Kitabı oku: «O Preço da Liberdade », sayfa 2
CAPÍTULO DOIS
Brown encontrava-se na pequena sala de controlo logo à saída da cozinha.
Na mesa atrás dele repousava uma espingarda M16 e uma Beretta semiautomática de nove milímetros, ambas carregadas. Havia ainda três granadas de mão, uma máscara de proteção e um walkie-talkie Motorola preto.
Na parede acima da mesa estava montado um circuito fechado de TV com seis pequenos ecrãs. As imagens surgiam-lhe a preto e branco. Através de cada ecrã, Brown tinha acesso a imagens em tempo real a partir das câmaras colocadas em pontos estratégicos à volta da casa.
Dali conseguia ver o exterior das portas deslizantes de vidro, bem como do topo da rampa que dava acesso ao cais; do próprio cais e da abordagem ao mesmo por água; do exterior da porta de aço duplamente reforçado na parte lateral da casa; do saguão na parte de dentro daquela porta; do corredor superior e da sua janela virada para a rua; e por último, da sala sem janelas do piso superior onde a mulher e o filho de Luke Stone estavam silenciosamente amarrados às suas cadeiras com capuzes a cobrirem-lhes as cabeças.
Não havia maneira de assaltar esta casa de surpresa. Com o teclado na mesa, assumiu o controlo manual da câmara situada no cais. Ergueu-a ligeiramente até o barco de pesca na baía estar centrado e depois aumentou o zoom. Viu três polícias envergando coletes anti estilhaços no exterior do trincaniz. Levantavam âncora. Dentro de um minuto, aquele barco estaria próximo da casa.
Brown visualizava agora a imagem do alpendre situada nas traseiras da casa. Virou a câmara, direcionando-a para a parte lateral da casa. Só conseguia vislumbrar a grelha dianteira da carrinha estacionada do outro lado da rua. Não importava. Tinha um homem na janela do piso superior com a mira apontada à carrinha.
Brown suspirou. Pensou que o melhor que tinha a fazer era comunicar com aqueles polícias via rádio e dizer-lhes que sabia o que estavam a fazer. Podia trazer a mulher e o rapaz para baixo, e colocá-los à frente da porta de vidro para que todos tivessem a noção do que estava em jogo.
Antes de começar um tiroteio que resultaria num banho de sangue, podia passar logo às negociações infrutíferas. Até poderia poupar algumas vidas ao fazê-lo.
Sorriu. Mas ia estragar toda aquela diversão, não é verdade?
Verificou a imagem do saguão. Tinha três homens lá em baixo, os dois de barbas e um homem em quem ele pensava como sendo o Australiano. Um homem cobria a porta de aço e dois homens cobriam a porta deslizante de vidro das traseiras. Aquela porta de vidro e o alpendre no exterior eram os pontos mais vulneráveis. Mas era altamente improvável que os polícias conseguissem chegar tão longe.
Pegou no walkie-talkie.
“Sr. Smith?” Interpelou o homem agachado junto à janela aberta lá em cima.
“Sr. Brown?” Respondeu uma voz sarcasticamente. Smith ainda era suficientemente jovem para pensar que as alcunhas eram engraçadas. No ecrã de TV surgiu a mão de Smith.
“O que é que a carrinha está a fazer?”
“A divertir-se à grande. Aquilo quase parece uma orgia.”
“Ok. Fica atento. Não… Dê por onde der… Não deixes ninguém chegar ao alpendre. Não preciso de ouvir nada da tua parte. Tens autorização para intervir. Entendido?”
“Entendido,” Confirmou Smith. “Disparar à descrição, meu.”
“Bom homem,” Disse Brown. “Talvez nos encontremos no inferno.”
Naquele exato momento, a casa foi invadida pelo som de um veículo pesado a circular na rua. Brown abaixou-se, rastejou até à cozinha e acocorou-se junto à janela. No exterior, um carro blindado parou em frente à casa. A pesada porta traseira escancarou-se e de lá saíram vários homens corpulentos, revestidos de proteção corporal.
Um segundo passou. Dois segundos. Três. Reunidos na rua já estavam oito homens.
Smith abriu fogo lá de cima.
Duh-duh-duh-duh-duh-duh.
A força dos tiros fez o assoalho vibrar.
Dois dos polícias caíram por terra de imediato. Os outros abaixaram-se de volta ao interior do veículo ou atrás dele. Atrás do carro blindado, três homens saíram de repente da carrinha da TV por cabo. Smith topou-os. Apanhado por uma chuva de balas, um dos homens executava uma dança desesperada no meio da rua.
“Excelente, Sr. Smith,” Transmitiu Brown pelo Motorola.
Um dos polícias foi alvejado no meio da rua e agora rastejava em direção ao passeio, talvez na esperança de alcançar os arbustos situados em frente da casa. Usava proteção corporal. Fora provavelmente atingido nos pontos não protegidos, mas ainda podia constituir uma ameaça.
“Temos no chão um que ainda mexe! Quero-o arrumado.”
Quase de imediato, uma saraivada de balas atingiu o homem cujo corpo se torceu e estremeceu. Brown viu o tiro certeiro em câmara lenta. Atingira o homem no intervalo da proteção na nuca, entre a parte superior da proteção e a parte inferior do capacete. Um esguicho de sangue libertou-se do corpo do homem que não mais se mexeu.
“Boa pontaria, Sr. Smith. Fantástica pontaria. Agora mantém todos inoperacionais.”
Entretanto, Brown regressou à sala de controlo. O barco de pesca aproximava-se. Antes mesmo de chegar ao cais, uma equipa de homens com proteções pretas e capacetes, já saltava para a margem.
“Aí em baixo, ponham as máscaras!” Gritou Brown. “Vêm na direção dessa porta deslizante. Preparem-se para ripostar.”
“Afirmativo,” Respondeu alguém.
Os invasores posicionaram-se no cais. Transportavam escudos balísticos blindados e abaixavam-se atrás deles. Entretanto, apareceu um homem erguendo uma arma de gás lacrimogéneo. Brown alcançou a sua própria máscara e observou o projétil a voar na direção da casa. Atingiu a porta de vidro e penetrou na sala principal.
Um outro homem surgiu e disparou outro projétil. Depois, um terceiro homem disparou outro ainda. Todos os projéteis de gás lacrimogéneo atravessaram o vidro, invadindo a casa. A porta de vidro já não existia. No ecrã de Brown, era visível que a área próxima do saguão estava repleta de fumo.
“Aí em baixo, como estão as coisas?” Interrogou Brown. Alguns segundos sem resposta.
“Como estão as coisas!”
“Não te preocupes, amigo,” Respondeu o Australiano. “Qual é o problema de um bocado de fumo? Temos as nossas máscaras postas.”
“Disparem quando os tiverem na mira,” Ordenou Brown.
Observou os homens junto à porta deslizante a dispararem na direção do cais. Os invasores estavam cercados. Não conseguiam sair detrás dos seus escudos balísticos. E os homens de Brown tinham montes de munições prontas a disparar.
“Boa pontaria, rapazes,” Transmitiu Brown pelo walkie-talkie. “E já agora, afundem-lhes o barco.”
Brown sorriu cinicamente para si próprio. Podiam aguentar-se ali durante dias.
*
Era uma debandada. Havia homens caídos por toda a parte.
Luke caminhou cuidadosa e furtivamente na direção da casa. O homem na janela do piso superior estava com a mão quente. Fazia o que queria daqueles polícias. Luke estava próximo da parte lateral da casa. Do local onde se encontrava não tinha ângulo para disparar, mas o mais certo era o homem lá em cima também não o ver.
Luke viu o mau da fita a liquidar um polícia com um tiro certeiro na nuca.
“Ed, consegues ver bem o atirador do andar de cima?”
“Consigo enfiar-lhe uma bala pela garganta abaixo. Tenho a certeza que não me vê daqui.”
Luke anuiu. “Vamos a isso então. Isto está uma confusão por estas bandas.”
“Tens a certeza?” Perguntou Ed.
Luke analisou a parte superior da casa. O quarto sem janelas estava no extremo mais distante da casa a partir do ninho do atirador.
“Quase que aposto que eles estão naquele quarto sem janelas,” Disse Luke.
Por favor.
“Basta dizeres a palavra mágica,” Declarou Ed.
“Força.”
E Luke ouviu distintamente o som oco do lança-granadas.
Doonk!
Um míssil voou por detrás da linha de carros do outro lado da rua. Sem arco – apenas uma linha plana aproximando-se na diagonal. Embateu precisamente na janela. Passado um milésimo de segundo:
BANG.
A parte lateral da casa explodiu para o exterior soltando pedaços de madeira, vidro, aço e fibra de vidro. A arma na janela silenciou-se.
“Ótimo, Ed. Fantástico. Agora quero aquele buraco na parede.”
“E o que é que se diz?” Gracejou Ed.
“Se faz favor.”
Luke afastou-se e agachou-se atrás de um carro.
Doonk!
Outra linha plana se aproximou, três metros acima do solo. Atingiu a parte lateral da casa com um impacto brutal e abriu uma imensa ferida naquela parede. Uma bola de fogo irrompeu no interior, cuspindo fumo e escombros.
Luke quase saltou com a colisão.
“Espera,” Informou Ed. “Mais uma a caminho.”
Ed disparou novamente e desta vez penetrou ainda mais fundo na casa. Línguas de fogo vermelhas e laranja agitavam-se no buraco. O chão tremeu. Tudo bem. Chegara o momento.
Luke levantou-se e começou a correr.
*
A primeira explosão eclodira mesmo acima da sua cabeça. Toda a casa estremeceu. Brown relanceou a entrada do piso superior através do ecrã.
A extremidade mais distante tinha simplesmente desaparecido. O lugar onde se encontrava Smith já não existia. Apenas se via um buraco irregular onde pouco antes haviam estado a janela e o Sr. Smith.
“Sr. Smith?” Chamou Brown. “Estás aí, Sr. Smith?”
Silêncio absoluto.
“Alguém viu de onde veio?”
“Tu é que és os olhos, Ianque,” Declarou uma voz.
Estavam em sarilhos.
Alguns segundos mais tarde, um foguete atingiu a parte fronteira da casa. A onda de choque derrubou Brown. As paredes estavam a ruir. Subitamente, o teto da cozinha cedeu. Brown estava deitado no chão entre destroços. As coisas não estavam a correr como ele tinha previsto. Os polícias derrubavam portas, não dispavam foguetes por paredes adentro.
Outro foguete atingiu a casa, desta feita penetrando ainda mais fundo. Brown cobriu a cabeça. Tudo tremia. A casa parecia prestes a desabar.
Passou um momento. Agora alguém gritava. Não fosse isso e haveria silêncio. Brown ergueu-se e correu na direção das escadas. Quando se encaminhava para fora do compartimento, agarrou na sua arma e numa granada.
Atravessou a sala principal. Era uma carnificina, um autêntico matadouro. A divisão estava em chamas. Um dos homens de barbas estava morto, aliás, mais que morto – pedaços do que fora o seu corpo, avistavam-se por toda a parte. O Australiano tinha entrado em pânico e tirara a máscara. Tinha o rosto coberto de sangue negro, mas Brown não conseguia descortinar onde tinha sido atingido.
“Não vejo!” Gritava o homem. “Não vejo!”
Tinha os olhos bem abertos.
Um homem envergando uma proteção corporal e capacete atravessou calmamente a parede destruída. Silenciou o Australiano com o ensurdecedor disparo de uma arma automática. A cabeça do Australiano rebentou como um tomate. Ainda permaneceu de pé sem cabeça durante um ou dois segundos, depois caiu desamparado no chão.
O outro homem de barbas estava deitado no chão junto à porta das traseiras, a porta reforçada com aço duplo com que Brown se deliciara há apenas alguns momentos atrás. Os polícias nunca conseguiriam atravessar aquela porta. O barba #2 ficara ferido na explosão, mas ainda estava operacional. Arrastou-se até à parede, endireitou-se e alcançou a arma presa ao ombro.
O intruso abateu o barba #2 com um tiro à queima-roupa no rosto. Sangue, osso e uma substância cinzenta espalharam-se na parede.
Brown voltou-se e desatou a correr pelas escadas acima.
*
O ar estava repleto de fumo, mas ainda assim Luke conseguiu ver o homem a correr para as escadas. Olhou em seu redor e constatou que estavam todos mortos.
Satisfeito, correu para as escadas. O som da sua própria respiração retumbava-lhe nos ouvidos.
Ali estava vulnerável. As escadas eram tão estreitas que se alguém decidisse atirar sobre ele, seria difícil resistir. Mas ninguém o fez.
Na parte superior da casa, o ar já era respirável. À esquerda avistava a janela e parede destruídas onde o atirador se instalara. Num relance, viu as pernas do homem no chão. As botas apontavam em direções divergentes. O resto do corpo eclipsara-se.
Luke virou à direita. De forma instintiva, correu para o compartimento situado na extremidade da entrada. Largou a Uzi no corredor. Retirou a shotgun do ombro e largou-a também. Retirou a Glock do coldre.
Virou à esquerda na direção do quarto.
Becca e Gunner estavam amarrados em duas cadeiras desdobráveis com os braços atrás das costas. Tinham os cabelos desgrenhados como se alguém lhos tivessem divertidamente afagado. E de facto, ali estava um homem atrás deles. Deixou cair dois capuzes negros no chão e colocou o cano da arma encostado à nuca de Becca. Estava agachado numa posição muito baixa utilizando Becca à sua frente como escudo humano.
Os olhos de Becca estavam muito abertos e os de Gunner fechados. Chorava de forma incontrolável e todo o corpo estremecia com silenciosos soluços. Tinha molhado as calças.
Valeria a pena?
Vê-los daquela forma, indefesos, aterrorizados, valera a pena? Luke ajudara a travar um golpe de estado na noite anterior. Salvara a nova Presidente de morte quase certa, mas tinha valido a pena?
“Luke?” Articulou Becca como se não o reconhecesse.
Claro que não o reconhecia. Retirou o capacete.
“Luke,” Repetiu. Arquejou, talvez aliviada. Luke não conseguira decifrar. Era normal as pessoas emitirem ruídos em momentos extremos e não tinham necessariamente que ter um significado.
Luke ergueu a arma, apontando-a diretamente para o espaço entre as cabeças de Becca e Gunner. O homem sabia o que estava a fazer. Não havia nada que Luke pudesse atingir. Mas mesmo assim, Luke deixou a arma apontada àquele local. Observou pacientemente. O homem não seria sempre eficaz. Ninguém o era de forma permanente.
Naquele momento, Luke não sentia nada a não ser uma… Calma… De morte.
Não sentiu qualquer alívio a apoderar-se do seu corpo. Isto ainda não tinha terminado.
“Luke Stone?” Perguntou o homem. Luke assentiu. “Fantástico. Tem estado em toda a parte nestes últimos dias. É mesmo o Luke?”
Luke conseguira visualizar o rosto do homem antes de se agachar atrás de Becca. Tinha uma cicatriz vincada na bochecha esquerda. Cabelo à escovinha. As caraterísticas bem distintivas de alguém que passara toda a vida no exército.
“Quem quer saber?” Desafiou Luke.
“Chamam-me Brown.”
Um nome que não era um nome. O nome de um fantasma. “Bem, Brown, como queres fazer isto?”
Luke conseguia ouvir a polícia a invadir a casa logo abaixo deles.
“Que opções temos?” Redarguiu Brown.
Luke não se mexia, a arma à espera do momento certo para disparar. “Parece-me que temos duas opções. Podes morrer neste preciso momento ou, se tiveres sorte, na prisão daqui a muitos anos.”
“Ou podia estoirar os adoráveis miolos da tua mulher para cima de ti.”
Luke não respondeu. Limitava-se a apontar a arma. O braço não sentia cansaço. Nunca se cansaria. Mas os polícias iriam irromper pelas escadas acima a qualquer momento e isso ia alterar as coisas.
“E tu estarás morto um segundo depois.”
“Verdade,” Concedeu Brown. “Ou podia fazer isto.”
A mão livre colocou uma granada no colo de Becca.
Quando Brown se afastou, Luke largou a arma e mergulhou. Numa sequência de movimentos, agarrou na granada, atirou-a para a parede mais distante da divisão, derrubou as duas cadeiras e atirou Becca e Gunner para o chão.
Becca gritou.
Luke juntou-os com brusquidão, não era momento para delicadezas. Juntou-os mais e mais, posicionou-se em cima deles, cobriu-os com o seu corpo e com a sua proteção. Tentou torná-los invisíveis.
Durante um momento, nada aconteceu. Talvez fosse um ardil. A granada seria uma réplica e agora o homem chamado Brown tinha a vantagem do lado dele, matando-os a todos.
BOOOOOOOM!
E foi então que a explosão ocorreu, ensurdecendo quem se encontrava naquele compartimento. Luke juntou ainda mais a família. O chão trepidou. Pedaços de metal caíram sobre ele. Baixou ainda mais a cabeça. A pele desprotegida do seu pescoço ficara esfacelada. Continuou a cobri-los e a segurá-los.
A sua família tremia debaixo dele, estarrecida com o choque e o medo, mas viva.
Agora chegara o momento de matar aquele sacana. A Glock de Luke estava no chão ao seu lado. Pegou nela e levantou-se. Virou-se.
Um enorme buraco irregular tinha sido aberto no fundo do compartimento. Para lá dele, Luke conseguia ver a luz do dia e o céu azul. Conseguia ver a água verde escura da baía. E também conseguia ver que o homem chamado Brown tinha desaparecido.
Luke aproximou-se do buraco, utilizando os escombros da parede para se proteger. As bordas eram uma mistura de retalhos de madeira, placas de reboco partidas e isolamento de fibra de vidro destruído. Luke esperava ver um corpo estendido no chão, talvez desfeito em vários pedaços sangrentos. Mas não. Não havia qualquer corpo.
Por um momento, Luke pensou ter visto um chapinhar. Um homem poderia ter mergulhado na baía e desaparecido. Luke piscou os olhos e olhou novamente. Não conseguia ter a certeza.
De qualquer das formas, não havia sinal do homem chamado Brown.
CAPÍTULO TRÊS
21:03
Centro Médico da Marinha de Bethesda – Bethesda, Maryland
A luz do portátil cintilava na semi-escuridão do quarto privado do hospital. Luke estava sentado numa desconfortável cadeira de braços, a olhar para o monitor com um par de fones que se estendiam do computador até aos seus ouvidos.
Estava quase sem fôlego de gratidão e alívio. Doía-lhe o peito graças à dificuldade em respirar que experimentara nas últimas quatro ou cinco horas. Apetecera-lhe chorar, mas ainda não chegara a esse ponto. Talvez mais tarde.
O quarto tinha duas camas. Luke puxara uns cordelinhos e Becca e Gunner dormiam profundamente naquelas camas. Estavam sedados, mas não importava. Nenhum dos dois tinha dormido desde o momento em que haviam sido raptados.
Tinham passado dezoito horas de puro terror. Agora estavam a dormir. E assim ficariam durante muito tempo.
Nenhum se magoara. É verdade que ficariam com marcas psicológicas, mas fisicamente estavam bem. Os maus da fita não tinham conseguido levar a sua avante. Talvez ali estivesse estado a mão de Don Morris a protegê-los.
Pensou um pouco em Don. Agora que tudo tinha acabado, fazia sentido pensar nele. Don tinha sido o maior mentor de Luke. Desde que Luke se juntara à Força Delta aos vinte e sete anos até àquela manhã, vinte anos mais tarde, Don tinha sido uma presença constante na vida de Luke. Quando o Don criou a Special Response Team do FBI, reservara logo um lugar para Luke. Mais do que isso – recrutara Luke, convençara-o, conquistara-o e roubara-o aos Delta.
Mas Don mudara a dada altura e Luke não se apercebera. Don estava entre os conspiradores que tentaram derrubar o governo. Talvez um dia Luke compreendesse as motivações de Don, mas não hoje.
No monitor à sua frente, passavam imagens em direto da sala de imprensa repleta de gente a partir do que agora denominavam de “a Nova Casa Branca”. A sala tinha quase cem lugares sentados. Tinha uma inclinação gradual, como uma espécie de cinema. Todos os lugares estavam ocupados. Todo o espaço ao longo da parede do fundo estava ocupado. Uma multidão de pessoas estava nas laterais do palco.
Imagens da própria casa iam surgindo a espaços no ecrã. Era a bela mansão dos anos 50 do século XIX em estilo Queen Anne, torreada e com espigões, situada nos terrenos do Observatório Naval em Washington, D.C.. E de facto, era maioritariamente branca.
Luke sabia algumas coisas a seu respeito. Durante décadas havia sido a residência oficial do Vice-Presidente dos Estados Unidos. Agora, e no futuro próximo, seria a casa e gabinete da Presidente.
No ecrã via-se novamente a sala de imprensa quando a Presidente subiu ao palanque: Susan Hopkins, a antiga Vice-Presidente que tomara posse nessa mesma manhã. Era a primeira vez que se dirigia ao povo Americano como Presidente. Vestia um fato azul-escuro e o cabelo louro num penteado bob. O fato parecia algo volumoso o que significava que usava material à prova de bala debaixo dele.
Os olhos de Susan Hopkins apresentavam um misto de austeridade e suavidade. O mais provável era os assessores de imprensa a terem instruído no sentido de aparentar raiva, coragem e esperança, tudo em simultâneo. Um caracterizador de topo tinha conseguido esconder as queimaduras do seu rosto. A não ser que se soubesse onde estavam, não se conseguiria vê-las. Tal como tinha acontecido durante toda a sua vida, Susan era a mulher mais bela da sala.
O seu currículo era impressionante. Já tinha sido uma supermodelo adolescente, jovem esposa de um bilionário do setor tecnológico, mãe, Senadora pela Califórnia, Vice-Presidente e agora, de forma inesperada, Presidente. O anterior Presidente, Thomas Hayes, morrera num terrível incêndio subterrâneo e a própria Susan tivera muita sorte em sobreviver.
Luke salvara a sua vida duas vezes no dia anterior.
Retirou o computador do modo silêncio.
Susan estava rodeada de painéis de vidro à prova de bala. Dez agentes dos Serviços Secretos encontravam-se no palco com ela. A multidão de jornalistas na sala, ovacionava-a de pé. Os locutores da TV falavam em tom baixo. A câmara moveu-se, descobrindo o marido de Susan, Pierre e as suas duas filhas.
De volta à Presidente: erguera as mãos pedindo silêncio. Apesar disso, lançou um sorriso rasgado à plateia. E a multidão irrompeu novamente em aplausos. Aquela era a Susan Hopkins que conheciam: a rainha do entusiasmo nos talk shows diurnos, das cerimónias de inauguração e dos comícios políticos. Agora, as suas pequenas mãos convertiam-se em punhos que ela levantava acima da cabeça, quase como um árbitro a indicar um touchdown. A multidão manifestava-se, interminavelmente ruidosa.
A câmara deslocou-se. Rígidos jornalistas de Washington, D.C. e de outros pontos do país, jornalistas que integravam uma das mais desiludidas classes profissionais, perfilavam-se com lágrimas nos olhos. Alguns choravam abertamente. Luke vislumbrou Ed Newsam envergando um fato de listas escuro, apoiado às muletas. Luke também tinha sido convidado, mas preferira permanecer no hospital. Aliás, nem colocara a hipótese de estar noutro local.
Susan aproximou-se do microfone. A plateia silenciou-se gradualmente, o suficiente para que todos a ouvissem. Colocou as mãos com firmeza no palanque.
“Ainda aqui estamos,” Afirmou com a voz a tremer.
A multidão explodiu de júbilo.
“E sabem que mais? Não vamos a lado nenhum!”
Um som atroador penetrou nos fones de Luke, obrigando-o a diminuir o volume.
“Eu quero…” Disse Susan, e depois parou novamente. Aguardou. A ovação não dava sinais de terminar. Aguardou mais um pouco. Afastou-se do microfone, sorriu e disse algo ao agente muito alto dos Serviços Secretos que se encontrava a seu lado. Luke conhecia-o. Chamava-se Charles Berg. Também ele tinha salvo a vida de Susan no dia anterior. Ao longo de dezoito horas, a vida daquela mulher tinha estado constantemente em risco.
Quando os entusiásticos aplausos da multidão começaram a diminuir, Susan regressou ao palanque.
“Antes de falarmos, queria que me acompanhassem numa coisa,” Pediu. “Acompanham-me? Quero cantar ‘Deus Abençoe a América’. Sempre foi uma das minhas músicas preferidas.” Disse com um fio de voz. “E quero cantá-la esta noite. Cantam-na comigo?”
E a multidão assentiu num rugido, em uníssono.
E então, ela cantou. Sozinha, na sua voz trémula e sem treino, cantou. Não havia qualquer celebridade a cantar com ela. Não havia músicos de classe mundial a acompanhá-la. Ela cantou, sozinha, numa sala repleta de pessoas e com milhões a verem-na por todo o mundo.
“’Deus Abençoe a América,”’ Começou. Parecia uma menina a cantar. “’Terra que eu amo.”’
Era quase como ver alguém a caminhar num arame colocado entre dois edifícios. Era um ato de fé. Luke sentiu um nó na garganta.
O público não a deixou ali sozinha. De imediato, começaram a inundar a emotiva cena com vozes fortes a unirem-se à sua. E ela conduziu-os.
No exterior do quarto sem luz, algures ao fundo do corredor, no silêncio de um hospital adormecido, quem estava de serviço começou também a cantar.
Na cama ao lado de Luke, Becca mexeu-se. Abriu os olhos e respirou com dificuldade. A cabeça movimentou-se para a esquerda e para a direita. Parecia pronta para saltar da cama. Viu Luke a seu lado, mas parecia não o reconhecer.
Luke tirou os fones dos ouvidos. “Becca,” Murmurou.
“Luke?”
“Sim.”
“Podes abraçar-me?”
“Sim.”
Fechou a tampa do portátil. Deslizou para a cama ao lado. O corpo de Becca estava quente. Luke olhou para o seu rosto tão belo como o de qualquer supermodelo. Ela encostou-se firmemente ao corpo de Luke e ele tomou-a nos seus braços fortes. Abraçou-a com tanta força que quase parecia que se queria fundir nela.
Isto era bem melhor do que ver a Presidente.
Ao fundod o corredor e por toda a parte no país, em bares, restaurantes, casas, carros, o povo cantava.