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Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)», sayfa 10

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« – Carlos Candido dos Reis desanimara e no meio d'esse desanimo ouvi-o proferir estas palavras:

« – Está tudo perdido… Não podemos effectuar o desembarque da marinha, porque os dois vapores não vão junto dos navios de guerra; infantaria 16 conserva-se fiel á monarchia; artilharia 1 não adheriu; dos outros regimentos não ha signal de cooperarem na revolta. Falhou a tentativa… O melhor agora é todos nós voltarmos cada um para sua casa, mas de modo que a policia não nos surprehenda.

«E voltando-se para mim e outros officiaes:

« – Os senhores podem desembarcar já. Eu ainda me demoro no vapor alguns minutos…

«Insistimos com elle para que saltasse immediatamente em terra, mas o almirante teimou em conservar-se a bordo do rebocador, e só sahiu de lá quando dispersámos no Aterro…»

Momentos depois, Candido dos Reis, sempre inquieto e desanimado, estava á porta da casa de banhos em S. Paulo. Sahindo do Dinorah, com a obcessão, – chamemos-lhe assim – de que o movimento abortára, fôra até ali, não esperançado em obter noticias que o reconfortassem, mas para ouvir os outros revolucionarios e combinar com elles o partido a tomar em taes circumstancias. Talvez se extranhe que o valoroso almirante houvesse succumbido logo após a primeira contrariedade – elle, tão energico, tão cheio de fé, tão dedicado á propaganda republicana, em summa, tão devotado á organisação revolucionaria. Mas, Candido dos Reis soffrera com o 28 de janeiro uma desillusão profunda e ao perceber que falhara o assalto aos navios de guerra – esse assalto que elle julgava indispensavel ao bom exito da revolta – não se conteve e exclamou, fóra de si, n'um arranco de patriotica indignação:

– Já não ha portuguezes!..

Em S. Paulo, Alfredo Leal encontrou-o á porta do balneario, ao lado de Soares Guedes, com os braços cruzados e em attitude pensativa. D'ahi a pouco, appareceu no local o dr. Affonso Costa, que extranhou vêl-o ali, á hora em que o programma revolucionario o mandava ir a caminho dos navios de guerra. Candido dos Reis respondeu-lhe contristado:

É verdade, estou aqui porque perdi a esperança no movimento e não sei o que devo fazer. O meu logar era no caes, ao pé da Companhia do Gaz, onde devia encontrar-me com os officiaes. Mas em vez de preparativos da revolta eu apenas observei as evoluções da policia e da municipal, e tenho o presentimento de que está tudo perdido.

Todos trataram de o serenar a tal respeito, e o dr. Affonso Costa aconselhou-o a metter-se no automovel com Alfredo Leal, a fim de verificarem o que se passava nos principaes pontos revolucionarios. Foram e nada notaram de animador. Logo adeante de S. Paulo encontraram dois policias fardados, que pareceram desconfiar do automovel. Proximo do quartel de marinheiros apenas havia grupos de seis ou sete populares. No caminho da Estephania e de Arroyos esbarraram com piquetes de policia e guarda municipal que investigaram o auto com olhares prescrutadores. N'essa altura, Candido dos Reis voltou a mostrar-se desanimado, expressando-se, pouco mais ou menos, n'estes termos:

– Extranho isto. Em vez de agitação revolucionaria, só se vê a policia e tropas de prevenção. Presinto que vamos ser assaltados e que terei de dar um tiro nos miolos. Você, Leal, não acha ridiculo que eu vá acabar n'uma esquadra de policia? Isso de forma alguma. Sahi para me bater, e ou hei de morrer na revolução ou hei de liquidar a vida pelas minhas proprias mãos.

Alfredo Leal tratou novamente de tranquilisal-o, mas Candido dos Reis insistiu na ideia do suicidio:

– Para uma esquadra, nunca… antes a morte!..

Como era arriscado andar na rua áquella hora, Alfredo Leal aconselhou o almirante a recolher a casa e esperar ahi noticias do movimento. O almirante concordou e n'esse sentido dirigiu-se o automovel para a rua D. Estephania, dizendo Candido dos Reis ao seu companheiro:

– Bem. Eu vou para casa de minha irmã, n'esta mesma rua, n.º 153. Você vae saber o que ha de novo, e, se a revolução estiver em bom caminho, mande-me prevenir.

Quando o automovel ia a parar á porta do n.º 155, a attenção do almirante foi despertada por um facto extranho. A porta da rua estava aberta e um vulto desapparecia, n'esse momento, no limiar. Tanto Candido dos Reis como Alfredo Leal viram distinctamente esse vulto e ficaram hesitantes durante algum tempo, conjecturando sobre o que seria. Por fim, Candido dos Reis, tranquilisando-se, a si proprio, resolveu entrar em casa. Alfredo Leal ainda esperou que o almirante fechasse a porta atraz de si e depois metteu-se de novo no automovel, scismando apprehensivo no vulto que pouco antes vira. Seria um espião da policia?.. Alfredo Leal ficou com a impressão de que se tratava realmente d'uma creatura assoldadada para vigiar o almirante. O que succedeu depois, conta-o elle d'este modo:

«Como achasse imprudente voltar no automovel á casa de banhos, resolvi dirigir-me a casa de meu irmão, em Santos, e ali ordenei ao chauffeur que seguisse para o local onde se combinára estacionar. Mal ouvi a fuzilaria, parti, a pé, para uma casa da travessa da Palha em que se reuniam alguns revolucionarios. No caminho, tive a felicidade de encontrar o automovel do irmão de Innocencio Camacho, que ia para o mesmo destino, e tomei logar ao lado d'elle. Apenas chegado, contei a João Chagas e outros o que se tinha passado, e como n'essa altura já o tiroteio fôsse violento em toda a cidade, consultei os outros sobre a maneira de prevenir Candido dos Reis. Assentou-se em mandar um popular de confiança, porque, sendo eu conhecido da policia, podia esta deter-me no caminho e impedir que o recado chegasse ao seu destino. Com effeito fui procurar um republicano de confiança e encarreguei-o de levar o recado a Candido dos Reis. Deviam ser, n'essa altura, 3 horas ou 3 e meia da manhã.

«Pode calcular-se a anciedade com que ficámos esperando o regresso do emissario. Mais de duas horas passaram e o homem não chegava. Por fim, já muito inquieto, resolvi descer á rua e tive a felicidade de esbarrar com o emissario, que regressava todo afflicto. Não tive tempo de lhe perguntar o motivo da sua enorme demora. O homem desfechou-me bruscamente a noticia da morte de Candido dos Reis, descrevendo assim como se desempenhára da sua missão:

« – Quando cheguei á rua de D. Estephania, disseram-me ali que o almirante tinha sahido ás 5 horas da manhã. Tratei então de saber onde era a sua residencia, por calcular que elle tivesse seguido para lá. Passado pouco tempo avistava-me effectivamente com a familia, a quem fui encontrar no mais completo desolamento. Já lá tinha chegado a noticia de que Candido dos Reis apparecera morto e de que o seu cadaver fôra removido para a Morgue».

O que se tinha passado durante esse periodo de tempo que medeiou entre a entrada do almirante no n.º 153 da rua de D. Estephania e a apparição do seu cadaver na Azinhaga das Freiras, em Arroyos? O cadaver de Candido dos Reis, quando uns populares o ergueram do solo, estava estendido ao comprido e com os pés na direcção da estrada de Sacavem. Tinha o braço direito afastado do corpo e proximo do antebraço uma pistola automatica. No fato: uma bolsa de cabedal com 500 réis em prata, quatro nikeis de 100 réis e uma moeda de cinco réis nova em folha, e uma carteira com uma nota de 5$000 réis e varios papeis…

A primeira pessoa que topou na Azinhaga das Freiras com o cadaver do almirante foi o trabalhador João Augusto da Silva. Empregava-se ao tempo na reconstrucção d'um muro proximo e passou no local ás 6 e um quarto da manhã. A essa hora, a azinhaga estava deserta. Foi á arrecadação do material, distante uns quarenta metros, pegou n'uma pá e voltou para o amassadouro da cal, que era mesmo á esquerda. Candido dos Reis já estava estendido no chão e agonizava. O trabalhador João Augusto da Silva chamou então outros operarios, um servente requisitou a comparencia de dois policias da esquadra de Arroyos e, depois de se verificar que o almirante succumbira ao ferimento recebido na cabeça, transportaram o cadaver para a Morgue. Os dois policias tomaram conta da pistola automatica, da carteira e da bolsa a que atraz nos referimos.

Coisa curiosa: esse trabalhador, quando interrogado por um reporter sobre os pormenores que acabamos de registar, affirmou peremptoriamente: 1.º que ás 6 horas e um quarto da manhã a Azinhaga das Freiras estava deserta; 2.º que não ouvira nenhuma detonação durante o espaço de tempo que medeiou entre a sua passagem á primeira vez no local e o encontro do cadaver. Em contrario d'esta affirmação depôz a esposa d'um enfermeiro residente na rua de Arroyos, que disse o seguinte:

– No dia 4 de outubro, cheguei á janella ás 6 da manhã, esperando a leiteira. Vi que no passeio, em baixo, passeiava d'um lado para o outro, n'uma extensão de dez metros, um individuo vestido todo de negro, que, de quando em quando, me fitava, o que me obrigou a retirar para o interior da casa. Passados dez minutos, quando novamente á janella, vi esse individuo sentado n'um marco de pedra. Voltei dentro a buscar vasilha para o leite, e quando assomei á porta senti um estalido secco, a que não liguei importancia, tanto mais que só vi fugir alvoroçadas algumas gallinhas. Instantes depois, percebi certo borborinho. Cheguei novamente á janella, e o sr. Leitão, fiscal do hospital d'Arroyos, disse-me:

« – Está ali um homem morto. Parece-me que é tio d'uma empregada. Vou chamal-a.

«No emtanto, emquanto o fiscal se dirigia ao interior do hospital, desci á rua, e, ao vêr o corpo estendido no chão, exclamei:

« – É o homem que ainda ha pouco ali passeava defronte…»

Mas ou seja o que contou o trabalhador João Augusto da Silva, que o almirante surgiu na Azinhaga das Freiras ás 6 e 30 da manhã e, mal ali surgiu, cahiu moribundo, ou como contou a esposa do enfermeiro, isto é, que Candido dos Reis passeara algum tempo na azinhaga antes de morrer, a verdade é que parece nitidamente averiguado que n'esse momento de tragico desespero, no local do doloroso acontecimento, só estava o almirante. Mais ninguem. E sendo assim, é forçoso arredar da narrativa do caso a hypothese d'um crime. Fica, apenas, de pé, a do suicidio. E será admissivel essa hypothese? É. O almirante, depois de ter entrado na casa da rua D. Estephania, onde imprudentemente o deixou Alfredo Leal, recolheu ao quarto de dormir, mas não enfiou logo na cama. Esteve um pedaço a reflectir na situação, a ponderar no insuccesso do movimento – que elle suppunha absolutamente perdido. Depois deitou-se. Mas a idéa de que tudo liquidára n'uma desastrada aventura não o deixava pregar olho. Ás quatro da manhã, ouvindo o estrondear do canhão, ergueu-se e vestiu-se. E é natural que, n'esse instante, tendo recebido a impressão de que n'um determinado ponto de Lisboa os revolucionarios combatiam corajosamente contra o inimigo monarchico, ao seu espirito acudiu tambem a idéa de que os bravos assim lançados em declarada rebellião já o tinham talvez considerado, por o não verem a seu lado, um medroso, um covarde.

E então, Candido dos Reis, que trabalhara com alma e decisão n'uma longa preparação revolucionaria, como trabalharam Sá Cardoso, o capitão Palla, Machado Santos e outros, sacudido por essa idéa, magoado porque o pudessem suppôr o que elle nunca tinha sido, achando, certamente, que já era tarde para enfileirar condignamente com os que luctavam desde a 1 e 30 da madrugada, elle, que estivera inactivo até esse momento, julgou que desmerecera por completo no conceito dos seus amigos, dos seus camaradas, dos seus correligionarios e… suicidou-se. Repetimos: isto é uma hypothese que formulamos. Para nós, como para muita gente que seguiu de perto a discussão jornalistica que apoz a revolução se estabeleceu sobre o assumpto, a hypothese do suicidio é perfeitamente acceitavel. Para outros não: para outros Candido dos Reis foi victima d'uma cilada preparada pelos inimigos da Republica e argumentam que seria coincidencia muito extraordinaria que, a dois passos da victoria, desapparecessem exactamente duas grandes figuras da preparação revolucionaria, – uma, Miguel Bombarda, attingido por um doido, a outra, o valoroso almirante, esmagado pelo desespero.

CAPITULO XX
O rei Manuel abandona o palacio das Necessidades

Deixámos os revolucionarios de posse do quartel de marinheiros na altura em que, tendo destroçado as forças monarchicas em Alcantara, haviam recolhido ao edificio e ali organisado uma defeza. Pouco depois, amanheceu. «E então, relata o 1.º tenente Parreira, verificou-se que pelo lado sul infantaria 1 estava occulta com as casas do caminho de ferro e tapumes, desenvolvendo-se até á rua da Costa, acompanhada tambem da guarda fiscal e d'alguma cavallaria 4. Ás 6 horas os navios, ainda a leste, deram algumas salvas, içando nós no mastro da parada a bandeira encarnada, para poder ser vista pelos navios. Ao mesmo tempo na rua estabeleciam-se vedetas, que fizeram a apprehensão de varios artigos, taes como uma carroça de pão da padaria militar e outra de carne que foi levada para as cozinhas do quartel, bem como uma carroça de refrescos que passava na occasião.

«Pelas 7 horas da manhã veiu um dos chefes de um dos grupos civis informar que o S. Raphael e Adamastor tinham bandeira revolucionaria içada, mas que a bordo do Adamastor lhe haviam dito ser preciso um official para commandar o S. Raphael, visto lá não haver official algum, e o Adamastor estar apenas commandado pelo tenente Cabeçadas esperando ordens. Esta informação levou o tenente Parreira a ordenar ao tenente Tito de Moraes que fosse tomar o commando do S. Raphael e indagasse o que succedera, o que elle fez, seguindo com 4 civis para o Aterro, na intenção de tomar qualquer embarcação que lhe apparecesse ou mesmo utilisar-se d'uma falua do Arsenal que ali estava ao serviço do carvão e cujo encarregado se pôz á disposição dos revoltosos.

«Proximo das 9 horas veiu um sargento, que recolhia de licença, communicar que tinha recebido ordem do commandante das forças fieis ao regimen monarchico e que defendiam as Necessidades para da sua parte intimar o commandante das forças de marinha a render-se no praso de 15 minutos, sob pena de mandar metralhar o corpo de marinheiros, ao que o tenente Parreira respondeu, mandando armar o sargento e fazendo-o entrar na linha de fogo.

«Algum tempo depois vimos o S. Raphael seguir rio abaixo vindo fundear em Alcantara em frente do quartel de marinheiros, e desembarcar uma força com uma metralhadora e as munições precisas para guarnecer a gente do quartel, e tambem os officiaes que faziam parte da guarnição do navio, e que vieram presos para terra, sendo mettidos nos calabouços do quartel.»

Mas, não prosigamos no desenrolar d'esta documentação sem uma referencia demorada ás peripecias que precederam o desembarque dos marinheiros no quartel de Alcantara e o bombardeamento do Paço das Necessidades. Como já dissémos, ás 7 horas da manhã do dia 4, o tenente Parreira recebeu as primeiras informações do que occorria a bordo dos navios revoltados: o Adamastor e o S. Raphael. Essas informações foram-lhe prestadas, além de outros civis, por Estevão Pimentel, que já tinha estado a bordo do Adamastor e falara com o tenente Cabeçadas. Era forçoso ir tomar o S. Raphael, não só porque o comando do barco devia ser exercido por um official, mas porque os officiaes prisioneiros dos revoltosos se esforçavam por convencer os seus aprisionadores a desistirem da insurreição.

O tenente Parreira consultou os officiaes que o acompanhavam. O tenente Tito de Moraes offereceu-se logo para ir desempenhar essa missão de confiança e foi ao Adamastor, d'onde seguiu mais tarde para o S. Raphael. Tomou conta do barco e quando os seus camaradas monarchicos lhe manifestaram o receio de qualquer complicação, se o movimento, porventura, não triumphasse, o distincto official pegou n'um papel e n'uma penna e redigiu uma declaração honrada e firme que concentrava na sua pessoa toda a responsabilidade do que de futuro succedesse.

Depois, ordenou aos officiaes do S. Raphael– que os marinheiros revoltados tinham aprisionado – que se conservassem detidos até o momento de irem para terra, e, assumindo o commando do cruzador, trouxe-o para Alcantara. O Adamastor preparava-se, no emtanto, para largar da boia e ir occupar uma posição identica ao lado do S. Raphael. Á passagem do S. Raphael junto do D. Carlos, que ainda ostentava a bandeira azul e branca, as poucas praças então a bordo do segundo d'esses cruzadores proromperam em vivas á Republica. Um popular ainda lembrou ao tenente Tito de Moraes:

– E se nós fossemos agora tomar o D. Carlos?

O denodado official hesitou uns segundos, mas depois replicou:

– Logo… fica para logo… Agora temos outro serviço a fazer.

Em Alcantara, no momento em que o tenente Tito de Moraes fazia desembarcar do S. Raphael os officiaes presos, cincoenta marinheiros revoltados, uma metralhadora e alguns cunhetes de polvora, appareceu-lhe n'um bote, em mangas de camisa, o commissario naval Marianno Martins, que, sendo conspirador e não tendo recebido a tempo o aviso de comparencia, resolvera no dia 4 de manhã dirigir-se a bordo d'aquelle vaso de guerra, despindo a sobrecasaca do uniforme para que da majoria general o não reconhecessem.

– Ás suas ordens, meu commandante! – disse Marianno Martins ao tenente Tito de Moraes. Este agradeceu-lhe a collaboração n'um aperto de mão cordealissimo e confiou-lhe, entretanto, o comando do cruzador. Marianno Martins subiu a escada e quando se dispunha a entrar no barco olhou para a fragata que transportava os seus camaradas prisioneiros e perguntou-lhes, sem perceber no momento a situação em que todos elles se encontravam:

– Então… vocês não ficam?

Um silencio doloroso acolheu a pergunta. Cortou-o um viva enthusiastico á Republica soltado por um revolucionario e a fragata largou immediatamente do S. Rafael.

No quartel dos marinheiros, porém, não havia a menor informação do que se passara durante todo esse tempo na Rotunda ou em qualquer outra parte da cidade. Só proximo do meio dia é que ali chegaram um dos membros do Directorio, o sr. Malva do Valle, e Celestino Steffanina, expondo a verdadeira situação das forças revolucionarias, que conheciam pormenorizadamente por terem estado pouco antes no Alto da Avenida.

«Logo – conta o tenente Parreira – se impoz a juncção com as forças da Rotunda, e julgando-se necessario inutilisar ou pelo menos enfraquecer, desmoralisando-a, a brigada que defendia as Necessidades, foi ordenado o bombardeamento do paço, que demorou algum tempo, e depois do corpo de marinheiros estar debaixo de um intenso fogo das metralhadoras de caçadores 2 e das restantes forças fieis á monarchia.

«O effeito d'este bombardeamento foi surprehendente, porque, levantando o moral das nossas forças, provocou grande desanimo nas forças contrarias. Ainda debaixo do fogo das metralhadoras tivemos a alegria de ver entrar no quartel o medico Vasconcellos e Sá, cujo papel distribuido não era ir para o corpo de marinheiros á 1 hora da noite, mas sim esperar com automoveis o desembarque da gente dos navios na Rocha do Conde de Obidos, ás 2 horas da manhã, desembarque que não se fez. Este official, a quem não mandaram automoveis ao hospital da Marinha e que já tinha feito seguir antes da 1 hora da noite os 4 enfermeiros com ambulancias portateis para o Aterro e que se apresentaram depois no corpo – apenas ouviu, no hospital, os tiros de peça, tentou seguir por sua vez com um enfermeiro, deixando as ambulancias no Hospital da Marinha e enfermeiros com ordem de as levarem para onde fosse preciso, caso ainda apparecessem os automoveis promettidos. Não conseguindo passar, em virtude de descargas das forças que a essa hora guarneciam o Museu de Artilharia, voltou ao Hospital da Marinha, onde começou a fazer operações e os curativos precisos nos feridos que vinham chegando, até que finalmente, já cheio de impaciencia, conseguiu arranjar um automovel que conduziu ambulancias, 4 enfermeiros e elle, medico, e, seguindo pelo Aterro, atravessou as forças da municipal que estavam no Terreiro do Paço, e, chegando ao quartel de marinheiros, entrou logo no exercicio das suas funcções.

«Entretanto, ainda vieram emissarios de Machado Santos insistindo pela juncção e informando que a passagem por terra para as bandas de Leste seria de pouca segurança, pois as ruas a atravessar estavam guarnecidas pela municipal e interceptavam a passagem. Ficou então assente em principio que seguiriamos por mar, embarcando nos cruzadores, varrendo as ruas da baixa com bombardeamento do mar e procurando desembarcar a leste do Terreiro do Paço, no caso que fosse mais accessivel.»

O primeiro projectil dos navios revoltados que cahiu no paço das Necessidades lançou um panico medonho nas creaturas que então velavam pela integridade do sr. D. Manuel. O paço estava guarnecido de tropas que se suppunha fieis ao antigo regimen. O quartel general entendera que, antes de mais nada, devia proteger a residencia do soberano e accumulara ali todos os elementos militares que não tinham tido cabimento no Rocio. Estes defendiam o quartel general; o restante guardava o palacio do rei. E durante horas esta situação de pura defensiva manteve-se inalteravel, apenas fracamente entrecortada por um esboço de ataque ao quartel dos marinheiros delineado como que a medo pelas tropas acantonadas nas Necessidades.

O panico que o bombardeamento produziu no paço foi enorme. O rei correu ao oratorio a implorar a intervenção divina, e emquanto uma meia duzia de servidores – dedicados não ha duvida – se conservava álerta, disposta a acompanhar o monarcha nas suas glorias ou nas suas vicissitudes, os outros servos – a grande maioria – abandonavam precipitadamente o edificio, possuidos do mais extraordinario pavor. Até as cozinhas do paço se resentiram da fuga… Como os tiros da artilharia naval continuassem a incidir sobre as paredes que ainda abrigavam essa côrte em perfeita dissolução, o rei teve um impulso de decisão. Chamou o official da guarda e disse-lhe:

– Telephona ao presidente do conselho…

Mas o apparelho não funccionava convenientemente e o sr. D. Manuel, decerto obcecado pelo que alguns aulicos lhe tinham dito em tempos sobre um provavel apoio da Gran-Bretanha á dynastia de Bragança, exclamou para um cortezão:

– Se estiver no Tejo algum destroyer inglez, que metta no fundo os navios revoltados!..

D'ahi a pouco, os dedicados servidores do palacio tomavam resoluções importantes sobre a situação. Convidaram o soberano a sahir do edificio, onde já corria grave risco, e acompanharam-no ao extremo da Tapada. Ahi deviam tomar logar em dois automoveis e partir para Mafra – o unico ponto de confiança para o antigo regimen e que podia proporcionar-lhe um reducto de certa consistencia.

Assim se fez. O rei enfiou para o automovel d'uma garage particular, que haviam chamado á pressa, e no mesmo vehiculo metteram-se tambem os srs. conde de Sabugosa e marquez do Fayal, o primeiro vestindo ainda a casaca com que na vespera assistira ao banquete offerecido no paço de Belem ao marechal Hermes da Fonseca. No outro automovel seguiram os dois unicos creados que não tinham fugido do paço com os primeiros effeitos do bombardeamento. Até certa altura, os dois vehiculos foram escoltados por uma força de cavallaria da municipal. Contou mais tarde o commandante d'essa força que por um triz uma granada da artilharia naval não desfez o automovel que conduzia o sr. D. Manuel. Foi n'um momento em que esse vehiculo soffreu uma panne. Instantes depois da avaria ser remediada e do automovel ter proseguido de novo a sua marcha, a explosão do projectil juncou de estilhaços mortiferos precisamente o ponto onde o rei aguardara, triste e silencioso, o concerto do carro.

As duas rainhas, entretanto, esperavam anciosamente noticias de Lisboa: a sr.ª D. Amelia no Castello da Pena e a sr.ª D. Maria Pia no palacio da villa de Cintra. No dia 4, ás duas horas da madrugada, o telephone havia annunciado á criadagem da mãe do monarcha que a Revolução estalara em Lisboa. Como ella dormia, ninguem a quiz despertar para tão sensacional noticia. Só ás oito da manhã é que lhe disseram francamente a verdade. A sr.ª D. Amelia mandou ligar para o paço da villa e a sr.ª D. Maria Pia decidiu logo ir á Pena com a s.ª marqueza de Unhão e o sr. conde de Mesquitella. Junto da nóra, a viuva do sr. D. Luiz procurou mostrar-se serena, resignada, possuida ainda d'uma energia fóra do commum. Mas a sr.ª D. Amelia não se conteve e como o telephone para o paço das Necessidades continuava a funccionar pessimamente, lançou-se n'um desespero indescriptivel. Deu ordens e contra-ordens, tentou communicar o mais rapidamente possivel com o chefe do governo e, ao cabo de inauditos esforços, lá conseguiu que de Lisboa lhe dissesem que o rei tinha sahido de casa, a caminho d'um refugio seguro.

No dia 5 de manhã, as duas rainhas partiam de Cintra para Mafra. O sr. D. Manuel esperava-as no convento, rodeado pelos servidores fieis: condes de Sabugosa e S. Lourenço, marquez do Fayal, tenente coronel Waddington, Vellez Caldeira e dr. Mello Breyner. Depois do almoço, que ainda foi servido em Mafra, uns emmissarios que surgiram offegantes vindos de Cascaes, noticiaram que a Republica já havia triumphado. Logo a seguir, outro emmissario notificou que o yacht Amelia se encontrava na Ericeira tendo a bordo o sr. D. Affonso e que a familia real devia embarcar sem perda de tempo, para evitar que os revoltosos ainda a surprehendessem em territorio portuguez. Como o yacht tinha poucos mantimentos, o monarcha, a mãe e a avó arranjaram farneis e puzeram-se a caminho d'aquella praia.

Antes da partida, a sr.ª D. Maria Pia mostrou alguma relutancia em abandonar o paiz sem ter sido primeiro intimada a fazel-o pelo governo republicano. Mas quando lhe mostraram a inconveniencia d'esse procedimento, ella mergulhou n'um silencio perturbador, que manteve até á entrada no yacht. No primeiro automovel seguiram para a Ericeira a sr.ª D. Amelia, a condessa de Figueiró, D. Maria de Menezes e Vasco Belmonte; no segundo a sr.ª D. Maria Pia, a marqueza de Unhão e o conde de Mesquitella; no terceiro, o sr. D. Manuel, os condes de Sabugosa e S. Lourenço, marquez do Fayal, Waddington e Mello Breyner. Atraz uma escolta de cavallaria. Na Ericeira juntaram-se aos fugitivos os srs. Serrão Franco e dr. Eduardo Burnay. O mar estava agitado e o embarque tornava-se difficil.

Ainda assim, com a promessa d'uma forte recompensa, o sr. Serrão Franco obteve que os tripulantes de dois barcos de pesca se decidissem a transportar a familia real para bordo do yacht. No primeiro embarcaram as duas rainhas; no segundo o monarcha. A bagagem da sr.a D. Amelia consistia apenas n'uma mala de folha com alguma roupa branca; a do sr. D. Manuel n'uma caixa com meia duzia de lenços. A mãe do monarcha, ao attentar na pobreza dos dois barcos de pesca que iam servir de galeotas á familia desthronada, ainda exclamou:

– Não esperava isto dos portuguezes!.. C'est une infamie.

O rei, esse, contentou-se em affirmar a sua abnegação pelo povo que até aquelle momento suppozera governar e, chamando de parte o sr. Serrão Franco, pediu-lhe que entregasse ao presidente do conselho uma carta, em que asseverava não abdicar mas apenas eximir-se por algum tempo ao tumultuar da nação. Essa carta, diz-se, nunca chegou ao seu destino. No emtanto, os telegrammas de Gibraltar para os jornaes de Paris reproduziram dois dias depois o seu texto quasi na integra. É um documento sem valor politico e que demonstra simplesmente quanto o rei andava illudido sobre a situação da monarchia e… dos monarchicos.

Feito o embarque, o yacht poz-se logo em andamento, indo dar a volta ás Berlengas para tomar o rumo. Eram 4 da tarde do dia 5 de outubro de 1910.

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
25 haziran 2017
Hacim:
220 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain