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Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)», sayfa 7

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A provincia tambem se desentranha em dedicações extraordinarias para alimentar o cofre revolucionario. Estevão Pimentel, Manuel Alegre, Malva do Valle, Ricardo Paes e os republicanos de Alhandra, Villa Franca, Portalegre, Porto e do Algarve tambem fornecem muitas armas. Independentemente da actividade de todos esses correligionarios, muitos outros se armam á sua custa e armam os amigos, comprando revolvers e pistolas em Hespanha, passando-as para Portugal dentro de malas de mão, arriscando descuidosamente a liberdade. Do Brazil os organisadores do movimento recebem, por egual, valioso auxilio monetario e ainda já depois de proclamada a Republica vem a caminho de Lisboa determinada quantia ali angariada por intimos de José Barbosa.

N'um determinado momento, o almirante Candido dos Reis foi percorrer a provincia para avaliar com segurança da situação creada pela organisação revolucionaria Acompanhou-o n'essa missão o official de caçadores sr. Pires Pereira. No regresso, a impressão do illustre marinheiro era tão favoravel ao desenlace feliz do movimento que foi decidido desde logo apressal-o e sahir á rua dentro de breve espaço de tempo. Ninguem duvidava do exito. Tudo corria ás mil maravilhas. Os elementos revolucionarios manifestavam um ardor que era impossivel conter.

CAPITULO XIV
Nas barbas da policia realisam-se diversas revistas revolucionarias

O comité de resistencia formado pela Maçonaria reunia, no emtanto, em casa e no escriptorio do dr. José de Castro, nos Makavencos, no Gremio Lusitano, no Centro de S. Carlos, em casa do sr. Francisco Grandella, etc. Dos trabalhos d'esse comité, conta-nos o sr. Simões Raposo o seguinte:

«A partir de determinado momento, as reuniões do comité de resistencia e seus adherentes passaram a effectuar-se diariamente no centro de S. Carlos, presididas pelo dr. Miguel Bombarda que, diga-se desde já, foi sempre d'uma assiduidade notavel, d'uma dedicação sem limites.

«Ao cabo d'algum tempo de preparação o comité principiou a organisar as suas forças de combate, distribuindo-as segundo um plano cuidadosamente traçado e marcando bem nitidamente o papel que cada um dos grupos de revoltosos devia desempenhar no momento propicio. No emtanto, as adhesões chegavam-nos, sempre no meio de caloroso enthusiasmo, e todas as noites, n'um gabinete do Centro de S. Carlos, soldados, cabos e sargentos, populares á mistura, affirmavam peremptoriamente a necessidade da Revolução, dispostos até a verdadeiros actos de loucura. Candido dos Reis não assistia a essas vibrações da alma revolucionaria mas palpitava-as atravez d'uma porta que separava duas salas do centro e assim andava perfeitamente orientado sobre a marcha crescente da nossa propaganda».

N'essa altura já estava constituido o sub-comité militar formado por Candido dos Reis, Fontes Pereira de Mello, coronel Ramos da Costa e capitão Palla. Fixou-se uma data para a Revolução: a de 15 de julho de 1910. Mas, chegado o momento soube-se com alvoroço que o segredo dos conspiradores fôra descoberto e que as auctoridades militares iam tomar providencias para impedir que a revolta estalasse. O movimento foi adiado.

«O adiamento – refere-nos o sr. José Barbosa – impressionou desagradavelmente os officiaes que estavam no segredo do complot. No dia immediato, vi alguns d'elles arrepelarem-se com sinceridade, verterem até lagrimas de raiva por se ter contra-mandado a revolta. Carlos da Maia, official de rara valentia, entrou no meu escriptorio agitadissimo e colerico, disposto, apesar de tudo, a tentar uma sublevação de marinheiros. Estes, por seu lado, tambem não cessavam de solicitar, de pedir que apressassemos o inicio do movimento, do contrario suicidar-se-hiam n'uma tentativa de exito improvavel, sahindo á rua contra todas as indicações dos organisadores da Revolução. A propaganda de alguns mezes aquecera-os ao rubro».

Depois de 15 de julho, multiplicaram-se as reuniões de officiaes em diversos pontos da cidade – na redacção das Cartas Politicas no Arco do Bandeira juntaram-se por vezes vinte e mais representantes da guarnição de Lisboa – fez-se outra compra de armamento e, aproveitando-se a energia do nucleo de militares que desde o começo haviam mantido a mais completa adhesão á Republica, produziu-se um trabalho galopante que fatalmente devia aluir com rapidez as instituições monarchicas.

«A primeira quinzena de agosto – affirma João Chagas – foi empregada n'essa corrida veloz para a revolução. E tão bem e tão utilmente ou proficuamente se trabalhou que tornámos a fixar data para o desenrolar do movimento: a noite de 19 para 20 d'esse mez. E fixámol-a, porque, segundo a opinião dos officiaes de marinha que nos acompanhavam, era a noite em que a bordo do D. Carlos se dava um conjuncto de circumstancias absolutamente vantajoso para a revolta. N'essa noite tudo concorreria para que a victoria fosse alcançada sem grandes difficuldades.

«Comtudo, á ultima hora, alguem denunciou o movimento ao chefe do gabinete regenerador. E succedeu o que todos sabem: ordem aos navios de guerra para sahirem a barra, prevenções nos quarteis, a policia vigiando rigorosamente a cidade, etc. O Teixeira de Sousa teve perfeito e minucioso conhecimento do complot e informaram-no com verdade do caracter que o revestia. Mas, para não desmentir os boatos postos em circulação de que o governo contava n'esse momento com um falso apoio dos republicanos, calou-se e habilmente attribuiu as medidas de rigor que tomára á necessidade de suffocar uma intentona reaccionaria».

Este segundo adiamento, longe de fazer esmorecer os organisadores da revolta, produziu effeito diametralmente opposto. N'uma reunião especial no Centro de S. Carlos, levada a effeito no domingo 25 de setembro, a que assistiram, entre outros, Candido dos Reis, o capitão Sá Cardoso e o tenente Helder Ribeiro, o comité de resistencia submetteu á apreciação dos representantes do comité militar um resumo das suas forças disponiveis, com as indicações dos locaes em que deviam operar e da funcção attribuída a cada grupo de revoltosos, e esses representantes estudaram minuciosamente o trabalho da organisação civil que, diga-se em abono da verdade, embora não tivesse sido reproduzido em cifra no papel, era absolutamente incomprehensivel para os profanos. N'outra reunião effectuada no consultorio do dr. Eusebio Leão, Candido dos Reis affirmou aos membros do Directorio que havia elementos em quantidade sufficiente para tentar a queda da monarchia e em successivas conferencias os officiaes que a ellas compareceram affirmaram a mesma coisa, dando a certeza de que a Republica em breve seria proclamada.

Precisamos voltar atraz para registar um pormenor de organisação, que José Barbosa descreve n'estes termos:

«Em outubro de 1909 a propaganda tomou maior incremento. Na primeira reunião do Directorio e da Junta Consultiva, realisada n'esse mez, como os marinheiros continuassem a affirmar que se sublevariam a breve trecho e fosse necessario entrar a fundo nos trabalhos de preparação da revolta, puz a questão com toda a franqueza: o partido republicano, no caso d'uma insurreição naval, não abandonaria os insurrectos e antes lhes daria a sua solidariedade moral e material. O assumpto foi debatido. Affonso Costa apoiou-me energicamente e todos concordámos em que era indispensavel atacar o regimen monarchico n'um golpe decisivo. A Junta Consultiva tambem se pronunciou pela acção immediata e d'ahi a dias tomámos conhecimento do inquerito feito pelo comité executivo aos officiaes republicanos, iniciando-se logo após esse inquerito as ligações entre os elementos que se suppunham isolados. João Chagas e Candido dos Reis trabalharam n'essa altura com uma febre indescriptivel. Dia a dia, João Chagas reunia nas Cartas Politicas tres e mais officiaes de marinha e do exercito de terra que, ao entrarem em contacto, se surprehendiam immenso de ver ao lado da Republica camaradas do mesmo regimento ou do mesmo navio que consideravam monarchicos retintos ou pelo menos indifferentes.

«Essa operação aggregadora representa um esforço extraordinario. Coincidiu com uma phase activissima da Carbonaria, que contava no seu seio, por interferencia propagandista do engenheiro Silva, soldados, cabos e sargentos de toda a guarnição da capital. Precisavamos em cada regimento, ou em cada navio, relacionar os officiaes republicanos com as praças adherentes. Procedeu-se cautelosamente a essa ligação, pondo primeiro em contacto um official com um sargento e depois o sargento com um determinado numero de cabos e soldados.»

O engenheiro Antonio Maria da Silva completa assim o relato de José Barbosa:

«Os officiaes passam depois a entender-se directamente com os seus subalternos e estão permanentemente em contacto com carbonarios, a quem dão indicações e de quem colhem informações rigorosas para se confeccionar o plano da revolta.

«Indigitam-se para o elaborar os officiaes: Sá Cardoso, Helder Ribeiro e Aragão e Mello. É preciso, todavia, dar aos officiaes a certeza material das forças de que dispomos, e eu fico encarregado de os pôr em contacto com essas forças. Organisam-se, por isso, verdadeiras revistas militares. Aos soldados são dadas as respectivas senhas. Uma d'ellas é: pontapé na bola. A bola, já se vê, é a monarchia com o seu farto recheio de escandalos: muito bojuda, brigantinamente bojuda. De uma vez, Aragão e Mello e o carbonario Alberto Meyrelles assistem no jardim da parada de Campo d'Ourique ao desfile de 150 homens de infantaria 16, dizendo cada um d'elles ao passar: pontapé na bola… Alguns até cantarolavam disfarçadamente a senha. Helder Ribeiro fica encantado com os resultados colhidos. O tenente José Ricardo Cabral e o soldado Domingos passam revista aos postos fiscaes; Helder Ribeiro e o pharmaceutico Abrantes revistam infantaria 1, lanceiros e cavallaria 4, o tenente Ochôa infantaria 2 e Americo Olavo, caçadores 5.

«No Rocio realisa-se uma revista em noite de musica. Um verdadeiro escandalo nas barbas da policia. N'essa noite vão para o largo do Caldas conferenciar diversos elementos revolucionarios. Aragão e Mello passa ainda em revista engenharia. D'estas experiencias resulta, como não podia deixar de ser, adquirirem os officiaes a certeza de que, com os elementos de que dispõem, a revolução tem todas as probabilidades de triumpho.»

Entretanto, os elementos da classe civil prodigalisavam-se em reuniões, em conciliabulos secretos, onde a palavra Revolução animava, todos os assistentes, impellindo-os até ao sacrificio da propria vida. A atmosphera carregava-se dia a dia e de maneira que já ninguem pensava em adiar o movimento nem em demorar-lhe a marcha fulgurante. Era absolutamente necessario abrir a valvula, porque, de contrario, a explosão inevitavel redundaria em prejuizo dos que, com tanto amor e tanta coragem, haviam projectado a emancipação da nacionalidade. Candido dos Reis e Miguel Bombarda sustentavam-se corajosamente na brecha. Das provincias vinham noticias calorosas, que demonstravam a anciedade dos republicanos pelo rebentar da revolta. Era necessario fixar uma data, apressar, custasse o que custasse, o advento do novo regimen. O balanço dado pelo comité executivo de Lisboa ás forças de que o partido dispunha garantia a certeza da victoria.

Essa impressão de anciedade era facilmente apprehendida por todos os organisadores do movimento. Até mesmo os temperamentos mais calmos, os homens cujo sangue-frio repellia imprudencias perigosas, sentiam bem de perto a necessidade urgente de se fazer qualquer coisa, que puzesse breve termo a uma tal situação.

No dia 25 de setembro, pela 1 hora da tarde, José Barbosa e Innocencio Camacho encontraram-se no campo de Sant'Anna com o general Encarnação Ribeiro. Á primeira pergunta que os dois lhe dirigiram – o movimento é viavel? – o denodado militar respondeu-lhes com uma affirmação cathegorica. Restava organisar o plano de combate.

– E em quantos dias se arranja esse plano? inquiriram José Barbosa e Innocencio Camacho.

– O maximo, oito.

Em face d'esta asseveração nitida, os organisadores do movimento resolveram incumbir immediatamente a elaboração do plano ao general Encarnação Ribeiro, capitão Sá Cardoso, official de marinha Aragão e Mello e tenente Helder Ribeiro. Para a acção civil dividiu-se a cidade de Lisboa em varios sectores, correspondendo essa divisão á importancia dos diversos nucleos da Carbonaria. O papel d'esses elementos consistia essencialmente em facilitar a revolta nos quarteis e evitar a agglomeração da guarda municipal – o tradicional papão dos revoltosos. Os chefes de grupo eram os srs. Rodrigues Simões, intransigente republicano de velha data; Antonio Francisco Santos, dr. Carlos Amaro, com larga folha de serviços á causa; professor Antonio Ferrão, um conjurado impenitente; Alberto Meyrelles e um empregado da Companhia das Aguas de nome Sousa. Todos os chefes eram acompanhados d'um certo numero de revolucionarios, armados de pistolas, revolvers ou bombas de dynamite e embora a sua acção parecesse á primeira vista apenas limitada ao incendiar do rastilho, a verdade é que do seu exito dependia o exito da insurreição e a grande massa de conspiradores assim disseminada pela cidade arriscava-se, mais facilmente do que qualquer outra, a soffrer as consequencias funestas de um primeiro embate com as forças fieis á monarchia.

Ainda havia, segundo o plano elaborado pelos officiaes citados – plano que se concertava admiravelmente com as indicações da organisação civil do movimento – um certo numero de revolucionarios que se entenderiam, na madrugada propria e nos diversos quarteis, com os elementos reconhecidamente republicanos ali existentes. Eram elles o tenente Pires Pereira, o barbeiro Andrade, José Madeira, o empreiteiro Oliveira, o ex-sargento Carvalho, os srs. Godinho e Abrantes e os irmãos Lamas, de Alcantara. Infantaria 5 devia atacar a força da guarda municipal aquartelada no Carmo, recebendo de caçadores 5 metralhadoras e de artilharia 1 as peças indispensaveis a um resultado seguro. O ataque seria feito pelo largo de S. Roque, rua da Trindade e largo da Abegoaria. Com infantaria 5 cooperaria o regimento de engenharia, que se esperava sahisse do quartel sob o commando do tenente Alvaro Pope. O quartel de marinheiros seria invadido pelo 1.º tenente Parreira, acompanhado de alguns officiaes de marinha e d'um grupo de revolucionarios de Alcantara. O almirante Candido dos Reis iria com outros officiaes a bordo do D. Carlos e dos outros navios de guerra para, com a sua presença, a sua coragem e o prestigio do seu nome, dissipar quaesquer hesitações de momento.

Os barcos que tinham sahido de Lisboa, ao falhar a tentativa revolucionaria dos meiados de agosto – por effeito da denuncia que o chefe do gabinete regenerador recebera de determinado governador civil fundadamente alarmado com os preparativos de insurreição que surprehendera na capital do seu districto – voltaram ao fundeadouro no Tejo em meiados de setembro. Pouco depois, a marinhagem enviava ao Directorio e ao comité executivo de Lisboa delegados especiaes e declarava peremptoriamente que não tornava a sair a barra emquanto não fôsse proclamada a Republica ou se procurasse, pelo menos, tentar abalar o regimen monarchico. Essa resolução era inadiavel. O cabo Antonio, um marinheiro decidido e leal, chegou a dizer no Directorio a José Barbosa e Innocencio Camacho:

– Temos que sahir para a revolta custe o que custar. Perseguem-nos a bordo mais do que nunca e eu e os meus camaradas estamos resolvidos ao ultimo sacrificio, mesmo a um fuzilamento provavel. Não é possivel prolongar a situação…

CAPITULO XV
Fixa-se a data do movimento e approva-se o plano definitivo

Dias depois, começou a correr a noticia de que os navios de guerra iriam para Cascaes no começo de outubro e o almirante Candido dos Reis, conferenciando de novo com o Directorio e o comité militar, ponderou-lhes a urgencia na fixação d'uma data para a revolta. Por outro lado, o comité de resistencia, conferenciando egualmente com o Directorio, expôz-lhe claramente a situação e a impreterivel necessidade de a liquidar. O Directorio pensou, e muito bem, que, embora estivesse prompto a sanccionar a tentativa revolucionaria, precisava obter a garantia de que o movimento, a realisar-se, não se desenrolaria anarchicamente, mas sim com uma disciplina e uma ordem honrosas para a collectividade democratica. Combinou-se então confiar essa affirmação decisiva a um arbitro e o Directorio acceitou Candido dos Reis n'esse posto de enorme responsabilidade moral. É justo accentuar que tal exigencia do Directorio não representava desconfiança nos trabalhos do comité de resistencia. Em cada um dos membros d'essa organisação republicana, como em cada um dos membros do comité, havia a convicção inabalavel de que o movimento se iniciaria apesar de tudo e com probabilidades de exito. A mais rudimentar prudencia, porém, aconselhava que se averiguasse bem fundamente do estado dos elementos revolucionarios dispostos ao combate e que n'um balanço seguro de forças se baseasse a resolução definitiva do assumpto. N'outra reunião effectuada no Centro de S. Carlos, Candido dos Reis proferiu perante o Directorio a sua sentença arbitral.

– Individualmente, disse elle, eu, Candido dos Reis, simples soldado da Revolução, entendo que mesmo anarchicamente ella deve fazer-se dentro d'um curto praso. Não podemos admittir que a monarchia continue a achincalhar-nos. Como arbitro, affirmo que, embora o movimento seja mal succedido, não envergonhará, na derrota, o partido republicano.

Perante esta opinião, expressa energica e categoricamente, o Directorio decidiu sanccionar a tentativa, dar-lhe, digamos assim, um caracter official.

É interessante recordar que n'essa occasião em que o almirante Candido dos Reis manifestava a sua opinião technica ao Directorio do partido republicano, um dos organisadores do movimento fez-lhe ligeira observação sobre as probabilidades de triumpho. O almirante endireitou o busto e n'um tom de voz que não admitia replica exclamou:

– Se me julgasse incapaz de assumir o commando das forças de marinha e de as conduzir á victoria, dava um tiro na cabeça!..

Isto explica até certo ponto o mysterio da sua morte, na madrugada de 4 de outubro, á hora exactamente em que principiava a ferir-se o primeiro combate serio entre as forças revoltadas e os elementos militares de que a monarchia até então ainda dispunha. Mas, não antecipemos considerações sobre o fim tragico do almirante, visto que a elle teremos de fazer referencia áparte.

A 30 de setembro, estando já resolvida a tentativa de revolta, um dos membros do Directorio perguntou a Candido dos Reis qual a data que se devia escolher para o estalar da bomba. Resposta do almirante:

– Os acontecimentos é que hão de fixal-a.

Essa data, no emtanto, não podia ser outra senão a de 4 de outubro, pois que n'esse dia de manhã os barcos de guerra tinham ordem de mudar de fundeadouro. A madrugada de 4, isto é, momentos depois de terminado o banquete no paço de Belem, offerecido ao marechal Hermes da Fonseca, estava naturalmente indicada para o começo da insurreição. De resto, muito embora Candido dos Reis em 30 de setembro houvesse falado do caso pela fórma vaga que acima registamos, verdade é que, dois dias antes, no espirito do almirante já tinha perpassado a data de 4, apontando-a até n'uma reunião a que presidira no dia 28 d'aquelle mez. Essa reunião fôra convocada especialmente para o comité de resistencia ouvir do comité militar as indicações que, sobre a revolta, se lhe offerecesse apresentar.

No dia 1 de outubro, o engenheiro Antonio Maria da Silva e Machado Santos reuniram-se no café Martinho e o primeiro, depois de communicar a opinião de Candido dos Reis, de que o movimento se devia iniciar quanto antes, ficou incumbido de prevenir os officiaes de marinha revolucionarios para uma nova reunião de elementos militares no dia seguinte, ás 4 da tarde, em pleno Chiado, no consultorio do dr. Eusebio Leão. Era o dia 2, o dia marcado para a grandiosa manifestação que, diga-se de passagem, não serviu apenas ao presidente dos Estados Unidos do Brazil para avaliar com nitidez da expansão da idéa democratica entre nós e para desfazer a má impressão provocada, á sua chegada á capital, pelo rapto imaginado e posto em execução pelo governo regenerador, mas tambem para esclarecer os mais scepticos dos conspiradores sobre o estado d'alma do elemento civil. Os milhares de manifestantes que na tarde do dia 2 de outubro se agglomeraram em frente do paço de Belem e nas arterias proximas mostraram bem claramente aos organisadores do movimento que a Republica Portugueza era um facto e que a monarchia se equilibrava a custo n'uma base tradicional, roída pela propaganda da liberdade e pelos vicios inherentes ao antigo regimen.

Á reunião do Chiado compareceram uns quarenta officiaes. Entraram á formiga no consultorio do dr. Eusebio Leão, emquanto, cá fora, na rua, Innocencio Camacho, José Barbosa, Simões Raposo e outros revolucionarios civis vigiavam attentamente pela segurança dos conspiradores militares. Na reunião, os quarenta officiaes tomaram o compromisso solemne de se insurreccionar, estabeleceram a senha e o signal de reconhecimento, cuja transmissão aos chefes de grupos populares seria feita por Miguel Bombarda e depois de terem fixado definitivamente a madrugada de 4 de outubro para o começo da Revolução, assentaram tambem decisivamente no plano de combate, modificando n'alguns pontos o plano anterior, porque os militares não queriam fornecer armas aos civis, receando desmandos e vinganças pessoaes. Ficou por isso entendido o seguinte:

Engenharia, infantaria 5 e caçadores 5, sahindo dos seus quarteis, dirigir-se-hiam para o Rocio, mandando-se depois a infantaria atacar o quartel do Carmo, para obstar á sahida da municipal. Parte da marinha desembarcava no Terreiro do Paço, apoderando-se do telegrapho e apoiando as forças que deveriam estacionar no Rocio. Infantaria 2, caçadores 2 e marinheiros do quartel d'Alcantara e parte da marinha dos navios cercava o palacio das Necessidade para prender o rei. A artilharia dividia as suas forças em duas fracções. Uma ia reunir-se a caçadores 2, ao palacio das Necessidades e outra seguia para o largo de S. Roque, apoiando as forças do Rocio e impedindo a communicação da guarda municipal pela rua do Alecrim e praça Luiz de Camões. Os grupos civis, por sua vez, com bombas e granadas de mão impediam em diversas ruas da cidade que as forças da municipal evolucionassem para o ataque ás forças revoltadas.

A senha e o signal de reconhecimento eram Mandou-me procurar?.. Passe, cidadão. Candido dos Reis insistiu muito em que se adoptasse Mandou-me procurar? em vez de Mandou-me chamar? por ser menos crivel que um profano empregasse a primeira phrase de preferencia á segunda.

Ás 5 da tarde, Innocencio Camacho foi ao consultorio do dr. Eusebio Leão e, logo que a reunião terminou, cêrca das 6, fechou a porta do consultorio e seguiu para o Rocio a encontrar-se com José Barbosa afim de lhe dar conta do que os quarenta officiaes, em ultima analyse, haviam resolvido. Esqueceu-nos dizer que na mesma reunião se decidira que o quartel general do comité executivo de Lisboa e dos membros do Directorio seria installado no estabelecimento de banhos de S. Paulo.

O dia 3 de outubro, uma segunda feira, amanhece prodigamente beijado pelo sol. Todos os jornaes salientam a imponencia da manifestação da vespera e o povo republicano prepara-se para repetil-a d'ahi a vinte e quatro horas, quando o marechal Hermes da Fonseca, encaminhando-se para bordo do S. Paulo, fizer na Camara Municipal as suas despedidas á cidade de Lisboa. Projecta-se assim uma segunda parada das forças democraticas, tão brilhante como a do dia 2, tão enthusiastica, tão vibrante de commoção, tão anciosa de liberdade.

Antes do almoço, o marechal Hermes da Fonseca visita a Sociedade de Geographia. É no regresso do illustre brazileiro ao paço de Belem que a noticia tragica, a noticia sensacional, começa a circular primeiro nas redacções dos diarios vespertinos e depois nos cafés, nos ajuntamentos das ruas. «Um attentado contra o dr. Bombarda … um louco desfechou sobre elle tres tiros de pistola…» E a opinião alarma-se, a opinião agita-se, um fremito de espanto e de pavor convulsiona d'um extremo ao outro a capital, os jornaes são positivamente assaltados por creaturas desejosas de saber pormenores, e em frente dos placards agglomera-se uma massa rumorejante, que ao dispersar lamenta sincera e doridamente o succedido.

A caminho do hospital de S. José, para onde o ferido se fizera elle proprio transportar, vae longa fila de intimos e de correligionarios. Os primeiros que ouvem do dr. Bombarda a narração do attentado são, depois dos seus collegas no corpo docente da Escola Medica, os srs. drs. Brito Camacho e João de Menezes. O mallogrado professor fala-lhes sereno e tranquillo e descreve sem a menor difficuldade como o caso se deu. Estava no gabinete de consultas de Rilhafolles e o creado annunciou-lhe a visita d'um antigo pensionista do hospital, o tenente de estado maior Apparicio Rebello. Mandou-o entrar e assim que o teve em frente da sua secretaria, manifestou-lhe, n'uma phrase amavel, a sua surpreza por vêl-o restabelecido. O tenente não disse palavra. Tirou do bolso do casaco uma Browning – este systema de pistolas vulgarisou-se em Portugal com o 28 de janeiro e o regicidio – e alvejou o dr. Bombarda primeiro no peito e a seguir no ventre. O eminente psychiatra ergueu-se corajosamente da cadeira e ainda conseguiu deitar as mãos ao aggressor. Mas este continuou a desfechar e só quando um dos guardas de Rilhafolles o subjugou é que o dr. Bombarda poude dirigir-se á porta do hospital e metter-se no mesmo trem que ali conduzira o tenente, ordenando ao cocheiro que o levasse sem demora ao banco de S. José.

Examinado por tres dos seus collegas, resolve-se a soffrer uma operação dolorosa. É o ultimo recurso á sciencia, recurso, aliás, de successo problematico. Mas, antes, o dr. Bombarda tira do bolso uns papeis e queima cuidadosamente um d'elles. É a lista da organisação civil da revolta que não tarda a estalar, o registo das forças populares que dentro em pouco serão chamadas a collaborar na implantação da Republica. Ainda na vespera, ao concluir uma reunião de conspiradores, o grande propagandista liberal pedira esse papel ao sr. Simões Raposo, justificando o pedido d'este modo:

– Eu guardo-o, porque estou menos arriscado que você a ser preso. Mesmo no caso d'uma busca policial a Rilhafolles, escondo-o facilmente nas folhas d'um livro da minha bibliotheca.

E o sr. Simões Raposo concordara com o alvitre porque, tendo secretariado desde o começo dos trabalhos o comité de resistencia, conservara de memoria tudo o que o papel dizia e de um instante para o outro recompol-o-hia sem grande difficuldade. Mas, prosigamos na narrativa dos tragicos incidentes de 3…

Feito o singelo auto de fé, o sabio professor volta-se para os operadores e colloca-se á sua inteira disposição. O trabalho dos cirurgiões é demorado e extenuante. Dura longos minutos, porque os projecteis da Browning perfuraram violentamente os intestinos e ha o justo receio de uma peritonite fatal. Cá fóra, nas immediações do hospital e da Escola Medica, a multidão de curiosos engrossa a olhos vistos. Os placards augmentam de momento a momento a anciedade do publico com as informações sobre o estado do enfermo.

Ao cahir da tarde, não ha esperanças de o salvar. A opinião corrente é de que o criminoso foi suggestionado pelo clericalismo. O dr. Bombarda combatera desde annos distantes a reacção e o fanatismo e aventa-se a hypothese de que elle succumbe a um manejo cruel d'esses seus dois inimigos. A excitação popular é tão intensa que um padre, no Rocio, passa um mau bocado, só porque alguem lhe ouviu dizer a respeito do attentado:

– Foi bem feito!.. Não se perde nada.

No Chiado e na Avenida da Liberdade ha correrias da policia, tentando inutilmente abafar essa colera surda que estremece em ondas ameaçadoras. De grupo para grupo, faiscam exclamações de desespero. Pensa-se abertamente n'uma desforra retumbante. O povo liberal, que a essa hora ainda não sabe que um grupo de homens decididos resolveu fazer dentro de pouco a Revolução, prepara-se expontaneamente para qualquer coisa que o attentado decerto provocará. Os mais impulsivos gritam ás escancaras:

– Ah! os clericaes querem guerra!.. Pois tel-a-hão!

Ninguem duvida. O assassinio do dr. Bombarda vae ser o ponto de partida para uma lucta sem treguas entre liberaes e reaccionarios, tanto mais accesa quanto é certo que o governo regenerador anda a burlar a opinião, fingindo satisfazer-lhe as reclamações no tocante á expulsão dos congreganistas de Aldeia da Ponte e do Barro.

Ás seis e minutos, o eminente democrata exhala o ultimo suspiro. Mas, facto extranho: n'esse momento de verdadeira crise, quando se suppõe que a agitação popular vae assumir um caracter gravissimo, aquecida ao rubro pela noticia da morte, na atmosphera da cidade como que perpassa uma voz mysteriosa mas incisiva, recommendando socego e prudencia. Alguns jornaes republicanos recebem mesmo indicações n'esse sentido. Nada de placards que enfureçam o povo: nada de titulos berrantes que augmentem o alarme e a indignação. Calma, muita calma… energia, sim, mas sem furia. A Revolução está á porta. E, se o governo monarchico se assusta com a attitude hostil do povo… toma as suas medidas de precaução e embaraça, ainda que inconscientemente, a eclosão do movimento.

Entretanto, os organisadores da revolta escoam-se silenciosamente por entre a multidão, dando a ultima demão aos preparativos. Previnem-se amigos e companheiros do ideal, chamam-se urgentemente a Lisboa os conspiradores que dias antes se tinham ausentado da cidade, ha conciliabulos rapidos em diversos pontos, os chefes de grupo são convocados para o Centro de S. Carlos a receberem armas e instrucções. A esta reunião devia presidir o dr. Bombarda… O dr. Bombarda, estendido n'um leito de morte, é substituido pelo sr. Simões Raposo. O material revolucionario, que até então estivera quasi todo abrigado sob as vistas cautelosas do sr. Martins Cardoso, é canalisado para aquella aggremiação, a dois passos da policia e sem que a policia dê por isso. Os massos com revolveres entram, sem recato, sem precauções, no edificio… Nas salas do Centro allude-se ao movimento em tom tão claro e expressivo que um dos revolucionarios que estaciona no largo, em frente do theatro lyrico, galga apressadamente as escadas, a recommendar maior discreção:

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
25 haziran 2017
Hacim:
220 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain