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Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)», sayfa 11

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CAPITULO XXI
A artilharia revolucionaria repelle o ataque das baterias de Queluz

Entretanto, na Rotunda, dava-se esta circumstancia feliz, que muito contribuiu para o exito do movimento: o elemento popular, longe de desanimar com a falta de noticias seguras sobre os episodios da Revolução occorridos n'outros pontos de Lisboa, mostrava-se de instante para instante mais corajoso, mais decidido a combater até á ultima pela causa republicana. Ás 7 da manhã do dia 4, Pinto de Lima, que estivera no quartel de marinheiros e fôra testemunha do combate de Alcantara, entrou na Rotunda resolvido a dar noticias d'essa acção triumphante dos revolucionarios commandados pelo tenente Parreira.

No meio do acampamento, Sá Cardoso, que de madrugada repellira com energia o primeiro ataque da municipal, dava do alto do cavallo que montava umas instrucções aos outros officiaes que até ali o tinham acompanhado. Perto andava o capitão Palla. Mas como este vestia o uniforme de serviço interno e Sá Cardoso ostentava o dolman azul-ferrete com os galões do seu posto, todas as attenções derivavam naturalmente para o arrojado conspirador, que de resto, como já tivemos ensejo de o dizer, era, n'aquella occasião, o commandante em chefe da columna revoltada. Machado Santos dirigia n'outro ponto do acampamento uma força mixta de populares e soldados de infantaria 16. A confusão era enorme. Pairava no ambiente a duvida, a duvida terrivel de que a sahida dos dois quarteis, o d'aquelle regimento e o de artilharia 1, não fôra secundada. Pinto de Lima abeirou-se de Sá Cardoso e disse-lhe pormenorisadamente o que sabia do quartel dos marinheiros, solicitando-lhe ao mesmo tempo uma nota sobre a situação exacta das forças da Rotunda para a levar ao tenente Parreira. Sá Cardoso acquiesceu, pediu um lapis ao capitão Palla e escreveu n'um pedaço de papel:

Estou na Rotunda com os regimentos de infantaria 16 e artilharia 1, completos.

Sá Cardoso.

Pinto de Lima desceu a Avenida e lá foi a Alcantara communicar ao tenente Parreira essa informação. Pouco depois, Sá Cardoso, o capitão Palla e os outros officiaes que os tinham acompanhado á Rotunda, decidiam não prolongar a resistencia, considerando-a absolutamente inutil. Essa resolução, comprehende-se, tem sido apreciada de diverso modo. Uns vêem n'esse acto uma fraqueza moral, resultante da deficiencia de communicações entre o acampamento e os diversos focos revolucionarios. Outros, filiam-n'o no reconhecimento technico por parte d'esses officiaes de que a posição da Rotunda era insustentavel. Pelo que ouvimos a creaturas que seguiram bem de perto esses acontecimentos, o abandono do acampamento foi simplesmente provocado pela falta de cohesão, de unidade de todos os elementos compromettidos na Revolta. O programma previamente combinado não foi executado nos seus pontos essenciaes. Querem um exemplo? Ahi vae.

Tres grupos de revolucionarios civis deviam pouco antes de se iniciar a insurreição cortar em trez pontos differentes os fios telephonicos que punham em contacto o quartel general da 1.ª divisão e outros quarteis, nomeadamente os da guarda municipal. O primeiro grupo, que devia operar em determinado local da rua de Santo Antão não levou a cabo a sua missão perigosissima porque esbarrou com uma porta fechada… quando contava, afinal, vêl-a aberta a um signal de convenção. O segundo grupo, operando no Rocio proximo da rua do Amparo, tambem não poude cumprir o encargo que espontaneamente assumira, pela falta de meios de accesso a uma certa dependencia de certo edificio. Faltou-lhe uma chave, em summa. O terceiro, com posto marcado na rua Augusta, viu-se egualmente impossibilitado de executar o plano, por um incidente imprevisto, um d'esses incidentes que, parecendo insignificantes, ás vezes mudam por completo a face das coisas.

Resultado pratico de tudo isto: o quartel-general da 1.ª divisão que, pela previsão dos revolucionarios, não devia, no momento opportuno, poder communicar com os outros quarteis e nomeadamente com os da guarda municipal, teve tempo e tempo de sobejo para dar varias ordens e fazer sahir á rua os elementos indispensaveis a uma defeza efficaz das instituições monarchicas. E d'aqui já se deprehende o seguinte: Sá Cardoso, o capitão Palla e os outros officiaes que ás 9 horas da manhã do dia 4 abandonaram a Rotunda não cederam n'esse instante d'uma psychologia extremamente complicada ao receio de combater, de entrar em fogo. Quem, como o capitão Palla – sem contar o seu infatigavel trabalho de preparação revolucionaria – se resolve a um acto grave da vida arrastando para a revolta dezenas de homens confiados ao seu commando; quem, como Sá Cardoso se decide a montar a cavallo e sahir para a rua á frente d'uma massa indomita e sedenta de liberdade; quem faz isso apoz longos mezes de agitação mal reprimida, d'um balanço demorado aos prós e contras da aventura – não pode succumbir a um arrepio de medo, muito embora o medo seja uma impressão contagiosa que se propaga com rapidez e com rapidez se extingue.

Sá Cardoso, o capitão Palla e os outros officiaes abalaram na madrugada de 4 para a insurreição com a convicção profunda de que serviam uma causa justa. Do quartel de artilharia 1 até á Rotunda, essa abalada foi vertiginosa, febril, apenas entrecortada por tres escaramuças que os revolucionarios liquidaram n'um prompto, n'um elan de energia, de coragem, de decisão. Não lhes fez mossa a attitude de muitas mulhersinhas que, despertadas na tranquilidade domestica pelo fragor d'essa correria desenfreada, appareceram então ás janellas lamentando em ais doridos a sorte futura dos revoltosos… Foram para a Rotunda com a certeza do triumpho e que não tardariam a ser secundados pelos marinheiros ou pelas forças de outros regimentos affectos á Ideia. Ainda, mais: com a quasi certeza de que a municipal se veria impossibilitada nas primeiras horas do movimento de exercer a sua acção offensiva em favor da monarchia. Mas d'ahi a pouco essa certeza e quasi certeza eram chocadas pela realidade. A municipal manobrava á vontade pelas ruas de Lisboa, os marinheiros não tinham desembarcado e os outros regimentos, se se moviam, mostravam antes hostilidade aos republicanos do que auxilio á sua iniciativa. Alvorecia a manhã de 4 e com os primeiros raios do sol nascente arrefecia o enthusiasmo dos conspiradores. Estes, que tinham entrado na Rotunda sob o impulso de uma fé intensa, d'uma confiança cega na victoria, que ali tinham cahido como uma avalanche imponente, destruidora, começavam agora a encarar a situação com a frieza e a calma que se succedem a uma phase, mais ou menos curta, de excitação e de loucura patrioticas. O mar tempestuoso da revolta principiava a sentir os effeitos calmantes da reflexão technica, da apreciação profissional…

O resto d'esta historia é conhecidissimo do publico. Os officiaes, reunidos em conselho – e custou reunil-os, porque os incidentes que então occorriam na Rotunda attrahiam a attenção ora d'um ora d'outro – os officiaes, repetimos, foram unanimes em concordar que a aventura só por milagre deixaria de liquidar n'uma verdadeira hecatombe. Decidiram o abandono do acampamento. N'essa hora de desanimo nenhum d'elles se recordou que momentos antes praticára actos de bravura e que a logica lhes aconselhava manter até final a attitude delineada no começo da insurreição. Viram apenas isto: a responsabilidade que assumiam, contribuindo com a sua presença na Rotunda para que os homens, que até ali haviam arrastado, continuassem a sacrificar-se pelo ideal republicano. Pensaram que a sua sahida do acampamento corresponderia a um dispersar immediato do povo fardado e não fardado.

E afinal não succedeu assim. Apoz essa sahida, alguns dos elementos revolucionarios, que até então se tinham limitado a executar as ordens dos chefes, tomaram a iniciativa de preencher a vaga do commandante supremo da columna da Rotunda e manifestaram a Machado Santos o desejo de combater á outrance. Diziam elles: no acampamento encontram-se ainda sargentos de artilharia 1 que conhecem o manejo das peças, que são poderosos instrumentos de guerra; temos, portanto, o necessario para resistir com vantagem a um ataque serio do inimigo. Machado Santos concordou e, tendo entrado na Revolução com o proposito firme de lhe dedicar a pelle, decidiu queimar o ultimo cartucho na defeza da posição que o acaso lhe confiára.

D'ahi a pouco, algumas das peças de artilharia foram transportadas da Rotunda para o Parque Eduardo VII, em volta do acampamento levantaram-se uns modestos obstaculos a fingir de barricadas e os revoltosos dispozeram-se a morrer dentro d'esse fraco reducto com uma coragem e um desprendimento da vida dignos do maior elogio. Pode mesmo dizer-se que n'essa occasião poucos, muito poucos, dos elementos revolucionarios tinham a noção exacta do valor da posição onde combatiam e parallelamente do heroismo que a defeza d'essa posição representava.

Poucos, muito poucos, reflectiram que, se a artilharia de Queluz os atacasse a coberto de qualquer elevação de terreno, a Rotunda soffreria fatalmente uma razzia sangrenta, difficil de impedir.

Cêrca do meio dia, alguns populares, que, pelo seu armamento insignificante, diminuto auxilio podiam prestar aos defensores da Rotunda, desceram a Avenida, com o intuito de conquistar a adhesão das forças acampadas no Rocio. Machado Santos sabia perfeitamente que n'essas forças existiam elementos revolucionarios e pretendia attrahil-os ao seu acampamento. Os populares executaram a manobra ao abrigo das arvores das ruas lateraes, mas, uma vez chegados á praça dos Restauradores, as metralhadoras romperam fogo e obrigaram-nos a retroceder com perdas sensiveis. Desde então, nunca mais se fez reconhecimento tão arriscado das forças inimigas e todos os elementos de utilidade á causa revolucionaria julgaram mais prudente conservar-se dentro da Rotunda, aguardando um corps-á-corps que, se se produzisse, provocaria um desastre irreparavel.

Á 1 e 30 da tarde, um vigia empoleirado n'uma figueira do parque Eduardo VII surprehendeu dois officiaes que, de espada desembainhada, se escoavam proximo dos muros da Penitenciaria. O vigia desceu da arvore e communicou as suas suspeitas a um sargento de artilharia 1, commandante d'uma das peças. O sargento visou o local e dentro de poucos instantes a columna do commando do coronel Albuquerque, que comprehendia lanceiros 2, cavallaria 4, a bateria de Queluz e infantaria 2, soffria o primeiro revez.

Paiva Couceiro, que veraneava ao tempo em Cascaes, tinha apparecido em Sete Rios, onde estacionava a columna de ataque, pouco antes do meio dia. O coronel Albuquerque, logo que elle se lhe apresentou, explicou-lhe que o quartel general o incumbira de investir contra a Rotunda e o quartel de artilharia 1. Paiva Couceiro extranhou que, dispondo ainda o quartel general de cinco regimentos de infantaria, de toda a guarda municipal, da engenharia e da guarda fiscal, destinasse para o ataque aos revoltosos apenas uma fracção minima dos effectivos e constituida na sua maior parte com a cavallaria, isto é, com a tropa menos apropriada ao assalto de muros ou barricadas. Mas não expressou alto e bom som o seu reparo e limitou-se a dizer ao coronel Albuquerque:

– Bem, n'esse caso, temos de escolher primeiro a posição da artilharia.

Lembrou-lhe a Penitenciaria, mas, logo a seguir, outro official informou que d'uma propriedade á esquerda, entre a Penitenciaria e o chalet do sr. Henrique de Mendonça, se podia fazer fogo, com exito, sobre a Rotunda. Paiva Couceiro, acompanhado por um official de cavallaria, reconheceu a posição indicada e, achando-a excellente, para lá conduziu a bateria, apoiada n'uma columna de infantaria 2. Mas quando ia precisamente iniciar o ataque da artilharia contra o quartel de Entre-Muros, rebentaram sobre as tropas monarchicas tres granadas despedidas do Parque Eduardo VII, ficando logo feridos um capitão, um cabo e varios soldados. Cahiram mortas algumas muares, tresmalharam-se os cavallos e as parelhas dos armões que ainda não tinham descoberto abrigo e mais de metade da força de infantaria 2, com umas tantas praças da bateria, poz-se em fuga desordenada.

O duello de artilharia prolongou-se durante uns tres quartos de hora, findos os quaes, Paiva Couceiro, suppondo que os revoltosos haviam desamparado as peças collocadas nas immediações do quartel de Entre-Muros, mandou sahir uma força de infantaria que se estendeu em atiradores no terreiro livre do lado opposto. Não tardou, porém, que essa força experimentasse baixas sensiveis. Infantaria 2 já estava então reduzida a umas cincoenta praças, que Paiva Couceiro, cêrca das 3 da tarde, tentou novamente conduzir ao assalto de artilharia 1. Baldado empenho. O tiroteio dos revoltosos não abrandava e o commandante do grupo a cavallo, reconhecendo que com tão poucos soldados não lograva o seu objectivo, mandou pedir ao quartel general que lhe facultasse duas companhias de infantaria de linha e uma da municipal para produzir novo ataque á posição de Entre-muros. A resposta do quartel general, levada a Paiva Couceiro pelo capitão Martins de Lima e tenentes Wanzeller e Ramos, foi que a bateria cessasse immediatamente o fogo e descesse outra vez á estrada de Sete Rios. Paiva Couceiro obedeceu e mandou seguir as forças do seu commando pela azinhaga da Fonte, Luz, Campo Grande, Arroyos, rua Nova da Palma até o Rocio, onde chegou noite fechada. Depois, indo apresentar-se ao quartel general, Paiva Couceiro recebeu ordem de collocar duas peças na embocadura da rua Augusta e as outras duas na embocadura da rua do Ouro para obstar a um possivel ataque da marinha.

Ao cahir da tarde, resolveu-se que todos os insurrectos que se encontravam no quartel de Alcantara entrassem no Adamastor. Este barco de guerra, para o embarque se fazer mais rapidamente, atracou ao vapor Guiné, da Empreza Nacional, que estava encostado á muralha, utilisando-se tambem uma falua do Arsenal e o rebocador Cabinda. Apesar d'isso, a operação decorreu com alguma morosidade, pois a columna comprehendia cêrca de 1.500 homens e levava outra vez para bordo grande quantidade de munições e uma metralhadora. Emquanto se effectuava o embarque, a face da frente do quartel era defendida por umas tantas praças e civis sob o commando do commissario Costa Gomes; o lado sul era protegido pelas baterias de bordo.

Ás 5 horas, o S. Raphael largou pelo rio acima, ficando o Adamastor para defender qualquer invasão do quartel de Alcantara pelas forças contrarias, mas com ordem de seguir mais tarde para o Terreiro do Paço, depois de receber a bordo o resto dos combatentes que ainda se encontravam n'aquelle edificio. O S. Rafael navegou sem ser hostilisado e até com applauso dos barcos mercantes fundeados entre Alcantara e a Alfandega. Ao passar no quadro dos navios de guerra, viu que o D. Carlos e a fragata D. Fernando continuavam a ostentar a bandeira azul e branca. Os seus tripulantes deram vivas á Republica, esperando despertar assim a inacção dos tripulantes de aquelles dois navios, mas essas acclamações não encontraram echo. E descreve então o tenente Parreira:

«Sabendo-se que os correios e telegraphos estavam defendidos por forças da guarda municipal e que o Rocio e quartel general estavam occupados por um grande nucleo de forças de infantaria 5 e caçadores 5, pelo menos, e que seria necessario desfazer essa barreira para a nossa futura juncção ás forças da Rotunda, resolveu-se, embora já proximo da noite, desalojar primeiro as forças dos correios e telegraphos, o que se fez com os tiros de artilharia de pequeno calibre e metralhadoras, seguindo-se-lhe uns tiros sobre o Rocio pela rua do Ouro com pontarias baixas.

«Como já era noite, fundeámos em frente da Alfandega para continuarmos o nosso intuito na manhã seguinte, ou n'essa noite, conforme as circumstancias aconselhassem. Apenas fundeámos, foram a terra, no nosso escaler, um dos chefes dos grupos civis acompanhado do commissario Marianno Martins, a fim de colher informações seguras sobre o estado das forças contrarias, e enviar um emissario ao acampamento da Rotunda, avisando da nossa posição e do desembarque na madrugada seguinte. Tendo colhido algumas informações favoraveis á ida do emissario para a Rotunda, voltaram para bordo n'um vapor da alfandega, cuja guarnição se poz á nossa disposição, rebocador este que foi d'um grande auxilio nas acções que se seguiram».

Pouco depois, o Adamastor, sahindo de Alcantara, ia fundear proximo do S. Rafael, isto é, em frente do Terreiro do Paço. N'esse vapor da Alfandega a que o tenente Parreira se refere, o commandante do Adamastor, tenente Cabeçadas, mandou para bordo do S. Rafael parte dos marinheiros e populares armados que o pejavam. Quasi a seguir, quinze tripulantes do D. Carlos, que tinham conseguido fugir d'esse barco n'um escaler, apresentaram-se ao commandante do Adamastor e pediram-lhe armas para luctar contra os officiaes que ainda se encontravam a bordo. O tenente Cabeçadas armou-os convenientemente e embarcou os no vapor da Alfandega, acompanhados d'um sargento, d'outras praças e paisanos, e aconselhou-os a irem no S. Rafael, antes de tentarem o assalto do D. Carlos. Assim se fez. O tenente Carlos da Maia tomou o commando superior de toda a força e, utilisando-se de novo o vapor da Alfandega, decidiu-se a entrada violenta no cruzador ainda não adherente. Como a guarnição do vapor mostrasse n'essa altura receio de collaborar no assalto, o tenente Maia substituiu-a por praças de marinha e, cêrca das 7 e 30 da noite, o barco largou do S. Rafael em direcção ao D. Carlos. Os projectores dos dois cruzadores revoltados evolucionavam, no emtanto, de modo a favorecer a arriscada tentativa.

«A atracação – diz o documento official que descreve o assalto – fez-se a primeira vez mal, e, repetindo-a, logo se avaliou da attitude como os officiaes receberiam os invasores, porquanto, tendo-se respondido que era um official que ia atracar, logo o commandante intimou a afastar-se sob pena de se desfechar, o que bem se notou ser seu proposito por virem muitos officiaes á borda do cruzador. É claro que se insistiu na abordagem, subindo tumultuariamente as escadas do portaló, e sendo logo recebidos a tiro, o que foi causa de tiroteio ainda de bordo do rebocador; e, uma vez a bordo, continuou este, de parte a parte, terminando rapidamente pela rendição dos officiaes e verificando-se em seguida que da guarnição do D. Carlos haviam ficado 4 officiaes feridos, e dos atacantes apenas 2, sendo um civil e uma praça de marinhagem. Immediatamente se mandaram desembarcar todos os officiaes, á excepção do tenente Silva Araujo, com quem havia entendimento para a revolução. Mandou-se tocar a postos de combate, preparando-se o navio para a vigilancia da noite, tanto mais necessaria quanto era a bordo do D. Carlos conhecida a ordem do ataque dos torpedeiros, e sahida do Berrio para o canal do Barreiro.

Uma vez tomado o D. Carlos, de bordo do Adamastor seguiram para ali mais praças e populares armados e os tres barcos de guerra insurrecionados não cessaram durante a noite de prescrutar as immediações com os seus projectores, sempre com o receio d'um ataque dos torpedeiros. (Falhara a arrojada tentativa do tenente Stockler para revolucionar os officiaes e praças destacadas em Valle do Zebro.)

CAPITULO XXII
Os ministros dispersam-se e buscam abrigo em diversas casas

Pouco falta para concluirmos estas narrativas. Após o ataque da artilharia de Queluz, as forças revolucionarias installadas na Rotunda ainda despejaram umas granadas sobre o Rocio, não tanto com o proposito de investir a valer com as tropas de infantaria que desde a madrugada de 4 ali haviam acampado, mas principalmente para as provocar, para as obrigar a definir attitudes n'um momento, como esse, de anciosa espectativa. Os commentarios da opinião teem incidido frequentemente sobre o procedimento d'essas forças. Sabia-se que entre ellas se encontravam officiaes dedicados á ideia republicana, como o tenente Valdez e o alferes Gomes da Silva. E esperava-se a cada instante que qualquer d'elles se decidisse a um acto corajoso de auxilio ou de estimulo ás forças da Rotunda.

Na manhã de 4, ainda o capitão Sá Cardoso tentou realisar a approximação dos dois nucleos militares escrevendo um bilhete ao tenente Valdez e dizendo-lhe que esperava infantaria 5 pelo lado oriental da Avenida. Mas aquelle official respondeu que para acceder ao pedido necessitava passar com o diminuto numero de homens do seu commando pela frente das metralhadoras de caçadores 5, d'um esquadrão da municipal e d'uma outra companhia do seu regimento e desistiu de effectuar essa marcha arriscada, aguardando que se produzisse um ataque dos revoltosos para então fazer com elles causa commum.

Durante o dia 4, tanto infantaria 5 como caçadores 5 evolucionaram dentro da area da defeza do quartel general. Ao começo da noite, caçadores estava assim distribuido: na rua Augusta, guarnecendo o primeiro quarteirão, um pelotão do commando do alferes Gomes da Silva, pertencente á companhia do capitão Aguiar; na rua do Arco do Bandeira, a companhia do capitão Penha Coutinho, hoje em serviço na policia civica; na rua do Ouro e na rua do Carmo, a companhia do capitão May; na rua da Betesga, a do capitão Reis com a guarda fiscal; na praça dos Restauradores, o alferes Empis com duas metralhadoras. Era o momento em que os grupos de populares, já reconstituidos convenientemente – passados os primeiros instantes de desanimo – tratavam de incommodar as forças monarchicas ou que suppunham como taes, atirando-lhes bombas, disparando tiros de pistola, etc. E conta a proposito o tenente Valdez:

«No principio da noite fomos atacados por bombas de dois lados. Estabeleceu-se uma enorme confusão. Em vista da desmoralisação que reinava entre os soldados, muitos fugiram. Alguns, obedecendo ao plano, metteram-se nas arcadas. Muitos, por panico, fizeram um tal tiroteio e tão disparatado que eu e os mais officiaes escapámos não sei como. Uma bala sibilou-me aos ouvidos e roçou-me pela face. O largo limpou-se e eu reconheci com alegria que facilmente qualquer força entraria no Rocio. Como julgassem as forças extenuadas, ordenaram que alternassemos com a guarda fiscal que então pairava na estação do Rocio. Foi assim que fomos descançar para as trazeiras da mesma estação. Ali encontrámos um empregado a quem contámos as nossas torturas e desejos e como lhe manifestassemos as nossas intenções de fugir para a Rotunda pelo tunel, d'isso nos dissuadiu por motivo da chegada de um comboio que vinha de Queluz, avisando-nos tambem de que ali estavamos mal, por ser possivel virem n'esse comboio revolucionarios que podiam atirar-nos bombas do pavimento superior. Lembrou-nos fugir pelas escadinhas do Duque, mas, interrogado por nós sobre a existencia de quaesquer forças no trajecto, respondeu-nos nada saber. Tambem logo a seguir passava um esquadrão para esses lados.

«Posta de parte essa ideia, resolvemos esperar os acontecimentos, convencidos de que era inevitavel uma colisão entre as nossas forças e as dos revoltosos. Como fosse manifesta a desmoralisação das nossas forças, eramos rendidos das dez para as onze da noite por um outro batalhão do regimento, e eu fui com a minha companhia occupar a travessa de S. Domingos, reparando que alguns soldados tinham desapparecido, tendo aproveitado naturalmente as varias confusões que se deram. Fingi não dar por isso. Na nova posição soube que a artilharia de Queluz tinha collocado uma peça na rua do Ouro, outra na rua Augusta e que estava dispondo outra no local que deixaramos. As informações que recebiamos sobre a marcha dos acontecimentos eram deficientes. Nada de seguro nos diziam. Falava-se que o rei fugira para Mafra. Affirmava-se que os revoltosos tinham sido batidos. Realmente, n'essa altura, o tiroteio da Rotunda parecia diminuido e o facto do ataque da marinha ainda se não ter dado preoccupava-me immenso.

«Nas nossas forças não havia ainda mortos e os feridos eram poucos. O moral das tropas, especialmente das companhias que tinham estado na Avenida, era mercê dos trabalhos feitos, o mais favoravel a qualquer ataque. Na minha nova posição tornava-se facil a communicação com os officiaes, o que até então me era impossivel, visto achar-me distante d'elles. Esperançado, como sempre estive, da realisação do meu ideal, principiei a palpál-os e durante toda a noite, emquanto o canhão ecoava com estrondo no largo de Camões, não os larguei, reparando que quasi todos desejavam ver terminada uma situação de incerteza, não encontrando em nenhum d'aquelles a quem falei essa tão decantada fé monarchica. O primeiro official a quem falei foi ao tenente Americo Cruz, o qual, depois das considerações que lhe fiz sobre a enormidade dos acontecimentos, fuga do rei, tibieza dos chefes e sobretudo do sacrificio que ali estavamos cumprindo por um que, a essas horas, estava são e salvo, me respondeu com igual criterio, accrescentando que tinha já achado o commandante abalado.»

Na Rotunda, Machado Santos passava verdadeiras torturas, porque via diminuir-se-lhe a provisão de munições e não sentia que de fóra o auxiliassem como elle realmente necessitava. Quem entrasse ás dez horas da noite no acampamento perceberia claramente que se tinha attingido a culminancia critica do movimento revolucionario. Havia lá dentro mais gente do que na madrugada de 4. Havia mais disciplina, mais silencio commovedor, mais solemnidade, em summa. De vez em quando a grave quietude do ambiente era interrompida por uma descarga de fusilaria, a explosão d'uma granada ou o crepitar enervante das metralhadoras.

Machado Santos tinha entregue ao tenente Pires Pereira o commando da bateria e das linhas de fogo do lado da Avenida e ficara a vigiar as posições do norte e leste. De repente um dos predios novos d'aquella arteria incendiou-se casualmente e o clarão da enorme fogueira illuminou por algum tempo o acampamento revolucionario, até então immerso na obscuridade.

E que fazia, entretanto, o governo monarchico? O ministro da guerra installara-se no Quartel General da 1.ª divisão e d'ahi seguia absorto todas as phases da contenda. O presidente do conselho, depois de ter conferenciado com o general Gorjão e o seu collega da guerra, fôra para casa e antes de entrar no edificio soffrera o ataque de um grupo revolucionario que o deixou mal ferido. Dos outros ministros podemos dizer que vagabundearam por diversas casas amigas até o momento solemne da proclamação da Republica.

Proximo da meia noite, o tiroteio entre os dois nucleos de forças militares, o do Rocio e o da Rotunda, augmentou de intensidade. A artilharia monarchica tentou fazer calar a do Alto da Avenida, mas sem resultado. Adivinhava-se n'essa occasião que a victoria não tardaria a pertencer aos revoltosos. De todos os lados surgiam novos elementos de combate. Os organisadores do movimento, que na primeira hora de desanimo tinham dispersado, principiavam a acercar-se do principal fóco da contenda, procurando assim conservar-se mais em contacto com os seus adeptos. O Hotel Europa foi um dos pontos escolhidos para essa concentração dos vultos em destaque na acção revolucionaria. Para ali foram, ao começo da noite de 4, José Relvas, José Barbosa e outros que até então haviam tentado, na redacção da Lucta, reatar as ligações entre os revoltosos – interrompidas pela debacle do balneario de S. Paulo.

«A rua do Carmo, contou-nos mais tarde José Barbosa, era, n'essa noite, um ponto visado pelas tropas fieis ao antigo regimen. Um grupo de doze populares devidamente equipados protegeu-me e a José Relvas mais do que uma vez, sempre que tentámos vir á rua orientarmo-nos sobre a marcha da Revolução. E essa protecção foi tanto mais efficaz quanto é certo que d'uma das vezes as balas silvaram sobre as nossas cabeças. Depois da meia noite, installámo-nos no ponto mais alto do hotel. D'ahi viamos distinctamente as operações dos navios de guerra e apercebiamos todas as phases do tiroteio renhido entre as forças do Alto da Avenida e as do Rocio. Houve um momento em que a batalha assumiu taes proporções, que hesitámos sobre de que lado ia surgir a victoria. A escuridão deixava-nos desnorteados. Chegou Celestino Steffanina e fomos os dois para o meu quarto. Era preciso descançar; mas era impossivel! Da rua do Ouro vinham até nós, de mistura, com o fuzilar da infantaria, gritos de desespero, de agonia, d'uma tortura infinita. A situação, ahi pela 1 e 30 da madrugada, não podia ser mais angustiosa. Celestino Steffanina sahiu do Hotel Europa a colher informações.

«Entretanto, no Rocio, o elemento popular não cessava de atacar as forças ali estacionadas. Cabe referir que entre os meios de que a Revolução dispunha para triumphar, se salientava notavelmente a chamada artilharia civil, isto é, as bombas explosivas. Utilisadas como verdadeiras granadas de mão, posso affirmar, porque é a expressão da verdade, que os revolucionarios não praticaram com ellas nenhum acto inutil, não damnificaram qualquer propriedade, não as empregaram para satisfazer rancores individuaes ou represalias censuraveis. As bombas explosivas serviam para atacar as forças fieis ao antigo regimen e todas as que foram lançadas com exito visaram, naturalmente, a que essas forças não incommodassem sériamente os soldados da Republica.»

Ás 2 da madrugada, Paiva Couceiro foi chamado ao quartel general e o chefe do estado maior ordenou-lhe que antes do romper da manhã collocasse algumas das suas peças em posição conveniente para incommodar as forças installadas na Rotunda, propondo para esse effeito o pateo do Thorel. Antes, a força disponivel de cavallaria 4 e um esquadrão da guarda municipal fizeram um reconhecimento de accesso pelas calçadas do Garcia e de San'Anna. Ás 3 horas, Paiva Couceiro, a pedido de dois officiaes da infantaria que guarnecia o norte do Rocio, collocou duas peças na entrada da Avenida, junto das metralhadoras que ali estavam e com as restantes seguiu para o pateo do Thorel, installando-se no jardim do palacete do sr. Manuel de Castro Guimarães.

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
25 haziran 2017
Hacim:
220 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain