Kitabı oku: «Tess», sayfa 3

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4. FAZENDO MÚSICA

A

s Valquírias se reuniam no apartamento de Tess em Nova York. Tess dedilhava o piano, experimentando alguns trechos de uma música que ela e as garotas iriam tocar no próximo mês. O perfeccionismo era uma das qualidades menos atraentes de Tess, visto que, na sua visão do mundo, coisas suficientemente bem feitas ainda estariam muito longe do minimamente aceitável. Ela ficava remoendo insistentemente os detalhes de cada nota de uma partitura e como deveria ser tocada. Ela orientara o grupo no desenvolvimento de suas habilidades a ponto de conseguirem tocar em pé de igualdade com músicos profissionais. Isso foi possível com a contratação de professores de música, trabalho duro, ensaios intermináveis, o progresso do grupo sendo impelido apenas pela determinação dela.

Carmen era a soprano do grupo, e estava estudando a partitura de Vocalise, uma breve porém sublime composição de Rachmaninoff. Claudine acabara de chegar de avião, vinda de Paris, e estava afinando seu violino junto com Yasmin, que tocava viola. Alice chegara da Nigéria, trazendo seu violoncelo. Galina Kutuzova, que tocava o segundo violino, estava atrasada. Finalmente, ela tocou a campainha, e Aara, a filha de Tess foi à porta recebê-la.

Galina era pau para toda obra, não haveria descrição melhor. Uma competente pilota vinda da Rússia, ela se envolvera com as atividades militares da equipe, porém sua função principal era a administração do banco de dados no departamento de informática da empresa. Ela chegou e se aproximou de suas colegas com uma pilha de tablets nas mãos, percebendo que elas pareciam um tanto ressabiadas com o seu atraso. Ao longo dos anos, todas haviam aderido ao fetiche de Tess por pontualidade.

Galina colocou a pilha numa mesa e voltou para a entrada, onde foi buscar seu violino na caixa. Colocou-o sobre sua cadeira, e postou-se diante das colegas. Trajando seu habitual agasalho esportivo, ela era alta, loira e confiante, parecendo o modelo ideal de uma atleta russa.

- Desculpem o atraso, mas precisei ir buscar essas coisinhas, preparadas para nós.

Claudine externou sua impaciência.

- Se ainda não percebeu, Galina, viemos aqui ensaiar, não jogar em computadores.

Galina ficou impassível com o comentário de Claudine.

- Quero lhes perguntar uma coisa. O que é que vocês menos gostam nas nossas apresentações?

Yasmin colocou a viola de lado.

- Pensei que todas nós gostássemos de tocar juntas.

- É verdade. - comentou Galina. – Mas vocês sempre reclamam do peso e do volume das partituras na nossa bagagem, quando tocamos numa série de cidades.

- Nisso, eu digo amém. – disparou Tess.

- Mas eu achei uma solução. – disse Galina. – Podem guardar as partituras, e ponham essas maravilhas nas suas estantes.

Assim que todas o fizeram, Galina disse para apertarem um botão que havia na borda de cada aparelho.

Tess, Carmen e Aara se aproximaram para ver o que era. Em cada uma das telas apareceu uma partitura, com as diversas partes do Quinteto para Piano e Quarteto de Cordas de Ernest Chausson, que o grupo iria tocar dali a algumas semanas.

- Que beleza! – comentou Carmen. - Cada uma de vocês tem a sua própria parte. Parece até a partitura de verdade, é do mesmo tamanho.

Claudine ficou interessada.

- E como se vira as páginas?

Galina tirou uns aparelhinhos de uma caixa.

- É fácil, meninas. Pedais sem fio. É só dar um toque com o pé, e a página vira.

Aara, a adolescente plugada logo percebeu o impacto do que via à sua frente.

- Isso é ótimo. Não vão ter mais de carregar aquelas partituras todas. Já estão armazenadas nos tablets.

- Exatamente. - comentou Galina. - Agora vocês podem acessar todas as partituras que quiserem no tablet. Estão livres da papelada.

Yasmin viu um problema.

- Mas eu gosto de fazer anotações nas minhas partituras.

Galina distribuiu pequenos bastões, parecidos com lápis.

- Essas canetas eletrônicas vão substituir os seus lápis. Podem até guardar várias versões anotadas da música com cores diferentes.

- Galina, isto aqui é excelente. - disse Tess. – Vamos usar as partituras em papel hoje, mas estou vendo que estes tablets vão nos ajudar muito na próxima vez.

Galina, que não conseguia conter o seu orgulho, resolveu ir além.

- Só para vocês saberem, agora podem baixar qualquer partitura que quiserem, pois incluí uma assinatura que oferece várias coleções acadêmicas com as partituras originais anotadas pelos compositores e mais edições de apresentações de outros instrumentistas. Isso poderá resolver a maioria das dúvidas de interpretação.

As mulheres aplaudiram Galina, que fez uma breve mesura.

Naquela noite, as Valquírias tiveram a oportunidade de tocar um concerto junto com uma orquestra de estudantes que, apesar do nome, eram excelentes. Tess empenhara-se muito orientando as mulheres para tocarem uma composição incomum de um compositor americano, Benjamin Lees, seu Concerto para Quarteto de Cordas e Orquestra. Não havia nada para Tess tocar no piano, porém no programa ela constava como a líder do grupo. Ele dedicara muito tempo ajudando as colegas a aprenderem a tocar aquela peça tão complicada, e estava ansiosa para poder se sentar na plateia e apreciar o concerto.

As quatro entraram no palco, todas vestidas com impressionantes vestidos de noite, emprestados por diversos costureiros. As Valquírias não eram só conhecidas por sua música, mas também pelo figurino. Os puristas desdenhavam essa prática, mas as plateias adoravam prever a moda das belas instrumentistas.

A orquestra começou a tocar. Depois de um moto perpétuo, o quarteto entrou em solo, com um breve tema desafiante. O violoncelo de Alice fez um breve solo, suave porém agitado. Passagens orquestrais em tutti repetiram o tema das cordas, desta vez com o rufar de tímpanos.

Tess escutava com atenção, contente ao ver que suas meninas haviam internalizado o espírito da música. O final da obra começava a se descortinar com uma fanfarra de metais seguida de breves notas do quarteto solista, e a música retomava o moto perpétuo inicial. A música levava a plateia numa onda de sons virtuosos, culminando com um acorde final fortíssimo.

Sentado num camarote, um homem muito bonito e elegante, de uns quarenta anos, e com uma barba cuidadosamente aparada, assistia a tudo com grande interesse. Era a terceira vez que ele comparecia a um concerto das Valquírias.

A plateia pediu bis, então as mulheres tocaram o Adágio para Cordas de Samuel Barber. Sua execução soberba e sensível daquela música sombria, porém sublime era a comprovação do grande progresso que elas haviam conseguido fazer. Também era a confirmação do esforço que Tess fizera para transformar as instrumentistas num grupo profissional. As Valquírias haviam evoluído muito desde o dia em que haviam começardo, dois anos atrás.

Agora eram brilhantes, compenetradas, tendo crescido muito em virtuosismo e popularidade, muitas vezes se apresentando com casa lotada. Poucos acreditariam que essas lindas mulheres, no seu trabalho cotidiano, eram guerreiras dedicadas a criar um mundo melhor.

5. O SACRIFÍCIO DOS INOCENTES

O

exército americano estava ajudando governos de países do norte e do oeste da África no combate a grupos extremistas. O apoio incluía inteligência militar, vigilância, reconhecimento e treinamento das forças de infantaria nigerianas.

Reconhecendo que a Nigéria não teria como comprar modernos caças a jato, cada um custando por volta de 70 milhões de dólares, os americanos sugeriram que comprassem doze Super Tucanos projetados no Brasil e fabricados nos EUA. Esses monomotores turboélice eram comparativamente baratos, fáceis de pilotar, ágeis e perfeitos para operações de ataque aéreo a bases terrestres do grupo extremista islâmico Boko Haram que, nos últimos sete anos, dizimara milhares de pessoas no nordeste da Nigéria e em países vizinhos, como Camarões, Chade e Níger.

Em passado recente, Tess e a equipe da SRD haviam feito a entrega de helicópteros de ataque ao exército nigeriano, e até participaram de uma operação militar onde ajudaram a resgatar 200 meninas sequestradas pelo Boko Haram.

Como subcontratados do exército americano, Tess, Jake, Nicola, Carmen, Yasmin, e Galina chegaram à Nigéria pela segunda vez, para fazer a entrega dos Super Tucanos, treinar os pilotos locais e lhes prestar apoio tático.

Ifeyinwa Idigbe Ukume, também conhecida como Alice, foi receber a equipe no aeroporto em Abuja, na Nigéria. Alice fazia parte de uma divisão da polícia nigeriana especializada no tráfico de pessoas, e já havia trabalhado com a equipe da SRD no combate à prostituição de nigerianas na Europa, que foi quando fez amizade com as Valquírias. Sempre que podia, adorava participar dos concertos, tocando violoncelo.

Enquanto dirigia a van, Alice contou as mudanças desde a última incursão da equipe naquele país.

- Nosso novo presidente está fazendo uma reforma nas forças armadas. Anteriormente, oficiais corruptos desviavam e embolsavam verbas destinadas à luta contra o Boko Haram. O ex-chefe do estado maior é um dos acusados. É claro que ele se declarou inocente de ter roubado dinheiro destinado à força aérea nigeriana. Na verdade, usou o dinheiro para comprar um palacete e um terreno comercial, onde construiu um shopping center.

- Acho que isso explica porque o exército nigeriano está tendo tanta dificuldade para combater os rebeldes. - comentou Jake.

Tess estava bem ciente dos problemas que o país enfrentava, mas não quis se meter em assuntos da política local.

No dia seguinte, Alice levou a equipe para conhecer o recém-promovido Brigadeiro General Somi Okafor, o comandante no teatro de operações. Ele fora colega de classe de Jake em Harvard, e ainda eram bons amigos. O general conhecia bem a capacidade da equipe, pois já havia lutado contra o Boko Haram junto com eles. Depois da troca de gentilezas, iniciou a reunião.

- Senhoras e senhores, sejam bem-vindos à Nigéria. Nas próximas duas semanas, vocês irão ensinar nossos pilotos a usar os Tucanos em voos de vigilância e ataque aéreo a bases terrestres. Cada avião estará equipado com uma metralhadora montada em cada asa, e levará quase uma tonelada e meia de armamentos. No ano passado, os exércitos africanos da região conseguiram expulsar os militantes de boa parte do seu autoproclamado califado no nordeste da Nigéria. Embora o esforço que lideramos tenha conseguido retomar um número expressivo de vilarejos que estavam sob o controle do Boko Haram, não tivemos tanto sucesso em manter a segurança, de modo que o inimigo andou atacando novamente os mesmos vilarejos que haviam sido reconquistados pelas forças do governo. O Boko Haram se reorganizou e intensificou os ataques na bacia do Lago Chade, ameaçando a segurança regional, apesar da força multinacional de 9 mil homens para contê-los.

Jake atualizou o grupo.

- Os militares americanos esperam que nós terminemos de fazer o treinamento de dois batalhões da infantaria nigeriana até o fim da semana. Os Estados Unidos também vão providenciar reconhecimento, vigilância e inteligência adicionais para ajudar na luta regional contra o Boko Haram.

- Não vai ser nada fácil. - concluiu o general. - E agora temos mais um problema. O Boko Haram está enviando mulheres-bomba e crianças-bomba para explodir mercados e outros alvos civis.

Ao sair, Jake murmurou:

- Desta vez, a parada vai ser dura.

A equipe passou as duas semanas seguintes treinando os pilotos nigerianos nos Super Tucanos. As mulheres se concentraram na pilotagem dos aviões; Jake e Nicola treinaram as equipes de terra em manutenção. A equipe explicou aos nigerianos que a sobrevivência dos tripulantes era assegurada pela blindagem do avião e recursos de vanguarda, como um Sistema de Alerta de Aproximação de Míssil e um Receptor de Alerta de Radar, além de dispensadores de autodefesa (chaff e flares). Além disso, os aviões contavam com recursos de comunicação e navegação como o PR de Informação de Posição e o ALE para Estabelecimento Automático de Link, que permitem a transmissão automática da posição da aeronave e dos dados de voo para as bases em terra. A aeronave também incorpora um Sistema Inercial de Navegação (INS/GPS) com Sistema de Posicionamento Global, e um Radar Altímetro.

No lado tático, a inteligência dos satélites americanos alertou o exército nigeriano de que o Boko Haram estava reunindo combatentes para um ataque ao centro administrativo do governo, na parte oeste do país.

O General Okafor reagiu, iniciando um contra-ataque com 500 soldados de Camarões e da Nigéria, com orientação de uma força tarefa multinacional no Chade. A Força Aérea nigeriana começou a enviar tropas para a área de combate, usando aviões de transporte militar Hércules, cedidos pelos Estados Unidos.

Tess, Carmen, Claudine distribuíram-se pelos Tucanos, instalando-se na cabine e decolando, sendo seguidas pelos aviões restantes, pilotados por nigerianos. Chegaram à área de operações antes das tropas de terra, e não demorou até localizarem a multidão de combatentes do Boko Haram, reunida para atacar a cidade. Tess, no comando do contingente aéreo, sobrevoou as unidades do inimigo para avaliar sua força. Ignorou os tiros disparados a esmo contra seu avião, e passou sua avaliação para o general pelo rádio. Ele ordenou um ataque aéreo para garantir o terreno para pousar os aviões de transporte. Tess deu as ordens aos pilotos.

- Claudine, Carmen, e Galina, vamos armar um ataque frontal na linha de frente do inimigo. Os outros aviões vão dar a volta e atacar o inimigo por trás. Queremos espremê-los entre nós. Vamos!

Os pilotos nigerianos deixaram a formação e fizeram um semicírculo em torno dos inimigos, ate se posicionarem atrás das forças hostis. Tess e a equipe haviam lhes ensinado que os novos aviões eram suficientemente lentos, então eles teriam tempo para alinhar suas armas e fazer boa pontaria.

Não precisou dizer muito a Carmen, Claudine, e Galina, que faziam tudo exatamente como ela. Lembrando-se de um incidente anterior na Nigéria, no qual Claudine quase perdera a vida, Tess pediu a ela que seguisse as regras.

- Claudine, tenho certeza de que não preciso lembrá-la da última vez em que estivemos neste canto do mundo, quando você perdeu o seu caça MiG e quase morreu, então comporte-se e siga o plano.

- Tess, às vezes você me enche o saco. Sabe muito bem que aquela porcaria de MiG chinês se desmanchou sozinho, então largue do meu pé.

- Vou largar, depois que voltarmos todas vivas.

- Você me enche o saco, Tess. Só estou aqui para sair da monotonia.

- Claudine, por favor, siga o plano. Ela estava convencida de que um dia a sorte de Claudine iria acabar.

Os aviões chegaram às suas posições e começaram a metralhar as tropas inimigas por todos os lados. As manobras se pareciam com um balé aéreo, os aviões sobrevoando os combatentes do Boko Haram com agilidade, enquanto despejavam saraivadas mortais. Logo o inimigo teve muitas baixas, e precisou parar sua marcha rumo à cidade-alvo. As rajadas de tiros haviam eliminado combatentes inimigos e levantado nuvens de poeira, assim encobrindo a aterrissagem dos grandes aviões de transporte e a descida das tropas do governo pelas rampas da fuselagem. Dentro de poucas horas, tudo havia terminado. A maioria dos combatentes inimigos estava morta ou ferida. Os sobreviventes se renderam.

Tess mandou os quatro aviões da sua equipe aterrissarem no entorno do campo de batalha, e as outras aeronaves retornarem à base. Um por um, os Tucanos pousaram e taxiaram sobre o gramado plano da savana africana.

Os soldados nigerianos haviam encurralado o inimigo derrotado em vários grupos. Logo se percebeu que muitos desses combatentes eram mulheres vestidas com trajes islâmicos. O General Okafor ordenou às tropas que separassem os homens das mulheres. Algumas das mulheres estavam ensanguentadas ou feridas, e se moviam como se estivessem drogadas. Os soldados nigerianos queriam revistar as mulheres em busca de armas escondidas, mas estavam relutantes em função do que poderia haver por baixo daqueles hijabs. Tess percebeu a hesitação dos soldados, e caminhou na direção das prisioneiras, com Alice a seu lado para servir como intérprete. Tentou não parecer ameaçadora, estendendo sua mão direita aberta, com o braço esticado.

- Não vamos machucar vocês. Ergam suas mãos acima da cabeça. Depois de revistarmos vocês para ver se têm armas, o pessoal vai cuidar de vocês. Vão ficar em segurança.

Alice traduziu a mensagem, e cinco das mulheres obedeceram e ergueram os braços. Todavia uma não se moveu. Parecia drogada, apática, num transe. Foi quando Tess percebeu que ela segurava na mão um pequeno aparelho com um botão sob o polegar.

- Ai, meu Deus, é uma mulher-bomba suicida!

Todos se afastaram da mulher. Tess e Alice ficaram paradas, percebendo o olhar apavorado da mulher, evitando qualquer movimento brusco que pudesse assustá-la. Carmen e Claudine sacaram suas pistolas e apontaram para a cabeça da mulher.

- Fiquem longe! - Tess advertiu as colegas. - Ponham suas armas de volta no coldre.

O General Okafor chegou ao local e ordenou que suas tropas apontassem os rifles para a jovem mulher. Tess percebeu o que acontecia, e fez um gesto para o general conter seus homens, que preparavam suas armas para atirar na mulher-bomba. Deu um passo cauteloso na direção da mulher, e percebeu que era apenas uma moça bem jovem, tremendo incontrolavelmente.

- Major Turner, esta batalha não é sua! – o general implorou. - Jogue-se no chão e meus homens irão executá-la.

- Não posso, general. Se a moça apertar o botão, Alice e eu não teremos chance de escapar.

Tess não estava exagerando. Já tivera experiência suficiente em combate para saber que uma explosão dessas mataria qualquer um que estivesse dentro do seu alcance. Ficar deitada no chão não iria adiantar.

Carmen começou a entrar em pânico. Vendo sua melhor amiga presa numa situação de vida ou morte, teve vontade de ir até lá para ficar a seu lado. Tess não conseguia acreditar.

- Carmen, que doideira está fazendo? Volte!

- É tarde demais para isso. Não vou deixar você e Alice nesta situação. Continue falando com a moça.

Tess sabia que Carmen era obstinada, e tão vulnerável quanto ela mesma. Deu mais um passo na direção da moça.

- Venha cá, moça. Solte essa coisa que tem na mão. Você é jovem demais para morrer. Aqueles homens não vão mais poder lhe fazer mal. Vamos levar você de volta para casa, para junto de sua família.

Alice traduziu.

A moça começou a tremer. Os soldados nigerianos ainda estavam com as armas apontadas para ela.

- General, mande seus homens baixarem as armas. Estão deixando a moça nervosa. Eu estou cuidando disso.

O general fez sinal para seus soldados baixarem as armas.

- Viu só? Não tem motivo para ter medo.

Com cuidado, Tess deu mais um passo à frente. Estava quase a ponto de tocar a moça.

Carmen sentiu náusea, e lutou para controlar seu estômago, impensadamente tendo posto em risco a si mesma e o bebê que carregava dentro de si. Colocou as mãos sobre a barriga e tentou conter as lágrimas. Tess deu-lhe um olhar rápido e percebeu o que acontecia.

Então abriu um largo sorriso e deu o último passo que faltava para chegar à garota, que parecia estar saindo de um transe. Tess não tinha certeza de se isso seria um bom sinal, e foi rápida em tirar o detonador da mão dela. A moça desmaiou em seus braços.

As tropas vieram correndo para arrancá-la do abraço de Tess.

- Deixem-na em paz! – gritou ela, mas não adiantou.

Os soldados agarraram a moça e a passaram para os especialistas em demolição, que removeram o cinturão de explosivos amarrado em seu corpo e a levaram embora.

Tess deu meia-volta e viu Carmen vomitando no chão. Ela e Claudine a colocaram num jipe.

- Vá com ela, Claudine. Nós nos veremos logo em seguida.

Então foi atrás do grupo de soldados que levava a moça suicida, e viu Alice dando conselhos a ela, confortando aquele farrapo humano.

- Ela me contou a história toda, Tess. O Boko Haram a sequestrou uns meses atrás, e ela passou uns tempos no inferno. Então eles a drogaram e amarraram um cinturão suicida nela. Contou que esta é a nova tática do Boko Haram. Pretendem soltar mais mulheres assim, porque acham que é mais difícil elas serem notadas. Era uma monstruosidade, até mesmo para os padrões deles.

O General Okafor se aproximou.

- É verdade Andamos recebendo vários relatórios de mulheres-bomba em diversos vilarejos. Essas meninas são vitimadas duas vezes. São capturadas, sofrem toda sorte de abuso, e então são forçadas a se matar, levando mais pessoas inocentes consigo.

Antes de retornar à base, Alice levou Tess a um campo em Yola, no nordeste da Nigéria, onde muitas das meninas sequestradas e resgatadas ficavam abrigadas. Infelizmente, nem tudo terminava bem, visto que muitas delas ainda tinham de enfrentar o estigma da “noiva libertada”.

Conversaram com uma jovem, chamada Zara, e seu tio. Ela tinha 17 anos quando o Boko Haram a sequestrou, junto com muitas outras. Como milhares de outras moças, livres ou ainda em cativeiro, ficara profundamente traumatizada. Alice pediu que ela contasse a sua experiência horrível um ano depois de ter sido libertada, e o sofrimento que ela continuava tendo de enfrentar.

- O Boko Haram nos deixava escolher: casar-se com um de seus combatentes ou ser escrava. Eu escolhi me casar. – contou Zara.

No final, a diferença era pequena, descontando a criança que ela daria à luz em breve. A vida no cativeiro era terrível e perigosa, porque os aviões da força aérea vinham regularmente bombardear a grande floresta de Sambisa, onde os militantes armavam seus acampamentos. Depois de alguns meses, foi salva por soldados nigerianos e devolvida à sua família.

- As mulheres lá em casa logo perceberam que ela estava grávida de três meses. – disse seu tio Mohamed, que continuou a história. - Somos uma família mista, alguns cristãos e outros muçulmanos. Antes de ser raptada, Zara era cristã, mas o Boko Haram a casou com um deles e a tornou muçulmana. A família ficou dividida entre o que fazer, e pensaram seriamente num aborto. No final, decidiram manter a gravidez, e Zara deu à luz um menino. Foi então que começaram os problemas, porque Zara foi banida da comunidade.

- As pessoas na minha vila me chamam de esposa do Boko Haram. Não querem que eu chegue perto. Não gostam de mim. – disse Zara enquanto uma lágrima rolava pelo seu rosto.

Ela precisava ficar dentro da pequena área murada em torno da sua casa, com medo de sair e ter de enfrentar os insultos cruéis das crianças do bairro, as mensagens de ódio que seus pais haviam lhes ensinavado.

- O pessoal da vila não gosta do meu filho. Quando ele ficou doente, ninguém quis me ajudar a cuidar dele. – ela contou.

- No último fim de semana fez muito calor. Zara foi dormir com o filho na área murada, uma cobra entrou lá e matou o menino. Ele tinha apenas nove meses de idade.

- Alguns dos familiares ficaram contentes por ele ter morrido, dizendo que foi a vontade de Deus. – prosseguiu Zara. - Ficaram contentes que o sangue do Boko Haram foi retirado da família, que Deus atendera suas preces.

O tio prosseguiu.

- Às vezes ela pensa em ir à escola para se tornar médica e ajudar as pessoas. Mas quando a insultam, ela fica brava e com vontade de voltar para a floresta. Sempre fala do marido dela no Boko Haram. Contou que ele era gentil, e queria que ela voltasse para ele. Esse tipo de conversa não era nada mais do que um sinal de desespero, porque a vida de Zara se tornara tão ruim, que às vezes ela tinha vontade de embarcar numa missão suicida.

- E ela vai fazer isso no dia em que lhe derem essa oportunidade. –concluiu.

Alice discordou.

- Há tanta confusão no rosto e nas respostas dela; não é uma assassina, é apenas uma criança.

Zara olhou para Alice com lágrimas nos olhos, e fez um comentário final.

- Muitas vezes tenho um desejo enorme de sumir na floresta, mas espero que com o tempo eu consiga esquecer o que o Boko Haram e o pessoal da minha vila fizeram comigo. Mas ainda é cedo para isso.

Triste, com raiva e confusa, ela se sentia abandonada pela família e estigmatizada pela sua comunidade.

Ao sair, Alice expressou sua preocupação.

- A comunidade é responsável por continuar abusando de meninas que não foram quem gerou essa situação. Se continuarem estigmatizando pessoas traumatizadas, podem estar criando algo que será muito, muito mais problemático no futuro do que o Boko Haram é hoje. Sem terem tido culpa nenhuma, essas vítimas não são bem recebidas de volta pela sociedade, e ninguém quer ajudá-las. Estou tentando fazer o governo ajudar as vítimas na sua reintegração, demonstrando preocupação e compreensão.

Tess saiu, abanando a cabeça. Entrou no carro de Alice e voltaram para a base. Na última vinda à Nigéria, depois da operação a equipe se recolheu no bar do hotel, e desta vez não foi diferente, à exceção de Tess pedir um uísque duplo com gelo. Tomou o segundo, até começar a acalmar seus nervos costumeiramente inabaláveis. Carmen havia parado de beber por causa do bebê, mas nesse dia resolveu abrir uma exceção. Até Alice tomou um copo de vinho. O trio havia superado o fato de terem passado tão perto da morte.

- Não sei o que houve com vocês, garotas. - começou Claudine, assim que as coisas se acalmaram. - Não sou avessa a se arriscar, mas desta vez vocês passaram dos limites.

- Não posso discordar de você, Claudine, - respondeu Tess – mas eu não poderia aceitar a ideia de uma menina da idade da Aara se explodindo. Então ela encarou Carmen, que estava pálida.

- Carmen, se você fizer isso de novo, vou lhe dar uma surra.

Ainda tentando controlar o enjoo, Carmen fingiu um sorriso.

- Não me venha com lorotas, Tess. Você sabe que acreditamos nos quatro mosqueteiros, tipo “um por todos, todos por um”.

- Daqui para a frente, você está de castigo. Aposto que o Nicola vai concordar comigo. Tenho certeza de que ele quer ver o filho dele nascer.

- O nome dele é Luca. – disse Carmen casualmente.

- É um menino? Por que esperou tanto para me contar?

- Sei guardar segredos. Nem o pai dele ainda sabe.

Antes que Tess pudesse dizer qualquer coisa, Alice disse que tinha uma notícia. Iria se casar com o General Okafor.

- Isso é ótimo, Alice. Você sempre dizia que não queria se casar. O que a fez mudar de ideia?

- Somi é um homem moderno, bem educado. Eu o respeito e tivemos a mesma ideia sobre como levaríamos a nossa vida de casados.

Claudine ficou perplexa.

- E que método é preciso para isso?

- Vou manter a minha independência, continuar tocando música junto com as Valquírias. O Somi e eu vamos ficar em pé de igualdade, e eu não vou aceitar ordens sobre o que devo fazer.

- Fico surpresa com o general ter aceito isso. – comentou Tess. - Pelo andar da carruagem, ele está prestes a se tornar um homem muito importante no governo, e vai precisar de uma esposa bela e submissa para conduzir pelo braço.

- Não vou ser submissa, mas vou apoiá-lo se ele me apoiar da mesma forma. Não acho que vamos ter qualquer problema, nós nos amamos.

Galina ergueu a mão.

- Este casamento eu não perco!

- Nem eu! – concordaram Tess, Carmen e Claudine.

Todas se abraçaram e começaram a discutir os detalhes do casamento.

Jake e Nicola entraram no bar, com cara de cansaço de quem passara o tempo mexendo com motores. Seus rostos tinham borrões de fuligem, e os macacões pareciam ter levado um banho de óleo.

- Lá vêm os mecânicos! – disse Carmen. - Não resistiram à tentação de meter a mão na graxa?

- Estávamos ensinando ao pessoal daqui o modo correto de consertar os aviões. Tivemos de dar uma incrementada num dos motores. É praticamente certeza que o pessoal local consegue assumir isso daqui por diante. Mais à frente, vou voltar para a Nigéria, ver como estão se saindo.

Tess ergueu o copo.

- Um brinde aos homens lambuzados de óleo. Agora já podemos voltar para casa.

- Nós precisamos de uma cerveja bem gelada. – disse Jake.

Enquanto a equipe conversava sobre suas aventuras, Jake pegou Tess pela mão e a levou a um canto mais discreto do bar.

- Tess, contaram-me o que aconteceu. Não acredito que você arriscou a sua vida e a das suas amigas para desarmar uma mulher-bomba suicida. O que lhe passou pela cabeça?

- A menina estava drogada e apavorada, então eu me arrisquei, e consegui convencê-la a não detonar os explosivos que estavam amarrados ao seu corpo.

- Tess, deve ter percebido que a chance de isso dar certo era mínima, e mesmo assim entrou com tudo. Em que universo disseram que você é indestrutível? Não percebeu que estava pondo em risco as vidas de Carmen e Alice? E iria querer que Aara e eu enterrássemos o que restasse de você? Você foi valente, porém irresponsável. Às vezes eu gostaria que pensasse um pouco, antes de cometer loucuras.

- Jake, você está fazendo tempestade num copo d’água. Eu precisava fazer alguma coisa, e no fim deu tudo certo, então me dê uma folga.

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