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Kitabı oku: «Memorias de José Garibaldi, volume I», sayfa 6

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XX
EXPEDIÇÃO A SANTA CATHARINA

Depois d'este successo nada de importante nos succedeu no lago dos Patos.

Começámos a construcção de dois novos lanchões. Os elementos primarios tinham-se achado na preza antecedente, e em quanto á sua confecção eramos coadjuvados valorosamente pelos habitantes da visinhança.

Tinham-se apenas acabado e armado os dois novos navios de guerra, quando fomos avisados para nos juntarmos ao exercito republicano que então sitiava Porto-Alegre, capital da provincia. O exercito e nós não fizemos cousa alguma em quanto estivemos n'esta parte do lago.

Não obstante este cerco era dirigido por Bento Manuel em quem todos reconheciam um grande merito como soldado, como general e como organisador. Foi este que depois trahindo os republicanos se passou aos imperiaes.

Pensava-se então na expedicção de Santa Catharina. Fui convidado para tomar parte n'ella, debaixo das ordens do general Canavarro.

Havia no cumprimento d'este projecto uma grande difficuldade que era o sahirmos da lagôa, visto que a embocadura estava guardada pelos imperiaes.

Na margem meridional estava a cidade fortificada do Rio Grande do Sul, e na margem septentrional S. José do Norte, cidade mais pequena, mas fortificada tambem. Estas duas praças, bem como Porto Alegre, achavam-se em poder dos imperiaes tornando-se por isso senhores da entrada e sahida do lago. Possuiam, é verdade, unicamente estas duas praças, mas ellas eram bastante importantes pela sua posição.

Para homens como os que tinha debaixo das minhas ordens não havia comtudo coisa alguma impossivel.

Formei então o seguinte plano de guerra. Os dous mais pequenos lanchões ficavam na lagôa, sendo seu chefe o excellente maritimo Zeferino d'Ultra. Eu com os outros dous lanchões tendo debaixo das minhas ordens Griggs e os melhores dos nossos aventureiros acompanharia a expedição operando por mar em quanto o general Canavarro operava por terra.

Era um bello plano, mas era mui difficil pela sua execução.

Propuz então que se construissem duas carretas d'um tamanho e solidez necessaria para collocar em cada uma d'ellas um lanchão, devendo-se atrelar a cada carreta o numero de cavallos e bois sufficientes para as poderem puchar.

A minha proposta foi adoptada, e fui encarregado de lhe dar execução.

Pensando então maduramente n'este projecto fiz-lhe as seguintes modificações.

Mandei construir por um habil carpinteiro chamado Abreu oito enormes rodas de uma solidez a toda a prova para poderem sustentar o extraordinario peso que devia supportar.

N'uma das extremidades do lago – a que é opposta ao Rio Grande do Sul – isto é, ao noroeste, existe no fundo de um barranco um pequeno ribeiro que corre do lago dos Patos ao lago Tramandai, ao qual tratavamos de transportar os dous lanchões.

Fiz descer a este barranco um dos nossos carros, depois levantámos o lanchão até que aquelle estivesse em cima do carro. Cem bois mansos foram atrelados, e vi então com grande satisfação o maior dos nossos lanchões caminhar como se fosse uma penna.

O segundo carro desceu por sua vez, e como no primeiro obtivemos um exito feliz.

Os habitantes gosaram então d'um espectaculo curioso e desusado, isto é, verem dois navios em cima de duas carretas, e puxados por duzentos bois, atravessarem cincoenta e quatro milhas, isto é, dezoito leguas, sem a menor difficuldade, sem o mais pequeno incidente.

Chegados á margem do lago Tramandai os lanchões foram deitados ao mar do mesmo modo porque tinham sido embarcados. Necessitavam de alguns pequenos reparos, que no fim de tres dias estavam concluidos.

O lago Tramandai é formado por aguas que tem a sua fonte nos montes d'Epinasso, e finalisa-o no Atlantico. É pouco fundo, pois nas maiores enchentes só tem quatro ou cinco pés d'agua. N'esta parte da costa reinam sempre grandes tempestades.

O estrondo que o mar faz batendo n'estes rochedos, que os marinheiros chamam cavallos, por causa da espuma que fazem voar em roda d'elles, ouve-se a muitas milhas de distancia, e muitas vezes é tomado pelo rumor da tormenta.

XXI
PARTIDA E NAUFRAGIO

Promptos a partir esperámos pela maré cheia, sahindo ás quatro horas da tarde.

Foi n'esta occasião que soubemos apreciar o bem que nos resultava da pratica que tinhamos de navegar entre os rochedos. Não obstante esta pratica, não sei hoje dizer porque audaciosa ou antes porque habil manobra chegámos a tirar os nossos navios d'entre os rochedos, ainda que tivessemos, como já disse, escolhido a maré cheia. O fundo necessario para navegarmos faltava-nos por toda a parte, foi pois só ao cair da noite que os nossos esforços obtiveram um resultado feliz conseguindo deitar ancora no Oceano.

Julgo conveniente dizer que os nossos navios foram os primeiros que sahiram do lago Tramandai.

Ás oito horas da noite levantámos ancora e começámos a nossa viagem.

No dia seguinte pelas tres horas da tarde tinhamos naufragado na embocadura do Aserigua, rio que tem a sua nascente na serra Espinasso, e que se lança ao mar na provincia de Santa Catharina, entre as torres e Santa Maura.

De trinta homens da equipagem, dezeseis affogaram-se.

Direi em duas palavras como aconteceu esta terrivel catastrophe.

No momento da nossa partida, o vento do meio dia começava a apparecer. Corriamos parallelos á costa. O Rio Pardo tinha, como já disse, trinta homens de equipagem, uma peça de doze, uma grande porção de caixas, e outros objectos de toda a especie, que tinhamos levado por precaução, por não sabermos o tempo que estariamos no mar, e a que praia chegariamos, e qual seriam as circumstancias em que estaria essa praia no momento em que nos dirigiamos para um paiz inimigo.

O lanchão achava-se pois mui subcarregado, e as vagas cobrindo-o de minuto em minuto, ameaçavam submergil-o. Resolvi então aproximar-me da costa e tomar terra na parte que me pareceu accessivel; mas o mar que ia sempre crescendo, não nos deixou escolher a posição que nos convinha, e uma vaga enorme nos arremeçou para a costa.

Estava n'essa occasião na parte mais elevada do mastro do traquete, d'onde esperava descobrir uma passagem atravez os rochedos. O lanchão inclinou-se sobre o estribordo e eu fui lançado a trinta pés de distancia.

Ainda que estivesse n'uma posição perigosa, a confiança que tinha nas minhas forças como nadador, fez com que não pensasse um unico momento na morte, e tendo comigo alguns companheiros, que não eram marinheiros, e que momentos antes tinha visto deitados no tombadilho e mui enjoados; em logar de nadar para a costa, comecei a reunir uma parte dos objectos, que pela sua ligeireza promettiam conservar-se á superficie, e comecei a empurral-os para o navio gritando aos meus homens que se lançassem ao mar e que apanhassem alguns d'aquelles objectos, tratando de ganhar a costa que se achava na distancia de uma milha. O navio tinha-se afundado, mas a mastreação conservava-o com os seus flancos de bombordo fóra de agua.

O primeiro que eu vi agarrado ás enxarcias foi Eduardo Mutru um dos meus melhores amigos: atirei-lhe um fragmento da escotilha recommendando-lhe que o não alargasse.

Este estando quasi salvo, lancei os olhos para o navio.

Vi então o meu caro e corajoso Luiz Carniglia. Estava ao leme no momento da catastrophe, e havia ficado agarrado á popa do navio. Infelizmente estava n'esta occasião vestido com uma jaqueta de uma enorme roda. Não havia tido tempo de a tirar, não podendo por isso nadar em quanto a tivesse vestida. Vendo que me dirigia para elle começou a gritar.

– Agarra-te bem, lhe respondi, que já te dou soccorro.

Subindo ao navio como o teria podido fazer um gato, cheguei ate junto d'elle; agarrei-me com uma mão a uma borda, e com a outra tirando da algibeira uma faca que infelizmente cortava pessimamente, comecei a rasgar as costas da jaleca. Tinha quasi finalisado esta minha ardua tarefa, e Carniglia estava quasi salvo, quando um golpe de mar horrivel, envolvendo-nos fez em pedaços o navio e lançou ao mar os homens que ainda se conservavam a bordo.

Carniglia foi tambem precipitado e não tornou a apparecer.

Lançado ao fundo do mar como um projectil, voltei á superficie todo aturdido, mas tendo uma unica idéa – a de soccorrer ao meu charo Luiz. Comecei a nadar em volta da carcassa do navio chamando-o em altos gritos, mas elle não me respondeu. Esse bom amigo que já me tinha salvo a vida, tinha morrido sem eu o poder soccorrer.

No momento em que abandonava a esperança de salvar Carniglia, lancei os olhos em volta de mim. Por uma graça especial de Deus, n'este momento de agonia para todo o mundo, não pensei um unico momento em mim tratando unicamente dos outros.

Vi então os meus companheiros nadando para a praia, separados uns dos outros segundo a sua agilidade ou força. Alcancei-os em um momento e animando-os com os meus gritos, passei-lhe adiante, sendo um dos primeiros a atravessar os rochedos, cortando para isso vagas tão altas como montanhas.

Puz pé em terra. Mas a dôr por perder o meu pobre Carniglia, deixando-me indifferente sobre a minha propria sorte, dava-lhe uma força invencivel.

Apenas tinha posto pé em terra que me voltei movido por uma derradeira esperança.

Póde ser, ir vêr Luiz.

Interroguei todas essas figuras assustadas, mas todas me davam a mesma resposta. Já não me restava esperança alguma.

Vi então Eduardo Mutru, que depois de Carniglia era quem eu estimava mais, e a quem tinha passado um fragmento da escotilha recommendando-lhe que se agarrasse com toda a força. A violencia das vagas tinha-lhe, sem duvida, tirado este apoio. Ainda nadava, mas pela convulsão dos seus movimentos indicava a extremidade a que se achava reduzido. Já disse como o amava, era pois o segundo irmão que ia perder no mesmo dia. Não quiz em um momento perder tudo o que mais presava no mundo. Lancei ao mar os restos do navio que me tinham servido para ajudar a ganhar a praia, e lancei-me de novo ao mar, indo novamente affrontar um perigo ao qual tinha poucos momentos antes escapado. No fim d'um minuto só algumas braças me separavam de Eduardo.

– Coragem… Coragem, lhe disse eu.

Vã esperança, vãos esforços! No momento em que encaminhava para elle o pedaço de madeira salvadora desappareceu.

Dei um grito, e mergulhei. Depois não encontrando o meu pobre amigo julguei que teria vindo á superficie. Voltei tambem: Ninguem! Mergulhei de novo e de novo voltei ao cimo d'agua. Dei gritos desesperados, mas tudo foi em vão. Eduardo Mutru tinha tambem sido engolido por esse Oceano que elle não tinha tido receio de atravessar para, unindo-se-me, servir a causa dos povos.

Ainda um martyr da liberdade italiana que não teve um tumulo, uma cruz!

Os cadaveres dos dezeseis afogados que nós contamos n'este desastre, fieis companheiros das minhas aventuras, foram arremeçados pelas vagas a mais de trinta milhas de distancia para o norte. Procurei então entre os quatorze que haviam escapado e que n'este momento estavam na praia, um rosto amigo, uma figura italiana.

Nenhuma!

Os seis italianos que me acompanhavam estavam mortos. Carniglia, Mutru, Staderini, Nadonne e Giovanni… Não me recordo do nome do sexto.

Peço perdão á patria por o haver esquecido, bem sei que escrevo estas memorias doze annos depois d'estes successos terem logar, bem sei que muitos acontecimentos tão terriveis como o que acabo de descrever, tem tido logar na minha vida; bem sei que vi cair uma nação, e que tentei defender uma cidade; bem sei que perseguido, exilado, e tratado como um animal feroz, depuz no tumulo a mulher a quem amava mais que a propria vida, bem sei que depois de fechado o seu tumulo fui obrigado a fugir como os condemnados de Dante; bem sei que não tenho um asylo, e que do extremo d'Africa onde me acho, olho para essa Europa que me repelle como um bandido, apesar de não ter tido até hoje senão um pensamento, um amor – a patria; sei tudo isto, mas não obstante devia-me lembrar d'esse nome.

E comtudo não o sei!!

Tanger, março de 1857. —G. G.

XXII
JOÃO GRIGGS

Os melhores nadadores tinham succumbido! Sem duvida confiando na sua habilidade, não se tinham querido apoderar dos restos do navio, esperando suster-se na agua sem este soccorro, em quanto que ao contrario, entre os que via sãos e salvos estavam alguns americanos que em muitas occasiões tinha visto embaraçados, por terem de atravessar um pequeno rio de dez a doze pés de largo.

Parecia-me isto estranho, e comtudo era a verdade.

O mundo era para mim um deserto.

Assentei-me na praia, e encostando a cabeça ás mãos julguei que ia chorar.

No meio da minha atonia ouvi um gemido.

Lembrei-me então que não obstante serem-me esses homens desconhecidos, visto que eu era seu chefe no combate e no naufragio, devia tambem sel-o na desgraça.

Ergui a cabeça.

– Que tem, perguntei, e quem se queixa?

Duas ou tres vozes me responderam:

– Tenho frio.

Eu que até então não tinha pensado em tal, comecei tambem a sentil-o.

Levantei-me e enchugei-me. Alguns dos meus companheiros estavam já assentados ou deitados para nunca mais se levantarem.

Chamei em meu auxilio os mais vigorosos, e obriguei os que se achavam tolhidos a erguerem-se. Peguei-lhe por uma mão, e disse aos que ainda não haviam perdido totalmente as forças que fizessem outro tanto, gritando:

– Corramos!

E dei ao mesmo tempo o exemplo.

No principio sentimos uma grande difficuldade, ou para melhor dizer, uma grande dôr por sermos obrigados a fazer mover os nossos membros tolhidos pelo frio, mas em pouco tempo começámos a sentir algum calor.

Entregámo-nos durante uma hora a este exercicio. No fim d'este espaço, o nosso sangue aquecendo tinha recomeçado a sua circulação.

Estavamos então perto do rio Aserigue. Dirigimo-nos pela sua margem direita, e a quatro milhas encontrámos uma estancia, e n'ella a hospitalidade que existe sempre em todas as casas americanas.

O nosso segundo lanchão, commandado por Griggs, chamado o Seival, um pouco maior que o Rio Pardo, mas de construcção differente, póde luctar contra a tempestade, seguindo a sua viagem.

É necessario dizer que Griggs era um excellente maritimo.

Não sei se ámanhã serei obrigado a deixar o asylo, onde me acho actualmente. Não sei pois se mais tarde terei occasião de dizer d'este excellente e valeroso mancebo tudo o que penso d'elle, vou pois, aproveitando esta occasião, pagar o tributo que devo á sua memoria.

Pobre Griggs! tenho apenas dito duas palavras a seu respeito, e comtudo onde encontrei eu um homem mais corajoso e com melhor caracter? Nascido d'uma familia rica, tinha vindo offerecer o seu ouro, a sua intelligencia, e o seu sangue á republica nascente, dando-lhe tudo quanto havia offerecido. Um dia chegou uma carta d'um dos seus parentes da America do Norte, convidando-o a ir receber uma herança enorme. Mas Griggs já havia recebido a mais bella herança que se póde dar a um homem de convicção e fé, – a corôa do martyrio. Tinha morrido defendendo um povo desgraçado, mas generoso e valente.

E eu que tinha visto tantas mortes gloriosas, vi o corpo do meu infeliz amigo cortado em dois como o tronco de um carvalho pela hacha do lenhador. Um tiro de metralha o tinha ferido na distancia de vinte passos, no dia em que com um dos meus companheiros, largando o fogo á esquadrilha, por ordem do general Canavarro, subi ao navio de Griggs que acabava de ser litteralmente fulminado pela esquadra inimiga.

Oh! liberdade! liberdade! que rainha da terra se póde encher de orgulho por ter um cortejo de heroes como tu tens no ceu!!

XXIII
SANTA CATHARINA

Felizmente a parte da provincia de Santa Catharina onde haviamos naufragado, tinha-se tambem revoltado contra o imperador, logo que souberam da aproximação das tropas republicanas. Em logar pois de encontrar inimigos, achamos alliados, em logar de sermos combatidos fomos festejados, e obtivemos em um momento todos os meios de transporte de que aquelles pobres habitantes podiam dispôr.

O capitão Balduino offereceu-me o seu cavallo, e pozemo-nos immediatamente em marcha para alcançar a guarda avançada do general Canavarro, commandada pelo coronel Teixeira, que se dirigia a toda a pressa sobre o lago de Santa Catharina, esperando surprehendel-o.6

Devo confessar que não tivemos grande difficuldade em nos apoderarmos da pequena cidade que precede o lago e que por isso tem o seu nome. A guarnição fugiu precipitadamente, e tres pequenos navios de guerra renderam-se depois de um fraco combate. Passei então com os meus naufragos para bordo da goleta Itaparika, que estava armada com sete canhões.

Durante os primeiros dias d'esta occupação, a fortuna parecia ter feito um pacto com os republicanos. Não temendo uma invasão tão repentina da nossa parte, de quem só tinham noticias de quando em quando, os imperiaes tinham mandado guarnecer aquella povoação com soldados, armas e munições. Mas estas cahiram em nosso poder, porque chegaram depois de estarmos senhores da cidade.

Os habitantes tratavam-nos como irmãos e libertadores, titulo que infelizmente não soubemos justificar em quanto estivemos n'esta povoação amiga.

Canavarro estabeleceu o seu quartel general em Santa Catharina, chamada pelos republicanos Giuliana, por que tinham ali entrado no mez de julho. O general permittiu a creação de um governo provincial de que foi presidente um sacerdote veneravel, que exercia um grande prestigio no povo. Rossetti com o titulo de secretario do governo era verdadeiramente a sua alma. Rossetti estava talhado para todos os empregos!

Tudo marchava ás mil maravilhas. O coronel Teixeira com a sua columna avançada tinha perseguido o inimigo até o encerrar na capital da provincia, apoderando-se de quasi todo o paiz. Por toda a parte eramos recebidos com os braços abertos, e todos os dias se nos juntavam desertores imperiaes.

O general Canavarro traçava magnificos planos. Rude na apparencia, excellente no fundo, tinha o costume de dizer que do lago de Santa Catharina sahiria a hydra que devoraria o imperio, e talvez tivesse razão se houvessem olhado para esta expedição com mais juizo e attenção. Infelizmente as nossas maneiras orgulhosas para com os habitantes e a insufficiencia dos meios que tinhamos á nossa disposição fizeram perder o fructo d'esta brilhante campanha.

XXIV
UMA MULHER

Nunca havia pensado no casamento, visto que me considerava incapaz de ser um bom marido por causa da minha grande independencia de caracter e decidida paixão pelas aventuras. Ter mulher e filhos parecia humanamente impossivel ao homem que consagrou a sua vida a um principio de que o successo, por mais completo que seja, não póde deixar nunca o socego necessario a um chefe de familia. O destino havia decidido o contrario: depois da morte de Luiz, Eduardo e dos meus outros amigos, achava-me n'um isolamento completo, parecendo-me existir só no mundo.

Não me havia ficado um só d'esses amigos de que o coração tem necessidade como a vida de alimento. Os que tinham escapado, eram como já disse, estrangeiros. Eram sem duvida dotados de um excellente coração, mas conhecia-os á pouco tempo para ter com elles grande intimidade. N'esse espaço enorme que aquella terrivel catastrophe tinha feito em volta de mim, sentia a necessidade d'uma alma que me amasse, porque sem essa alma, a existencia era-me insuportavel, quasi impossivel. Havia, é verdade, encontrado Rossetti, isto é, um irmão; mas Rossetti obrigado pelos deveres do seu emprego não podia viver comigo, vendo-o apenas uma vez por semana. Tinha pois necessidade d'alguem que me amasse. A amisade é fructo do tempo, e é por isso necessario muitos annos para amadurecer, em quanto que o amor é como o relampago, filho muitas vezes da tempestade. Mas que importava! Não sou eu dos que preferem as tempestades á bonança e socego d'alma.

Era pois uma mulher que se me tornava necessaria, só uma mulher me podia curar, uma mulher quer diser, o unico refugio, um anjo consolador, a estrella da tempestade. A mulher é uma divindade que nunca se implora em vão, especialmente quando se é desgraçado.

Era com este incessante pensamento que, do meu camarote a bordo do Itarapika, voltava sem cessar o meu olhar para a terra. D'ahi descobria formosas meninas occupadas em differentes trabalhos domesticos. Uma d'ellas, principalmente, attraia-me a attenção. Mandaram-me desembarcar e immediatamente me encaminhei para a casa sobre que ha tanto tempo se fixava o meu olhar. O coração batia-me apressado, mas tinha formado uma d'essas resoluções que uma vez tomadas, nunca mais enfraquecem. – Um homem convidou-me a entrar, – teria-o feito ainda mesmo que elle o prohibisse – tinha-o visto uma vez – vi sua filha e disse-lhe: «Virgem pertences-me!» Havia por estas simples palavras creado um laço que só a morte podia quebrar. – Tinha encontrado um thesouro prohibido, mas de tal preço!.. Se houve uma falta commettida, a responsabilidade só a mim pertence; se foi uma falta, unirem-se dois corações, despedaçando a alma de um innocente.

Mas ella está morta e elle vingado – Onde conheci a grandeza da minha falta? – Na embocadura do Cridam no dia em que esperando disputal-a á morte, lhe apertava convulsivamente o pulso para contar as suas ultimas pulsações, absorvendo o seu alento fugitivo… Beijava os seus labios muribundos, e apertava nos meus braços um cadaver chorando lagrimas de desesperação.7

6.A provincia de Santa Catharina foi dada em dote pelo imperador a sua irmã, quando ella casou com o principe de Joinville.
7.Quando acabei de lêr este capitulo fiquei admirado de o vêr pouco comprehensivel. Voltei-me para Garibaldi, e disse-lhe:
  – Lê isso, acho ahi uma grande falta.
  Lêu, e depois de um momento de silencio, disse-me suspirando:
  – É necessario que isso fique como está.
  Dous dias depois recebi um manuscripto intitulado —Annita Garibaldi.
Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
28 eylül 2017
Hacim:
190 s. 1 illüstrasyon
Tercüman:
Telif hakkı:
Public Domain

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