Kitabı oku: «Como e porque sou romancista», sayfa 3
IV
O primeiro broto da semente que minha boa mãe lançara em meu espirito infantil, ignara dos desgostos que preparava á seu filho querido, veio dois annos depois.
Entretanto é preciso que lhe diga. Si a novella foi a minha primeira licção de litteratura, não foi ella que me estreou na carreira de escriptor. Este titulo cabe á outra composição, modesta e ligeira, e por isso mesmo mais propria para exercitar um espirito infantil.
O dom de produzir a faculdade creadora, si a tenho, foi a charada que a desenvolveu em mim, e eu teria prazer em referir-lhe esse episodio psychologico, si não fosse o receio de alongar-me demasiado, fazendo novas excursões fóra do assumpto que me propuz.
Foi em 1841.
Já então haviamos deixado a casa da rua do Conde, e moravamos na Chacara da rua de Maruhy n. 7, d'onde tambem sahiram importantes acontecimentos de nossa historia politica. E todavia ninguem se lembrou ainda de memorar o nome do Senador Alencar, nem mesmo por esse meio economico de uma esquina de rua.
Não vai nisso mais que um reparo, pois sou avesso á semelhante modo de honrar a memoria dos benemeritos; além de que ainda não perdi a esperança de escrever esse nome de minha veneração no frontespicio de um livro que lhe sirva de monumento. O seu vulto historico, não o attingem por certo as calumnias posthumas que sem reflexão foram acolhidas em umas paginas ditas de historia constitucional; mas quantos dentre vós estudam conscienciosamente o passado?
Como a revolução parlamentar da maioridade, a revolução popular de 1842 tambem sahiu de nossa casa, embora o plano definitivo fosse adoptado em casa do Senador José Bento á rua do Conde 39.
Nos paroxismos, quando a abortada revolução já não tinha glorias, mas só perigos para os seus adeptos, foi na chacara do Senador Alencar que os perseguidos acharam asylo: em 1842 como em 1848.
Entre os nossos hospedes da primeira revolução, estava o meu excellente amigo Joaquim Sombra, que tomara parte no movimento sedicioso do Exú e sertões de Pernambuco.
Contava elle então os seus vinte e poucos annos: estava na flor da mocidade, cheio de illusões e enthusiasmos. Meus versos arrebentados á força de os esticar, agradavam-lhe ainda assim, porque no fim de contas eram um arremedo de poesia; e por ventura levavam um perfume da primavera d'alma.
Vendo-me elle essa mania de rabiscar, certo dia propoz-me que aproveitasse para uma novella o interessante episodio da sedição, do qual era elle o protogonista.
A idea foi acceita com fervor; e tratamos logo de a por em obra.
A scena era em Pajihú de Flores, nome que só por si enchia-me o espirito da fragrancia dos campos nativos, sem fallar dos encantos com que os descrevia o meu amigo.
Esse primeiro rascunho foi-se com os folguedos da infancia que o viram nascer. Das minhas primicias litterarias nada conservo; lancei-as ao vento, como palhiço que eram da primeira copa.
Não acabei o romance do meu amigo Sombra; mas em compensação de não tel-o feito heróe de um poema, coube-me, vinte sete annos depois, a fortuna mais prosaica de nomeal-o coronel, posto que elle dignamente occupa e no qual presta relevantes serviços á causa publica.
Um anno depois parti para S. Paulo, onde ia estudar os preparatorios que me faltavam para a matricula no curso juridico.
V
Com a minha bagagem, lá no fundo da canastra, iam uns quadernos escriptos em lettra miuda e conchegada. Eram o meu thesouro litterario.
Alli estavam fragmentos de romances, alguns apenas começados, outros já no desfecho, mas ainda sem principio.
De charadas e versos nem lembrança. Estas flores ephemeras das primeiras aguas tinham passado com ellas. Rasgara as paginas dos meus canhenhos e atirara os fragmentos no turbilhão das folhas seccas das mangueiras, á cuja sombra folgara aquelle anno feliz de minha infancia.
Nessa epocha tinha eu dois moldes para o romance.
Um merencorio, cheio de mysterios e pavores; esse, o recebera das novellas que tinha lido. Nelle a scena começava nas minas de um castello, amortalhadas pelo baço clarão da lua; ou n'alguma capella gothica frouxamente esclarecida pela lampada, cuja luz esbatia-se na lousa de uma campa.
O outro molde, que me fôra inspirado pela narrativa pittoresca do meu amigo Sombra, era risonho, loução, brincado, recendendo graças e perfumes agrestes. Ahi a scena abria-se em uma campina, marchetada de flores, e regada pelo sussurrante arroio que a bordava de recamos cristalinos.
Tudo isto porem era esfumilho que mais tarde devia apagar-se.
A pagina academica é para mim, como para os que a viveram, riquissima de reminiscencias, e nem podia ser de outra fórma, pois abrange a melhor monção da existencia.
Não tomarei della porem sinão o que tem relação com esta carta.
Ao chegar a S. Paulo era eu uma criança de treze annos, commettida aos cuidados de um parente, então estudante do terceiro anno, e que actualmente figura com lustre na politica e na magistratura.
Algum tempo depois de chegado, installou-se a nossa republica ou communhão academica á rua de S. Bento, esquina da rua da Quitanda, em um sobradinho acachapado, cujas lojas do fundo eram occupadas por quitandeiras.
Nossos companheiros foram dois estudantes do quinto anno; um delles já não é deste mundo; o outro pertence á alta magistratura, de que é ornamento. Naquelles bons tempos da mocidade, deleitava-o a litteratura, e era enthusiasta do Dr. Joaquim Manoel de Macedo que pouco havia publicara o seu primeiro e gentil romance – A Moreninha.
Ainda me recordo das palestras em que o meu companheiro de casa fallava com abundancias de coração em seu amigo e nas festas campestres do romantico Itaborahy, das quaes o jovem escriptor era o idolo querido.
Nenhum dos ouvintes bebia esses pormenores com tamanha avidez como eu, para quem eram elles completamente novos. Com a timidez e o acanhamento de meus treze annos, não me animava á intervir na palestra; escutava á parte; e por isso ainda hoje tenho-as gravadas em minhas reminiscencias, á estas scenas do viver escholastico.
Que extranho sentir não despertava em meu coração adolescente a noticia dessas homenagens de admiração e respeito tributados ao joven author da Moreninha! Qual regio diadema valia essa aureola de enthusiasmo á cingir o nome de um escriptor?
Não sabia eu então que em meu paiz essa luz, que dizem gloria, e de longe se nos affigura radiante e esplendida, não é sinão o baço lampejo de um fogo de palha.
Naquelle tempo o commercio dos livros era como ainda hoje artigo de luxo; todavia, apesar de mais baratas, as obras litterarias tinham menor circulação. Provinha isso da escassez das communicações com a Europa, e da maior raridade de livrarias e gabinetes de leitura.
Cada estudante porem, levava comsigo a modesta provisão que juntara durante as ferias, e cujo uso entrava logo para a communhão escolastica. Assim correspondia S. Paulo ás honras de sede de uma academia, tornando-se o centro do movimento litterario.
Uma das livrarias, a que maior cabedal trazia á nossa commum bibliotheca, era de Francisco Octaviano, que herdou do pai uma escolhida collecção das obras dos melhores escriptores da litteratura moderna, a qual o jovem poeta não se descuidava de enriquecer com as ultimas publicações.
Meu companheiro de casa era dos amigos de Octaviano, e estava no direito de usufruir sua opulencia litteraria. Foi assim que um dia vi pela primeira vez o volume das obras completas de Balzac, nessa edicção em folha que os typographos da Belgica vulgarisam por preço modico.
As horas que meu companheiro permanecia fóra, passava-as eu com o volume na mão, á reler os titulos de cada romance da collecção; hesitando na escolha daquelle por onde havia de começar. Afinal decidia-me por um dos mais pequenos; porem, mal começada a leitura, desistia ante a difficuldade.
Tinha eu feito exame de francez á minha chegada em S. Paulo e obtivera approvação plena, traduzindo uns trechos do Telemaco e da Henriqueida; mas, ou soubesse eu de outiva a versão que repeti, ou o francez de Balzac não se parecesse em nada com o de Fenelon e Voltaire; o caso é que não conseguia comprehender um periodo de qualquer dos romances da collecção.
Todavia achava eu um prazer singular em percorrer aquellas paginas, e por um ou outro fragmento de idea que podia colher nas phrases indecifraveis, imaginava os thesouros, que alli estavam defezos á minha ignorancia.
Conto-lhe este pormenor para que veja quão descurado foi o meu ensino de francez, falta que se deu em geral com toda a minha instrucção secundaria, a qual eu tive de refazer na maxima parte, depois de concluido o meu curso de direito, quando senti a necessidade de crear uma individualidade litteraria.
Tendo meu companheiro concluido a leitura de Balzac, á instancias minhas, passou-me o volume, mas constrangido pela opposição de meu parente que receiava dessa diversão.
Encerrei-me com o livro, e preparei-me para a lucta. Escolhido o mais breve dos romances, armei-me do diccionario, e tropeçando á cada instante, buscando significados de palavra em palavra, tornando atraz para reatar o fio da oração; arquei sem esmorecer com a improba tarefa. Gastei oito dias com a Grenadière; porém um mez depois acabei o volume de Balzac; e no resto do anno li o que então havia de Alexandre Dumas e Alfredo de Vigny, além de muito de Chateaubriand e Victor Hugo.
A eschola franceza, que eu então estudava nesses mestres da moderna litteratura, achava-me preparado para ella. O molde do romance, qual m'o havia revelado por mera casualidade aquelle arrojo de criança á tecer uma novella com os fios de uma ventura real; fui encontral-o fundido com a elegancia e belleza que jamais lhe poderia dar.
E ahi está, porque justamente quando a sorte me deparava o modelo á imitar, meu espirito desquitava-se dessa, a primeira e a mais cara de suas aspirações, para devaneiar por outras devesas litterarias, onde brotam flores mais singelas e modestas.
O romance, como eu agora o admirava, poema da vida real, me apparecia na altura dessas criações sublimes, que a Providencia só concede aos semi-deuses do pensamento; e que os simples mortaes não podem ousar, pois arriscam-se á derreter-lhes o sol, como á Icaro, as pennas de cysne grudadas com cêra.
Os arremedos de novellas, que eu escondia no fundo do meu bahú, desprezei-os ao vento. Peza-me ter destruido as provas desses primeiros tentamens que seriam agora reliquias para meus filhos, e estimulos para fazerem melhor. Só por isso; que de valor litterario não tinham nem ceitil.