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Kitabı oku: «Mundanismos», sayfa 3

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OS DOIS ESPELHOS

Depois de mandar retirar-se a criada, VIOLANTE foi, pé ante pé, fechar a porta do salão de jantar que deitava para a copa, e veiu sentar-se junto do esposo com um olhar esbrazeado e as mãos profundamente geladas.

SIMEÃO, o esposo, estava transfigurado: um tremor esquivo no canto dos labios e o retorcer teimoso dos bigodes, illuminavam-lhe as feições com um clarão colerico.

Ao depois de sentada ao seu flanco, impulsionando para traz a cadeirinha de balanços, VIOLANTE provocou-o…

– Faze a tua scena.

– E não é sem tempo.

– Porque te deixaste enganar se sabias de ha muito e se não é sem tempo?

– Facilidades.

– Os grandes generaes perdem sempre as batalhas porque facilitam. E o homem cazado não tem direito a facilidades.

– Bem o sei… Quando penso no erro do meu casamento, soffro mais do que Orestes no remorso do seu crime lembrado sempre pelas erynias. Uma existencia inteira para passar escravisado aos laços de uma união infeliz!.. Maldita hora!

– Ah!.. ah!.. ah!.. ah!..

– Sorris…

– E então? Hei de chorar para te sentires bem na oppressão que me fazes?

– A minha vida depois que me senti enganado…

– Não tem sido menos nem mais infernal do que a minha depois que conheci o teu adulterio…

– Insultas-me ainda em cima, Violante?

– Não te insulto. Repillo as tuas aggressões, termo por termo. O que eu digo é que o mesmo direito que tem o homem de trazer o corpo escarolado e perfumoso para agradar às amantes, tem a mulher de…

– Não dize, Violante, a indignidade!

– Porque não dizer as cousas como ellas devem ser? Só depois que senti a tua ausencia do lar…

– E confessas o delicto?!..

– … só depois que conheci a tua amante…

– Mentes, mulher!

– … só depois que fui ver onde entras, todas as manhans, quando daqui sais…

– É horrivel, Violante!

– … só depois de ver-te partir de là e a tua concubina despedir-se de ti com um olhar de escandalo e tu com gestos de lastimavel escravidão…

– Tu viste?

– Sim… só depois de ter a certeza de possuires uma amante…

– Poupa, Violante, essa phrase…

– … rendi-me voluntariosamente a um dos muitos homens que me faziam a côrte, sabendo-me uma mulher, infeliz como outras muitas, esquecida no lar pelo marido libertino…

– É demais!

– Porque tu o quizeste. Abandonaste a tua caza. Dias inteiros passei num isolamento de aborrecer. Entretanto, fôra diverso o teu proceder nos primeiros tempos de nosso casamento. Quando sahias, mal eu te pensava na rua, mal eu começava a sentir a tua ausencia, estavas de volta. Fui-me habituando a essa constancia ficticia. No dia em que te retardaste, pela primeira vez, chorei e nem soube, porque nunca te perguntei, a hora em que tornaste da rua… Onde estiveste? Nunca quiz saber. E, até hoje, nunca te pedi a menor palavra sobre o teu procedimento…

– E como homem, senhor pleno de seus actos, eu te negaria informações.

– Pois bem! Para evitar essa negação, nunca t'as pedi, sciente e consciente de que sobre o meu procedimento, dentro do nosso lar, não te devo satisfacções… São ellas por ellas…

– Abusas…

– Corrige-me se puderes… Não és o meu marido?.. Toma conta dos meus actos! Soubeste que te trahi?.. Mata-me, ou expulsa-me de teu lar. Faze o que entenderes, certo de que atraz de mim haverá quem vingue as tuas incontinencias e perversidades…

– E sabes quem é a minha amante?

– Se sei, Simeão?!..

– Crias um conhecimento para justificares a tua falta. Mentes, pois: não conheces ninguem…

– Só com o rizo!.. Ah!.. ah!.. ah!..

– Toma tento, Violante: enveredas por um caminho em que a minha paciencia se exgottarà afinal…

– Ainda em cima me ameaças?

– Sou senhor dos meus actos, dono de minha caza, e exijo que me confesses tudo… Quem te mentiu que tenho uma amante?

– Ninguem!

– Ninguem, como?

– Desconfiei e fui ao teu encalço…

– Não falas a verdade, Violante.

– A certeza das coisas é adquirida quando nos abeiramos dellas. Molestias mortaes, por miasmas exhalados dos paúes, só as contrai quem lhes vai à beira. Acompanhei-te os passos… Foste ao suburbio… Olhas-me agora atravessado? Nega então que te falo a verdade como ella é?!.. Por favor, desmente-me, se és capaz…

– Juro-te que não sei do que se trata.

– Perjuro!.. Então, toda a manhan não vais daqui à caza de Idalia… Não me interrompas, não… toda a manhan, não passas là horas esquecidas, quando sais não fica ella por traz da gelosia a acenar-te e tu a corresponderes-lhe os acenos de apaixonada despedida?

– Ousada! Alem do mais, injurias à mulher de um amigo da nossa familia…

– E que é a tua amante…

– Pois se é, está tudo muito bem… Escolhi-a por minha muito livre vontade… Constou-te jà que eu tivesse desrespeitado o nosso lar? As minhas obrigações maritaes concluem-se, quando saio, na porta da rua, e começam, quando entro, no mesmo ponto em que as deixei… Portas a dentro, estou eu cazado, e arrependido de ter renegado a Jessy a quem jurei culto eterno, alias, em tempos melhores… Casei por uma supposição de momento: a solidão de solteiro era um suicidio de todos os dias. E só não me enganei em suppôr que o matrimonio me facilitaria relações difficeis antes de ter as qualidades de senhor duma mulher… O mundo inteiro me foi pequeno sempre que tive em mente a tua companhia, e, inda hoje, Violante, se me lembro de ti, o maior prado é um pequenino jardim, o maior céu é a entrada de uma furna… A companheira é um tormento. Tomei uma amante… mas, dentro desta caza, fui sempre o mesmo homem respeitador…

– Outro tanto te allego eu… Mentirá aquelle que disser me ter visto, sorrateira ou clandestinamente, embuçada ou mascarada, penetrar em lugares escusos, ou ao lado de algum homem que não fôsses tu… Casei-me por inexperiencia… Suppuz ser inextinguivel a paixão momentanea que ditou o acto de meu infortunio… Escravisei-me emquanto o meu marido tambem foi meu escravo… Libertou-se elle, libertei-me eu… Adquiriu uma amante…

– Retem-te, Violante!..

– Não! Hei de dizer-te como tu me disseste… Ninguem póde viver longe do pecado depois que pecou uma vez… Tambem tenho um amante, sr. meu marido!..

– Intoleravel!

– Tambem tu o és!

– Adultera!

– Deixemo-nos, Simeão, de apodos… Tenho lingua e liberdade para t'os devolver todos, um por um…

– Saber-me trahido…

– Nada mais natural: queimou-te a braza com que me queimaste… Quando nada, não terás de lastimar a alarvidade da tua esposa… Foi uma mulher digna do marido que lhe deram…

– Sinto faltar-me a luz da vista…

– Impressões, Simeão.

– Pois é justo que me consinta enganado?

– Não nos deshonramos…

– É um consôlo ridiculo.

– E que dirias tu se trahida eu não te trahisse igualmente?

– Diversa é a situação do homem, Violante.

– O casamento nivela os direitos de ambos os sexos… Espontaneamente nos submettemos a esse regimen de igualdade…

– Doloroso!

– Assim exclamei, Simeão! Agora, porem, me sinto melhor: não me enganaste, e isto deve ser glorioso para ti, enganamo-nos…

– E o teu amante?

– Dispensa sabel-o…

– Ah!.. Repillo a lembrança que me occorre… Não, não é possivel!.. O massagista…

– Rende justiça à tua mulher, Simeão! Pois não vês que eu me não vingaria de ti amando um homem indigno por todos os titulos, que te fizesse córar perante a sociedade, e que me fizesse enrubescer deante de ti?

– Então… Desabafa-me!.. Sê completa!

– Insistes em conhecer tudo?

– Não duvides que o quero de coração.

– É Lourival…

– O marido de Idalia?..

– De certo.

– Ah! como somos, do modo mais vil, dois espelhos que se reflectem conjugadamente…

– Mas eu estou vingada…

Interrompendo-os, a criada de copa, do lado de fóra do salão, perguntava aos harmonisados esposos, se podia servir o jantar…

E quando a sala se reabriu, reinava alli completa paz…

O PRIMEIRO FILHO

Na secretaria fôra extranhada a falta primeira de ORLANDO, assiduo até não se ter ausentado do serviço no attrahente dia do matrimonio.

O DIRECTOR do esposo de OLIVIA era reconhecido à assiduidade do moço, e, por duas vezes, determinàra o seu accesso por merecimento.

Ao penetrar na Repartição depois da primeira falta, todos os olhares recahiram no conceituado funccionario, que, perturbadamente, se entregou ao trabalho sem explicações.

Mas, horas depois, na intimidade do gabinete reservado, ORLANDO e o DIRECTOR entravam em confidencia…

– Ah! Sr. Director!

– Estiveste doente?

– Não, não foi doença minha. Antes o fôsse…

– Trocaste o dia?

– Como assim?

– Levaste à conta de um domingo a quinta-feira de trabalhos?

– Tambem não!

– Viajaste a negocio?

– Qual, Sr. Director! Os meus negociou são sómente os de meu dever aqui dentro…

– Não sei explicar a tua falta.

– E eu careço de coragem para dizer…

– Tão futil não ha de ter sido o motivo.

– Eu conto. Foi o meu primeiro filho…

– Felicito-o desde jà.

– Obrigado, Sr. Director. Eu tinha a certeza de sua generosidade. Conhecendo bem a fraqueza de Olivia, tive receios de deixal-a só quando se manifestaram os primeiros incommodos do parto. E confiando em que o acontecimento cedo me daria liberdade para saltar à repartição, fui-me deixando ficar, ora mais embebido nos cuidados que a parturiente exigia, ora menos descontente com o que se ia passando, até que, só na madrugada de hoje, após vinte e duas horas de labutações, se concluiram os trabalhos…

– Fiquei verdadeiramente atordoado com a tua ausencia.

– Não menos me senti eu, Sr. Director, quando, pela manhan de hoje, cahi em mim e vi que faltàra hontem improficuamente, porque…

– Ora, Sr. Orlando! Uma falta não inflúe, tanto mais quanto fui o primeiro a não mandar que se a notificasse. Tenho o bom senso de saber corresponder ao valor dos meus funccionarios.

– Fico embaraçado… Nem sei como lhe agradeça… Ao depois das torturas porque passei, era natural que Deus me désse o allivio de uma honra como a que o Sr. Director acaba de conceder-me.

– E a senhora ficou sem novidade?

– Pouco mais ou menos, Sr.

– Talvez precisasses do dia de hoje para lhe fazeres companhia…

– Qual nada!.. Faltar hoje?..

– Não digo isto.

– Então…

– Obter uma dispensa de serviço…

– Nem pensar é bom, Sr. Director. Se me déssem licença eu hoje emendaria o dia com a noite para descontar o atrazo de hontem…

– São excessos, Sr. Orlando. É justo que um chefe de familia precise dessas lacunas no serviço para gozar mais largamente as venturas de seu lar.

– Estas, francamente, eu só poderia gozar se Olivia tivesse sido feliz no acontecido.

– E não o foi?

– Absolutamente, Sr. Director. Mas, antes de tudo, a obrigação.

– Qual foi o medico?

– Foram apenas dois: o dr. Oscar e o dr. Lucio Trevo.

– Bons medicos, sem duvida.

– E que hão de pedir caro, carissimo, porque realmente trabalharam como um horror…

– Mandarei dar-te uma gratificação para cubrires com ella os extraordinarios desse acontecimento inquietador.

– Não aceitarei, Sr. Director.

– Porque assim?

– Não é soberbia, não. Desculpe-me, mas eu não posso aceitar.

– Quereria ter as razões dessa sua desattenção…

– Não é desattenção, Sr. Supponha que eu aceito. Desfaço-me das minhas difficuldades graças ao seu procedimento generoso. Veiu-me um segundo filho, nas mesmas condições difficeis do primeiro. O Sr. descuida-se e eu não obtenho nova gratificação. Naturalmente me enciumarei com o seu procedimento e o que não quero hoje, não devo esperar amanhan… Pois não é?

– Eu daria do melhor grado.

– Sei disto. Hei de habituar-me a cozer-me com as linhas que tenho… Ao depois, se a parturiente inspira cuidados…

– Não se ficou bem ella?

– Acho que não. Ao depois do parto, começou de ter desmaios consecutivos…

– E o que recommendaram os medicos?

– Repouso. Ó Sr. Director: eu nunca tinha visto um parto… A mulher é uma inditosa, porque em momento nenhum da vida um homem soffre o que Olivia padeceu.

– Pois penso que devias retirar-te.

– Não devo, Sr. Director. O lar é uma preoccupação para fóra das horas da secretaria.

– Até o serviço poderia lucrar com a tua ausencia…

– Perdão, senhor, mas…

– Admiras-te? Não queria falar-te com tanta franqueza para não te consumires ainda mais…

– Por acaso commetti alguma outra falta?

– Gravissima… Sabes porque te chamei?

– Lealmente ignoro.

– Porque te desconheci. Estás um desconchavado e erras todo o serviço. Pelos teus grandes creditos, és aqui dentro um rico de odios e de invejas. Conheço-os todos…

– Agradecido, Sr. Director.

– Cada companheiro teu é um vigia de tudo quanto fazes para diminuirem com os teus lapsos o teu valor. Não o admitto eu.

– Mas, que fiz assim?

– Erraste a somma de uma conta e o thesouro reclama contra a tua informação.

– Oh!.. Esta cabeça…

– A conta de Silva & C.ª…

– Sei!.. sei!.. Então… errei-a?

– Inconvenientemente.

– E sei porque perpetrei o engano…

– É o que tu pensas…

– Por ventura outro me corrigiu?

– Absolutamente não. Serás tu mesmo quem fará este trabalho ao depois…

– Porque não hoje?

– Estás dispensado, incondicionalmente, do serviço por tres dias…

– Não me conformo, Sr. Director.

– Sou irrevogavel.

– No maximo me satisfarei com o dia de hoje.

– Serão tres dias irreductiveis, e pódes ir para a companhia de tua esposa descansar a tua cabeça. Vejo-te perturbado enormemente com o pensamento do que possa ella estar soffrendo a esta hora… Vai, anda!

– Dá licença?

– Pois não.

– Ás ordens do Sr. Director.

– Ah!.. Sr. Orlando?

– Sou todo ouvidos.

– Escapou-me de perguntar-te: o teu filho? é homem?

– Perdão, Sr. Director… Mas… não lhe sei responder… Com a atrapalhação da hora não me lembrei… Ah!.. sim…

– Que respondes?

– Desculpe-me, Sr. É justo que eu tenha me descuidado tanto?!.. Nem verifiquei, Sr. Director, se sou pai, ou…

Sorrira o DIRECTOR e dispensàra de vez ORLANDO, com a inveja crescente de todo o funccionalismo bisbilhoteiro e ignorante dos factos…

Á VISTA DA DENUNCIA

O interior da envidraçada varanda, exornado com ipoméas e glycinias, em cacos, orchidéas e arums nos recantos, não tinha senão a luz pallida, muito pallida, de um luar de inverno, coado preguiçosamente pelos vãos das grinaldas verdes.

Das quatro portas que abriam para o interior, apenas uma commettia a indiscreção de transportar para alem, ao conhecimento da criadagem bisbilhoteira, os amuos graves de CLOVIS e AMARYLLIA.

A denuncia, amarrotada e em frangalhos, estava sobre uma banca de ferro, destorcendo-se, como se nervos tivesse, dos amachucamentos grosseiros perpetrados pelas mãos violentas de CLOVIS, que, distrahindo-se um pouco com as fumaradas de um havana, ouvia, sem intervenções, as queixas de AMARYLLIA…

– Como eu, tão ladina para outras, comprehendendo tão bem o mal alheio, deixei-me cegar por tanto tempo?! Era um convite amavel hoje, tinha sido um presente valioso hontem, era uma lembrança expressiva amanhan… E o meu filhinho servindo de passe para os maiores engodos!.. Toda hora o telephone pedia Arthurzinho. Là se ia o innocente, coitadinho! E raramente voltava. Prendiam-n'o dias seguidos com a ama. Poderia eu desconfiar do embuste? Ha genios capazes de todas as villezas. O filho era o motivo da entrada do pae, os presentes eram as cinzas nos meus olhos, e os convites eram a perfidia da traiçoeira. Mas, agora, ou eu succumbirei, ou estará tudo acabado. Ouve-me bem, Clovis: nesta caza, emquanto eu viva fôr, Carlota jamais tornará, e se tu desceres à indignidade de voltar à caza dessa mulher, ouve bem! Serei eu quem irà buscar o tolo do esposo para te surprehendermos na sordidez. Sempre são os interessados nas causas os que por ultimo se sentem logrados. Il n'y a qu'un mot pour dire les choses. Essa palavra não devo, porem, proferir sem macular os meus labios, sem regosijar o meu enganoso marido, e sem elevar a perdida que me furta a tranquillidade, que me logra no dom legal da fidelidade esponsalicia. Um dia desconfiei. A ama de Arthurzinho levava um pacote às escondidas, quando, para castigo, elle rolou ao chão, na hora da partida, quasi aos meus pés… Perguntei à cumplice que significava aquelle embrulho… Foi o sr. Clovis quem tomou a palavra: «é um romance que mando, a pedido, para D. Carlota ler…» Ingenuamente me convenci. Pois seria possivel que o meu marido trouxesse a beijar-me a mulher indigna que me atraiçoava? que expuzesse o meu filho à infamação de ser posto junto à perfida, em lugar de seu pai gozado?.. Ó meu amado Jesus!.. Tenho nojo de tudo isto!.. Olho-me e vejo-me só. Roubada naquillo porque mais zelos e mais ciumes alimento, eu que me tenho submettido machinalmente à concepção de treze filhos, exgottando a minha juventude para parecer velha aos trinta e dois annos, assassinando a minha belleza, relaxando os meus tecidos, criando uma ruga nova em cada manhan em que me olho ao espelho!.. para ser recompensada duramente com uma traição, uma tripla traição, em que se envolveram as minhas lealdades de esposa, de mãe e… de amiga. Sim, porque, desgraçadamente o digo, tolerei a concubina de Clovis na intimidade cordial de amiga. Muitas vezes, por força dessa leviandade commum a todas as mulheres, terei dado causa de rizo à maldita que me engazupava. Contava-lhe os meus esforços para trazer sempre o meu marido na obrigação pontual de possuir-me. Disse-lhe mesmo que, muitas vezes, o recebia com intimas indisposições, para que regeitado uma feita elle se não atrevesse a faltar-me outras, e nestas perseguir-me a duvida de sua saciedade noutra fonte… Não sei onde estava escondido o sol de minha comprehensão que agora recenna a minha intelligencia. E uma miseria moral essa em que se prostitúe, com o conjuge das outras, uma velha, desrespeitadora das cans do esposo e da innocencia de suas filhas. Havia de ser là, naquella alcôva cheia de seducções, que o meu companheiro se convertia em assassino da paz de minha alma. Aos olhos daquellas tres criancinhas – mulheres faceis, por herança, que desabrocham nos comoros lamacentos da podridão materna – elles dois se encaminhavam do leito, quantas vezes Clovis ouvindo a voz de meu filhinho chamando-o ardentemente com o nome de pae! Bemdito o poeta que jà disse estar ao lado de cada homem uma féra monstruosa: o instincto. E esse poeta foi o meu proprio esposo, accusando toda a humanidade com o seu proprio mal. Foi preciso que uma generosidade extranha me avisasse para que eu conhecesse essa nova Mylitta babylonica, torpe, pantano no qual até a trahida companheira do amante e o explorado amor de seu filhinho foram poderes lascivos. Ó injustiça divina! Porque não me despertaste, a mais tempo, do somno em que sonhei com a lealdade de um templo christão e me achava desgarrada na nave de um templo de Buddha?!.. Foi hoje o assignalado dia de minha victoria. A carta chegou-me às mãos com as resteas violetas do sol posto. Li-a de um folego. O meu primeiro impeto, naturalmente, foi de indignação contra o denunciante. Mas, alli estavam os factos verificaveis, possiveis, e terrorosos. A noite veiu mais depressa aos meus olhos do que ao resto do mundo. A verdadeira noite é essa em que tambem a alma se recolhe na escuridão de uma dôr apunhalante. O meu marido jantaria fóra, num banquete intimo, mas numa sociedade festiva. Resolvi chamal-o prontamente às explicações de suas infidelidades. E fil-o sem tardada, não o nego. Á criada de Arthurzinho, a esta cancerosa alma de mulher que tinha affectos meus por dar o seu leite à formação organica de meu filho, trouxe logo às contas. Não lhe disse a denuncia, não lhe proporcionei ensejo de contestar a sua acção, porque a interpellei segura do facto, inteiramente consciente do que fazia. E ella me confessou que levava e trazia romances immoraes, que levava e trazia cartas e recados… O instante unico! Ao depois, calma e friamente, sabendo que aguçava a minha dôr, revolveu-me nalma o punhal de seu descaro, revelando-me a indignidade de ser o meu filho abraçado e beijado ardentemente, durante a ausencia do pae, com o nome deste entre os labios da corruptora… Nega, Clovis, que não és o amante dessa barregan de padres, dessa immunda mulher que maculou o meu lar com a sua abjecta convivencia…

– Nego, sim!

– Fórte coragem! Jura que hontem não beijaste, quasi aos olhos do publico, no salão de visitas, os labios rôxos pelo cansaço da idade de Carlota.

– Juro-te.

– Leviano! Mente como quizeres. Mas, ouve: emquanto o meu corpo sentir as commoções do nojo pelo teu que se enlameou na companhia daquella devassa, emquanto as minhas narinas sentirem o perfume daquella carta nas tuas vestias, que é o perfume de uso na alcôva de tua hervoeira, terei a coragem de repellir-te e de cerrar os meus labios às menores palavras para as nossas relações. E se, porventura, desconfiar eu que foste buscar, como uma abelha sem sorte, o nectar que se esconde na corolla daquella flor murcha e fanada, dentro desta caza, escuta bem Clovis, haverá a incompatibilidade de nós dois… É tu entrares e eu sahir, ou só ficarei se tu te fôres para sempre. Sabes quanto sou caprichosa, o bastante para não me arrepender das resoluções tomadas. Negas, ainda, o teu erro? Serei facil de perdoar-te com a verdade, tão facil quanto não te tolerarei com a mentira… Nega a tua indignidade!

– Nego, sim!

– Quero convencer-me. A pé firme?

– Com toda lealdade.

– Pois bem! É escusado irmos adiante: sabes o que está contido naquelle pacote?

– Ignóro.

– São os presentes com que me turvou a vista a tua amante. Quero devolvel-os.

– Mas, como?

– Não os guardarei mais commigo.

– Vais romper, então, com a familia do Aurelio?

– Forçosamente.

– É de mau alvitre.

– Incommoda-te muito esse rompimento pelo que estou vendo. Deves acabar com uma amizade que me aborrece, e se te excusares a esse acabamento, confessas o interesse que terás em manter a verminação desse convivio immundo…

– Se encaras por este lado, rompe Amaryllia, devolve tudo do modo mais grosseiro.

– Devolverei, sim, não ha que ver.

– Estàs no teu direito.

– E espero a tua sancção.

– Jà a tens.

– Não. Não a tenho ainda. A devolução não poderá ser feita sem uma carta.

– Pois escreve-a!

– Não! Tambem não! Serás tu…

– Eu?!..

– Ah!.. Esquiva-te de escreveres a carta?..

– Amaryllia, pensa bem! Nós, os homens, ficaremos mal se nos envolvermos nessas rusgas de mulheres.

– Comprehendo-te: romperei eu, e tu, às occultas quiçá, com menores apparencias, te dedicarás à continuação de teu adulterio. Has de ser quem escreverá a carta hoje mesmo, agora…

– Convencer-te-às de minha innocencia?

– De todo, não. Encaminhar-me-ei de convencer-me.

– Não haja duvida. Dà-me papel e tinta. Escreverei num momento…

– E pensas que escreverás como quizeres?

– Não: como fôr conveniente.

– Não te concedo esse direito: vais escrever ao meu ditado.

– Quê?

– Nos termos que me espoucarem arrevezadamente aos labios…

– Mas…

– Na linguagem mais ferina que eu souber empregar contra uma inimiga…

– Amaryllia?!..

– Virulenta e grosseira…

– Faça-se a tua vontade.

– Escreves?

– Como quizeres.

– E a quem pensas vai ser dirigida a missiva daquelle modo escripta?

– A Carlota!

– Não, Clovis. Quero que se escreva ao marido della, com o seu nome em todas as letras…

– É demais!

– Não retrocedas!

– Abusas de minha bondade…

– Enganas-te. Clovis, ou tu escreves como eu te determino, ou…

– Absolutamente, não!

– … ou me retirarei hoje mesmo de tua companhia… A caza de meu pae terá sempre, para a filha digna, o agasalho mais confortavel.

– Tua alma, tua…

– Sei bem! Queres o escandalo da separação para o renome do conquistador? Não te darei essa vantagem… Debaixo deste tecto, tragarás, Clovis, o amargo da tortura mais incondescendente, soffreràs a queimadura do inferno mais verdadeiro…

Ao longe, um relogio temerario, arriscou o aviso tetrico da meia-noite, ao fim do qual, resolutamente, AMARYLLIA se retirou para o seu leito…

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Litres'teki yayın tarihi:
31 temmuz 2017
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