Kitabı oku: «O Regicida», sayfa 12

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Nota 7.ª

Remechendo com infatigavel curiosidade o archivo das memorias que ha vinte annos vamos collegindo ácêrca de filhas de bispos e outros coitos damnados, encontramos um apontamento que dillucida a obscuridade do manuscripto, e nos declara a ascendencia da menina regeitada por Domingos Leite Pereira. É o seguinte caso, salva melhor interpretação:

O infante D. Fernando, pai de el-rei D. Manuel, teve uma filha bastarda que se chamou Leonor. A rainha D. Leonor, mulher de D. João II, e meia irmã d'aquella menina, levou-a para o paço, e educou-a com esmero e carinho de irmã. Sahiu a dama muito namoradeira e desatinada, com immenso dissabor da rainha, que a reprehendeu repetidas vezes inutilmente. Até que um dia, estando a côrte em Santarem, a irmã colheu a bastarda de sobresalto galanteando da janella para a rua um cavalleiro que deu de esporas ao presentir a rainha. Travou-se altercação rija entre as duas Leonores, rompendo a bastarda no excesso de reguingar que havia de casar-se com quem muito lhe quadrasse. «Isso não!—replicou a mulher de D. João II—hasde casar com quem eu muito bem quizer; e hade ser com o primeiro homem que passar na rua, se fôr solteiro.» N'este lance, apontou na extrema da rua um homem ordinario, de nome Alvaro Fernandes, correeiro de officio. Chamou-o a rainha, deu-lhe um dote, e ordenou ao capellão que os cazasse. Tiveram filhos. O padre Jeronymo Fernandes, de Santarem, era bisneto da tal casquilha, filha do infante D. Fernando, e irmã d'el-rei D. Manuel e tambem por tanto bisneto do tal Fernandes correeiro. O padre allegou e provou a Filippe II que era terceiro neto do infante D. Fernando, e obteve a mitra do Funchal. Este devia ser avô da noiva regeitada.

Nota 8.ª

A rua dos Tanoeiros ou Tanoaria principiava ao pé do Paço da Côrte Real, e seguia até ao Arco do Ouro junto ao Terreiro do Paço. N'esta rua se arruavam os tanoeiros em 1318, em numero de quinze. Quanto ao Sancto Antonio de frei Bartholomeu dos Martyres, sabe-se o seguinte para explicar o texto: em casa humilde nasceu n'esta rua o veneravel arcebispo de Braga frei Bartholomeu dos Martyres; e na fachada da casa onde nasceu, ainda antes de 1755 havia um nicho com a imagem de Santo Antonio que o arcebispo, quando estudantinho, fizera com um canivete. Este Santo Antonio era festejado todos os annos á custa dos devotos da rua, e conservou sempre lampadario acceso, de noite e dia, porque toda a freguezia dos Martyres se apegava com o milagroso Sancto nas suas necessidades.

Nota 9.ª

É notavel este facto omittido pelos historiadores, esquecido na tradição, e consignado nas Memoriascolligidas por Diogo de Paiva de Andrade. «D. Rodrigo da Camara, terceiro conde de Villa Franca, foi preso por culpas de sedomia na inquisição de Lisboa, sendo inquisidor geral o bispo da Guarda D. Francisco de Castro. Não faltou quem dissesse que a soberba de um ministro d'aquelle tribunal o culpára ao conde sem causa; porque tratando o conde de amores uma parenta do dito ministro, este o avisára que cazasse com ella; e, tendo em resposta que só para amiga lhe podia servir, lhe castigára o dito com um testemunho. Houve votos de que sahisse publicamente na procissão do Auto da fé; porém, o principe D. Theodosio embaraçou isto dizendo a D. Francisco de Castro que, se não mudasse de proposito, deitaria fogo á Inquisição; do que, sentido o bispo, se travaram de razões, e estas se atearam por maneira que o principe lhe deu de bofetadas. O certo é que o conde não veiu a publico, e sahiu em acto particular na sala da Inquisição. Disse-se que o principe era muito avesso ás baixas manhas do inquisidor, e não aprovava que el-rei seu pae honrasse com a prelazia o denunciador dos máus portuguezes que padeceram em 1641.»

D'este principe D. Theodosio que dava bofetadas no Inquisidor-geral formou o nosso amigo Pinheiro Chagas, na sua valiosissima Historia de Portugal (tomo VI, pagina 110) conceito muito mais ameno, quando escreveu: «mancebo ascetico, melancolico e fanatico… dirigindo os seus estudos em sentido mystico, etc.». Se Diogo de Paiva não desfazia no genio pacifico do primogenito de D. João IV, a cara do inquisidor-geral, bispo da Guarda, protesta contra o ascetico fanatismo do principe; e já o arcebispo de Lisboa protestaria tambem quando o futuro rei lhe fez chacota da magreza, dizendo-lhe que só um embalsamado podia trazer-lhe a noticia de que elle seria principe do outro mundo, referindo-se ao Brazil. Era mais calemburistaque asceta o irmão de Affonso VI, quer-nos parecer.

Nota 10.ª

O palacio dos duques de Aveiro que tambem foram depois marquezes de Gouveia, foi mandado em 1758 arrazar em Belem, em seguimento ao supplicio de D. José Mascarenhas. O marquez D. Manrique da Silva, cujo secretario foi Domingos Leite, era quarto avô do ultimo duque de Aveiro, e habitou o palacio de Pedroiços, no local onde ainda hoje se vê afogado em cazinholas um padrão commemorativo do delicto.

Nota 11.ª

«D. Maria de Castello Branco, filha de D. João de Castello Branco, alcaide-mór da villa de seu appellido, cazou com Fernão Cabral, alcaide-mór de Belmonte. Apaixonou-se esta dama por um clerigo com tanta loucura, que trocou em odio o amor conjugal, e persuadiu o dito clerigo que lhe matasse o marido. Descobriu-se o crime e a aleivosia, e por elle foi sentenciada a morrer morte natural por justiça sem lhe valer a grandeza do nascimento, nem a valia de seus muitos e illustres parentes». Memorias de Diogo de Paiva de Andrade.

Não marca Diogo de Paiva o tempo d'este successo; mas conjecturamol-o no meado do seculo XV, reinando D. João II. Este Fernão Cabral, que levou a mulher ao patibulo, era quinto neto de Alvaro Gil Cabral, que el-rei D. João I fizera alcaide-mór de Azurara. Computando o lapso das gerações poderão os curiosos, favorecidos por algum linhagista menos indulgente, determinar a época da tragedia. D. Maria era neta do almirante Nuno Vaz Castello Branco, e bisneta por sua avó paterna de Micer Antão Peçanha, almirante, que viveu no começo do reinado de D. Affonso V. De um dos filhos d'esta senhora decapitada procedeu Pedro Alvares Cabral, o descobridor do Brazil.

Nota 12.ª

Estas miudesas do meu M. S.são corroboradas com a seguinte noticia extractada das Memorias de Diogo de Paiva de Andrade: «Vicencia Correia, chamada depois Dona Vicencia, foi filha de uma grande alcayota e bebeda, chamada Barbara, que morou na rua dos Cabides em Lisboa, reinando el-rei D. Sebastião, e tão perita no seu officio que o exercitava com destreza esquisita. Os seus primeiros annos passou bem divertida por industria da mãe e habilidade propria, e vivendo de mancebia com um fulano Cunha, teve d'elle um filho chamado Roque, e d'outro fulano Pereira teve uma filha chamada Marianna. Mudou depois de amorios com Francisco Leitão, com o qual casou; e este fazia tanta estimação da sogra, da mulher e da enteada, que todos viviam junctos, comiam á mesma mesa; e morrendo a enteada, que quiz casar com o porteiro que então era do Juizo de India e Mina e elle não quiz, tomou lucto publico. Servia n'este tempo Francisco Leitão de Juiz de India e Mina. Foi depois (por valias, e não por merecimentos, por ser homem de poucas lettras, falto de honra e atraiçoado) fidalgo da casa real, cavalleiro da Ordem de Christo, desembargador do Paço, do conselho de Portugal em Madrid, e lá teve grandes estimações, e a mulher, que era visitada dos grandes e senhores da corte. E da mesma sorte o foi n'este reino, onde o nosso D. Rodrigo da Cunha, arcebispo de Lisboa, bem conhecido pela sua litteratura, visitava D. Vicencia, e a presenteava.»

Acho noticia d'este marido de D. Vicencia em um dos papeis que appareceram em Madrid, por 1637, assignados pelo Manuelinho de Evora, que symbolisava o espirito revolucionario de Portugal. Como peça desconhecida, extrahimos o mais curioso d'ella. É uma satyra intitulada Quadras que se mandaram a Sua Magestade para uma sala de bom retiro. Figuram Philippe IV, as damas da corte, Diogo Soares, Miguel de Vasconcellos, Francisco Leitão,15 o conde do Prado e Thomaz Dibio, o marquez de la Puebla, D. Jorge Mascarenhas, D. Antonio de Athaide, Mathias de Albuquerque e o conde da Vidigueira. Aqui se deparam ao leitor alguns nomes e appellidos que, rodados poucos annos, realçam em Portugal pela sua dedicação.

Diogo Soares tem um livro na mão com esta lettra:

 
Este livro ensina os modos
De roubar os povos todos.
 

Miguel de Vasconcellos revê-se em uma taça de vinho com esta lettra:

 
Nos bofes fel e vergonha;
E em ser ladrão atrevido
Sahi a meu pai cuspido.
 

Vai Francisco Leitão com esta lettra:

 
Nasci de quem nasci,
Cazei com quem cazei,
E o prazo renovei
 

E á margem: Filius meretricis.

Vae o conde do Prado e diz este mote:

 
A missa ouço em S. Roque,
Beijo o chão antes que acabe,
A tenção só Deus a sabe.
 

Thomaz Dibio glosa-lhe o mote:

 
As palavras são de um sancto;
Mas as obras joeiradas
São malicias refinadas.
 

O marquez de la Puebla é pintado a espreitar por uma porta com este mote:

 
Desterrado y ocioso,
Miro solo la destresa
Con que hurta su Altesa.
 

E diz D. Jorge de Mascarenhas:

 
Com capa de zelo vosso
Muito dinheiro ajuntei,
Sem elle e sem vós fiquei
 

Mathias de Albuquerque, Jorge de Athaide, e o conde da Vidigueira, em camisa com uma vela na mão, tem esta lettra de D. Antonio:

 
Mentir, calar, e fingir
Verbos de que tenho usado
Me pozeram n'este estado.
 

O mote de Mathias de Albuquerque diz:

 
Sem tiro e golpe de espada
A Pernambuco larguei,
São e rico me fiquei.
 

Mote do conde da Vidigueira:

 
Estes como eu fugiram,
E escaparam por taes modos,
Que eu vim a pagar por todos.
 

Diz o bispo do Porto:

 
Sou de geração humilde;
Mas mui sagaz e astuto
Com duas pedras de p…
 

Tem ementa á margem da trova, cuja ultima palavra é um calemburgo que finge estar no tempo presente, modo indicativo do verbo deputar. Diz a glossa: Este bispo, n'este anno, fez tudo aquillo que quiz, pondo e dispondo á sua vontade.

Em livro mais de molde a demoradas exhumações historicas, darei ao leitor curiosa e ampliada noticia d'este prelado, definido pelo Manuelinho de Evora.

A nota, que já se vae delongando, não é despecienda como amostra do genero tão fallado como desconhecido que usaram os fermentadores da restauração, a despeito da espionagem que rastreava os audacissimos secretarios do Manuelinho.

Nota 18.ª

Provavelmente, n'este anno de 1647, já Philippe IV e os seus ministros conheciam o timido animo do rei de Portugal, que mais covardemente se manifestou em 1650, depois da paz de Westphalia. N'este anno, pois, encarregou D. João IV o padre Antonio Vieira de negociar desde Roma o casamento do principe D. Theodosio com a infanta de Hespanha, dando esse enlace como caução unica e segura á fuzão iberica; por quanto, não tendo Philippe IV filho varão, áquelle tempo, succediam no throno de Portugal o principe portuguez e a princeza hespanhola; acontecendo, porém, a superveniencia de filho varão, reinariam em distinctos reinos, com alliança offensiva e defensiva. Além d'isso, dado que o rei de Hespanha teimasse em negar a legitimidade de D. João IV, este abdicaria no filho e na infanta. O padre Vieira tractou o negocio com os jesuitas castelhanos, em Roma, resalvando que Lisboa se constituisse a capital dos dois reinos fundidos em uma monarchia grandiosa. A proposta abjecta foi desprezada em Madrid. D. João IV, dando assim o pulso ao exame do poderoso inimigo, revelava quão depauperado lhe girava o sangue nas veias. E pelo que respeita ao jesuita medianeiro de tamanha protervia, teve de fugir de Roma onde o espiavam os sicarios do embaixador hespanhol. Judiciosamente escreve o sr. Manuel Pinheiro Chagas, relatando os pormenores d'este vilipendio: «Lembraremos ao leitor que n'isto se prova que se, depois da restauração de Portugal, houve algum traidor que, por interesses pessoaes ou de familia, projectasse vender á Hespanha a independencia da patria, esse traidor foi… D. João IV.» Historia de Portugal, tomo 6, pagina 106 e seguintes.

Nota 19.ª

Narra fr. Claudio da Conceição, nomeando os filhos de D. João IV: «Teve fóra do matrimonio a senhora D. Maria, nascida a 31 de abril de 1644, de uma senhora limpa de sangue, que entrando depois no convento de Chellas professou a vida religiosa. Educada em casa do secretario de Estado Antonio de Cavide, entrou a 25 de março de 1650 no Mosteiro de Sancta Thereza de Jesus, das Carmelitas Descalças de Carnide, por ordem de el-rei seu pae a receber as instrucções da Madre Michaella Margarida de Sancta Anna, filha do imperador Mathias, e parenta do mesmo senhor rei D. João IV,16 fundadora do dito mosteiro de Carnide em 1612, sendo vinte e dois annos successivos priora. Estimou el-rei muito esta filha, o que assás prova a seguinte carta que lhe escreveu antes de morrer: «Minha filha, foi Deus servido que a primeira vez que tendes carta minha, seja despedindo-me de vós, dando-vos a minha benção acompanhada de Deus que fique comvosco, e lembrai-vos sempre de mim como eu o fio de vós. Escripta em Lisboa a 4 de novembro de 1656. Vosso pai, que fica com grande sentimento de vos não vêr.» (Traslada os legados do rei á filha; segue uma carta de D. Pedro, regente, á irmã; e prosegue na edificante biographia da virtuosa senhora). «A rainha D. Maria Francisca a foi visitar a Carnide, e lhe fez grandes honras merendando no seu apozento. A côrte lhe dava o tratamento de Alteza. Viveu sempre n'este mosteiro em habito de religiosa, ainda que era de materia mais fina. Propondo-se-lhe para esposo o duque de Cadaval com approvação regia, respondeu: que não sahiria da clausura senão em postas a tomar outro esposo, pois que já o tinha ha muito tempo»… Depois d'outros lanços assim piedosos, remata fr. Claudio: «Falleceu recebendo todos os sacramentos com summa edificação a 7 de fevereiro de 1693 quando contava quarenta e nove annos de edade» Gabinete Historico, Tomo IV, pag. 214 e seg.Da mãe de D. Maria não houve frade nem chronista que sequer nos contasse como lá se foi derretendo em lagrimas a vida da freira que o rei dera como esposa a Jesus, depois de se enfastiar d'ella como barregan.

Nota 20.ª

«O sr. rei D. João IV… vendo um dia meu pai que tinha a honra de ser seu trinchante mor com um Porpoint guarnecido com uma rendilha de prata, lhe disse: vindes mui bizarro D. Antonio!; mas nunca fui tão rico que podesse ter outro similhante. E assim era, porque sempre se vestiu de estamenha… E mandou que nenhum (vassallo) viesse ao Paço com os seus cabellos, por que elle os não conservava, e todos se tosquiaram». Carta de Luiz da Cunha ao Principe D. José.

Nota 21.ª

Esta allusão epigrammatica do christão novo requer illucidação necessaria aos leitores descuriosos de genealogias. No reinado d'el-rei D. Manoel veio a Portugal um rico mercador genovez, chamado João Francisco de Lafeta ou Lafetá. De amores com uma fidalga de nome Guiomar Freire, teve um filho illegitimo, e tambem teve uma cutilada legitima na cara, com que o brindou um parente da senhora namorada, e teve ainda outro filho de uma Judia fanqueira de Setubal, chamada Branca de Castro. É indeciso nos linhagistas se o successor de João Francisco era filho da fidalga, se da judia. É certo que o seu successor Agostinho de Lafeta administrou o vinculo que seu pai instituira, foi trinchante de el-rei D. João III, e casou com D. Maria de Tavora, filha de Ruy Lourenço de Tavora. Deste matrimonio nasceram dois filhos: João e Cosme. O primeiro casou com D. Antonia de Mello filha de Ruy Gomes de Azevedo, alcaide mor de Alemquer; o segundo casou na India com a filha de um advogado que lá chamavam por alcunha o conde da barba rapada. Os filhos d'este assignaram-se Tavoras, e os do segundo Lafetas. Emquanto o pae, cazando segunda vez com uma filha de Manuel de Mello, eivava de judaismo e melhor sangue ostrogodo, um filho de João Lafeta cazava com D. Maria de Vilhena, filha de Henriques Jacques de Magalhães, e D. Violante de Vilhena. D'este consorcio, procederam Christovão de Lafeta, que casou com sua prima D. Brites da Silva, filha do primeiro visconde de Fonte Arcada, e D. Violante de Vilhena que casou com Gonçalo Garcez Palha. D'estas ultimas allianças por diante, o appellido Lafeta é absorvido nos mais illustres das raças historicas, por modo que, no dizer de um genealogico de inexoravel critica, apenas haverá em Portugal trez familias tradicionaes que não estejam inquinadas do judaismo dos Lafetas genovezes, e da Branca de Castro, fanqueira de Setubal. Que lhes preste.

Nota 22.ª

«Bem poderia referir outras muitas precauções que este principe (D. João IV) tomava para não ser enganado pelos seus ministros; e comtudo, conhecendo elle a innocencia de Francisco de Lucena, seu secretario de estado, o deixou condemnar á morte, porque os fidalgos o fizeram passar por traidor, não podendo soffrer que elle lhe aconselhasse que lhes não devia alguma obrigação em lhe porem a côroa na cabeça, pois lhe era devida, afim de que se não julgassem credores de grandes recompensas. Os descendentes d'este ministro justificaram depois de muitos annos a sua innocencia, e sua magestade lhes veiu a restituir as honras e os bens, em que eu tive alguma parte estando em Madrid.» Carta de D. Luiz da Cunha ao Principe D. José.Esta carta muito notavel e pouco lida, publicou-a Antonio Lourenço Caminha em 1821, sob o titulo: Obras ineditas do grande exemplar da sciencia do estado D. Luiz da Cunha, etc.Observa avisadamente o erudito sr. Innocencio Francisco da Silva que escaparam na edição numerosissimos erros que ás vezes transtornam o sentido e intelligencia dos periodos. É exactissima a censura. Possuo a mesma carta manuscripta, trasladada pelo academico Foyos, e que envergonha as incurias do editor da impressa.

O que raras pessoas terão visto sem lhe saberem a procedencia, é a peça explicativa do odio dos fidalgos, que acclamaram D. João IV, ao secretario de estado Francisco de Lucena. Encontrei-a entre os manuscriptos ineditos do chantre Manuel Severim de Faria (1583-1655). Intitula-se: Carta de parabens, advertencias, avisos e conselhos que se suppõem e figura escrever do outro mundo o duque de Bragança D. Theodosio a seu filho o sr. D. João o Quarto, logo depois que pela lealdade da patria foi acclamado legitimo Senhor e Rey de Portugal. É attribuida a Francisco de Lucena, e escripta em 1641. Trasladamos os conselhos do pae ao filho, ou antes do ministro ao principe: «…Resta que vos façaes tambem temer e respeitar dos maiores fidalgos, que, como vos viram nascer vassallo, e elles, por portuguezes, são invejosos e soberbos, mais com rigor e medo se sujeitam que com amor e brandura; e assim a vossa affabilidade com que os trataes, a vossa facilidade com que os admittis e ouvis, a confiança com que de ordinario comeis perante elles, o trage inferior de que, por dardes exemplo, vos vestis, tudo isto os faz a elles peores, mais ousados, menos comedidos. Filho, não é ainda tempo d'isto; virá ao diante, em que isto se vos estimará muito. Agora, o que n'este particular fazeis, tão fóra está de se vos gabar e estimar, que antes lhes serve de o motejarem uns com outros, attribuindo tudo a faltas naturaes, e que são avisos divinos, ao diante lhe virão assim a parecer.

«Até agora, filho, lidastes com vassallos que sempre foram vossos; agora lidaes com os que ha só dois mezes que o são. Não vos hajais com elles como se sempre o foram, comei raras vezes em publico para que se estime quando o fizerdes. Ouvi a todos que quizerem requerer deante de vós; mas não converseis com nenhum, para que, quando n'esta materia lhes fizerdes algum favor, o tenham por mercê.

«Olhai, Filho, que, como muitos d'esses fidalgos riram e folgaram comvosco sendo duque, com pouco azo que lhes deis, vos perderão o respeito devido como a Rey; e, se assim fôr, dai-vos por acabado, porque a principal guarda das coroas e sceptros é o respeito… A este fim vos digo que n'estes principios não soffrais nem dissimuleis aos fidalgos mais poderosos serem desmandados contra a vossa real pessoa, e contra a lealdade que vos devem: lembre-vos que o dissimular estes crimes é dar ousadia a maiores.

«Para os enfreardes ponde ferro em fogo em quem o merecer, e com o castigo de dois se emendarão os mais, e com o dissimulardes com elles todos se acabarão de damnar, porque os mais não vos hão de guardar e defender; e mais certo é que vos hão de vender e trahir, e, se poderem, matar».

Assim predispunha o secretario das mercês o animo do rei contra os conjurados de 1641; e relevantemente se mostrou serviçal, collaborando com o carrasco, pois que emprestou para a degollação dos fidalgos o cutello que trouxera de Madrid, por haver sido com elle decapitado D. Rodrigo Calderon.

15.Não se confunda com Francisco de Andrade Leitão desembargador do Paço, que fez o discurso da acclamação de D. João IV.
16.Este imperador da Allemanha havia morrido em 1619, depois de ter abdicado em seu primo Fernando, quando o imperio era dilacerado pelos turcos e pela revolta dos bohemios. Presumimos que a freira de Carnide fosse filha illegitima do imperador, porque, á mingua de legitimos, abdicára no primo.