Kitabı oku: «Um club da Má-Lingua», sayfa 8

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Pfu-u! Arreda!

– Escute, Sofia Petrovna, responde Maria Alexandrovna fora de si, fique sabendo que assim ninguem se atreve a pôr pé numa casa decente;… e n'esse seu estado, de mais a mais!.. Se me não favorece desde já com a sua ausencia… obriga-me a appellar para…

– Bem sei, chama os criados para me pôrem no olho da rua? Não lhe dê cuidado, sei muito bem o caminho. Adeuzinho! Case lá a sua filha com quem muito bem quiser. E a senhora, Natalia Dmitrievna, escusa de se rir á minha custa: eu cá, ao tal seu chocolate, só se lhe cuspir dentro! Ella convidava-me lá! Isso sim! Não, que lá em minha casa não ha quem danse o kazatchok diante de principes! E lá a senhora, tambem, Anna Nikolaievna, de que é que se está a rir? O seu Suchilov partiu indagora uma perna: e lá o levaram em charóla para casa – ha de-lhe fazer falta, já se vê! Pfu-u! E a senhora, Felissata Mikhailovna, se não avisa aquelle calcanhar rachado do seu Matvehka que, se torna a consentir que a sua vacca esteja todo o santo dia aos bérros debaixo da minha janéla, parto-lhe as pernas, ao tal seu Matevchka! Adeuzinho, Maria Alexandrovna! A bom intendedor, o resto já se sabe! Saúde!

Pfu-u!

Some-se a Sofia Petrovna. Desata toda a gente á gargalhada. Maria Alexandrovna ficou entupida de todo.

– Estou em dizer que beberia a sua pinga, diz a Natalia Dmitrievna, muito de mansinho.

– Se já se viu semelhante desaforo;

– Abominavel criatura!

– Se quer ao menos fartámo-nos de rir!

– Que chorrilho d'inconveniencias!

– É ella abrir a bôca! – Passa fora!

– Mas que queria ella dizer com as taes bôdas? indaga em ar de mofa a Felissata Mikhailovna.

– É temivel! exclama Maria Alexandrovna. E são uns monstros d'este calibre que andam para ahi a desacreditar a toda a gente, com a estupida linguarice! E sabe o que lhe digo, Felissata Mikhailovna, é que me não admira, que umas fufias assim sejam recebidas na nossa sociedade, quando, o que é ainda mais para admirar, ha gente que a ellas recorra, que lhe dê ouvidos, e que lhes dê credito… cambada!..

– O principe! O principe! gritam á uma.

– Valha-me Deus! O principe!

– Graças a Deus! Até que emfim vamos ficar sabendo a verdade.

XIII

Entra o principe, dilatados, os labios por aquelle seu meigo sorriso. A inquietação insuflada pelo Mozgliakov n'aquelle descuidado coração desapparece de todo, ao dar com os olhos nas damas: derrete-se desde logo que nem um rebuçado. – Elle, em geral, entretem muitissimo o bello sexo. A Felissata Mikhailovna affirmava, até, esta manhã, por brincadeira, já se vê, que estava pronta a sentar se-lhe nos joelhos, se elle quisesse, pois era "um encanto de um ginjinha, um encanto nunca visto, até." E Maria Alexandrovna sem tirar d'elle os olhos, a estudál-o, tentando prever-lhe no semblante o desfecho de tão critica situação. É evidente haver o Mozgliakov comprometido gravemente o negocio e o estar um tanto vacilante a emprêsa. E não obstante nada se pode ler no rosto do principe… está, como sempre, insipido e encantador.

– Ai, meu Deus! Até que ahi vem o principe! E nós todos á sua espera! exclamam diversas damas.

– Com impaciencia, principe, com impaciencia, pipilam as restantes.

– Li… son… son… jeia… me… sum… ma… mente, diz o principe sentando-se á mêsa defronte do samovar a ferver.

As damas atrigam-se em fazer-lhe cerco. A Anna Nikolaievna e a Natalia Dmitrievna são as unicas que se deixam ficar ao pé de Maria Alexandrovna. Aphanassi Matveich sorri, respeitozissimo. Mozgliakov sorri tambem a olhar com uns ares de provocação para a Zina a qual, sem fazer caso delle, se acerca do pae e se senta ao lado d'este n'uma poltrona.

Ah! principe – sempre é verdade que se retira? indaga a Felissata Mikhailovna.

– Está c… claro… minhas senhoras, retiro-me; vou… im… me… diata.. mente para o estrangeiro.

– Para o estrangeiro, principe!

– Para o estrangeiro! clama toda a gente em côro. Que ideia!

– Pa… ra o est… est… rangeiro, affirma o principe, a tomar atitudes, e n… não sabem? – eu se vou é… é… por causa das taes… ideias novas.

– Como assim? As ideias novas?

– De que é que se trata? perguntam as damas a olhar umas para as outras.

– Está… c… laro!.. As ideias novas! insiste o principe com uns modos de intima convicção; vae lá toda a gente, agora, por causa das ideias novas, e eu se vou é… com… o sentido tambem de me sa… turar.

– É capaz de estar com o sentido em ir filiar-se por lá em alguma loja maçonica? intervem o Mozgliakov desejoso de fazer brilhar o seu espirito na presença das damas.

– Está… c… claro, meu amigo, não t'enganas. Eu, em tempos, pertenci, effectivamente, a uma loja maçónica. Animavam-me, até, umas ideias, muitissimo generosas… Propunha-me a fazer muita coisa… em… em favor da… in… instrucção… mo… moderna. Queria dar carta… de… al… fo… forria ao meu Si… do… dor, mas safou-se antes de tempo, com grande es… panto da minha parte. Que lemb… rança tão ra… tona! Depois, um dia, encontrei-o cara… a… cara… lá em Paris, vestido como um dandy, com umas suissas… a passear pelo bou… levard… com uma "menina". Acenou-me com a cabeça… e mais nada. E a tal menina, que levava p… pelo braço tinha uns ares tão agai… atados… tão ape… titosa.

– O tiozinho, então, d'esta vez, em se apanhando em Paris, dá a liberdade aos servos todos, sem excepção?

– Está… c… claro… adivinháste-me o pensamento, meu c… caro. É tal qual… quero dar liberdade a to… dos elles.

– Ora vamos, principe, safam-se-lhe todos de casa, e depois, quem é que lhe paga o dizimo? exclama a Felissata Mikhailovna.

– Pois já se vê, que se safam, acode, inquieta, Anna Nikolaievna.

– Ai, meu Deus! Que me diz? Então parece-lhe que o façam?

– Safam-se, safam-se, pudera não… Tão certo! E o senhor, depois, vê-se sósinho, confirma a Natalia Dmitrievna.

– Ai! meu Deus! Visto isso… então n… não lhes dou… al… for… ria! E d'ahi, eu dizia isto… por dizer.

– Antes assim, tiozinho.

Maria Alexandrovna, até agora, tem estado caláda a observar. Parece-lhe que o principe se esqueceu d'ella, totalmente, e não acha isso natural.

– Principe, enceta elevando a voz e com dignidade, peço-lhe licença para lhe apresentar Aphanassi Matveich, meu marido. Veiu expressamente do cantinho da sua aldeia, assim que soube que o principe se achava hospedado em minha casa.

Aphanassi, todo elle sorrisos e a fazer papo. Afigura-se-lhe que acabam de lhe endereçar um cumprimento.

– Ah! Fol… go im… menso… Apha-anassi Matveich. Dê me licença… está-me a parecer que… me lembro… do que quer que seja… Aphana-assi Matvei… tch? Ah! sim! sim! Aquelle que estava no campo?.. Encantado! encantado! Quanto esti… imo… Meu amigo, exclama o principe dirigindo-se a Mozgliakov… mas foi elle que… que… como se intende, então?.. O marido lá por fóra… e a mulher… em… Sim, sim, lá n'uma cidade… e a mulher…

– Ah! principe… isso pelos modos ha de ser: o Marido lá por fóra, e a mulher em Tvor, o tal vaudeville, que uma companhia ambulante representou lá em casa o anno passado?

– Está c… claro, em Tvor, e… eu… sempre a esqué… quécer-me! Encantado, encantado! Com que, então, é o senhor? Quanto estimo conhecêl-o! diz o principe sem se erguer da cadeira, de mão estendida para Aphanassi Matveich. E então, como vae?

– Hum!..

– Está optimo, optimo! acode Maria Alexandrovna.

– Está… c… claro… bem se vê… Com que, então, vive sempre no campo? Pois, senhor, estimo muito. – Mas que bochêchas tão corádas que elle tem! E não faz senão rir!..

Aphanassi Matveich sorri e faz-lhe a sua vénia, a arrastar o pé pelo sobrado. E comtudo, assim que ouve a ultima observação do principe, não se pode suster e desata uma gargalhada alvar. E imita-o toda a gente. As damas soltam guinchos de alegria. A Zina, corrida, ruboriza-se e vibra uns olhos coruscantes a Maria Alexandrovna, que se está comendo de raiva. É tempo de desviar a conversação.

– Dormiu bem, meu principe? indaga com voz tranquilla, intimando ao mesmo tempo, com uma olhadella vivaz, Aphanassi Matveich a que volte quanto antes para o seu logar.

– Dormi op… ti… mamente… E, não sabem, tive um sô… ônho deliciôso, deli… ciô… so!

– Um sônho! Gósto tanto de que me contem sônhos! exclama a Felissata Mikhailovna.

– Tambem eu! accrescenta a Natalia Dmitrievna.

– Um sô… nho… deliciôso… repete o principe com meigo sorriso; mas é segredo o tal sônho.

– Como assim, principe? Nem sequer se pode contar? observa Maria Alexandrovna.

– Um grande segredo! repete o principe.

Recrudesce a curiosidade.

– Mas, então, deve de ser interessante, interessantissimo, exclamam de todos os lados.

– Não se me dava de apostar que o principe, no tal seu sônho, estava de joelhos aos pés de alguma beldade a fazer-lhe a sua declaração de amor! exclama a Felissata Mikhailovna. Ora vamos, principe, confesse! Confesse!.. então, meu rico principezinho da minha alma!

– Confesse, principe, confesse! exclamam por todos os lados.

E o principe deliciado, a escutar aquella gralhada. Lisonjeia-o a supposição, e lambe-se todo, até.

– Comquanto seja um grande segredo, não tenho remedio senão confessar que ma… madame, com grande espanto da minha parte, por pouco o não adivinha de todo.

– Adivinhei! exclama com arrebatamento Felissata Mikhailovna. E então, principe, é preciso dizer-nos quem é essa tal belleza!

– Tem obrigação de o dizer!

– Achar-se-ha aqui?

– Diga, diga, meu rico principezinho!

– Principe… meu amorzinho! Diga! Morra depois, mas diga!

– Mi… nhas… senhoras! Minhas se… senho… ras, se insistem em absoluto por que lh'o diga, apenas lhes po… derei desvendar uma coisa: era a mais seductora, a mais virtuosa menina, de quantas… tenho conhecido em minha vi… vida!

– A mais seductora… de quantas aqui estão? Quem será? indagam entre si as damas a trocarem signaes de connivencia.

– Com toda a certeza que deve de ser aquella que disputa a fama de ser a primeira beldade de Mordassov, prorompe a Natalia Petrovna a bater as palmas com aquellas manápolas côr de lagosta e sem tirar os olhos de cima da Zina.

E toda a gente com os olhos pregados na Zina.

– Mas como é, então, que o principe, com uns sonhos assim, não se casa por uma vez? indaga a Felissata Mikhailovna.

– Soubessemol-o nós, e que noivazinha lhe não teriamos arranjado! affirma, d'ali, outra dama.

– Case-se! case-se, principezinho da minha alma – pipíla uma terceira.

– Case! case-se! – guincham por todos os lados. Por que é que não ha de casar?

– Está… c… claro… por que é que eu me… n… não hei-de casar? acóde o principe, atrapalhado.

– Tiozinho! exclama o Mozgliakov.

– Está… c… claro, meu amigo, já te percebi. O que eu queria dizer-lhes, minhas senhoras, é que me não posso casar. Concluida esta deliciosa soirée, em casa da nossa amabilissima hospeda, amanhã tenciono ir até a charnéca, e d'ali, para o es-trangeiro, quero ir estudar a ins-tru-cção euro-ro-pêa.

A Zina está enfiada e vibra á mãe uns olhos rancorosos. Maria Alexandrovna, comtudo, assentou n'uma resolução. Até agora, estava á espera, a apalpar o terreno, supposto lhe parecesse achar-se sufficientemente compromettido o negocio e haverem-se-lhe antecipado seus inimigos. Percebe tudo, finalmente, e, de um golpe, quer acabar com aquella hydra das cem cabeças. Ergue-se, majestatica, acerca-se da mêsa a passo firme e com soberbo olhar enterra pelo chão abaixo aquelles pygmeus que a rodeiam. Reluz-lhe nos olhos o fogo da inspiração. Vae aniquilar aquella sucia de coscovilheiras peçonhentas, esmagar aquelle sevandija do Mozgliakov como quem esmága uma barata, e com um golpe decisivo, reconquistar de todo a influencia que perdeu sobre a pessoa d'aquelle idiota d'aquelle principe. Claro está que para isso ha mister de appellar para um atrevimento extraordinario, mas não será isso que escasseie a Maria Alexandrovna.

– Minhas senhoras, enceta com modo solemne (Maria Alexandrovna nutre paixão pela solemnidade), minhas senhoras, tenho estado a ouvir calada as suas gracinhas e acho que já vae sendo tempo de que eu, pela minha vez, lhes dirija algumas. Bem sabem que nos achamos aqui juntas, unicamente por mero acaso. Estimo isso muito… Nunca me haveria resolvido a tornar publico um tão importante negocio de familia antes de o exigirem os dictames do mais estricto decoro. E acima de tudo, pedirei perdão ao nosso distinctissimo hospede. Mas quer me parecer que é elle o proprio quem, mediante remotissimas allusões a semelhante circunstancia, me suggere o pensamento de que a formal declaração d'este segredo lhe será grata, mas que ella lhe inspira apprehensões. Não é verdade, meu principe, que me não enganei?

– Está claro… não se enganou… e estimo muito… muito… diz o principe sem perceber palavra d'aquillo de que se está tratando.

Maria Alexandrovna, no intuito de melhor dispôr o seu lance, toma o folego e põe-se a examinar todo o auditorio, todos á uma a escutál-a com ávida e inquieta curiosidade. O Mozgliakov, todo elle a tremer, a Zina, muito afogueada, levanta-se… Aphanassi Matveich, n'estes assados, assôa-se.

– Sim, minhas senhoras, folgo immenso de as tornar participes d'este segredo familial. Hoje, depois de jantar, o principe, seduzido pela formosura de… pelas qualidades de minha filha… conferiu-lhe a honra de lhe pedir a mão. Principe, conclue ella com um tremor na voz, querido principe, não me deve querer mal por esta minha indiscreção. O auge do contentamento, eis o que conseguiu arrancar-me do coração, um tanto prematuramente, este segredo estremecido, e… qual será a mãe que m'o leve a mal? Nem encontro sequer palavras que descrever possam o effeito produzido pela inspirada saída de Maria Alexandrovna. Ficaram todos varados de espanto. As visitantes, que suppunham assustar Maria Alexandrovna, deixando-lhe antever o estarem senhoras do seu segredo, matál-a com a divulgação do segredo, esfacelál-a com o poder unico das allusões, ficam estupefactas perante uma tão denodada franqueza. Uma tal valentia era um signal certo de bom exito.

– Por conseguinte, é por sua propria vontade que o principe vae casar com minha filha Zina. Ninguem o enganou, ninguem o embriagou… E por tanto, não foi com esconderijos, á laia de ladrão, que o obrigaram a tomar estado! Maria Alexandrovna, n'essa conformidade, não se arreceia seja de quem fôr, e não ha ninguem que possa malograr este casamento.

Paira um borborinho que desde logo se transforma em jubiloso alarido. A Natalia Dmitrievna arremete de braços abertos para Maria Alexandrovna, segue-lhe o exemplo a Anna Nikolaievna, e a Felissata Mikhailovna vem na trazeira do rancho. Põem-se todos de pé, baralham-se. Das damas, algumas ha que estão fulas de raiva. Pegam a dirigir parabens á Zina, atrapalhada, e atiram-se, até, ao Aphanassi Matveich. Maria Alexandrovna estende os braços com enfase, e á viva força, quasi, agarra-se á filha aos abraços a ella. Tão sómente o principe, todo elle a rebulir, a considerar esta scena, de olhos espantados. E d'ahi, agrada-lhe aquillo. Ao ver a filha nos braços da mãe, saca, até, do lenço e limpa o canto do olho onde bugalhou uma lagrima. Atiram-se a elle, tambem, para lhe dar os parabens.

– Parabens, principe, parabens! guincham por todos os lados.

– Com que então é certo, sempre vae casar?

– Sempre se casa, effectivamente?

– Ora até que se casa, principezinho da minh'alma!

– Está… c… claro… está… c… claro! responde o principe, encantado de semelhante enthusiasmo. Confesso-lhe que a sua simpatia me tocou o coração… Nunca me ha… de esquecer! Encan… tado! Encan… tado! Fizeram… me, até, vir as lagrimas aos olhos.

– Venha um beijo, principe! guincha mais que todas juntas a Felissata Mikhailovna.

– E confesso-lhe… prosegue o principe, que fiquei pasmado por ver que a nossa digni… ssima hos… peda, adivinhasse… com tanta pers… picacia, um sonho tão extraordi… nario, como se fosse ella… que o sonhou… tal qual – Es… panto… sa pers… pica… cia.

– Ora esta! E o principe ainda a insistir no tal sonho?

– Então, vamos, principe, confesse! clama o côro das damas a fazer-lhe cerco.

– Deixe lá, principe, é escusado estar com esconderijos, é tempo de patentear o seu coração, declara em tom categorico Maria Alexandrovna. Não me escapou a fina alegoria, a delicadeza cavalheiresca, que se revelam na forma discreta por que tornou publico o seu pedido. Sim, minhas senhoras, é verdade, hoje ainda, o principe ajoelhou aos pés de minha filha, e de modo real e verdadeiro, que não em sonho, formulou solemnemente o seu pedido.

– Quan… to… ha de mais real… e nas mê… mêsmas circunstancias, appoiou o principe. Minha me… nina, proseguiu com summa delicadeza dirigindo-se á Zina cada vez mais atrapalhada, juro-lhe que jamais me atreveria a proferir o seu n… ôme, se acaso o não tivessem outros… mencion… ado antes. Foi um sonho de… licioso… uma… de… licia de um… sonho! E folgo immenso… em ter ensejo… de o manifestar Um encanto!.. Um encanto!

– Mas, como se intende isto? Elle insiste em se referir ao tal sonho! murmura a Anna Nikolaievna dirigindo-se a Maria Alexandrovna, inquieta e um tanto enfiada.

Mas, ai! O coração de Maria Alexandrovna está alanceado por tristissimos presentimentos.

– E então? murmuram as damas a olharem umas para as outras.

– Ora vamos, principe, profere Maria Alexandrovna com um sorriso amarello, confesso-lhe que me deixou pasmada. – Admira-me que esteja a insistir n'essa sorna do tal sonho! Eu até agora, estava na fé, de que fosse méro gracejo da sua parte… mas… se o é, ha de convir, que se vae prolongando um tanto fora de proposito… Não posso nem devo admitir que seja outra coisa além de uma distracção…

– Deve de ser por distracção, efectivamente, assobia a Natalia Dmitrievna.

– E… stá… c… claro!.. Di… distracção! repete o principe sem perceber o que é que d'elle pretendem… Ora… ima… ginem, vou contar-lhes uma anecdó… ta. Fui convidado pa… ra assistir a um enterro, em Petersburgo, n'uma casa burguêsa, mas decente, e… e fiz confusão… suppús que era para festejar o nas… cimento de uma creança, (o tal dia… nata… licio já lá… ia, havia mais de uma semana)… e fui comprar um lindo rama… lhete de camelias para a pessoa… fes… tejada. Entro… e que hei de eu ver? Um su… jeito mui… to digno, de uma certa edade, estendido em cima da mesa… Fiquei passádo, sem saber onde me havia de meter e mais o meu ramo.

– Pois sim, principe, não se trata agora de anecdótas! atalhou Maria Alexandrovna despeitadissima. Minha filha, louvado Deus, não tem necessidade de andar á pesca de noivos, mas inda agora, o senhor, em pessoa, ali ao pé d'aquelle piano, a pediu em casamento. Ninguem o obrigava… para mim propria foi uma surpreza… mas sou mãe, e ella, é minha filha… Acaba de referir-se a um sonho; sempre estive na fé de que fosse uma allusão aos seus esponsorios… Sei e mais que sei, que o viraram de dentro para fora – desconfio quem fosse – tal qual uma luva, mas… – queira explicar-se, principe, e queira fazêl-o quanto antes! Semelhantes gracejos não tem cabimento n'uma casa respeitavel.

– E… stá.. c… claro! Não são brin… cadeiras para… uma casa respeitavel, concorda o principe… inconsciente, mas um tanto inquieto.

– Então, não me responde, principe! Já lhe pedi que quisesse explicar-se de modo peremptorio: confirme, confirme, desde já, diante de toda a gente, o facto de haver pedido hoje minha filha em casamento.

– Es… tá… c… claro… estou pronto a confirmar… Tanto mais, que já lhes contei tudo, e Felissata Yako… kolevna adivinhou ca… balmente o meu sonho.

– Sonho! Qual sonho!? exclama rabiosa Maria Alexandrovna; não foi sonho. Foi realidade, principe, intendeu? Realidade e mais que realidade!

– Rea… li… dade… repete o principe erguendo-se da cadeira… Está-se dando… tudo aquillo de que… tu me preveniste, accrescenta dirigindo-se a Mozgliakov. Afirmo-lhe, Maria Alexandrovna… que ha equi… voco da sua parte. Tenho toda a certeza em como foi sonho!

– Meu Deus! geme Maria Alexandrovna.

– Não se afflija, Maria Alexandrovna, intervem a Natalia Dmitrievna; ao principe, varreu-se-lhe da memoria… elle se lembrará.

– Isso nem parece seu, Natalia Dmitrievna! responde furibunda Maria Alexandrovna. Isso são lá coisas que se esqueçam? Ora vamos, principe, deixemo-nos de facecias! Dar-se-ha o caso de que esteja armando em Lovelace? Mas, tenha a certeza, sem falarmos em que é pouco proprio da sua edade, juro-lhe, que lhe não ha de valer! Minha filha não é para ahi qualquer viscondessa francêsa! Não ha ainda muito tempo, lhe estava ella a cantar uma romança e o senhor de joelhos a seus pés, a formular o seu pedido de casamento. – Serei eu que estou a sonhar? Fale, principe… Estarei a dormir, porventura?

– Es… tá c… claro!.. e d'ahi, talvez que não, responde o principe, desnorteado de todo… Quero dizer… não creio… que estou a sonhar… pre… sente… mente. Mas… não vê a senhora… que eu, indagora, estava a sonhar… e depois vi… em sonhos, que eu, a sonhar…

– É preciso paciencia, meu Deus!.. Que quer dizer com isso? Em sonhos, que eu, a sonhar! Nem o proprio demonio era capaz de o perceber!.. O principe estará a delirar?

– Está c… claro!.. Nem o proprio demonio… E d'ahi… eu é que não percebo uma pa… palavra, declara o principe a olhar para todos os lados, inquieto.

– Mas como é que o principe póde ainda acreditar que é sonho, depois de eu lhe ter contado os pormenores d'esse tal supposto sonho do qual o senhor não tinha dado parte a ninguem?

– Mas quem nos affirma que o não tivesse já contado a alguem, insinua n'este ensejo a Natalia Dmitrievna.

– Está… claro… a alguem, confirma o principe.

– Que comedia! murmura a Felissata Mikhailovna á vizinha.

– Ah! meu Deus! excede a humana paciencia! vocifera Maria Alexandrovna, a estorcer as mãos, no auge do exaspero. Se ella até lhe estava a cantar uma romança; uma romança! Tambem a veria no tal sonho?

– Está… claro… effectivamente, uma romança, murmura, absorto, o principe.

De repente, vem ressuscitá-lo uma reminiscencia.

– Meu amigo, exclama dirigindo-se a Mozgliakov, tinha-me esquecido dizer-te, indagora, que ella me tinha cantado uma romança… em que havia uns cas… tellos… muitos… com um tro… vador… Está… claro… recordo-me… e por signal… que até chorei… e agora nem sei já, se seria realidade ou se foi sonho.

– Tiozinho, responde o Mozgliakov com a maxima tranquilidade que pôde assumir (com quanto lhe trema a voz) não me parece lá muito grave a dificuldade. Na realidade, não direi que não tenha ouvido uma romança, canta tão bem a Zinaida Aphanassievna! Acordar-lhe-hia reminiscencia dos seus bons tempos de outrora, dos instantes ditosos, talvez que da tal viscondessa com quem o tio cantava tambem, algum dia, romanças e á qual se referiu esta manhã. E depois, a dormir, sonharia talvez que estava apaixonado e que tinha formulado o seu pedido de casamento.

Maria Alexandrovna fica atordoada com semelhante insolencia.

– Ai! meu amigo! effectivamente! Ha de ser isso! exclama o principe, contentissimo. Sim, sim, a dor… dormir!.. umas agrad… aveis sensações… Lembro-me da romança, e eu a querer casar… Um sonho! E tambem ali estava a viscondessa… Ah! como tu desen… vencilhaste bem tu… do isso… meu caro! Muito bem! É eu agora estou convencido: – era um sonho, Maria Vassilievna! Affirmo-lhe que está… equi… vocada: foi sonho!.. eu… nunca seria capaz de estar gracejando… com a sua… respeita… bilidade.

– Ah! agora, agora estou vendo quem foi o autor de tudo isto! exclama fora de si Maria Alexandrovna com os olhos fitos em Mozgliakov. Foi o senhor, o senhor! homem sem dignidade! Foi o senhor! Enganou este pobre idiota para se vingar de ter apanhado um não pelas ventas! Mas tu m'as pagarás, miseravel! Tu m'as pagarás, deixa estar!

– Maria Alexandrovna, vociféra por sua vez Mozgliakov, vermelho que nem uma lagosta cozida, são tão… as suas palavras… nem sei até que ponto as suas palavras… uma senhora da sociedade jámais se permittiria… Estou defendendo meu tio… e confesse que o querer seduzir de semelhante modo…

– Es-tá… c-claro – seduzir… seduzir… de semelhante… modo – mia o principe, que se ergueu da cadeira e tudo é querer esconder-se por detrás de Mozgliakov.

– Aphanassi Matveich – despulmôa-se a berrar Maria Alexandrovna, não ouves que estão para aqui a desacreditar-me? Perderias tu o sentimento dos teus deveres, porventura? Não serás tu mais que um cêpo? Para que estás tu para ahi a piscar os olhos? Outro qualquer no teu logar tinha já lavado com sangue o ultraje que nos estão fazendo!

– Minha esposa! enceta com solemnidade Aphanassi Matveich, lisonjeado por ver que se lembram delle, minha esposa! não seria sonho, effectivamente? E depois, tu, ao acordar, ficares suppondo que era verdadeiro…

Aphanassi Matveich, nem tempo tem de concluir a sua espirituosa interpretação. As visitantes, até ali, contiveram-se mantendo uns módos de cortês hypocrisia, mas d'esta vez a risota foi geral.

Maria Alexandrovna, esquecendo de todo as conveniencias, atira-se ao marido, para lhe arrancar os olhos, provavelmente; vêem-se na necessidade de a segurar á força.

A Natalia Dmitrievna aproveita a circunstancia para entornar uma doze d'alcatrão no lume.

– Ah! Maria Alexandrovna, quem nos diz que não foi sonho, effectivamente? emitte em voz represada.

– Um sonho? Um sonho o quê? clama Maria Alexandrovna sem perceber.

– Então! Maria Alexandrovna, são coisas que acontecem.

– Acontece? Mas que é que acontece?

– Talvez que a senhora tenha visto tudo isso a sonhar!

– A sonhar! Eu? A sonhar! E atreve-se a dizer-m'o na cara!

– E d'ahi, é possivel, insiste a Felissata Mikhailovna.

– Está… c-claro!.. é po… pos-possivel, murmura por sua vez o principe.

– Pois tambem elle! Elle! Santo Deus! Maria Alexandrovna enclavinha as mãos.

– Não se desconsole, Maria Alexandrovna! Lembre-se de que os sonhos é Deus que os manda! Não ha coisa nenhuma n'este mundo que possa ir ávante contra a sua santa vontade… nem é motivo para que se altere.

– Está… c-claro… não ha motivo…

– Cuidam talvez que sou alguma doida? consegue apenas silvar Maria Alexandrovna esganada de raiva.

Encheu-lhe a medida ás forças semelhante scena. Procura á pressa uma cadeira e deixa-se cair, exanime.

Segue-se uma algazarra.

– Acudiu a tempo o chelique!

N'este conflicto, porém, eis que surge por entre a balburdia geral, a intervir, uma personagem muda até então, e se transforma desde logo a feição da scena.

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