Kitabı oku: «O Preço da Liberdade », sayfa 3
CAPÍTULO QUATRO
7 de Junho
20:51
Laboratório Nacional de Galveston, campus do Departamento Médico da Universidade do Texas – Galveston, Texas
“A trabalhar até tarde outra vez, Aabha?” Soou uma voz vinda do Céu.
A mulher exótica e de cabelo negro tinha uma beleza quase etérea. E na verdade, o seu nome em Hindi significava belo.
Sobressaltou-se com a voz e o corpo estremeceu involuntariamente. Levantou-se envergando um fato de proteção hermético branco, nas instalações de nível 4 de biossegurança do Laboratório Nacional de Galveston. O fato que a protegia fazia-a parecer um astronauta na lua. Nunca gostara de usar aquele fato. Sentia-se presa dentro dele. Mas o trabalho assim o exigia.
O fato estava ligado a um tubo amarelo que descia do teto. O tubo bombeava continuamente ar puro do exterior das instalações para o interior do fato de proteção. Mesmo que o fato se danificasse, a pressão positiva do tubo garantia que o ar do laboratório não penetrava no seu interior.
Os laboratórios BSL-4 eram os laboratórios com mais elevados níveis de segurança do mundo. Neles, os cientistas estudavam organismos mortais e altamente infeciosos que constituíam elevada ameaça para a saúde e segurança públicas. Naquele momento, na sua mão envolta numa luva azul, Aabha segurava um tubo selado com o mais perigoso vírus conhecido pelo homem.
“Sabes como sou,” Respondeu. O fato tinha um microfone incorporado que a fazia ouvir-se pelo guarda que a observava pelo circuito fechado de televisão. “Uma autêntica notívaga.”
“Eu sei. Já te vi por cá bem mais tarde.”
Aabha imaginou o homem a olhar por ela. Chamava-se Tom. Tinha peso a mais, meia-idade, divorciado. Só ela e ele, sozinhos dentro daquele enorme edifício vazio à noite, e ele pouco mais tinha que fazer do que observá-la. Era assustador pensar demasiado nisso.
Acabara de retirar o tubo da câmara frigorífica. Movimentando-se cuidadosamente, aproximou-se da cabina de biossegurança onde, em circunstâncias normais, ela abriria o tubo e analisaria o conteúdo.
Mas esta era uma noite tudo menos normal. Esta noite era o ponto culminante de anos de preparação. Esta noite era aquilo a que os Americanos chamavam de Grande Jogo.
Os colegas de trabalho no laboratório, incluindo Tom, o guarda-noturno, pensavam que aquela bela jovem se chamava Aabha Rushdie.
Mas não era esse o seu nome.
Pensavam que nascera no seio de uma família abastada na grande cidade de Deli no norte da Índia e que a sua família se mudara para Londres quando ela era criança. Era risível. Nada daquilo fazia parte da sua biografia real.
Pensavam que obtivera o doutoramento em microbiologia e ampla formação em BSL-4 no King’s College, em Londres. Tal também não correspondia à verdade, mas até poderia bem ser. Ela era tão versada a manusear bactérias e vírus como qualquer candidato a doutoramento, se não mais.
O tubo que segurava continha uma amostra liofilizada do vírus Ébola que tinha provocado o caos em África há alguns anos. Se se tratasse de uma amostra do vírus Ébola retirada de um macaco, um morcego ou até de uma vítima humana… Só isso o tornaria muito, muito perigoso de manusear. Mas era muito mais do que isso.
Aabha olhou para o relógio digital na parede. 20:54. Mais um minuto. Apenas precisava de mais um momento.
“Tom?” Chamou.
“Sim?” Perguntou a voz do outro lado.
“Assistiu ao discurso da Presidente na TV a noite passada?”
“Assisti.”
Aabha sorriu. “O que lhe pareceu?”
“Parecer? Bem, penso que temos problemas.”
“A sério? Eu gosto muito dela. Penso que é uma grande senhora. No meu país…”
De repente, as luzes no laboratório desligaram-se. Sem qualquer sinal – sem cintilações, ruído, nada. Durante alguns segundos, Aabha permaneceu numa escuridão total. O som dos ventiladores de convecção e equipamento elétrico, que constituíam um ruído de fundo constante no laboratório, abrandaram até parar completamente. Depois, seguiu-se o silêncio total.
Aabha imprimiu o tom certo de alarme à sua voz.
“Tom? Tom!”
“Está tudo bem, Aabha, está tudo bem. Espere um pouco. Estou a tentar… O que se passa aí? As minhas câmaras estão em baixo.”
“Não sei. Eu só…”
Uma fileira de luzes de emergência amarelas surgiu e os ventiladores começaram a funcionar novamente. A fraca luminosidade transformou o laboratório deserto num mundo assustador e inquietante. Tudo era sombrio, à exceção das luzes vermelho vivo de SAÍDA que brilhavam na semi-escuridão.
“Uau,” Exclamou ela. “Isto foi assustador. Por um minuto, o meu tubo de ar deixou de funcionar. Mas já está operacional.”
“Não sei o que aconteceu,” Declarou Tom. “Estamos a funcionar com reservas de energia em todo o edifício. Temos geradores de reserva de energia que deveriam ter ligado, mas não dispararam. Acho que isto nunca tinha acontecido. Ainda não tenho as minhas câmaras disponíveis. A Aabha está bem? Consegue sair daí?”
“Estou bem,” Disse. “Um pouco assustada, mas bem. As luzes de saída estão ligadas. Posso segui-las?”
“Pode. Mas deve seguir todos os protocolos de segurança, mesmo no escuro. Chuveiro químico para o fato, chuveiro normal para si – tudo isso. Caso contrário, se sentir que não consegue seguir o protocolo, terá que aguardar até enviar alguém até si ou até se restabelecer a energia.”
A voz tremeu-lhe ligeiramente. “Tom, o meu tubo de ar desligou-se. Se se desligar outra vez… Digamos que não quero estar aqui sem o meu tubo de ar. Sou capaz de seguir os protocolos de olhos fechados. Mas preciso de sair daqui.”
“Tudo bem. Mas não se esqueça: todos os procedimentos à risca. Eu confio em si. Mas não tenho luzes. Parece que vai estar escuro em toda a parte, durante todo o caminho. A câmara de vácuo esteve desligada por um minuto, mas já está operacional. O melhor é tirá-la daí o quanto antes. Assim que passar a câmara de vácuo, não terá dificuldades. Diga-me quando passar, ok? Quero desligá-la novamente para poupar energia.”
“Digo,” Replicou Aabha.
Movimentou-se lentamente na escuridão em direção à porta de saída para a câmara de vácuo com o tubo de Ébola ainda agarrado à mão direita enluvada. Demoraria cerca de vinte ou trinta minutos a seguir todos os procedimentos de saída. Mas isso não iria acontecer. Ela planeava atalhar a saída. Seria a saída de laboratório mais célere que já haviam visto.
Tom ainda falava com ela. “E tenha em atenção a segurança de todos os materiais e equipamento antes de sair. Não queremos que nada de perigoso circule por aí.”
Aabha abriu a primeira porta e esgueirou-se nela. Mesmo antes de a fechar, ouviu a voz de Tom pela última vez.
“Aabha?” Perguntou.
*
Aabha conduziu o BMW Z4 descapotável com a capota aberta.
A noite estava quente e ela ansiava por sentir o vento nos cabelos. Era a sua última noite em Galveston. Era a sua última noite como Aabha. Tinha cumprido a sua missão e após cinco longos anos infiltrada, esta página da sua vida estava definitivamente virada.
Despir uma identidade como se uma roupa se tratasse era uma sensação fantástica. Era liberdade, era alegria. Sentia-se quase como a protagonista de um anúncio de televisão.
Há muito que se tinha cansado da estudiosa e séria Aabha. Em quem se transformaria de seguida? Era uma pergunta deliciosa.
A distância até à marina era curta, apenas alguns quilómetros. Saiu da autoestrada e desceu a rampa até ao parque de estacionamento. Tirou a mala e a carteira da bagageira e deixou a chave no porta-luvas. Dali a uma hora, uma mulher que ela nunca vira, mas que teria caraterísticas semelhantes a Aabha, entraria no carro e arrancaria. De manhã, o carro já estaria a duzentos quilómetros de distância.
E isso entristeceu-a um pouco porque adorava aquele carro.
Mas o que era um carro? Nada mais do que uma infinidade de peças individuais, soldadas e aparafusadas e ligadas. Na verdade, nada mais do que uma abstração.
Caminhou nos seus saltos altos que ecoavam no chão pavimentado da marina. Passou pela piscina, encerrada àquela hora da noite, mas cuja sobrenatural luz azul de proveniência incerta, iluminava a água. As coberturas de palha dos pequenos abrigos de piquenique que protegiam do sol, resfolegavam ao som da brisa. Desceu uma rampa rumo ao primeiro cais.
Dali, podia ver o grande barco a iluminar a noite a partir da água, para lá do confim mais remoto de um labirinto Bizantino de cais interligados. O barco, um iate transoceânico de quase 230 metros era demasiado grande para atracar na marina. Era um hotel flutuante com discoteca, piscina e hidromassagem, ginásio e helicóptero pessoal com capacidade para quatro pessoas e heliporto. Era um castelo móvel, próprio para um rei moderno.
Um pequeno barco a motor esperava por ela ali no cais. Um homem ofereceu-lhe a mão, ajudando-a a deslocar-se do cais ao trincaniz e depois até ao cockpit. Sentou-se na parte de trás do barco ao mesmo tempo que o homem deslaçou as amarras, empurrou o barco da margem e o piloto iniciou marcha.
Aproximarem-se do iate naquele barco era como pilotar uma minúscula cápsula espacial que atracaria na nave-mãe mais gigantesca do universo. Nem sequer atracaram. O pequeno barco parou atrás do iate e um outro homem ajudou-a a trepar uma escada de cinco degraus até ao convés. O homem era Ismail, o conhecido assistente.
“Tem o agente?” Perguntou ele quando ela subiu a bordo.
Ela sorriu com arrogância. “Olá Aabha, como está?” Disse ela. “Que bom vê-la. Estou feliz por ter escapado incólume.”
Ele fez um movimento com a mão como se uma roda estivesse a girar. Vamos, vamos. “Olá Aabha. E mais o que quer que tenha dito. Tem o agente?”
Foi à bolsa e retirou de lá o tubo com o vírus Ébola. Por um milésimo de segundo, sobreveio-lhe uma vontade divertida de atirá-lo para o oceano. Em vez disso, segurou-o para ele o inspecionar. Ismail fixou o tubo.
“Que recipiente tão pequeno,” Disse. “Incrível.”
“Estão cinco anos da minha vida neste recipiente,” Atalhou Aabha.
Ismail sorriu. “Sim, mas daqui a cem anos as pessoas ainda cantarão canções sobre uma heroína chamada Aabha.”
Ele estendeu a mão como se Aabha fosse depositar o tubo na sua palma.
“Dou-lho a ele,” Disse ela.
Ismail encolheu os ombros. “Como queira.”
Aabha trepou umas escadas iluminadas com luzes verdes e entrou na cabina principal através de uma porta de vidro. A cabina gigante tinha um bar encostado a uma das paredes, várias mesas ao longo das paredes e uma pista de dança no meio. O chefe usava aquele espaço para se divertir. Aabha tinha estado naquele compartimento quando se aparentava a um clube em Berlim – sem lugares sentados, música a tocar tão alto que as paredes pareciam pulsar ao som da mesma, luzes estroboscópicas, corpos compactados uns contra os outros na pista de dança. Agora a divisão estava silenciosa e vazia.
Caminhou ao longo de uma entrada atapetada de vermelho com meia dúzia de vigias em cada lado e depois trepou outro lanço de escadas. No topo das escadas, outro corredor. Agora estava bem no centro do barco e a penetrar cada vez mais no seu interior. A maior parte dos convidados nunca ia tão longe. Chegou ao fim do corredor e bateu nas amplas portas duplas que ali encontrou.
“Entre,” Proferiu uma voz de homem.
Ela abriu a porta esquerda e entrou. Aquele compartimento nunca deixava de a surpreender. Era o quarto principal situado logo abaixo da cabina do piloto. Do outro lado do quarto, admirou uma janela de 180° curvada do chão ao teto que permitia vislumbrar aquilo de que o barco se aproximava, assim como o que estava à sua direita e à sua esquerda. A maior parte das vezes, a vista panorâmica era a de um vasto oceano aberto.
No lado esquerdo do quarto encontrava-se uma área de estar com um grande sofá transversal transformado num fosso de festa. Havia também duas cadeiras, uma mesa de jantar com quatro lugares e uma enorme televisão plana na parede com um sistema de som montado logo abaixo. Uma garrafeira alta e envidraçada estava a um canto, próximo da parede.
À direita de Aabha estava a cama em tamanho double-king com um espelho logo acima dela. O dono deste iate gostava de se divertir e aquela cama podia facilmente acomodar quatro pessoas, às vezes cinco.
De pé, em frente da cama, estava o dono de tudo aquilo. Usava um par de calças de cordão de seda branca, calçava sandálias e nada mais. Era alto e escuro. Teria talvez quarenta anos, o cabelo já estava salpicado de cinzento e a sua barba curta começava a ficar branca. Era muito bem-parecido e tinha uns olhos castanhos profundos.
O seu corpo era enxuto, musculado e perfeitamente proporcionado em forma de triângulo invertido – ombros largos e peito esculpido em abdominais bem definidos, terminando numa cintura estreita e pernas musculados logo abaixo. O lado esquerdo do peito era preenchido por uma tatuagem de um gigantesco cavalo negro, um puro-sangue árabe. O homem era dono de vários puros-sangue e assumia-os como o seu símbolo pessoal. Eram fortes, viris, majestosos, tal como ele.
Parecia em forma, saudável e repousado, tal como se esperaria de um homem muito rico com fácil acesso a dotados treinadores pessoais, à melhor alimentação e a médicos dispostos a administrar os tratamentos hormonais indicados para atrasar o processo de envelhecimento. Numa palavra, ele era belo.
“Aabha, minha adorável, adorável jovem. Quem vais ser depois desta noite?”
“Omar,” Disse. “Trouxe-te um presente.”
Ele sorriu. “Nunca duvidei que conseguisses. Nem por um momento.”
Ele acenou na sua direção e ela aproximou-se. Ela entregou-lhe o tubo mas ele colocou-o na mesa ao lado da cama quase sem olhar para ele.
“Mais tarde,” Disse ele. “Podemos pensar nisso mais tarde.”
Puxou-a para junto de si e ela sentiu o seu abraço forte. Aabha pressionou o rosto contra o seu pescoço sentindo o seu aroma, o odor subtil do seu perfume e um outro mais profundo e terreno, caraterístico dele. Este homem queria ser cheirado e isso era excitante para ela. Para ela, tudo nele era excitante.
Ele virou-se e deitou-a de barriga para baixo na cama. Ela deixou-se levar, ávida. Dali a um momento, já ela se contorcia enquanto ele lhe tirava a roupa e percorria o seu corpo. A voz profunda de Omar sussurrava-lhe palavras que em circunstâncias normais a chocariam. Mas ali, naquele quarto, fizeram-na gemer de prazer animal.
*
Quando Omar acordou já estava sozinho.
Isso era bom. Aabha conhecia as suas preferências. Enquanto dormia não gostava de ser perturbado pelos movimentos agitados e ruídos de outros. Dormir era descansar, não uma luta de wrestling.
O barco movimentava-se. Haviam abandonado Galveston, exatamente à hora marcada e agora atravessavam o Golfo do México em direção à Flórida. No dia seguinte atracariam próximos de Tampa e o pequeno tubo que Aabha lhe tinha trazido faria uma viagem a terra firme.
Pegou no tubo que colocara em cima da mesa-de-cabeceira. Apenas um pequeno tubo, feito de plástico espesso e resistente, com uma tampa vermelha no topo. O conteúdo era impercetível. Aparentava ser pouco mais do um monte de pó.
Ainda assim…
Tirava-lhe o fôlego! Segurar na mão aquele poder, o poder da vida e da morte. E não apenas o poder da vida e da morte sobre uma pessoa - o poder de matar muitas, muitas pessoas. O poder de aniquilar completamente uma população. O poder de manter nações reféns. O poder da guerra total. O poder da vingança.
Fechou os olhos e respirou fundo em busca de calma. Tinha sido um risco deslocar-se pessoalmente até Galveston, um risco desnecessário. Mas ele queria estar presente no momento em que tal arma lhe fosse entregue. Ele queria segurar a arma e sentir o poder que detinha na sua mão.
Colocou novamente o tubo na mesa, vestiu as calças e saiu da cama. Vestiu uma camisola do Manchester United e dirigiu-se ao convés onde estava Aabha recostada numa cadeira reclinável a olhar para a noite, para as estrelas e para a vastidão da água negra que os rodeava.
Um guarda-costas permanecia imóvel junto à porta.
Omar fez um gesto ao homem e este dirigiu-se à balaustrada.
“Aabha,” Chamou Omar. Ela virou-se e ele viu como ela estava sonolenta.
Ela sorriu e ele também. “Fizeste uma coisa maravilhosa,” Disse. “Tenho muito orgulho em ti. Talvez tenha chegado o momento de dormires.”
Ela assentiu. “Estou tão cansada.”
Omar inclinou-se e os seus lábios encontraram-se. Beijou-a profundamente, saboreou-a e guardou a memória das curvas do seu corpo, dos seus movimentos, dos seus sons.
“Mereces todo o descanso, minha querida.”
Omar olhou para o guarda-costas. Era um homem alto e forte. O guarda retirou um saco de plástico do bolso do seu casaco, aproximou-se atrás dela e num movimento silencioso enfiou o saco sobre a sua cabeça, apertando-o com força.
Imediatamente o seu corpo se tornou elétrico. Tentou arranhar e ferir o seu agressor. Os seus pés levantavam-na da cadeira. Ela lutou, mas era impossível. O homem era demasiado forte. Os seus pulsos e antebraços eram tensos, preenchidos por veias e músculos a fazer o seu trabalho.
Através do saco translúcido, podia ver-se o rosto de Aabha transformado numa máscara de terror e desespero. A sua boca era um O enorme, uma lua cheia, tentando encontrar ar e não o encontrando. Sugava plástico em vez de oxigénio.
O seu corpo ficou tenso e tornou-se rígido. Era como se fosse a escultura em madeira de uma mulher, o corpo inclinado, ligeiramente dobrado para trás a meio. Gradualmente, deixou de reagir. Enfraqueceu, apaziguou-se e depois, simplesmente deixou de resistir. O guarda-costas deixou-a afundar-se lentamente recostada na cadeira. Afundou-se com ela, guiando o seu corpo sem vida. Agora que estava morta, tratava-a com carinho.
O homem respirou fundo e olhou para Omar.
“O que faço com ela?”
Omar contemplou o negrume da noite.
Era uma pena matar uma jovem como Aabha, mas ela estava contaminada. Em breve, os Americanos ficariam a saber que o vírus desaparecera. Pouco depois, descobririam que Aabha fora a última pessoa a estar presente no laboratório onde a energia falhara.
Perceberiam que a falha de energia era o resultado do corte deliberado de um cabo subterrâneo e que a falha nos geradores de reserva era o resultado de uma cuidadosa sabotagem levada a cabo várias semanas antes. Fariam uma busca desesperada por Aabha, uma busca dura e feroz e não a poderiam encontrar nunca.
“Pede ajuda ao Abdul. Ele esvaziou baldes e cimento de secagem rápida no armário de equipamento na casa das máquinas. Leva-a para lá. Façam peso com um balde de cimento à volta dos pés e pernas, e larguem-na na parte mais profunda do oceano. A mais de mil pés de profundidade, se faz favor. Percebido, certo?”
O homem anuiu com a cabeça. “Sim, senhor.”
“Perfeito. Depois de tratarem disso, lavem todos os meus lençóis, almofadas e cobertores. Temos que ser cautelosos e destruir todas as provas. Na remota possibilidade dos Americanos revistarem este iate, não quero o ADN da mulher nas minhas coisas.”
O homem assentiu. “Claro.”
“Muito bem,” Terminou Omar.
Deixou o guarda-costas com o cadáver e regressou ao quarto principal. Era tempo de tomar um banho quente.
CAPÍTULO CINCO
10 de Junho
11:15
Condado Queen Anne, Maryland – Eastern Shore da Baía de Chesapeake
“Bem, talvez devamos simplesmente vender a casa,” Disse Luke.
Luke falava da velha casa de campo, a vinte minutos de distância do local onde agora se encontravam. Luke e Becca tinham alugado uma casa diferente, mais espaçosa e moderna para passarem as próximas duas semanas. Luke gostava mais desta nova casa, mas só lá estavam porque Becca se recusava a regressar a casa.
Ele compreendia a sua relutância. Claro que compreendia. Há quatro noites atrás, Becca e Gunner haviam sido raptados daquela casa. Luke não estava lá para os proteger. Podiam ter sido mortos. Tudo podia ter acontecido.
Olhou pela enorme e luminosa janela da cozinha. Gunner estava lá fora vestido com calças de ganga e uma t-shirt, a jogar algum jogo imaginário, como as crianças de nove anos costumam brincar. Dali a minutos, Gunner e Luke iriam partir do esquife e pescar.
A visão do filho encheu Luke de uma sensação de terror.
E se Gunner tivesse sido morto? E se ambos tivessem simplesmente desaparecido e nunca mais encontrados? E se dali a dois anos, Gunner já não brincasse jogos imaginários? Na cabeça de Luke só reinava confusão.
Sim, era horrível. Sim, nunca devia ter acontecido. Mas havia questões mais amplas em jogo. Luke, Ed Newsam e um grupo de pessoas tinham derrubado uma tentativa de golpe de estado e tinham reposto o que restava do democraticamente eleito governo dos Estados Unidos. Era possível que até tivessem salvo a própria democracia Americana.
Era tudo muito bonito, mas Becca não estava propriamente interessada em questões mais latas naquele momento.
Estava sentada à mesa da cozinha com um robe azul, a beber a sua segunda caneca de café. “É fácil para ti falar. Aquela casa está na minha família há centenas de anos.”
O cabelo de Rebecca era longo, escorrendo-lhe sobre os ombros. Os olhos eram azuis, emoldurados com pestanas espessas. A Luke, o seu belo rosto parecia finamente desenhado. Sentiu-se mal com isso. Na verdade, sentia-se mal com tudo o que tinha acontecido, mas não lhe ocorria nada para dizer que pudesse tornar tudo melhor.
Uma lágrima rolou na face de Becca. “O meu jardim está ali, Luke.”
“Eu sei.”
“Não posso trabalhar no meu jardim porque tenho medo. Tenho medo da minha própria casa, uma casa que conheço desde que nasci.”
Luke emudecera.
“E o Sr. e a Sra. Thompson… Estão mortos. Sabes isso, não sabes? Aqueles homens mataram-nos.” Olhou bruscamente para Luke. Os olhos acesos e furiosos. Becca manifestava uma tendência para se zangar com ele, às vezes por questões menores. Esquecera-se de lavar a loiça ou levar o lixo à rua. Quando isso acontecia, o seu olhar era muito semelhante ao que mostrava naquele momento. Luke pensava naquele olhar como o Olhar de Culpa. E naquele momento, o Olhar de Culpa para Luke era demasiado difícil de suportar.
Na sua mente desenhou-se uma breve imagem dos seus vizinhos, o Sr. e a Sra. Thompson. Se Hollywood procurasse um simpático casal idoso para interpretar uns quaisquer vizinhos do lado, os Thompson dariam uma ótima primeira escolha. Ele gostava dos Thompson e jamais quereria que as suas vidas tivessem terminado daquela forma. Mas muitas pessoas tinham morrido naquele dia.
“Becca, eu não matei os Thompson, ok? Lamento que tenham morrido e lamento que tu e o Gunner tenham sido raptados – vou lamentar isso o resto da minha vida e vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para vos compensar. Mas eu não o fiz. Eu não matei os Thompson. Eu não enviei pessoas para vos raptarem. Pareces estar a deturpar estas coisas na tua mente e não vou aceitar isso.”
Parou de falar. Era o momento ideal para parar, mas Luke não conseguia. As palavras jorravam-lhe em torrente.
“Tudo o que fiz foi sobreviver a uma saraivada de tiros e bombas. Estavam a tentar matar-me todo o dia e toda a noite. Fui alvejado, detonado, abalroado. E salvei a Presidente dos Estados Unidos, a tua Presidente, de uma morte quase certa. Isto foi o que eu fiz.”
Luke respirou com dificuldade como se tivesse acabado de fazer um sprint.
Lamentava tudo. Essa é que era a verdade. Magoava-o pensar que o seu trabalho lhe tinha causado sofrimento, magoava-o muito mais do que ela podia imaginar. Tinha deixado aquele trabalho no ano anterior por essa razão, mas fora chamado de volta por uma noite – uma noite que se transformara em noite, dia e outra inacreditavelmente longa noite. Uma noite durante a qual pensou ter perdido a sua família para sempre.
Becca já não confiava nele. Sentia isso muito nitidamente. A presença de Luke assustava-a. Ele era a causa do que tinha acontecido. Ele era imprudente, fanático e ia fazer com que ela e o único filho de ambos morressem.
Lágrimas correram silenciosamente do seu rosto. Um longo minuto decorreu.
“E isso interessa?” Disse Becca, quebrando o silêncio.
“O que é que interessa?”
“Interessa quem é o Presidente? Se eu e o Gunner tivéssemos morrido, interessava-te quem era o Presidente?”
“Mas vocês estão vivos,” Exclamou Luke. “Não estão mortos. Estão vivos e de saúde. Há uma grande diferença.”
“Ok,” Respondeu Becca. “Estamos vivos.” Era uma concordância que não era concordância.
“Quero dizer-te uma coisa,” Recomeçou Luke. “Vou retirar-me. Não quero continuar nesta vida. Sou capaz de ter algumas reuniões nos próximos dias, mas não vou aceitar mais missões. Fiz o que me competia. Agora acabou.”
Becca abanou suavemente a cabeça. Parecia já não ter sequer energia para se mexer. “Já disseste isso noutras ocasiões.”
“Eu sei, mas desta vez é a sério.”
*
“Tens que manter o barco sempre equilibrado.”
“Ok,” Disse Gunner.
Ele e o pai tinham carregado o barco com equipamento. Gunner vestia calças de ganga, uma t-shirt e um grande chapéu de pesca para o proteger do sol. Também tinha posto um par de óculos da Oakley que o pai lhe tinha oferecido. Luke tinha um par exatamente igual.
A t-shirt que vestia era do filme 28 Days Later, um fantástico filme de zombies. O único problema da t-shirt era que não mostrava nenhum zombie. Só tinha um símbolo de perigo biológico vermelho sob um fundo negro. Até fazia sentido que assim fosse. Os zombies do filme não eram bem os mortos-vivos. Eles eram pessoas que tinham sido infetadas por um vírus.
“Desliza esse refrigerador transversalmente,” Advertiu o pai.
O pai usava todas aquelas palavras estranhas quando estavam a pescar. Às vezes fazia Gunner rir. “Tranversalmente!” Gritou. “É para já, meu Capitão.”
O pai fez um movimento com a mão para lhe mostrar a posição que queria; pelo meio, de lado, não junto ao corrimão negro onde Gunner o tinha originalmente colocado. Gunner deslizou o grande refrigerador azul no local pretendido.
Estavam de pé virados um para o outro. O pai fez-lhe uma cara divertida. “Como está a correr, filho?”
Gunner hesitou. Sabia que estavam preocupados com ele. Tinha-os ouvido a sussurrar o seu nome durante a noite. Mas ele estava bem. Estava mesmo. Tinha tido medo e ainda tinha um pouco. Até tinha chorado, o que não era mau. Às vezes temos que chorar. Não devemos conter as lágrimas.
“Gunner?”
Bem, mais valia falar sobre o assunto.
“Pai, às vezes matas pessoas, não matas?”
O pai disse que sim com a cabeça. “Às vezes tem que ser. Faz parte do meu trabalho. Mas só mato homens maus.”
“Como consegues distinguir?”
“Às vezes não é fácil. E às vezes é. Os homens maus fazem mal às pessoas mais fracas que eles ou a pessoas inocentes que só querem saber das suas vidas. O meu trabalho é impedir que façam isso.”
“Como os homens que mataram o Presidente?”
O pai anuiu.
“Mataste-os?”
“Matei alguns.”
“E os homens que me levaram a mim e à mãe? Também os mataste, não foi?”
“Sim.”
“Ainda bem que o fizeste, pai.”
“Também acho, monstro. Eram aquele tipo de homens que têm de ser mortos.”
“És o melhor assassino do mundo?”
O pai abanou a cabeça e sorriu. “Não sei miúdo. Acho que não existem tabelas com os melhores assassinos. Não é como um desporto. Não existe um campeão do mundo de mortes. De qualquer das formas, vou deixar essa vida. Quero passar mais tempo contigo e com mãe.”
Gunner ficou a pensar. No dia anterior tinha visto o pai num programa de informação na TV. A referência fora breve, mas vira a foto e o nome do pai, e imagens de vídeo do pai mais novo no Exército. Luke Stone, o operacional da Força Delta. Luke Stone da Special Response Team do FBI. Luke Stone e a sua equipa tinham salvo o governo dos Estados Unidos.
“Tenho orgulho em ti, pai. Mesmo que nunca chegues a campeão do mundo.”
O pai riu-se. Apontou na direção do cais. “Então, pronto?”
Gunner assentiu.
“Afastamo-nos, ancoramos e vemos se conseguimos encontrar robalos riscados a alimentarem-se na maré baixa.”
Gunner concordou. Afastaram-se do cais e avançaram lentamente ao longo da zona de baixa velocidade. Segurou-se bem quando o barco ganhou mais velocidade.
Gunner olhou para o horizonte à frente deles. Ele era o batedor e tinha que se manter atento. Tinham pescado juntos três vezes na última primavera, mas não tinham apanhado nada. Quando se ia pescar e não se apanhava nada, o pai dizia que tínhamos ficado a ver navios. Naquele momento, estavam mesmo a ver navios.
Dali a pouco tempo, Gunner observou alguns salpicos a meia distância a estibordo. Algumas andorinhas-do-mar brancas estavam a mergulhar, a cair na água que nem bombas.
“Olha!”
O pai sorriu.
“Robalos riscados?”
O pai abanou a cabeça. “Anchovas.” Depois disse, “Espera.”
Ligou o motor e dali a instantes escumavam, rolavam, ainda a ganhar velocidade com o barco a apressar-se e Gunner lançado para trás. Um minuto mais tarde, diminuíram velocidade até à espuma branca e acomodaram-se ao sabor da ondulação.
Gunner agarrou em duas longas canas de pesca com anzóis com isco. Entregou uma das canas ao pai e depois lançou a sua linha sem demoras. Quase de imediato, sentiu um puxão pesado. A cana rejubilava com uma vivacidade selvagem, vibrando de vida. Uma força invisível quase lhe arrancava a cana de pesca das mãos. A linha partiu-se e afrouxou. A anchova tinha-a quebrado. Virou-se para dizer ao pai, mas também ele estava em dificuldades com a cana dobrada em dois.
Gunner agarrou numa rede e preparou-se. Uma muito zangada anchova prateada, azul, verde e branca, foi içada da água para o cockpit.
“Belo peixe.”
“E forte!”
A anchova caiu no convés, apanhada pela malha verde da rede de mão.