Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)», sayfa 6
CAPITULO XII
As bombas de João Borges eram pagas pela «Joven Portugal»
Em primeiro logar, rememoremos os factos… Foi, como já dissémos, na tarde d'um domingo morto que a policia commandada pelo juiz de instrucção pôz em alvoroço a rua dos Correeiros, investindo contra o deposito de explosivos que João Borges ali estabelecera. O juiz tinha ido ao cemiterio acompanhar um enterro. Em meio da cerimonia funebre, appareceu-lhe um guarda da judiciaria, enviado pelo chefe Ferreira, e disse-lhe qualquer coisa ao ouvido. O juiz surpreendido, chamou o Cyro, que andava proximo, e, largando o enterro, veiu até á travessa da Palha com o ar preoccupado de quem trazia um mysterio na consciencia.
No local do crime, procedeu com o mais completo alheiamento da gravidade das circumstancias. Subiu a escada do predio suspeito e teria ido até ao quarto de João Borges sem dar por coisa alguma, quando o Cyro lhe indicou o criminoso, que tambem caminhava em direcção ao aposento, placido, sorridente, com aquelle ar de desimportado que tão nitidamente o caracterisa. O juiz mandou-o prender e, assim que se encontrou dentro do deposito, olhou em volta e teve um gesto de receio. As bombas accumulavam-se em grande quantidade – eram ás duzias. Mas o João Borges, que lhe seguia ironico os movimentos, apressou-se a socegal-o:
– Não tenha medo… estão descarregadas.
O mais modesto dos policias teria desconfiado n'esta altura que o deposito dos explosivos tentava liquidal-o, deixando que elle proprio provocasse a acção destruidora d'um d'esses engenhos. Mas o juiz não pensou em tal. Para provar que era homem sem medo, sorriu-se como o João Borges e, pegando n'uma bomba, revirou-a cuidadosamente nos dedos. Depois ainda fez umas considerações de caracter philosophico sobre a propaganda libertaria que o Cyro, valha a verdade, não percebeu, e sahiu da rua dos Correeiros para se internar no seu gabinete da Bastilha, a reflectir maduramente na descoberta, que, segundo confessou logo no dia seguinte, lhe fôra indicada pelo presidente do conselho, pelo chefe do governo.
A noticia da diligencia espalhou-se ao começo da noite por uma fórma extraordinaria. A seguir á prisão de João Borges, a policia fez outras capturas, quasi todas no mesmo local da primeira, e a Bastilha principiou a trabalhar, avida e tenazmente, na descoberta dos cumplices do proprietario de tanto cylindro metallico destruidor. Para os que estavam no segredo do caso, a prisão de João Borges era uma consequencia natural da sua insouciance. Desimportado como sempre fôra, admirava até que ha mais tempo a policia o não tivesse incommodado e chamado a capitulo. Mas, para a maioria, a diligencia policial envolvia um ponto de interrogação que a carta n'outro logar reproduzida assignala por maneira inilludivel.
No domingo á noite, nos centros de cavaco, o caso foi discutidissimo. E como o juiz, n'uma nota para a imprensa, affirmasse que João Borges lhe confessara ter fabricado explosivos para os utilisar logo que ao governo Teixeira de Sousa succedesse um governo reaccionario, estabeleceu-se immediatamente uma corrente de opinião que um dos commentadores eventuaes do caso resumia d'este modo:
– A scena passou-se assim… O Teixeira de Sousa, por intermedio do Alpoim e este por intermedio de um dos seus antigos companheiros de lucta no 28 de janeiro, conseguiu que o João Borges, de boa fé, arranjasse as bombas. Logo que soube que ellas estavam prestes a servir, denunciou o fabricante ao juiz de instrução e com a declaração attribuida ao João Borges de que as bombas só rebentariam sob as patas de um ministerio reaccionario, faz o seu jogo no paço e consegue facilmente convencer o rei D. Manuel de que, emquanto elle estiver no poder, nada tem a receiar por parte dos elementos mais avançados;
Outra versão dava o João Borges identificado com a policia para armar uma pavorosa e d'essa, por influencia de diversos libertarios, se fez echo a maioria dos jornaes. Mas em todas ellas surgia sempre esta pergunta maliciosa que, no simples enunciado, lançava immenso veneno nas intenções do revolucionario preso:
– Quem lhe deu o dinheiro para o fabrico das bombas? Aquillo custa caro… O João Borges não tem cheta…
Por outro lado, a maneira serena e até chocarreira como o preso encarava a sua prisão, a attitude quasi de desafio que elle, ironico e desdenhoso, lançava á policia, quando esta, atormentada e preoccupada, o arrancava á esquadra do Caminho Novo para os interrogatorios no juizo de instrucção, tudo isso chocava a opinião seria e pacata, predispunha-a pessimamente contra a victima da Bastilha. Se João Borges, ao atravessar as ruas de Lisboa n'essa peregrinação estopante, longe de se sorrir para os amigos e conhecidos, bem disposto, com o ar de quem não teme as garras da auctoridade, evidenciasse uma gravidade de compostura equivalente á gravidade da sua situação, então, sim, então é que a opinião seria e pacata o olharia como um martyr da Ideia e o lastimaria por não haver chegado ao fim da sua obra demolidora.
Ninguem ou quasi ninguem se recordava de que João Borges evidenciara desde a sua apparição nos centros revolucionarios essa insouciance do perigo a que já nos referimos; ninguem ou quasi ninguem fazia reviver na memoria esse traço nitido da sua individualidade e que João Borges, para explicar ao primeiro curioso que o defrontasse o funccionamento de uma bomba, raras vezes olhava primeiro em volta a verificar se algum bufo o espreitava. E como não era natural que a pessoa ou pessoas que o tinham auxiliado monetariamente no fabrico das bombas viessem n'essa altura proclamar em publico e raso a verdadeira proveniencia do dinheiro que a opinião seria e pacata via constantemente ao lado do tal ponto de interrogação, as entrelinhas sobre João Borges, as phrases reservadas a respeito do seu procedimento esvoaçavam de grupo em grupo, creando-lhe uma atmosphera antipathica.
Ia longe o tempo em que a descoberta d'um deposito de bombas correspondia ao silencio receioso da grande maioria e revestia um tal caracter de coisa sensacional que poucos, muito poucos mesmo, se atreviam a referir-se-lhe sem palavras de condemnação. Mas se esse tempo já ia distante, o certo é que só uma infima parcella de revoltados encarava desassombradamente a prisão de João Borges. O resto encolhia-se n'uma prudente apreciação, vaga e indefinida… não fosse a historia futura revelar que o dinheiro utilisado na compra dos materiaes indispensaveis á confecção dos engenhos sahira do cofre da Bastilha, da burra do sr. Antonio Centeno ou da caixa do Quelhas…
Dois ou tres jornaes acabaram por dissipar taes receios e desconfianças. Dois ou tres artigos, um d'elles escripto por José Barbosa – um dos membros do Directorio do Partido Republicano – rehabilitaram na grande massa o fabrico dos explosivos e salientaram a coragem dos fabricantes. E era justo que isso se fizesse. Não se comprehendia que, uma vez lançados no caminho da actividade revolucionaria todos os homens que se dicidiam em dado momento a auxiliar a implantação da Republica, os que promoviam essa implantação na cupula d'uma chefia organisadora os abandonassem á ferocidade da Bastilha e os não soccorressem com o incentivo de um elogio, que, até certo ponto, lhes podia dulcificar as agruras do carcere. Se n'outras epocas de preparação da Revolta, os acontecimentos se não desenrolaram com a mesma logica e os dirigentes d'essa preparação procuraram, antes de se solidarisarem com graves responsabilidades, afastar do seu campo de acção o menor indicio de convivencia com libertarios, no caso de João Borges – justo é consignal-o – a honestidade de consciencia sacrificou quaesquer pensamentos de cobardia e os bombistas tiveram a seu lado alguns dos homens que lhes haviam solicitado a necessaria collaboração. E um d'esses homens, assim que teve ensejo de transpôr triumphante os humbraes da Bastilha, a sua primeira démarche consistiu exactamente em libertar as victimas do juiz de instrucção, os revolucionarios que elle enclausurara por effeito do fabrico de explosivos. Tinha essa divida a saldar e saldou-a primeiro que a qualquer outra.
Afinal, quem forneceu dinheiro ao João Borges para o fabrico das bombas?.. A Joven Portugal (fracção da Carbonaria) por intermedio de Manuel Bravo. As bombas, importadas do estrangeiro, durante a organisação do 28, tinham provado mal – eram verdadeiras bombas de fancaria – e necessitava-se, para o novo movimento, de explosivos que cumprissem. Recorrera-se então á industria nacional, em que se occupavam não só aquelle revolucionario como outro de grande relevo em toda a agitação politica comprehendida no periodo de 1907 a 1910 – o operario José Nunes. Falemos d'elle com alguma minucia, porque o merece.
Obrigado em 1908 a exilar-se em Africa para não cahir nas garras da policia, por lá andou algum tempo, luctando desesperadamente contra o clima, mas sem perder a confiança cega que possuia n'um proximo advento da Republica. Assim, logo que poude regressar a Lisboa e foi readmittido na Imprensa Nacional, continuou a trabalhar dedicadamente no fabrico de explosivos, aperfeiçoando-se n'uma arte que, para elle, já não tinha segredos.
Um dia o actor Vieira Marques procurou-o e convidou-o a fazer parte d'um grupo que se destinava a auxiliar praticamente a Junta Liberal na sua campanha de exterminio das ordens religiosas. Esse grupo, porém, não tinha a menor ligação com a Junta, que ignorava, em absoluto, a sua existencia. A Junta fazia a propaganda pela palavra e pela escripta; o grupo em questão propunha-se fazel-a pelo facto. José Nunes, que aliás não pertencia a nenhuma das divisões da Carbonaria, acceitou o convite e assim nasceram os Mineiros (seis individuos) dirigidos pelo photographo Virgilio de Sá.
As attenções do grupo fixaram-se principalmente em dois dos focos occupados pela reacção: o convento do Quelhas e a capella da travessa das Mercês. Tornava-se urgente destruil-os a ambos. José Nunes recebeu a incumbencia de preparar os apparelhos indispensaveis a essa destruição. O engenheiro dos Mineiros fabricou uma bomba enorme que mais tarde esteve exposta no Museu da Revolução – bomba que, sendo destinada ao Quelhas, devia, apoz a explosão, espalhar no ambiente grande quantidade de gazes deleterios. O actor Vieira Marques, tres noites consecutivas, aventurou-se a entrar na cerca do famoso convento, afim de escolher o local mais apropriado á collocação do engenho destruidor – visto que os Mineiros queriam poupar á tragica sentença as numerosas creanças ali internadas.
Para o ataque á capella da travessa das Mercês, José Nunes tambem principiou a confeccionar outro apparelho de identico poder combativo. E foi elle proprio que uma noite de novena entrou no templo, onde os frades da Aldeia da Ponte haviam estabelecido o seu quartel-general, e reconheceu o terreno. Mas nenhum dos dois projectos foi por deante, porque n'esta altura do periodo revolucionario, o engenheiro dos Mineiros recebeu convite do grupo Vedeta (filiado na Carbonaria) para lhe fabricar uma certa porção de bombas. O grupo Vedeta era dirigido por Carlos Kopke e Roque de Miranda. José Nunes devotou-se com enthusiasmo á satisfação da encommenda e a Revolução triumphante surprehendeu-o em meio do seu perigoso trabalho.
CAPITULO XIII
O «comité» executivo de Lisboa procede a um inquerito
Entramos agora no periodo preparatorio do movimento que implantou a Republica. Esse periodo começa precisamente com o congresso republicano reunido em 1908 em Setubal. No intervallo entre essa reunião e o regicidio, o ministerio Ferreira do Amaral procurara consolidar as instituições monarchicas conservando a politica interna n'uma inercia caracteristica. O Directorio, calculando que a liquidação do dia 1 de fevereiro actuara desfavoravelmente no espirito de muita gente e suppondo que o momento não era azado para se iniciar um movimento serio em favor da Ideia, aconselhava uma phase de tranquilidade e de treguas que não podia servir de estimulo aos verdadeiros revolucionarios.
No Congresso de Setubal, a eleição do Directorio constituiu, como outras deliberações da assembléa, uma grande surpreza para o publico. Na lista vencedora incluiam-se nomes que poucos esperavam vêr proclamados. O comité Alta Venda, tendo effectuado antes do congresso uma reunião preliminar, decidira influir no acto eleitoral de modo que no Directorio entrassem elementos de acção nitidamente revolucionaria e assim succedeu. Como effectivos, a Carbonaria conseguiu vêr eleitos Bazilio Telles e Euzebio Leão e como substitutos Malva do Valle, Leão Azedo, Innocencio Camacho e José Barboza. Feita a eleição, João Chagas propoz e o congresso approvou a nomeação d'um organismo incumbido de, junto do Directorio, proceder aos trabalhos de preparação revolucionaria. Findo o congresso, Innocencio Camacho e José Barboza entraram logo, por circumstancias occasionaes, na effectividade dos cargos, e o organismo acima referido ficou constituido por João Chagas, Antonio José d'Almeida e Affonso Costa.
Antonio José d'Almeida, então ligado á Carbonaria, vasta rede de bons elementos a que – como já tivemos ensejo de alludir – Luz d'Almeida dedicara um esforço de gigante, assumiu a direcção dos trabalhos revolucionarios entre a classe civil, trabalhos que não eram mais do que a sequencia natural d'outros anteriormente effectuados, e, dentro em pouco, começou a funccionar um comité especial que aliás teve curta existencia, porque Antonio José de Almeida, doente, foi forçado a partir para Carlsbad e Luz d'Almeida, perseguido por causa das associações secretas, expatriou-se. Da acção exercida pelo comité executivo de Lisboa– o comité nomeado em virtude da resolução do congresso de Setubal – fala João Chagas n'estes termos:
«Uma vez constituido, o comité procurou dar aos seus trabalhos um caracter absolutamente pratico e passar em revista, digamos assim, os elementos com que era possivel contar para o momento opportuno.
«No primeiro semestre de 1908 fizemos um inquerito minucioso ás forças militares, para avaliar do estado da ideia republicana dentro dos quarteis e dos navios de guerra. Necessitavamos ter uma noção nitida e clara da situação, para proseguir com confiança na propaganda da revolta. Esse inquerito resumi-o n'um relatorio que apresentámos ao Directorio do partido e cujos topicos é interessante registar. Antes de mais nada devo dizer que se notava por essa occasião no exercito uma certa acalmia, uma tal ou qual espectativa, que embaraçava o proseguimento dos nossos trabalhos. O ministerio Ferreira do Amaral lançara no espirito de muitos officiaes a ideia de que a monarchia ia variar de processos e que era provavel ou possivel a entrada do regimen n'um caminho de regeneração patriotica. Esperava-se, esperavam elles, os espiritos hesitantes, que um governo honrado puzesse termo á serie de crimes commettidos desde longa data e não houvesse necessidade de mudar de instituições para obter, para a vida nacional, a paz e a felicidade que todos ambicionavam.
«No emtanto, a ideia republicana contava adeptos em todos os corpos da capital e em muitos das provincias. Até no grupo de Queluz, que a monarchia suppunha ser um dos seus fortes esteios, havia officiaes decididos á revolta. Caçadores 5 e caçadores 2 estavam bem minados pela ideia republicana. Artilharia e o estado maior, em summa o campo entrincheirado, apresentavam muitos officiaes francamente democratas, que só aguardavam o ensejo propicio de se manifestarem. E se nos officiaes a semente fructificara lindamente, nos sargentos, nos cabos e nos soldados a expansão do ideal assumira proporções extraordinarias. Apenas os corpos de cavallaria se mostravam refractarios á boa doutrina, conservando um respeito idolatra pela reacção, que só difficilmente se podia remover. Mas repito: ainda n'esses tinhamos elementos de confiança.
«Na armada escuso dizer que, mais do que no exercito de terra, encontravamos dedicações sincerissimas, verdadeiros heroes dispostos a tudo para a victoria da Republica. Acode-me o nome d'um official, o tenente Carlos da Maia, que, sendo immediato da Limpopo, empregada no serviço da fiscalisação de pesca nas costas de Portugal, combinara comigo telegraphar-me de todos os pontos onde o navio ia tocando, para eu o poder prevenir a tempo do dia marcado para a revolução. E outros…»
Afastados de Lisboa Antonio José d'Almeida e Luz d'Almeida, encontrando-se Eusebio Leão e Cupertino Ribeiro no estrangeiro, Theophilo Braga e Basilio Telles no norte e José Relvas em Alpiarça entregue aos trabalhos agricolas nas suas propriedades, o Directorio apparece reduzido a José Barbosa e Innocencio Camacho e o Comité executivo de Lisboa a João Chagas e Candido Reis, visto que Affonso Costa tambem sahira da capital por motivo de doença. Mas isso não impede que a propaganda revolucionaria prosiga activamente. Sobe ao poder o ministerio Teixeira de Sousa e esse facto, longe de provocar nos organisadores da revolta pensamentos de tregua, intensifica-lhes a acção.
O pseudo liberalismo do ministerio regenerador, do ultimo ministerio da monarchia, longe de contrariar a propaganda revolucionaria, favorece-a. O sr. Teixeira de Sousa, por mais anodyno que se mostre á população republicana, é sempre um inimigo, porque é sempre um defensor do throno, um serventuario do velho regimen. Ninguem o julga capaz d'um gesto formidavel, que obrigue o monarcha reinante a desprender-se dos braços setinosos da reacção, a libertar-se d'essa influencia perniciosa que o sr. Ferreira do Amaral mezes antes assignalara como emmaranhando a côrte portugueza n'uma teia de fanatismo e despotismo. O sr. Teixeira de Sousa, muito embora reconheça a necessidade de modificar o existente, não é estadista para fazer a Republica. Tem de cuidar, antes de tudo, da sustentação d'uma clientella partidaria, tem de procurar, n'um embate de politica mesquinha, a liquidação absoluta dos seus adversarios monarchicos e não é certamente com o cultivo sincero da massa popular que elle se disporá a investir contra o clericalismo triumphante, a satisfazer as justas aspirações dos liberaes.
Antes de 15 de setembro de 1909, produz-se um facto que determina uma nova poussée do movimento organisador da revolta. Em certa noite, apparecem no Centro de S. Carlos onze tripulantes d'um navio de guerra portuguez, manifestando desejos de falar a qualquer dos membros do Directorio. São recebidos pelos srs. Guilherme de Sousa, vice-presidente do Centro e Cordeiro Junior e Julio Maria de Sousa, da commissão municipal republicana. Um d'esses homens fala sem rebuço: elle e os seus camaradas tencionam insubordinar-se a bordo do D. Carlos, já estudaram e adoptaram um plano de revolta e querem saber se o Directorio lhes sancciona e apoia a tentativa. O sr. Guilherme de Sousa convida-os a voltarem ao Centro no dia immediato e apressa-se a communicar o facto aos dois membros do Directorio que n'essa altura servem assiduamente a Revolução: José Barbosa e Innocencio Camacho.
A principio, um e outro d'esses republicanos receiam que a démarche dos onze marinheiros constitua uma cilada. Mas como não seria de boa pratica abandonal-os inteiramente á execução de qualquer projecto sedicioso e o almirante Candido dos Reis já tinha posto Machado Santos em contacto com os dois membros do Directorio, José Barbosa e Innocencio Camacho resolvem: 1.º attender os marinheiros que expontaneamente veem ao encontro dos seus planos revolucionarios; 2.º pedir a Machado Santos que os assista no contacto com esses patriotas para lhes reconhecer a identidade.
Tomam, para isso, certas medidas de precaução e combinam com o almirante Candido dos Reis o avistarem-se com Machado Santos em determinada noite na praça Luiz de Camões. D'ahi seguirão depois a estabelecer contacto com os marinheiros. Mas para que ninguem suspeite da gravidade da démarche, esse encontro com Machado Santos é feito com o ar desembaraçado de velhos conhecimentos. Machado Santos é acompanhado até o local por Luz d'Almeida para que tanto Innocencio Camacho como José Barbosa reconheçam n'elle o enviado de Candido dos Reis. Os marinheiros que surgem n'essa occasião a insistir n'uma tentativa de revolta já não são apenas os representantes da guarnição do D. Carlos; teem, sim, a delegação das guarnições de todos os navios surtos no Tejo. Da praça Luiz de Camões, Machado Santos, José Barbosa e Innocencio Camacho e os marinheiros seguem para casa d'um d'estes, no Conde Barão. Durante o trajecto, Machado Santos, para obter a certeza de que elle e os dois membros do Directorio não serão victimas d'um guet-apens, interroga habilmente os marinheiros sobre os navios a que pertencem, o armamento de que dispõe cada um dos barcos, etc., e pelas informações colhidas convence-se e convence José Barbosa e Innocencio Camacho de que não ha duvida em tratar lealmente com esses commissionados das forças navaes.
Uma vez entrados na tal casa do Conde Barão e prevenida a hypothese d'uma surpreza policial, os marinheiros expõem o seu plano, accrescentando que o tencionam pôr em execução d'ahi a poucas horas. Contam poder sublevar 1.000 dos seus camaradas: 500 d'elles desembarcarão a um signal dado e apoderar-se-hão do Arsenal do Exercito para terem immediatamente á sua disposição armas e munições. (Diga-se entre parenthesis: ao contrario do que o governo monarchico espalha com insistencia, o comité da Revolução tem a certeza, por informações seguras de officiaes republicanos, de que as armas em deposito no Arsenal não estão provisoriamente inutilisadas, mas possuem os percutores e servem admiravelmente na primeira opportunidade). Os marinheiros contam tambem, para os auxiliar na sua tentativa, com o nucleo de civis formado pela Carbonaria e que comprehende 6.000 homens, antigos soldados e marinheiros, aptos a manejar com acerto uma arma de fogo.
Feito o ataque ao Arsenal, occuparão o palacio das Necessidades e, tomando o rei e a familia como refens, obrigam d'esse modo as forças fieis a conservar-se inactivas. É este o plano dos audaciosos patriotas, que elles desenvolvem perante Machado Santos e os representantes do Directorio com a mesma serena tranquillidade com que outros dos seus camaradas propõem mais tarde a um dos dirigentes republicanos aprisionar o sr. D. Manuel n'uma annunciada visita do soberano ao quartel d'Alcantara. A tentativa, porém, é arriscada e torna-se necessario, para que se não repita uma scena identica á da insubordinação de 1906, evitar que os marinheiros a ponham em pratica, como elles dizem, no curto prazo de vinte e quatro horas. José Barbosa e Innocencio Camacho falam, n'esse sentido, aos briosos rapazes. Machado Santos impõe-se-lhes energicamente e ao cabo de longa discussão os tres obteem a promessa de que o projecto revolucionario será addiado para melhor ensejo, isto é para quando estiverem concluidos os trabalhos encetados sob a égide do Directorio. Mas tomam o compromisso formal de lhes preparar rapidamente o advento da Republica, para que não supportem por muito tempo ainda o regimen de suspeição e de incerteza de que se queixam amargamente. De caminho, allude-se á sabotage como um meio de modificar a situação em que os marinheiros se encontram a bordo e por duas ou tres vezes o Directorio recebe a noticia de que elles a praticam com exito.
Decorrem alguns dias e, tendo regressado a Lisboa os membros ausentes d'aquelle organismo republicano e do comité executivo de Lisboa, José Barbosa e Innocencio Camacho narram-lhes o succedido e todos concordam na urgencia da preparação decisiva do movimento. Entra-se a fundo na materia. A propaganda do lado do elemento militar toma aspecto differente n'um impulso energico e resoluto; a Associação Carbonaria Portugueza alarga a esphera da sua intervenção junto dos grupos revolucionarios civis.
Em 14 de junho de 1909 a Maçonaria effectua uma sessão magna, «convocada expressamente para se deliberar sobre a opportunidade d'uma obra, que se esboça vagamente ser a Republica, mas que não é revelada nos seus traços intimos á quasi totalidade dos irmãos». N'essa reunião, fala o grão-mestre, o sr. dr. José de Castro, para propôr a nomeação d'um comité incumbido de executar ou, melhor, de preparar a execução da obra citada. A assembléa toma conhecimento da proposta e o grão-mestre reserva-se o direito de nomear elle proprio o comité cuja formação deve até ao ultimo momento constituir assumpto da maior reserva. Impõe-se o segredo rigoroso, porque, a dentro da Maçonaria, existem elementos de pouca confiança n'um tão grave emprehendimento.
O comité, que toma o nome de Commissão de Resistencia, fica composto, além do dr. José de Castro, por Simões Raposo, Machado Santos, Miguel Bombarda, Francisco Grandella e Cordeiro Junior. O seu primeiro cuidado é o de approximar-se do Directorio do partido republicano, o de estabelecer contacto com esse organismo para conjugar com elle os esforços tendentes ao derrubar da monarchia. O Directorio acceita sem restricções a intervenção do Grande Oriente, e, prévio accordo, o comité maçonico trata de agrupar, de disciplinar, de aproveitar os organismos revolucionarios já então creados e que trabalham n'um isolamento de pouca ou nenhuma proficuidade. Essa aggregação é feita com extrema cautela. O comité chama ao seu ambiente os elementos de que o proprio Directorio dispõe, os da Carbonaria, representada pelo engenheiro Antonio Maria da Silva, os do grupo Accacia, representado por Martins Cardoso e os da Joven Portugal, a que pertence, entre outros, o dr. Carlos Amaro. E uma vez combinada a acção commum, diligenciam passar á fieira todos os individuos que se lhes affiguram capazes d'um esforço em prol da Republica.
Ventila-se depois a questão do dinheiro. Uma revolução, nos tempos modernos, não se faz sem essa móla imprescindivel. Ha necessidade de comprar armamento e de subvencionar outras despezas e o cofre do Directorio republicano não tem o sufficiente para tal empreza. Logo que se pensa a sério na realisação do movimento, constitue-se uma commissão financeira, inteiramente separada da commissão administrativa do partido e formada por Antonio José d'Almeida, Bernardino Machado, Magalhães Basto e José Barbosa. Constituida a commisssão, trata-se de calcular o que custará o movimento.
Quinhentos contos? Quatrocentos contos? Trezentos?..
As opiniões variam e um dia em que isso se discute com um certo calor, Affonso Costa apresenta uma base orçamental um pouco mais modesta: setenta contos. Faz um calculo identico ou approximado aos de João Chagas e almirante Candido dos Reis. Setenta contos, na opinião de qualquer d'elles, deve chegar para as despezas da Revolução. Falta fixar o modo de obter essa quantia. Como? Sacando antecipadamente sobre a Republica? É processo que não encontra quem o defenda. Um emprestimo? De todos os alvitres estudados é este, afinal, o que concita um maior numero de adhesões. Mas, ainda assim, a idéa não tarda a ser posta de parte e a commissão financeira assenta que será relativamente facil reunir cem contos por intermedio de 25 correligionarios dedicados, cada um d'elles procurando obter quatro contos entre os seus amigos pessoais.
A commissão financeira, porém, nunca funcciona regularmente e, após diversas hesitações, Eusebio Leão, José Relvas, José Barbosa e Innocencio Camacho deliberam formar o cofre revolucionario apenas com os donativos secretos. Essa deliberação obedece talvez á velha idéa de que dinheiro não falta. E como dinheiro não falta, José Barbosa, Innocencio Camacho, Machado Santos e o engenheiro Antonio Maria da Silva, reunindo-se frequentemente no escriptorio do Estado de S. Paulo, occupam-se dedicadamente da acquisição de espingardas, pistolas e revolvers. Machado Santos e o engenheiro Antonio Maria da Silva descobrem a breve trecho o que elles chamam a solução do problema. Encontra-se á venda um lote de 33:000 espingardas de bom modelo que a Suissa acaba de substituir no armamento do seu exercito. Cada uma sahe pelo preço de 3$000 réis. É de graça… Pelos calculos feitos a Revolução Portugueza necessita de 5:000 armas, o que equivale a uma somma approximada de dezeseis contos de réis. Toca a comprar. Dinheiro não falta… Innocencio Camacho e José Barbosa escrevem a Antonio José d'Almeida, solicitando-lhe a incumbencia de effectuar a transacção. Antonio José d'Almeida accede de bom grado e aguarda n'uma capital europeia que em Lisboa se reuna o dinheiro indispensavel.
Mas os dias passam, o dinheiro não apparece e a transacção não se effectua. Uma parte do lote suisso vae para o Paraguay, onde d'ahi a mezes serve n'uma revolta de caracter partidarista, e Antonio José d'Almeida regressa a Lisboa sem ter conseguido remediar de qualquer modo o fiasco. Isto, comtudo, não entrava seriamente a organisação do movimento. Mantendo-se a ideia de alimentar o cofre revolucionario com os donativos secretos, os organisadores tratam de, com a maior reserva, expedir umas cartas aos elementos republicanos de reconhecida abnegação e, dentro de semanas, de dias até, começam a affluir diversas quantias que Eusebio Leão, como thesoureiro, escriptura de maneira symbolica. O cofre-forte da Revolta é uma mala de viagem que Eusebio Lião, cauteloso e meticuloso, faz guardar todos os dias no estabelecimento de modas de seu irmão Ramiro e sem que este o saiba… Á medida que o dinheiro afflue, vae-se realisando a compra de armamento, por pequenas porções, ficando depositario do material o negociante Martins Cardoso.
Esta colheita secreta de dinheiro dá origem a varios incidentes curiosos. José Barbosa narra d'este modo um d'esses incidentes:
«Um dia Manuel Bravo foi ao meu escriptorio confiar-me para a Revolução 200$000 réis do negociante Alves de Mattos. No dia immediato procurou-me o socio d'esse negociante, Alexandre Paes, e, falando com animação desusada, queixou-se de que Alves de Mattos desdenhara do proposito em que estava de contribuir para o cofre revolucionario e que, para provar ao socio que tambem possuia bens de fortuna, subscreveria para o mesmo cofre com 1:000$000 de réis. Mas, na realidade, só me confiou, deante do socio, a decima parte d'essa quantia e sahiu do meu escriptorio agitadissimo e monologando cousas phantasticas. Á noite tive noticia de que enlouquecera. Dias depois succedeu-me ir ás 10 e 50 á estação do Rocio aguardar, na companhia de João Chagas, a chegada d'um correligionario que vinha do Porto. Mal o comboio parou, vejo o Paes sahir alvoroçado d'uma das carruagens e, defrontando-me, desatou a alludir, em altos gritos, ao supposto donativo de 1:000$000 réis que queria fazer ao cofre revolucionario. Perto andava um cabo de policia e, segundo me contaram depois, o infeliz já dentro do comboio havia affirmado em alto e bom som essa contribuição generosa. A imprudencia do louco podia custar-nos cara.»