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Kitabı oku: «Como e porque sou romancista», sayfa 4

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Os dois primeiros annos que passei em S. Paulo, foram para mim de contemplação e recolhimento de espirito. Assistia arredio ao bulicio academico; e familiarisava-me de parte com esse viver original, inteiramente desconhecido para mim, que nunca fôra pensionista de collegio, nem havia até então deixado o regaço da familia.

As palestras á meza do chá; as noites de cinismo conversadas até o romper d'alva entre a fumaça dos cigarros; as anedoctas e aventuras da vida academica, sempre repetidas; as poesias classicas da litteratura paulistana e as cantigas tradiccionaes do povo estudante; tudo isto sugava o meu espirito adolescente, como a tenra planta que absorve a limpha, para mais tarde desabrochar a talvez pallida florinha.

Depois vinham os discursos recitados nas solemnidades escolares, alguma nova poesia de Octaviano; os brindes nos banquetes de estudantes; o apparecimento de alguma obra recentemente publicada na Europa; e outras novidades litterarias, que agitavam a rotina do nosso viver habitual e commoviam um instante a colonia academica.

Não me recordo de qualquer tentamen litterario de minha parte até fins de 1844.

Os estudos de philosophia e historia preenchiam o melhor de meu tempo, e de todo me attrahiam.

O unico tributo que paguei então á moda academica, foi o das citações. Era nesse anno de bom tom ter de memoria phrases e trechos escolhidos dos melhores authores, para repetil-os á proposito.

Vistos de longe, e atravez da razão, esses arremedos de erudicção, arranjados com seus remendos alheios, nos parecem ridiculos; e todavia é esse jogo de imitação que primeiro imprime ao espirito a flexibilidade, como ao corpo o da gymnastica.

Em 1845 voltou-me o prurido de escriptor; mas esse anno foi consagrado á mania que então grassava de baironisar. Todo estudante de alguma imaginação queria ser um Byron; e tinha por destino inexoravel copiar ou traduzir o bardo inglez.

Confesso que não me sentia o menor geito para essa transfusão; talvez pelo meu genio taciturno e concentrado, que já tinha em si melancolia de sobejo, para não carecer desse emprestimo. Assim é que nunca passei de algumas peças ligeiras, das quaes não me figurava heróe e nem mesmo author; pois divertia-me em escrevel-as com o nome de Byron, Hugo, ou Lamartine nas paredes de meu aposento á rua de S. Thereza, onde alguns camaradas d'aquelle tempo, ainda hoje meus bons amigos, os Drs. Costa Pinto e José Brusque, talvez se recordem de as terem lido.

Era um desacato aos illustres poetas attribuir-lhes versos de confecção minha; mas a brocha do caiador, incumbido de limpar a casa pouco tempo depois de minha partida, vingou-os desse innocente estratagema, com que nesse tempo eu libava a delicia mais suave para o escriptor: ouvir ignoto o louvor de seu trabalho.

Que satisfação intima não tive eu, quando um estudante, que era então o inseparavel amigo de Octaviano e seu irmão em lettras, mas hoje chama-se o Barão de Ourem, releu com enthusiasmo uma dessas poesias, seduzido sem duvida, pelo nome do pseudo-author! É natural que hoje nem se lembre desse pormenor; e mal saiba que de todos os cumprimentos que depois recebi de sua cortezia, nenhum valia aquelle expontaneo movimento.

Os dois annos seguintes pertencem á imprensa periodica. Em outra occasião escreverei esta, uma das paginas mais agitadas da minha adolescencia. Dahi datam as primeiras raizes de jornalista; como todas as manifestações de minha individulidade, essa tambem iniciou-se no periodo organico.

O unico homem novo e quasi extranho que nasceu em mim com a virilidade, foi o politico. Ou não tinha vocação para essa carreira, ou considerava o governo do estado coisa tão importante e grave, que não me animei nunca a ingerir-me nesses negocios. Entretanto eu sahia de uma familia para quem a politica era uma religião, e onde se haviam elaborado grandes acontecimentos de nossa historia.

Fundamos, os primeirannistas de 1846, uma revista semanal sob o titulo —Ensaios Litterarios.

Dos primitivos collaboradores desse periodico, saudado no seu apparecimento por Octaviano e Olimpio Machado, já então redactores da Gazeta Official, falleceu ao terminar o curso o Dr. Araujo, inspirado poeta. Os outros ahi andam dispersos pelo mundo. O Dr. José Machado Coelho de Castro é presidente do Banco do Brazil; o Dr. João Guilherme Whitaker é juiz de direito em S. João do Rio Claro; e o conselheiro João de Almeida Pereira, depois de ter luzido no ministerio e no parlamento, repousa das lides politicas no remanso da vida privada.

VI

Foi somente em 1848 que resurgiu em mim a veia do romance.

Acabava de passar dois mezes em minha terra natal. Tinha-me repassado das primeiras e tão fagueiras recordações da infancia, alli nos mesmos sitios queridos onde nascera.

Em Olinda onde estudava meu terceiro anno e na velha bibliotheca do convento de S. Bento á ler os chronistas da era colonial; desenhavam-se á cada instante na tela das reminiscencias, as paysagens do meu patrio Ceará.

Eram agora os seus taboleiros gentis; logo apoz as varzeas amenas e graciosas; e por fim as matas seculares que vestiam as serras como a ararroia verde do guerreiro tabajara.

E atravez destas tambem esfumavam-se outros paineis, que me representavam o sertão em todas as suas galas de inverno, as selvas gigantes que se prolongam até os Andes, os rios caudalosos que avassalam o deserto, e o magestoso S. Francisco transformado em um oceano, sobre o qual eu navegara um dia.

Scenas estas que eu havia contemplado com olhos de menino dez annos antes, ao atravessar essas regiões em jornada do Ceará á Bahia; e que agora se debuxavam na memoria do adolescente, e coloriam-se ao vivo com as tintas frescas da palheta cearense.

Uma coisa vaga e indecisa, que devia parecer-se com o primeiro broto do Guarany ou de Iracema, fluctuava-me na fantasia. Devorando as paginas dos alfarrabios de noticias coloniaes, buscava com soffreguidão um thema para o meu romance; ou pelo menos um protogonista, uma scena e uma epocha.

Recordo-me de que para o martyrio do Padre Francisco Pinto, morto pelos Indios do Jaguaribe, se volvia meu espirito com predilecção. Intentava eu figural-o na mesma situação em que se achou o Padre Anchieta, na praia de Iperoig; mas succumbindo afinal á tentação. A lucta entre o apostolo e o homem, tal seria o drama, para o qual de certo me falleciam as forças.

Actualmente que, embora em scena diversa, já tratei o assumpto em um livro proximo á vir á lume; posso avaliar da difficuldade da empreza.

Subito todas aquellas locubrações litterarias apagaram-se em meu espirito. A molestia tocara-me com sua mão descarnada; e deixou-me uma especie de terror da solidão em que tanto se deleitava o meu espirito, e onde se embalavam as scismas e devaneios de fantasia. Foi quando desertei de Olinda, onde só tinha casa de estado, e acceitei a boa hospitalidade de meu velho amigo Dr. Canarim, então collega de anno e um dos seis da colonia paulistana, á que tambem pertenciam o conselheiro Jesuino Marcondes e o Dr. Luiz Alvares.

Dormiram as lettras, e creio que tambem a sciencia, um somno folgado. De pouco se carecia para fazer então em Olinda um exame soffrivel e obter a approvação plena. Em Novembro regressei á Côrte com a certidão precisa para a matricula do 4º anno. Tinha pois cumprido o meu dever.

Nessas ferias, emquanto se desenrolava a rebellião de que eu vira o assomo e cuja catastrophe chorei com os meus, refugiei-me da tristeza que envolvia nossa casa, na litteratura amena.

Com as minhas bem parcas sobras, tomei uma assignatura em um gabinete de leitura que então havia á Rua da Alfandega, e que possuia copiosa collecção das melhores novellas e romances até então sahidos dos prelos francezes e belgas.

Nesse tempo, como ainda hoje, gostava do mar; mas naquella idade as predilecções têm mais vigor e são paixões. Não sómente a vista do oceano, suas magestosas perspectivas, a magnitude de sua criação, como tambem a vida maritima, essa temeridade do homem em lucta com o abysmo, me enchiam de enthusiasmo e admiração.

Tinha em um anno atravessado o oceano quatro vezes, e uma dellas no brigue-escuna Laura que me transportou do Ceará ao Recife com uma viagem de onze dias, á vela. Essas impressões recentes alimentavam a minha fantasia.

Devorei os romances maritimos de Walter Scott e Cooper, um apoz outro; passei aos do Capitão Marryat e depois á quantos se tinham escripto desse genero, pesquiza em que me ajudava o dono do gabinete, um francez, de nome Cremieux, se bem me recordo, o qual tinha na cabeça toda a sua livraria.

Li nesse decurso muita cousa mais: o que me faltava de Alexandre Dumas e Balzac, o que encontrei de Arlincourt, Frederico Soulié, Eugénio Sue e outros. Mas nada valia para mim as grandiosas marinhas de Scott e Cooper e os combates heroicos de Marryat.

Foi então, fazem agora vinte e seis annos, que formei o primeiro esboço regular de um romance, e metti hombros á empreza com infatigavel porfia. Enchi rimas de papel que tiveram a má sorte de servir de mecha para accender o cachimbo.

Eis o caso. Já formado e praticante no escriptorio do Dr. Caetano Alberto, passava eu o dia, ausente de nossa chacara á rua do Maruhy n. 7 A.

Meus queridos manuscriptos, o mais precioso thesouro para mim, eu os trancara na commoda; como, porém, tomassem o lugar da roupa, os tinham, sem que eu soubesse, arrumado na estante.

D'ahi, um desalmado hospede, todas as noites quando queria pitar, arrancava uma folha, que torcia á modo de pavio e accendia na vela. Apenas escaparam ao incendiario alguns capitulos em dois canhenhos, cuja lettra miuda á custo se distingue no borrão de que a tinta, oxydando-se com o tempo, saturou o papel.

Tinha esse romance por titulo — Os Contrabandistas. Sua feitura havia de ser consoante á inexperiencia de um moço de 18 annos, que nem possuia o genio precoce de Victor Hugo, nem tinha outra educação litteraria, senão essa superficial e imperfeita, bebida em leituras á esmo. Minha ignorancia dos estudos classicos era tal, que eu só conhecia Virgilio e Horacio, como pontos difficeis do exame de latim, e de Homero apenas sabia o nome e a reputação.

Mas o traço dos Contrabandistas, como o gizei aos 18 annos, ainda hoje o tenho por um dos melhores e mais felizes de quantos me sugeriu a imaginação. Houvesse edictor para as obras de longo folego, que já essa andaria á correr mundo, de preferencia á muitas outras que dei á estampa nestes ultimos annos.