
Qual no corro ſanguino, o ledo amante,
Vendo a fermoſa dama deſejada,
O Touro buſca, & pondo ſe diante,
Salta, corre, ſibila, acena, & brada:
Mas o animal atroçe neſſe instante,
Com a fronte cornigera inclinada,
Bramando duro corre, & os olhos cerra,
Derriba, fere, & mata & poem por terra.
Eis nos bateis o fogo ſe leuanta,
Na furioſa & dura artilheria,
A plumbea pela mata, o brado eſpanta:
Ferido o ar retumba, & aſſouia:
O coraçam dos Mouros ſe quebranta,
O temor grande o ſangue lhe resfria.
Ia foge o eſcondido de medroſo,
E morre o deſcuberto auenturoſo.
Não ſe contenta a gente Portugueſa:
Mas ſeguindo a victoria eſtrue, & mata
A pouoação ſem muro, & ſem defeſa,
Esbombardea, acende, & desbarata.
Da caualgada ao Mouro ja lhe peſa,
Que bem cuidou comprala mais barata:
Ia blasfema da guerra, & maldizia,
O velho inerte, & a mãy que o filho cria.
Fugindo, a ſeta o Mouro vay tirando,
Sem força, de couarde, & de apreſſado,
A pedra, o pao, & o canto arremeſſando,
Dalhe armas o furor deſatinado:
Ia a Ilha, & todo o mais, deſemparando,
Aa terra firme foge amedrontado.
Paſſa, & corta do mar o eſtreito braço,
Que a Ilha em torno cerca, em pouco eſpaço.
Hũs vão nas almádías carregadas,
Hum corta o mar a nado diligente,
Quem ſe affoga nas ondas encuruadas,
Quem bebe o mar, & o deita juntamente:
Arrombão as meudas bombardadas
Os Pangaios ſotis da bruta gente.
Desta arte o Portugues em fim caſtiga,
A vil malicia, perfida, inimiga.
Tornão victorioſos pera a armada,
Co deſpojo da guerra, & rica preſa,
E vão a ſeu prazer fazer agoada,
Sem achar reſiſtencia, nem defeſa
Ficaua a Maura gente magoada,
No odio antigo, mais que nunca aceſa.
E vendo ſem vingança tanto dano,
Somente estriba no ſegundo engano.
Pazes cometer manda arrependido,
O Regedor daquella inica terra,
Sem ſer dos Luſitanos entendido,
Que em figura de paz lhe manda guerra:
Porque o Piloto falſo prometido,
Que toda a mà tenção no peito encerra.
Pera os guiar aa morte lhe mandaua,
Como em ſinal das pazes que trataua.
O Capitão, que ja lhe entam conuinha,
Tornar a ſeu caminho acoſtumado,
Que tempo concertado, & ventos tinha,
Pera yr buſcar o Indo deſejado.
Recebendo o Piloto que lhe vinha,
Foy delle alegremente agaſalhado:
E reſpondendo ao menſageiro, a tento
Aas vellas manda dar ao largo vento.
Desta arte deſpedida a forte armada,
As ondas de Anfitrite diuidia,
Das filhas de Nerêo acompanhada,
Fiel, alegre, & doçe companhia.
O Capitão, que não cahia em nada,
Do enganoſo ardil que o Mouro vrdia:
Delle muy largamente ſe informaua,
Da India toda, & coſtas que paſſaua:
Mas o Mouro inſtruido nos enganos,
Que o maléuolo Baco lhe enſinára
De morte, ou captiueiro nouos danos,
Antes que aa India chegue lhe prepara,
Dando razão dos portos Indianos,
Tambem tudo o que pede lhe declara.
Que auendo por verdade o que dizia,
De nada a forte gente ſe temia.
E diz lhe mais co falſo penſamento,
Com que Synon os Phrigios enganou,
Que perto eſtà hũa Ilha, cujo aſſento,
Pouo antigo Chriſtão ſempre abitou:
O Capitão que a tudo eſtaua a tento,
Tanto co estas nouas ſe alegrou,
Que com dadiuas grandes lhe rogaua,
Que o leue aa terra onde eſta gente eſtaua.
Ho mesmo o falſo Mouro determina,
Que o ſeguro Chriſtão lhe manda & pede,
Que a Ilha he poſſuida da malina
Gente, que ſegue o torpe Mahamede:
Aqui o engano & morte lhe imagina,
Porque em poder & forças muito excede
Aa Moçambique, eſta Ilha que ſe chama
Quîloa, muy conhecida pola fama.
Pera là ſe inclinaua a leda frota:
Mas a Deoſa em Cythere celebrada,
Vendo como deixaua a certa rota,
Por yr buſcar a morte não cuidada,
Não conſente que em terra tão remota
Se perca a gente della tanto amada.
E com ventos contrairos a deſuia,
Donde o Piloto falſo a leua, & guia.
Mas o maluado Mouro nam podendo,
Tal determinação leuar auante,
Outra maldade inica cometendo,
Ainda em ſeu propoſito constante,
Lhe diz, que pois as agoas diſcorrendo,
Os leuàrão por força por diante,
Que outra Ilha tem perto, cuja gente,
Erão Chriſtãos com Mouros juntamente.
Tambem nestas palauras lhe mentia,
Como por regimento em fim leuaua,
Que aqui gente de Chriſto não auia:
Mas a que a Mahamede celeebraua.
O Capitão que em tudo o mouro cria,
Virando as vellas, a Ilha demandaua:
Mas nam querendo a Deoſa guardadora,
Nam entra pela barra, & ſurge fora.
Eſtaua a Ilha aa terra tam chegada,
Que hum eſtreito pequeno a diuidia,
Hũa cidade nella ſituada,
Que na fronte do mar aparecia,
De nobres edificios fabricada,
Como por fora, ao longe deſcobria,
Regida por hum Rei de antigua idade,
Mombaça he o nome da Ilha, & da Cidade.
E ſendo a ella o Capitão chegado,
Eſtranhamente ledo, porque eſpera
De poder ver o pouo baptizado,
Como o falſo Piloto lhe diſſera:
Eis vem bateis da terra com recado
Do Rei, que ja ſabia a gente que era,
Que Baco muito de antes o auiſara,
Na forma doutro Mouro que tomàra.
O recado que trazem he de amigos:
Mas debaxo o veneno vem cuberto,
Que os penſamentos erão de inimigos,
Segundo foy o engano deſcuberto.
O grandes & grauiſsimo perigos,
O caminho de vida nunca certo:
Que aonde a gente poem ſua eſperança,
Tenha a vida tam pouca ſegurança.
No mar tanta tormenta, & tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida,
Na terra, tanta guerra, tanto engano,
Tanta neceſsidade auorrecida:
Onde pode acolherſe hum fraco humano,
Onde terà ſegura a curta vida?
Que não ſe arme, & ſe indigne o Ceo ſereno.
Contra hum bicho da terra tam pequeno.
Fim.