Um Quarto De Lua

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Índice

  Cover

  Title

  Copyright

  Indice

  Prólogo

  Primeiro Capítulo

  Segundo Capítulo

  Terceiro Capítulo

  Quarto Capítulo

  Quinto Capítulo

  Sexto Capítulo

  Sétimo Capítulo

  Oitavo Capítulo

  Nono Capítulo

  Décimo Capítulo

  Décimo primeiro Capítulo

  Décimo segundo Capítulo

  Décimo terceiro Capítulo

  Décimo quarto Capítulo

  Décimo quinto Capítulo

  Décimo sexto Capítulo

  Décimo sétimo Capítulo

  Décimo oitavo Capítulo

  Décimo nono Capítulo

  Vigésimo Capítulo

Maria Grazia Gullo - Massimo Longo

Um quarto de Lua

As Sentinelas de Campoverde

Tradução de Adérito Francisco Huó

Copyright © 2018 M.G.Gullo – M.Longo

A imagem da capa, as ilustrações e a gráfica foram realizadas e preparadas por Massimo Longo

Tradução de Adérito Francisco Huó

Todos os direitos reservados.

Código ISBN:

ISBN-13:

Índice


Primeiro Capítulo É tão esquivo quando tento abraçá-lo…
Segundo Capítulo Obcecava-o com um sussurro gélido
Terceiro Capítulo Apercebendo-se do seu terror, começou a rir
Quarto Capítulo Como um mau presságio, murmurava palavras numa língua desconhecida
Quinto Capítulo cara a cara com algo de monstruoso
Sexto Capítulo A sua mente estava usurpado por aquelas lengalengas
Sétimo Capítulo Letras incompreensíveis exaltavam-se ao som da cantiga
Oitavo Capítulo Reflectia aquela terrível imagem
Nono Capítulo Uma escada em forma de caracol subia infinitamente para cima
Décimo Capítulo No fim lhe parecia ter o poderio para desfundar o céu com as mãos
Décimo primeiro Este pensamento molestava teimosamente a sua alma
Décimo segundo Capítulo Relembrava uma infusão de alho e cheirava enxofre
Décimo terceiro Capítulo Caiu do céu arrastando consigo todas as nuvens mais escuras
Décimo quarto Capítulo Desceu por uma nuvem surfando
Décimo quinto Capítulo É como se desaparecesse nas profundidades da terra
Décimo sexto Capítulo De repente um estranho gorgolejo profundo
Décimo sétimo Capítulo Com o seu passo elegante atravessou o limiar
Décimo oitavo Capítulo As garras encravaram-se ainda mais na profundidade
Décimo nono Capítulo Como é que se faz um bolo margherita
Vigésimo Capítulo Chamo-me de tempos em tempos com o nome que me é dado

Prólogo

- Verás que tudo vai correr bem, já és grande… Volta a brincar com as outras crianças, nos veremos um dia, te prometo!

A criança reparava desaparecendo lentamente, com os olhos cobertos de lágrimas, aquele que tinha sido o seu companheiro nas brincadeiras se é que a memória não falhe.

Correu rapidamente em direcção dos carrosséis do parque abandonado, onde voltou a brincar com as crianças do bairro, no momento em que a lembrança do seu amigo imaginário desvanecia.

Chegou, entre empurrões, a sua vez ao escorregão. Não esperou um instante e lançou-se no declive com todo o ímpeto possível. Nem sequer teve o tempo de chegar ao fim do declive, eis que viu surgir uma criancinha loira diante dos seus pés, escapada ao controlo da mãe, não conseguiu travar e a antigiu com violência.

A criança perdeu o equilibrio e embateu com a cabeça na saliência em cimento que contornava o escorregão.

Tentou alcançar a criança, para assegurar-se de que não estivesse tão mal, mas foi de tal forma mal recebido pela mãe que corria para socorrê-la. Naquilo que para ele pareceu um ápice, uma multidão de avós e mães aglomeraram-se em volta da mal-aventurada.

Uma única coisa conseguiu ouvir, no momento em que tentava ganhar espaço no meio da floresta de pernas dos adultos:

- Desmaiou! alguém deve chamar o pronto socorro!

Aquela voz ressoava feroz nas orelhas, o medo apoderou-se dele. Correu em direcção do pequeno bosque que se encontrava por detrás do parque.

De repente tudo ficou escuro em volta dele.

Pelo ar um vento gélido trazia consigo sons estranhos, simultaneamente com as palavras ouvidas num instante anterior, começaram a ressoar uns versos que era difícil perceber, chegavam inesperadamente por detrás de um conjunto de árvores onde uma sombra extensa surgia. Depois a voz fez-se cada vez mais insistente, chegava vindo de todas as várias direcções à volta dele. Estava mais próxima no momento, cada vez mais próxima, até sussurrar-lhe nas orelhas:

“Damnabilis ies iom, mirdo cavus mirdo, cessa verunt ies iom, mirdo oblivio ement, mors damnabils ies iom, ospes araneus ies iom…”

Colocou as mãos na cabeça e apertou fortemente os seus tímpanos para não ouvir, mas era tudo inútil, caiu de joelhos, os seus olhos apagaram-se…

“Damnabilis ies iom, mirdo cavus mirdo, cessa verunt ies iom, mirdo oblivio ement, mors damnabils ies iom, ospes araneus ies iom…”

Primeiro Capítulo

É tão esquivo quando tento abraçá-lo

- Elio, Elio, rápido! Dê-me uma mão com as sacolas das compras antes que chegue o temporal!

Elio estava imóvel dentro dos seus sapatos sempre novos e reparava a sua mãe a atarefar-se sem trégua.

- Elio! O que estás a fazer aí parado como uma estaca? toma esta! - abanou-o e lhe descarregou entre os braços uma enorme sacola com as verduras.

Elio não tinha a intenção de fazer outra coisa, subiu os degraus externos do prédio e voltando-se de costas empurrou o portão, parou fixando aquela maldita luz vermelha reluzente do elevador, de seguida vencido subiu as escadas até a casa e, colocada a sacola na mesa da cozinha, foi directamente para o seu quarto para escutar música deitado na cama.

 

O tempo de subir as escadas do prédio e a mãe cansada foi à procura dele.

Debruçou-se à porta do seu quarto gritando: - O que estás a fazer? Ainda não terminamos, venha dar-me uma mão!

- Sim, sim…estou a vir…- respondeu Elio sem mexer uma palha, apenas para livrar-se dela.

Giulia distanciou-se, esperando que desta vez seria diferente. Estava desesperada, não conseguia mais sacudir este filho que tornava-se cada vez mais apático.

A partir da entrada ouviram-se os velozes passos arrojados da sua irmã que o chamava com voz suave: - Elio! Elio! Desgruda o teu traseiro da cama e venhas tu também ajudar a mamã que está a tua espera lá em baixo - gritou com ele sabendo que seria certamente inútil.

Elio não se mexeu e continuou indiferente a olhar fixamente o tecto, depois de ter aumentado o volume do seu leitor.

Giulia, exausta mais pela luta com o filho que pela fadiga, acabou por descarregar as compras juntamente com a filha Gaia. Não fazia outra coisa senão pensar no Elio, enquanto subia as escadas daquele prédio de cinco andares, branco e cor de laranja como todos aqueles do bairro popular de Gialingua onde viviam, e onde o elevador funcionava em dias alternados e, sei lá porquê, nunca naqueles em que se devia levar para cima as compras. Ali viviam vinte famílias, em outros tantos apartamentos que se expunham nos lados opostos.

- Esta é a última vez que te dou a permissão para o fazê-lo! - gritou para ele a partir da cozinha - Quando chegar o teu pai vamos ajustar as coisas!

Elio não a ouvia tão-pouco, mergulhado na música monótona que lhe entrava pelas orelhas sem o envolver emotivamente, nada e ninguém teria abalado o sentido de aborrecimento e paranóia que o circundava. O seu mundo desprovido de interesses o envolvia como uma capa de Linus. Ele era assim e desejava que o mundo se resignasse.

Gaia era muito diferente dele: quinze anos, cabelos curtos e pretos, dois olhos vivose curiosos. As vinte e quatro horas contidas num dia para ela não bastavam para ir atrás de todos os seus interesses.

Também Giulia era dinâmica, diferentemente da filha, a sua cabeleira era loira e encaracolado, tinha ligeiramente um excesso de peso mas ágil e firme, resumidamente, a clássica mãe com os seus quarenta e dois anos sempre repleta de tarefas, divididas entre o trabalho e família.

Tinha chegado a hora do jantar, mas do quarto de Elio não chegava sinais de qualquer género, absoluto silêncio. Realmente, ele não se movera da posição assumida depois de ter-se precipitado na sua cama e ter colocado os auscultadores.

Ouviu-se o rumor das chaves na fechadura da porta principal, naquele mesmo instante, sem dar tempo à porta para abrir-se, a voz alterada e queixosa de Giulia descarregava-se sobre o marido:

- Não podemos continuar desta forma!

- Dá-me o tempo para entrar querida…

Giulia beijou o marido e recomeçou naquele momento a queixar-se.

- Outra vez Elio, não é? - perguntou o homem com uma voz resignada.

- Sim, ele! - respondeu Giulia.

Todo este discurso desenrolava enquanto Carlo, depois de ter extraido o recepiente da comida que teria deixado na cozinha, dirigia-se para recolocar no guarda-roupa a pasta que trazia consigo do serviço que continha dentro uma camisa de reserva por causa do calor sufocante que já se fazia sentir ainda que era apenas o fim de maio.

Era um homem sossegado, com mesma idade da mulher, alto e magro, os seus cabelos, já quase completamente grisalhos, um tempo tinham sido pretos asa do corvo como aqueles da filha- Tinha o rosto alongado e escavado nas bochechas, sobre o nariz aquilino assentavam os óculos redondos de metal.

- Não podes contar-me depois do jantar? - pediu carinhosamente à mulher, na tentativa de sossegá-la.

- Tens razão amor - respondeu ela, mas sem dar-se conta continuou a queixar-se até ao início do jantar.

Felizmente estava por perto Gaia, que não cessava de contar a sua jornada, transformando de forma irónica e divertido também os pequenos fracassos.

Tinha apenas terminado de pôr a mesa quando a mâe lhe disse:

- Vai chamar O Elio.

- É inútil - respondeu - sabes que não se move se não for o papá…

Giulia continuou dirigindo-se ao marido:

- Não desce daquele quarto desde quando lho fui buscar na escola, está a piorar.

- Não tinhamos falado que devia começar a voltar sozinho?

- Encontra-me naquela zona porque fiz compras…

- Tens sempre uma desculpa para protegê-lo e depois começas com as tuas lamúrias!

Carlo abanava a cabeça com ar de desaprovação relativamente à esposa, levantou-se e foi chamar o garoto.

Entrou no quarto sem pedir licença e encontrou o Elio assim como a mâe o tinha deixado. Tinha os olhos fixos no vácuo, voltados ao tecto, estava ainda com os auriculares Wi-Fi brancos, não tinha sequer descalçado os sapatos…

Carlo não conseguia reconhecer naquele garoto a criança que acomopanhava sempre fora de bicicleta. Agora tinha treze anos e era alto mais ou menos como ele, forçado pela sua preguiça tinha alisado os seus caracóis loiros e fluentes de criança, para evitar de cuidá-los. Os seus olhos verdes eram ainda lindíssimos, mas apagados. Nos últimos anos não reagia mais a nenhum estímulo. Não ouvia a sua gargalhada há bastante tempo até para esquecer o som. Lamentava-se por não poder transcorrer com ele o mesmo tempo que lhe dedicava desde criança, todavia duvidava que naquele momento as suas atenções teriam sido apreciadas.

Infelizmente, muitos anos antes, por causa da crise económica, tinha perdido o trabalho próximo de casa. Na verdade, mais que a crise, a instigar à mudança de localização da empresa multinacional onde trabalha, tinha sido o incremento dos lucros, comportamento que torna comum muitas destas sociedades.

Conseguiu com esforço encontrar uma nova ocupação, infelizmente para alcançar o novo local de trabalho devia percorrer muitos quilómetros por dia e trocar vários meios de transporte, coisa que acabara por roubar o tempo que devia dedicar à família. Não só, regressava a casa cansado de tal forma que custava estar presente mesmo quando estava, depois do jantar esticava-se no sofá e inevitavelmente adormecia não obstante os esforços feitos para manter os olhos abertos.

Carlo deu-lhe o sinal para tirar os auriculares, Elio, acatou a ordem para evitar de ter que aturar uma longa lengalenga que ocupasse o seu cérebro.

- Venha comer, é hora do jantar - lhe intimou chateado - A tua mãe disse que estás imóvel aqui desde as dezasseis!

Elio levantou-se e, cabisbaixo, passou perto do pai, sem esforçar-se para falar com ele, e dirigiu-se para a cozinha.

Gaia já estava sentada lateralmente à mesa rectangular que tinha arrumado e com o smartphone na mão trocava mensagens com as amigas para organizar os próximos eventos.

Elio sentou-se em frente da irmã e não lhe dirigiu a palavra durante todo o jantar.

Jantar que desenrolou tranquilo, todos conversavam dos assuntos do dia, menos Elio que deu algumas mordidelas à uma sanduíche e assim que foi possível retirou-se e foi de novo para o seu quarto, para o grande desapontamento da mãe a que consentiu a expressão melancólica do pai. Permanecidos sós, Giulia e Carlo, enquanto terminavam de desocupar a mesa das últims coisas, começaram a falar do mesmo assunto dos últimos anos: a preocupação pelo comportamento do filho.

- Em que estamos a falhar? Não consigo entender! Gaia é dinâmica, alegre, cheia de vida! - disse Giulia.

- Eu o descuro bastante! - acusou-se como sempre Carlo.

- Não és decerto o único pai que é obrigado a passar tantas horas fora de casa por trabalho e depois eu estou em casa todas as tardes - disse-lhe repetindo mais uma vez Giulia, que não queria que Carlo carregasse nas costas também o receio de ser o problema do filho.

- Não é uma questão de carácter, Giulia, porque Elio não era assim, tu sabes muito bem!

- Eu também gostaria que fosse assim, Carlo, mas crescendo muda-se e depois, como vês, as coisas pioram cada vez mais. Também na escola é um desastre, que Deus lhe proteja para recuperar algumas matérias ou não podemos tão-pouco mandá-lo para a colónia como os outros anos e o centro estival da cidade seria uma ocasião para fazê-lo tornar-se uma amiba!

- Giulia, os outros rapazes divertem-se no centro estival. Os filhos de Francesca e Giuseppe adoram para valer. Temos de encontrar uma alternativa, algo que o obrigue a reagir. Não parece sequer vivo, lembras-te como éramos nós na idade dele?

- Claro! A minha mãe à noite gritava na porta de casa para avisar-me de que estava pronto o jantar e eu, muitas das vezes, não a ouvia tão-pouco, possuida como estava a correr entre os campos e a rebolar na erva. Vivíamos livres e felizes. Não podemos oferecer-lhes isto na cidade, mas ele não sabe aproveitar nem sequer na colónia. Não tem um único amigo, ninguém para convidar-lhe em casa para quebrar esta monótona existência que se está a coser sobre ele. Não permite a ninguém para aproximar-se suficientemente ao seu coração, às vezes questiono-me o que sente por nós. É tão esquivo quando tento abraçá-lo…

- Giulia, os menininhos não querem mais os mimos da mamã, mas estou certo que nos ama sempre, só que não encontramos mais a chave certa para comunicar com ele. Temos de encontrá-la. Temos de desvendar um modo para despertá-lo. Pensei se falarmos com a Ida, ela tem dois meninos, quiçá pode nos dar algum conselho.

- Temes que esteja a seguir o rumo de Libero? Tens receio que seja um distúrbio psicológico hereditário? - perguntou Giulia.

- Não, Libero teve problemas diferentes, ligados à morte do seu pai, mas tem uma base comum e a experiência de Ida pode ser-nos útil, fez milagres com aquele garoto depois de ter-se transferido para o campo. E sozinha pois! Com a fazenda por tomar conta.

- Sim, fala com ela tu, confio na tua irmã, tem um modo de ver as coisas que me agrada.

- Quando é que teremos a caderneta de notas? - perguntou Carlo à esposa.

- No dia 19 de Junho…

- Muito tarde para decidir o que fazer, peça um encontro com a docente de italiano, devemos decidir para onde mandar as crianças, seja o centro estival como a colónia não aguardam até àquela data - propôs Carlo.

- Sim, tens razão. É melhor estarmos certos da situação, ainda que Elio não está pois mal na escola. Só que, como em tudo aquilo que faz, não mete entusiasmo. Sabes que hoje chegaram os novos vizinhos do segundo andar? Parecem boas pessoas. A senhora Giovanna me disse que transferiram-se para aqui vindo de Potenza. Claro, uma boa distância! Não serão fáceis para eles os primeiros dias. Têm um filho da idade de Elio, poderia convidá-lo para vir aqui em casa algumas tardes…

Giulia deu-se conta de que Carlo, deitado no sofá, já estava adormecido.

- Olha vamos para cama amor - lhe sussurrou acordando-o carinhosamente.

Segundo Capítulo

Obcecava-o com um sussurro gélido

Elio estava parado no passeio em frente da escola. Todos passavam velozes como uma flecha em volta dele, lançando-se para os carros dos pais ou então caminhando em grupo pela rua que dava a casa. Ele, na esperança que a mãe não tivesse ido embora depois da conversa com o professor de italiano, olhava atordoado para a direita e para a esquerda, como quem está a procura da salvação representada pelo automóvel da mãe.

O largo da escola ficou vazio em pouco tempo e Elio teve que resignar-se e dirigir-se para casa a pé. Não era do seu agrado mover-se e ainda mais, regressar por aquela maldita alameda de tílias, que separava a escola da sua casa.

Esperou ainda alguns minutos, depois encaminhou-se lentamente. Ordenou ao pé para levantar-se, algo que para alguém pode parecer simples, mas para Elio, que já há anos raramente comunicava-se com os seus membros, parecia uma barbaridade.

Começou o percurso virando para a esquerda pela rua do Corso e assim que descreveu a esquina, viu-se diante de um troço mais desagradável. A avenida estava calcetada por aquelas que, para qualquer pessoa, pareceriam maravilhosas tílias floreadas que, graças ao vento, espalhavam o seu perfume em todo o bairro. Passo após passo, com fadiga, encaminhou-se ao longo do renque de árvores, sentia a sensação desagradável de estar a ser seguido.

 

Virou de repente e lhe pareceu de estar a ver um animal, todo preto, a recolher-se atrás de uma érvore.

“Não pode ser” dizia de si para si “pareceu-me que aquele estranho cão feroz tivesse um pince-nez/luneta de mola!”.

Pôs-se em marcha assustado, lhe parecia de estar a ver pequenas sombras atrás das árvores. como se isto não bastasse, o vento soprava entre os ramos, obcecava-o com um sussurro gélido que chagava até às orelhas dele e, mais precisamente, encravava-se no cérebro.

Não conseguia entender o que significassem aqueles sons. Possuido por aquela sensação desagradável, mandou o seu corpo para tentar correr. Estava a suar, mais corria mais os sons pareciam estar a persegui-lo e as sombras aproximarem-se.

Acelerou o mais possível, ouviu uma voz feroz que lhe intimava para parar, virou de repente, outra vez ainda lhe pareceu de estar a ver algo preto a esconder-se atrás de uma árvore ali próxima. Já tinha quase chegado na esquina que o teria guiado fora daquele pesadelo.

Sentiu um sopro a passar-lhe rente pela nunca, virou sem cessar de correr, algo o atingiu como uma fúria e o atirou para o chão.

Elio, transtornado, entrincheirou-se tapando-se a cabeça com as mãos.

Naquele mesmo instante ouviu uma voz familiar chamá-lo:

- Elio! Elio! Que asneiras estás a arranjar?

Era a irmã que ralhava com ele chateada porque a tinha atropelado. Gaia deu-se conta de que Elio estava numa condição incómoda.

O seu tom ficou mais calmo:

- Como estás?

Elio, ouvindo a sua voz, abriu os braços e levantou a cabeça.

Gaia notou o seu rosto assolado, pálido mais que o habitual e suado. Reflectiu um instante sobre o porquê estivesse a correr, coisa insólita para ele. Lhe pareceu que estivesse a fugir de algo ou de alguém e o ajudou a levantar-se.

- Por que estavas a correr daquela forma? - interrogou-lhe - o que te assustou?

Gaia não se lambrava de tê-lo visto a correr nos últimos anos. Elio não respondeu, queria apenas distanciar-se o mais rápido possível daquela rua. Assim, sem dizer nada, descreveu a esquina.

Gaia o perseguiu preocupada.

- Elio! - Voltou a chamá-lo.

- Não é nada! - respondeu de forma grosseira Elio - Não é nada!

A preocupação de Gaia se transformou em raiva pelo seu comportamento:

- Nada, dizes? Acabaste de me atropelar e dizes nada!

Elio, para evitar futuros choques que comprometessem o seu físico já arrasado desculpou-se.

- Perdoa-me - disse.

Estas desculpas superficiais irritaram ainda mais Gaia que, apesar de tudo, não se distanciou do irmão, naquelas condições continuava a preocupá-la.

Domingo de manhã, Carlo e Giulia tinham finalmente tomado uma decisão, falavam esperando apenas para comunicá-la aos rapazes que ainda dormiam.

- Foi realmente gentil ao dar-nos esta proposta, esperamos que as crianças não se metam em sarilhos - disse Giulia sorrindo.

Fazer aquela escolha tinha sido difícil, mas ela e Carlo sentiam uma estranha euforia agora que tinham decidido.

- Gaia será fácil - disse Carlo - Elio verás que permanecerá impassível como sempre.

- Não sei, Gaia tem muitos amigos na colónia, criar-lhes-á dissabores se não for, Elio, diferentemente, a detesta - comentou Giulia.

- Eu não aguento mais, vou agora despertá-los - propôs Carlo determinado e diridiu-se para os aposentos dos filhos chamando-os.

Não deu sequer a eles o tempo para lavar a cara.

- Eu e a mamã decidimos o que farão este verão. As aulas acabam na sexta-feira e sabado de manhã estarão na estação com uma linda maleta na mão!

- Mas para a colónia parte-se dentro de quinze dias! - referenciou Gaia preocupada reparando a mãe que a partir da porta da cozinha seguia a cena que estava a desenrolar no corredor.

- De facto, não irão para colónia este ano - esclareceu Giulia confirmando os receios da filha - Pensamos em vos oferecer um verão como aqueles que viviamos nós quando garotos.

- E então como é? - perguntou Gaia enquanto Elio permanecia em silêncio com ar cada vez mais carregado.

- Ar livre e corridas até dizer que basta, banho no pequeno lago e noitadas da aldeia - respondeu Carlo à filha.

Gaia via os seus pais a rir e a reparar-se com entendimento e pensou numa piada.

- Parem de zombar connosco. O que têm esta manhã?

- Ninguém está a vos zombar. A tia Ida ofereceu-se para hospedar-vos em casa dela - revelou finalmente Carlo aos seus filhos que o olhavam fixamente incrédulos.

- Isto é um pesadelo, eu volto a dormir! - dise Gaia chateada.

- Imagina que acreditava que terias ficado feliz - disse o pai à filha.

- Feliz? Eu já estou em contacto com os meus amigos, durante todo o inverno que espero de ir para colónia!

- Gaia, também no campo em casa da tia farás novas amizades - tentou encorajá-la Giulia.

- Mas por quê? Eu ali sinto-me bem. Tenho já o ar livre e os mergulhos no lago, não me serve outra coisa.

- Para ti não, mas Elio precisa de mudar de ar - acrescentou Carlo.

- Já sabia - explodiu Gaia - que era para Elio! Então mandem apenas ele no campo da tia.

- Não pretendemos que vá sozinho - insistiu Giulia.

- Eu não sou por acaso a sua babysitter!

- Mas és a irmã mais velha, e tu não dizes nada, Elio? - perguntou Carlo.

Elio não abriu a boca, limitou-se apenas ergueu os ombros.

Isto deixou encolerizado Gaia:

- Não dizes nada? Tanto para ti é igual, diga a mamã e o papá: não farás nada também no campo.

Elio acenou um sim com a cabeça para dar-lhe razão.

- Basta Gaia, não faças desta maneira! Já a decisão está tomada. Ha-de vir vos buscar o vosso primo Libero - concluiu o discurso Carlo.

Gaia saiu correndo desiludida e zangada.

- Vai passar - disse Giulia conhecendo a atitude positiva da filha no que diz respeito à vida.

Elio, sorrateiramente, retirou-se para o seu aposento.

Carlo ficou boquiaberto, todavia estava convencido que a decisão tomada fosse a melhor de alguns anos a esta parte.

Assim chegou a sexta-feira, Carlo foi buscar o sobrinho na estação ferroviária: foi uma grande alegria voltar a abraçá-lo.

Libero era um rapagão alegre, de modos simples e certamente não convencionais. Alto e magro, mas não franzino, tinha umas grandes mãos habituadas ao trabalho na fazena e o rosto obscurecido pelo sol. Os olhos verdes distinguiam-se no seu rosto, os cabelos eram castanhos, curtos, penteados com a risca lateral na moda no período após-guerra. Abraçou com força o tio e não cessou de falar até a casa.

Carlo reparava-o maravilhado, recordava o período em que tinha ficado mal e era apático e facilmente irritável. Claro, Libero não era um génio, mas a vida simples que levava o deixava feliz e Carlo quisera ver tão sereno também o filho Elio. Entretanto Libero estava com o nariz achatado na janelinha do automóvel do tio e fazia perguntas sobre tudo aquilo que via.

Em casa todos esperavam a sua chegada.

Giulia estava nervosa no momento em que terminava de preparar as malas, agora tinha chegado o momento e questionava-se de como iriam decorrer as coisas, o seu instinto de mulher dotada de um forte sentimento de mãe ganhar a dianteira.

Gaia, pelo contrário, já tinha absorvido o golpe, não lhe largava e estava no seu encalce fazendo mil perguntas sobre o que poderia ver e fazer nas proximidades da fazenda.

Não iam para lá desde quando eram muitos novos e estavam ainda os avós, quase não tinham mais a memória do lugar, senão alguma vaga recordação dos campos ou o cheiro das árvores onde brincavam jogando às escondidas.

Depois da morte do marido, a tia tinha tido dificuldades para reorganizar-se e tinha resolvido transferir-se para a antiga fazenda dos pais, jà abandonada, com os filhos.

Gaia ouviu o rumor da chave que girava na fechadura da porta e correu para acolher o primo que a carregou como tinha feito com o seu pai e a fez girar como quem está no carrossel. Gaia sorriu, não esperava este tipo de demonstração de afecto.

- Olá Libero, como estás? - perguntou com todo o coração ao primo que não via há bastante tempo.

-Bem, menina - respondeu Libero

No entanto, chegou Giulia e foi a única com a qual Libero comportou-se como cavalheiro, beijando-a apressadamente nas bochechas.

- Como decorreu a viagem? - procurou atenciosamente saber dele Giulia.

- Bem, a vaca de aço é certamente confortável e veloz para viajar e a cidade está cheia de coisas curiosas. Estou feliz de cá estar!

- Acomoda-se, com certeza estás cansado. Posso oferecer-te um gelado? - perguntou ainda Giulia.

- Sim, obrigado tia, eu adoro os gelados - aceitou com todo o gosto Libero - mas onde é que se meteu Elio?

- Elio está no seu quarto, estará ele a chegar - disse Carlo chateado com o filho que não se dignava em passar para saudar o primo que tinha feito aquela viagem apenas para vir buscá-lo e dirigiu-se para o seu quarto.

- Não, não tio - o pediu para deixar estar Libero - vou eu, quero fazer-lhe uma surpresa. Mostra-me apenas onde fica o seu quarto.

Assim que Carlo lho indicou, Libero lançou-se para o quarto onde ouviram-se os seus gritos de felicidade enquanto o saudava.

Nem sequer Elio, não obstante a sua frieza, conseguiu escapar ao abraço envolvente.

Gaia olhou surpresa a mãe e lhe sussurrou: não o imaginava assim pateta!

- Não digas isso - prontificou-se em repreendê-la Giulia - é um extraordinário rapaz e é também muito bom.

- Sim, mas… tem a certeza que conseguirá levar-nos ao destino? - perguntou perplexa Gaia.

- Claro que sim! - a tranquilizou Carlo - Não o subestime, juntamente com a mãe toma conta da fazenda. É forte e formidável.

Chegou a hora do jantar e foi muito elegre, com todas as cores trazidas do campo pelo Libero, naturalmente para todos excepto Elio.