Kitabı oku: «Arena Um: Traficantes De Escravos », sayfa 4

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Eu levanto o queixo de Bree, secando suas lágrimas. “Respire fundo,” eu falo.

Bree me ouve, lentamente recuperando o fôlego. Eu me obrigo a sorrir. “Veja,” eu digo. “eu estou bem aqui. Não há nada de errado. Foi apenas um pesadelo. Viu?”

Devagar, Bree concorda.

“Você só estava cansada demais,” eu continuo. “E você teve febre. Por isso teve pesadelos. Vai ficar tudo bem.”

Enquanto estou ajoelhada, abraçando Bree, me dou conta que preciso ir, escalar a montanha, explorar nossa nova casa e encontrar comida. Sinto um nó em meu estômago quando penso em falar isso para Bree e em como ela reagirá. Obviamente, o momento não poderia ser pior. Como contarei a ela que preciso deixá-la sozinha agora? Mesmo que por apenas uma ou duas horas? Uma parte de mim quer permanecer aqui, tomar conta dela o dia todo; e, ao mesmo tempo, sei que preciso ir e, quanto mais cedo eu terminar as tarefas, mais seguras estaremos. Eu não posso ficar aqui sentada, sem fazer nada, esperando o anoitecer. Nem posso arriscar mudar o plano e nos mudarmos durante o dia apenas por causa desses sonhos tolos.

Eu solto Bree de meus braços, afastando seu cabelo de seu rosto, sorrio o mais gentilmente possível. E reúno a voz mais forte e mais adulta que posso.

“Bree, eu preciso que você ouça,” eu comecei. “Eu preciso sair agora, só por um tempinho—”

“NÃO!” ela protesta. “EU SABIA! É igualzinho ao meu sonho! Você vai me deixar! E nunca mais vai voltar!”

Eu seguro seus ombros com paciência, tentando consolá-la.

“Não é nada disso,” eu digo firmemente. “Eu só preciso sair por uma ou duas horas. Preciso me certificar que nossa nova casa está segura para a gente se mudar hoje à noite. E eu tenho que procurar alimento. Por favor, Bree, entenda. Eu a levaria comigo, mas você está muito doente agora e precisa repousar. Estarei de volta em algumas horas. Eu prometo. E então, à noite, nós vamos lá juntas. E sabe qual a melhor parte disso?”

Ela olha para mim, lentamente, ainda chorando e, eventualmente, sacode a cabeça.

“A partir de hoje à noite, nós estaremos lá em cima, juntas, seguras e a salvos, e teremos fogueira todas as noites e toda a comida que você quiser. E eu posso caçar e pescar e fazer tudo o que precisamos lá, na frente da casa. Eu nunca mais a deixarei de novo.”

“E Sasha pode ir junto também?” ela pergunta, entre lágrimas.

“E Sasha também” eu falo. “Eu prometo. Por favor, confie em mim. Eu voltarei para você. Eu jamais a deixarei.”

“Você promete?” ela pergunta.

Eu reúno toda a seriedade que consigo e a olho diretamente nos olhos.

“Eu prometo,” eu respondo.

O choro de Bree diminui e ela acaba concordando, parecendo acreditar.

Meu coração se parte, mas eu rapidamente me inclino, lhe dou um beijo em sua testa e me levanto, atravesso a sala e saio pela porta. Eu sei que se eu ficar um segundo a mais aqui, eu nunca conseguirei deixá-la.

A porta se fecha atrás de mim e eu não consigo afastar a terrível sensação de que nunca mais verei minha irmã de novo.

TRÊS

Subo a montanha sob a luz brilhante da manhã, uma intensa luz que cintila a neve. É um universo branco. O sol está tão forte que eu mal enxergo com esse clarão. Faria qualquer coisa por um par de óculos escuros ou um boné de beisebol.

Hoje, felizmente, não há vento e o dia está mais quente do que ontem; enquanto caminho, ouço a neve derretendo a minha volta, gotejando em pequenos córregos que descem montanha abaixo e caindo em grandes quantidades dos galhos dos pinheiros. A neve está mais fofa e está mais fácil andar por ela.

Olho por cima de meu ombro, inspeciono o vale que se estende abaixo e vejo que as estradas estão parcialmente visíveis de novo, sob o sol da manhã. Isto me preocupa, mas logo me censuro, aborrecida por me deixar levar pelos presságios. Deveria ser mais forte. Mais racional, como papai.

Estou usando meu capuz, mas preciso abaixar minha cabeça devido ao vento que se torna cada vez mais forte à medida que eu subo a montanha, eu gostaria de ter trazido meu novo cachecol. Eu junto minhas mãos e as esfrego, desejando ter luvas também; em seguida, dobro minha velocidade. Estou decidida a chegar lá rápido, inspecionar a casa, procurar pelo cervo e regressar rapidamente para Bree. Talvez eu pegue mais algumas compotas de geleia; isso animará minha irmã.

Eu sigo os meus rastros de ontem, ainda visíveis na neve derretida e, dessa vez, a subida está mais fácil. Em vinte minutos, estou de volta onde eu estive ontem, caminhando sobre o platô mais alto.

Estou certa de que estou no mesmo lugar de ontem, mas eu procuro pela casinha e não a encontro. Ela é tão bem escondida que, apesar de eu saber sua localização, eu não a vejo. Começo a me perguntar se estou no local correto. Eu continuo andando, seguindo minhas pegadas, até ficar exatamente no mesmo ponto do dia anterior. Eu estico meu pescoço e, finalmente, a encontro. Fico impressionada ao ver como ela é quase invisível isso me deixa ainda mais animada para morar aqui.

Fico parada, ouvindo. Tudo está silencioso, com exceção das gotas pingando. Eu examino a neve cuidadosamente, procurando por qualquer sinal de pegadas saindo ou entrando da casa (foras as minhas). Não encontro nenhuma.

Eu me dirijo até a porta, paro diante da casa e viro 360°, inspecionando a floresta em todas as direções, analisando as árvores, à procura de qualquer sinal de inquietação, qualquer evidência que alguém esteve aqui. Fico assim por pelo menos um minuto, ouvindo. Nada acontece. Nada.

Finalmente me convenço, aliviada de que este lugar é realmente nosso, só nosso.

Eu empurro a pesada porta, emperrada pela neve e uma luz brilhante inunda o interior. Abaixo minha cabeça e entro, sinto como se a visse pela primeira vez, à luz. É pequena e aconchegante, como me lembro. Vejo que o piso é feito de grandes tábuas de madeiras de verdade, que parecem ter, no mínimo, uns cem anos. Aqui dentro é silencioso. As pequenas janelas abertas, de todos os lados, também deixam passar muita luminosidade.

Analiso a habitação sob a luz, procurando por qualquer coisa que eu possa ter deixado passar– mas nada encontro. Olho para baixo e encontro a alça da porta do alçapão, me ajoelho e o abro com um puxão. Sobe uma nuvem de poeira, que dança na luz do sol.

Desço pela escada, dessa vez, com toda luz refletindo, tenho uma visão muito melhor do depósito aqui embaixo. Deve haver centenas de vidros. Vejo vários frascos de geleia de framboesas e pego dois deles, enfiando um em casa bolso. Bree vai amar isso. E Sasha também.

Eu faço uma análise superficial dos outros frascos e vejo todo tipo de comida: picles, tomates, azeitonas, chucrutes. Também encontro diferentes sabores de geleias, com pelo menos uma dezena de frascos de cada um. Há mais ainda no fundo, mas eu não tenho tempo de olhar com atenção. Não consigo parar de pensar e me preocupar com Bree.

Subo a escada, fechando o alçapão e correndo para fora da casa, fechando bem a porta atrás de mim. Fico parada e olho atentamente a minha volta mais uma vez, me preparando caso alguém esteja me observado. Eu ainda temo que tudo isso seja bom demais para ser verdadeiro. Mas, uma vez mais, nada acontece. Talvez eu só esteja muito apreensiva.

Vou em direção aonde vi o cervo, a uns trinta metros de distância. Assim que chego lá, tiro a faca de caça de meu pai e a seguro do meu lado. Sei que é um tiro no escuro encontrá-lo novamente, mas talvez este animal seja uma criatura de hábitos, como eu. Não sou veloz o suficiente para persegui-lo, nem rápida o bastante para atacá-lo – também não possuo uma pistola nem nenhuma arma para caça. Mas eu tenho uma chance, minha faca. Sempre me orgulhei de acertar o alvo a trinta metros de distância. Lançamento de facas era uma das minhas habilidades que sempre impressionou meu pai – ou pelo menos o impressionava o suficiente para ele nunca me criticar nem me corrigir. Ao contrário, ele sempre se deu o crédito, dizendo que eu havia herdado seu talento. A verdade, porém, é que ele não tinha metade da minha capacidade  para lançar facas.

Fico de joelhos onde eu estava antes, me escondendo atrás de uma árvore, de olho no platô, segurando a faca em minha mão, esperando. Rezando. Só consigo ouvir o vento.

Imagino o que eu irei fazer caso veja o cervo: colocar-me-ei de pé lentamente, apontarei e lançarei a faca. Primeiro penso em mirar em seus olhos, mas então decido apontar para sua garganta: mesmo que eu erre o alvo por alguns centímetros, ainda há chance de acertá-lo em alguma outra parte. Se minhas mãos não estiverem muito congeladas, e se eu for cuidadosa, acredito que talvez, quem sabe, eu consiga feri-lo. Mas então me dou conta que há muitos “ses” e “talvez” nesse pensamento.

Os minutos passam. Parecem dez, vinte, trinta… O vento para e reaparece em rajadas; e, com elas, sinto os finos flocos de neve serem soprados das árvores para meu rosto. À medida que o tempo passa, eu tenho mais frio, fico mais congelada e começo a ponderar se isto foi uma péssima ideia. Sinto outra terrível pontada de fome e então decido tentar. Vou precisar de toda proteína que eu possa obter para que tudo dê certo – especialmente se eu for empurrar aquela moto montanha acima.

Depois de quase uma hora esperando, eu estou completamente congelada. Pergunto-me se eu deveria desistir e descer a montanha. Talvez eu devesse pegar outro peixe.

Eu decido me levantar e dar uma volta, para circular minhas extremidades e manter minhas mãos em movimento; se eu as tivesse que usar agora, elas provavelmente seriam inúteis. Assim que eu me levanto, sinto meus joelhos e costas doerem pela rigidez. Começo a andar pela neve, começando com pequenos passos. Eu levanto e dobro meus joelhos, torço minhas costas para esquerda e para a direita. Coloco minha faca em meu cinto e esfrego minhas mãos, umas nas outras, soprando nelas de novo e de novo, tentando recuperar a sensação.

De repente, eu fico paralisada. Ao longe, um galho se quebra e eu sinto esta movimentação.

Eu me viro devagar. Ali, no topo da colina, um cervo aparece. Dá passos lentamente, hesitantes, na neve, gentilmente levantando e abaixando seus cascos. Ele abaixa sua cabeça, mastiga uma folha e, cuidadosamente, dá outro passo para frente.

Meu coração dispara de entusiasmo. Eu raramente sinto que meu pai está comigo, mas hoje eu sinto. Posso ouvir sua voz em minha cabeça agora: Calma. Respire devagar. Não o deixe saber que você está aqui. Concentre-se. Se eu puder abater este animal, terei comida – comida de verdade – para Bree, Sasha e para mim por semanas. Nós precisamos disso.

Ele dá mais alguns passos na clareira e eu posso vê-lo melhor: é um cervo grande, a cerca de trinta metros. Eu me sentiria bem mais confiante se ele estivesse a dez metros de distância, até mesmo vinte. Não sei se consigo acertá-lo a esta distância. Se estivesse mais quente e se ele não estivesse se movendo, sim. Mas minhas mãos estão dormentes, o cervo está se mexendo e há muitas árvores no caminho. Simplesmente não sei. Só sei que, se eu perdê-lo, ele nunca mais virá aqui de novo.

Eu espero, analisando-o, com medo de assustá-lo. Queria que ele chegasse mais perto. Mas não parece que ele quer.

Pergunto-me o que devo fazer. Posso atacá-lo, aproximando-me o máximo possível e lançar a faca. Mas isso também seria idiotice: depois de um metro, com certeza ele sairia correndo. Pergunto-me se deveria me aproximar aos poucos. Mas também acho que isso não funcionaria. Ao menor barulho, ele partiria.

Então fico aqui, pensando. Dou um passo à frente, me posicionando para lançar a faca, caso eu precise. E este pequeno passo que foi meu erro.

Um galho se parte sobre meu pé e o cervo imediatamente levanta sua cabeça em minha direção. Trocamos olhares. Sei que ele me vê e que está prestes a disparar. Meu coração acelera, sei que esta é minha única chance. Minha mente fica petrificada.

Então entro em ação. Abaixo-me, pego a faca, dou um grande passo e, valendo-me de todas as minhas habilidades, dou um impulso e a lanço, mirando sua garganta.

A faca da Infantaria da Marinha de meu pai dá voltas no ar e eu rezo para que ela não atinja uma árvore primeiro. Eu a vejo girar, refletindo luz, é uma coisa linda. Ao mesmo tempo, vejo o cervo sair em disparada.

Está muito longe para eu enxergar exatamente o que aconteceu,  mas um momento depois, eu juro ouvir o som da faca rasgando carne. O cervo já fugiu então não sei dizer se ele está ferido.

Saio atrás dele. Chego ao lugar onde ele estava e fico surpresa o ver sangue vermelho e brilhante na neve. Meu coração palpita, animado.

Sigo o rastro de sangue, corro, pulo sobre pedras e, após cerca de cinquenta metros, eu o encontro: ali está ele, derrubado na neve, caído de lado, com as pernas se contorcendo. Vejo a faca alojada em sua garganta. Exatamente no ponto em que mirei.

O cervo ainda está vivo e eu não sei como dar fim a sua agonia. Posso sentir seu sofrimento e me sinto terrível. Quero dar lhe uma morte rápida e sem dor, mas não sei como.

Ajoelho-me e retiro a faca, inclino-me e, com um rápido movimento, corto sua garganta profundamente, esperando que isto funcione. Momentos depois, sangue começa a escorrer e, mais dez minutos depois, finalmente, as pernas do cervo param de mexer. Seus olhos param também e, finalmente, sei que está morto.

Levanto-me, olho para baixo, segurando a faca em minha mão e me sinto oprimida pela culpa. Sinto-me cruel, matando um animal tão lindo, uma criatura tão indefesa. Neste momento, é difícil pensar no quanto precisamos desse alimento, como tive sorte de pegá-lo. Tudo que consigo pensar é que, alguns minutos atrás ele estava respirando, vivo, assim como eu. E agora está morto. Olho para ele, deitado, perfeitamente imóvel na neve e não consigo deixar de me sentir envergonhada.

Esse foi o momento em que eu o ouvi pela primeira vez. A princípio, o ignorei, imaginei estar ouvindo coisas porque aquilo era simplesmente impossível. Porém, após alguns momentos, o som me pareceu mais alto, mais nítido e eu soube que ele era real. Meu coração disparou loucamente quando o reconheci. Um som que havia escutado uma vez apenas. O ronco de um motor. Um motor de carro.

Eu fiquei parada, em desespero, paralisada demais para me mover. O motor se fez ainda mais alto, inconfundível e eu sabia que isso só podia significar uma única coisa. Comerciantes de escravos. Ninguém mais se atreveria a dirigir aqui em cima, nem teria motivo para isso.

Comecei a correr a toda velocidade, deixando o cervo para trás, sai voando pelos bosques, passei a pequena casa de pedra, desci montanha abaixo. Eu não consigo correr rápido o suficiente. Penso em Bree, sentada ali, sozinha em casa, enquanto os motores roncavam cada vez mais altos. Tento aumentar minha velocidade, correndo pela encosta de nevo, tropeçando, meu coração palpitando em minha garganta.

Corro tão rápido que eu caio, de cara, ralando meu joelho e cotovelo e com o vento esgotando meu fôlego. Luto para me levantar, notando o sangue em minha perna e braço, mas sem me importar. Obrigo-me a voltar à corrida, me esforçar ao máximo.

Escorregando e deslizando, eu finalmente chego ao platô e, daqui, eu consigo ver todo o caminho da montanha até nossa casa. Meu coração salta em minha garganta: há sinais claros de carros na neve, levando diretamente à nossa casa. Nossa porta da frente está aberta. E o que é mais angustiante de tudo, eu não ouço Sasha latir.

Eu me apresso, descendo cada vez mais, posso ver dois veículos estacionados fora de nossa casa: carros de comerciantes de escravos. Completamente negros, rebaixados, parecem carros musculosos por esteroides, com pneus enormes e barras em todas as janelas. Estampado no capô,  está o símbolo da Arena Um, nítido mesmo daqui – um diamante com um chacal no centro. Eles estão aqui para alimentar a arena.

Eu corro mais rápido, descendo a colina. Preciso ficar mais leve, tiro os vidros de geleia de meus bolsos e os jogo no chão. Ouço o vidro se quebrar atrás de mim, mas não me importo. Nada mais importa agora.

Estou a cerca de cem metros da casa quando vejo os carros ligarem e começarem a sair de casa. Eles vão em direção à estrada rural. Quero chorar quando eu percebo o que acabou de acontecer.

Trinta segundos depois, eu chego a casa, passo por ela, vou direto em direção à estrada, com esperança de pegá-los. Eu já sei que a casa está vazia.

Tarde demais. Os rastros dos pneus falam por si só. Quando olho montanha abaixo, os vejo, quinhentos metros a minha frente e cada vez mais rápidos. Não há como alcançá-los, muito menos a pé.

Corro de volta para a casa, quem sabe, com alguma remota chance, Bree tenha conseguido se esconder ou foi deixada para trás. Atravesso a porta da frente, que se encontrava aberta, e fico horrorizada com o que vejo: há sangue por todos os lados. No chão, um comerciante de escravos morto, vestido de uniforme preto, sangue escorrendo de sua garganta. Ao lado dele, está Sasha, sem vida. Há sangue em seu flanco, aparentemente, um ferimento à bala. Seus dentes ainda estão na garganta do cadáver. Está claro o que aconteceu: Sasha tentou proteger Bree atacando o homem que havia entrado em casa, mordendo-lhe o pescoço. Os outros devem ter atirado nela. Mas, mesmo assim, ela não o soltou.

Eu corro pela casa, de quarto em quarto, gritando o nome de Bree, ouvindo o desespero em minhas palavras. Nem reconheço mais a minha voz: parece a voz de uma pessoa louca.

Mas todas as portas estão escancaradas, está tudo vazio.

Os comerciantes de escravos haviam levado minha irmã.

QUATRO

Fico estática na sala de estar da casa de papai, chocada. De um lado, eu sempre temi que este dia viesse; de outro, agora que veio, eu simplesmente não consigo acreditar. Estou dominada pela culpa. Foi o fogo de ontem à noite nos denunciou? Será que viram a fumaça? Por que eu não fui mais cuidadosa?

Eu também me condeno por ter deixado Bree sozinha esta manhã – especialmente depois de ambas terem tido pesadelos tão terríveis. Consigo ver seu rosto, choroso, implorando para eu não sair. Por que eu não lhe dei ouvidos? Por que não acreditei em meus próprios instintos? Olhando para trás, não posso deixar de sentir que papai tentou me avisar. Como eu não prestei atenção?

Nada mais disso importa agora, preciso parar e pensar por um instante. Eu tenho que agir, não estou nem um pouco pronta para desistir e deixar que Bree se vá. Começo a correr pela casa, não posso perder nenhum segundo precioso, quero partir logo e perseguir os comerciantes de escravos, quero resgatar Bree.

Vou até o cadáver do comerciante de escravos e o examino rapidamente: ele está vestido com seu famoso uniforme militar, completamente negro: botas de combate pretas, calças militares pretas e uma camiseta de manga longa preta coberta por um colete de aviador bem justo, também preto. Ele ainda usa a máscara com o símbolo da Arena Um – a marca dos comerciantes de escravos – e também utiliza um capacete preto. Este último, de nada lhe serviu: Sasha conseguiu mordê-lo na garganta do mesmo jeito. Eu desvio meu olhar para ela e me sensibilizo. Sou tão grata por ela ter entrado em uma briga dessas. Sinto-me culpada por deixá-la aqui sozinha também. Vejo seu corpo e prometo a mim mesma que, após recuperar Bree, voltarei e lhe darei o funeral que ela merece.

Eu começo a tirar as roupas do cadáver rapidamente, em busca de objetos de valor. Começo pegando seu cinturão de armas e o coloco em minha própria cintura, bem preso. Nele, há um coldre e uma pistola, a qual eu tiro e verifico: está carregada de balas, parece funcionar perfeitamente. É como se fosse ouro – e agora é todo meu. Presas ao cinto estão várias balas reserva.

Retiro seu capacete para ver seu rosto: fico surpresa de ver que ele é bem mais jovem do que eu imaginara. Não deve ter mais que dezoito anos. Nem todos os comerciantes de escravos são caçadores de recompensas impiedosos; alguns são obrigados a fazerem esse serviço, estão à mercê dos donos da Arena, os verdadeiros reis do poder. Ainda assim, não sinto pena nenhuma dele. Afinal, obrigado ou não, ele viria aqui e tiraria a vida de minha irmã – e a minha também.

Só penso em sair em disparada, perseguindo-os, mas me obrigo a ficar aqui e salvar o que eu puder primeiro. Eu sei o que precisarei lá fora e um ou dois minutos aqui podem fazer toda a diferença. Pego seu capacete e o coloco em mim, e me sinto aliviada de ver que serve. Seu visor escuro será útil para bloquear a ofuscante luz refletida na neve. Vou tirando suas roupas, as quais eu preciso desesperadamente. Pego suas luvas, feitas de material ultraleve e acolchoadas, e fico feliz de ver que elas também servem perfeitamente em mim. Meus amigos sempre zombaram do tamanho enorme de minhas mãos e pés e eu sempre tive vergonha disso – mas agora, pela primeira vez, estou contente. Em seguida, tiro sua jaqueta, ela também veste bem em mim, apesar de um pouco maior. Olho para baixo e noto que ele era pequeno e então me dou conta que tenho muita sorte. Usamos quase o mesmo tamanho! A jaqueta é grossa e estofada, acolchoada com algum tipo de plumagem. Nunca vesti nada tão quente e luxuoso em minha vida, me sinto abençoada. Agora, sei que posso enfrentar o frio.

Comparo os meus pés com os dele e fico animada ao ver que usamos o mesmo número. Não perco tempo: tiro minhas velhas botas gastas, pequenas demais para mim e logo calço as dele. Fico em pé. Elas encaixam perfeitamente em meus pés e são muito aconchegantes. São botas pretas de combate com pontas de ferro, seu interior é forrado de pele, e o cano chega até minha canela. Elas são mil vezes mais quentes – e mais confortáveis – que as botas que eu usava.

Com minhas novas botas, jaqueta, luvas e com este cinturão de armas, pistola e munição, me sinto uma nova pessoa, pronta para a batalha. Olho para o cadáver de Sasha e então para o ursinho de pelúcia de Bree, no chão, coberto de sangue. Luto para segurar as lágrimas. Uma parte de mim quer cuspir na cara deste comerciante de escravos antes de eu partir, mas eu simplesmente dou-lhe as costas e saio correndo.

Fui rápida, consegui despi-lo e me vestir em menos de um minuto e agora disparo para fora de casa a uma velocidade alucinante, tentando compensar o tempo perdido. Quando passo pela porta da frente, ainda posso ouvir o ronco distante dos motores. Eles não devem estar mais de um quilômetro e meio a minha frente e estou determinada a diminuir essa distância. Tudo que preciso é de um pouco de sorte – que eles fiquem presos em um banco de neve, que façam uma viagem ruim – e talvez, quem sabe, eu possa alcançá-los. E, com esta pistola e balas, eu posso até feri-los. Se não, morrerei tentando. Não voltarei para casa sem Bree de maneira nenhuma.

Eu subo a colina correndo, o mais rápido que consigo, em direção à floresta, em direção à moto de papai. Olho para trás e vejo as portas da garagem escancaradas. Os comerciantes de escravos devem ter procurado por algum veículo. Que bom que eu tomei a precaução de esconder a motocicleta muito tempo antes.

Eu escalo a colina, a neve está derretendo. Apresso-me em direção aos arbustos que cobrem a moto. As novas luvas, acolchoadas e grossas, são úteis: agarro galhos espinhosos, retirando-os do caminho. Em questão de minutos, abro passagem para chegar até a moto. Fico aliviada de saber que ela ainda está lá, oculta pela natureza. Sem perder um segundo, ajusto meu capacete, pego a chave do esconderijo e, em pouco tempo, subo na moto. Ligo a ignição e estou pronta para partir.

O motor faz barulho, mas não funciona. Meu ânimo desaba. Eu não ando nela há anos. Será que está sem bateria? Tento novamente, testando a embreagem e acelerando, de novo e de novo. Ela faz barulho, cada vez mais alto, mas ainda nada. Sinto-me cada vez mais angustiada. Se o motor não ligar, eu não terei chance de alcançá-los. Terei perdido Bree para sempre.

“Vamos lá, FUNCIONE!” eu imploro, meu corpo trêmulo.

Eu acelero e acelero, e cada vez a moto faz mais e mais barulho, sinto que estou quase conseguindo. Levanto minha cabeça para o céu.

“PAPAI!” eu grito. “POR FAVOR!”

Vou de novo ao acelerador e, dessa vez, a mota funciona. Sou invadida pelo alívio. Eu dou a partida várias e várias vezes, pequenas nuvens negras saem pelo filtro.

Agora, pelo menos, tenho a chance de lutar.

*

Eu movimento o guidão e empurro a motocicleta alguns metros para trás; quase não suporto seu peso. Giro o acelerador para pegar um pouco mais de velocidade e a moto começa a descer a montanha, ainda coberta de neve e galhos.

A estrada pavimentada está a cerca de cinquenta metros de mim e descer a montanha por essa floresta é muito perigoso. A moto escorrega e resvala e, mesmo quando eu aciono os freios, não consigo realmente controlar a moto, só consigo escorregá-la controladamente. Eu atravesso entre árvores, por pouco não chocando com elas, balanço quando passo sobre grandes buracos na terra ou bato em pedras no caminho. Eu rezo para não furar um pneu.

Após cerca de trinta segundos do caminho mais cheio de obstáculos que se pode imaginar, a moto finalmente deixa a terra para trás e começa a andar em estradas pavimentadas em alta velocidade. Eu acelero mais e ela responde bem: voa pela íngreme estrada da colina. Agora estou prosseguindo.

Alcanço uma alta velocidade, o motor ronca, o vento corre sobre meu capacete. Está gelado, mais frio que nunca e eu agradeço por ter conseguido as luvas e a jaqueta. Não sei o que teria sido de mim sem elas.

Mesmo assim, não posso ir rápido demais. Estas estradas da montanha são muito sinuosas e não têm nenhum acostamento: uma curva fechada demais e eu despenco do penhasco, caindo por centenas de metros. Vou o mais rápido que posso, mas diminuo a velocidade nas curvas.

É ótimo pilotar essa moto de novo: eu havia esquecido como era a sensação de liberdade. Minha nova jaqueta se agita loucamente com o vento. Eu abaixo o visor escuro e o branco brilhante na paisagem de neve muda para um tom de cinza.

Eu tenho uma vantagem sobre os comerciantes de escravos: eu conheço essas rodovias melhor que ninguém. Venho aqui em cima desde que eu era criança, eu sei onde estão as curvas, as inclinações, os atalhos que eles jamais imaginariam. Eles estão no meu território agora. E mesmo que eu esteja a um quilômetro ou mais atrás deles, estou otimista de que posso encontrar um caminho para alcançá-los. Essa moto, mesmo velha, deve ser tão rápida quanto seus carros.

Também me sinto confiante de que sei para onde eles estão indo. Se você quer voltar para a autoestrada – e eles com certeza querem – então há apenas uma saída dessas montanhas, a Rota 23, na direção Leste. E se eles estiverem indo para a cidade, não há outra maneira senão atravessar o rio Hudson pela Ponte Rip Van Winkle. É o único caminho. E eu estou determinada a alcançá-los.

Vou me acostumando à moto e pegando cada vez mais velocidade, tanto é que o ronco dos motores deles está ficando mais alto. Animada, acelero a motocicleta mais do que eu deveria: eu olho para o velocímetro e vejo que estou a quase 100 km/hr. Sei que é imprudente já que estas curvas fechadas me obrigam reduzir minha velocidade em quase 20 km/hr, se eu não quiser sair patinando pela neve. Então eu acelero e desacelero, curva após curva. Finalmente percorro o bastante para avistar, a cerca de um quilômetro e meio a minha frente, o para-choque de um dos carros, que desaparece em uma das curvas. Estou confiante. Vou pegar esses homens – ou morrerei tentando.

Faço mais uma curva, diminuindo a velocidade e me apronto para acelerar novamente quando, de repente, eu quase atropelo uma pessoa parada no meio da estrada, bem na minha frente. Ele apareceu do nada e é tarde demais para eu reagir.

Estou quase batendo nele, não tenho escolha a não ser frear com tudo. Por sorte, não estava indo rápido,  mas, ainda assim, minha moto escorrega pela neve, incapaz de ganhar tração. Eu faço um giro de 360° duas vezes e finalmente paro enquanto minha moto bate contra o granito da lateral da montanha.

Que sorte. Se eu tivesse girado para o outro lado, eu teria caído do precipício.

Foi tudo tão rápido que estou em estado de choque. Sento-me na moto, segurando o guidão, me viro e olho a estrada. Meu primeiro instinto me diz que o homem é um comerciante de escravos, que fora colocado no meio da pista para me atrapalhar. Em um rápido movimento, desligo o motor e pego a arma, aponto para o homem, que ainda está lá, a uns 8 metros de mim. Desativo a trava de segurança e empurro o pino para trás, como papai me mostrou tantas vezes no campo de tiro. Eu miro exatamente em seu coração ao invés da cabeça; caso eu erre, ainda o acertarei em algum lugar.

Minhas mãos tremem, mesmo usando luvas, e eu percebo como estou apreensiva em apertar o gatilho. Eu nunca matei ninguém antes.

O homem, de repente, levanta as mãos para o alto, e dá um grande passo em minha direção. “Não atire!” ele grita.

“Fique onde você está!” eu grito de volta, ainda não pronta para matá-lo.

Ele para de avançar, obediente.

“Eu não sou um deles” ele berra. “Sou um sobrevivente. Como você. Eles levaram meu irmão!”

Pergunto-me se isto é uma armadilha. Mas então levanto meu visor e o examino da cabeça aos pés; vejo seus jeans surrados, cheio de furos, exatamente como os meus; vejo que ele tem só uma meia; olho mais de perto e vejo que não usa luvas e que suas mãos estão azuis; ele não tem casaco e usa apenas uma blusa térmica cinza e gasta. E, acima de tudo, vejo seu rosto franzino, mais ossudo que o meu e noto círculos escuros em volta de seus olhos. Ele não faz a barba há muito tempo. Também não deixo de perceber que ele é surpreendentemente belo, apesar disso tudo. Aparenta ter minha idade, talvez 17, com um enorme cabelo castanho claro e grandes olhos azuis claros.

Ele com certeza está falando a verdade. Não é um comerciante de escravos. É um sobrevivente. Como eu.

“Meu nome é Ben!” ele grita.

Pouco a pouco, vou abaixando a pistola, um pouco mais calma, mas ainda irritada por ele ter me parado e sentindo uma urgência em seguir em diante. Ben me fez perder tempo valioso e quase me fez cair.

“Você quase me matou!” eu gritei de volta. “O que você estava fazendo parado aí no meio da estrada?”