Kitabı oku: «Uma Carga de Valor », sayfa 3

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CAPÍTULO QUATRO

Gareth estava à beira da caverna, observando o sol se pôr enquanto esperava. Ele lambeu os lábios secos e tentou se concentrar, os efeitos do ópio finalmente estavam passando. Ele estava tonto e não tinha bebido ou comido por dias. Gareth pensou novamente em sua ousada fuga do castelo, quando ele se esgueirou pela passagem secreta atrás da lareira e escapou bem antes que Lord Kultin tentasse emboscá-lo, ele sorriu. Kultin tinha sido inteligente em seu golpe, mas Gareth tinha sido mais esperto. Como todo mundo, ele tinha subestimado Gareth; ele não tinha percebido que os espiões de Gareth estavam por toda parte e que ele tinha sido informado sobre sua trama, quase que instantaneamente.

Gareth tinha escapado a tempo, bem antes que Kultin o emboscasse e antes que Andronicus invadisse a Corte do Rei e a devastasse. Lorde Kultin tinha lhe feito um enorme favor.

Gareth tinha seguido as antigas passagens secretas que levavam ao exterior do castelo, elas davam várias voltas abaixo do solo e finalmente o conduziram para fora, para o campo. Ele emergiu em uma vila remota a quilômetros da Corte do Rei. Ele tinha saído perto daquela caverna e tinha se derrubado logo depois de chegar a ela. Ele dormiu durante todo o dia, encolhido e tremendo de frio no ar implacável do inverno. Ele desejou ter trazido mais camadas de roupas.

Desperto, Gareth agachou-se e viu ao longe, uma pequena aldeia agrícola; Havia um punhado de choupanas e a fumaça subia de suas chaminés. Havia soldados de Andronicus por todas as partes, marchando através da aldeia e do campo. Gareth esperou pacientemente até que eles se dispersassem. Seu estômago doía de fome e ele sabia que precisava chegar até uma daquelas casas. Ele podia sentir o cheiro da comida cozinhando, ali mesmo onde estava.

Gareth correu para fora da caverna, olhando para todos os lados, respirando com dificuldade, agitado e com medo. Ele não tinha se exercitado nos últimos anos e estava ofegante com o esforço; isso o fez perceber o quão magro e doente ele tinha se tornado. O ferimento em sua cabeça, onde sua mãe o tinha atingido com o busto, latejava. Se ele sobrevivesse a tudo aquilo, ele jurou que a mataria com suas próprias mãos.

Gareth correu para a aldeia, ele teve a sorte de escapar de ser detectado pelos poucos soldados do Império, os quais estavam com as costas viradas para ele. Ele correu para a primeira casa que viu, uma casa simples, de um só cômodo, idêntica as demais, um brilho cálido provinha do seu interior. Ele viu uma jovem adolescente, talvez de sua idade, caminhando através da porta aberta com uns pedaços de carne empilhados em um prato. Ela sorria e estava acompanhada por uma menina mais nova que talvez fosse sua irmã e tivesse uns dez anos. Ele decidiu que aquele era o lugar.

Gareth irrompeu pela porta junto com elas, acompanhando-as e batendo a porta atrás de si. Ele agarrou a menina mais nova por trás e passou o braço em volta do pescoço dela. A menina gritou quando Gareth puxou um punhal da cintura e segurou-o contra a garganta dela. A garota mais velha deixou cair o prato de comida.

Ela gritou e exclamou.

“PAPAI!”

Gareth virou-se e olhou ao redor da casa aconchegante, iluminada pela luz de velas e envolta no cheiro da comida. Então ele viu, além da adolescente, a mãe e o pai, de pé ao lado de uma mesa, olhando para ele com os olhos arregalados de medo e raiva.

“Permaneçam atrás e assim eu não a matarei!” Gareth gritou desesperado, afastando-se deles e segurando a jovem firmemente.

“Quem é você?” A jovem adolescente perguntou. “Meu nome é Sarka. O nome de minha irmã é Larka. Nós somos uma família pacífica. O que você quer com minha irmã? Deixe-a em paz!”

“Eu sei quem você é.” O pai olhou para ele em sinal de desaprovação. “Você é o ex-rei. O filho de MacGil.”

“Eu ainda sou Rei.” Gareth gritou. “E vocês são meus súditos. Vocês vão fazer o que eu disser!”

O pai franziu o cenho para ele.

“Se você é o rei, onde está seu exército?” Ele perguntou. “E se você é o rei, qual é o seu interesse ao tomar como refém uma jovem menina inocente, com um punhal real? Talvez o mesmo punhal real que usou para matar o seu próprio pai?” O homem disse com desprezo. “Eu ouvi os rumores.”

“Você tem uma língua afiada.” Gareth disse. “Continue falando e eu mato sua filha.”

O pai engoliu em seco, arregalando os olhos com medo, logo ele ficou em silêncio.

“O que quer de nós?” A mãe gritou.

“Comida.” Gareth disse. “E abrigo. Alertem os soldados de minha presença e eu prometo que matarei a menina. Nada de truques, vocês entendem? Vocês me deixam ficar e ela viverá. Eu quero passar a noite aqui. Você, Sarka, traga-me aquele prato de carne. E você, mulher, atice o fogo e traga-me um manto para cobrir meus ombros. Movam-se devagar!” Alertou ele.

Gareth viu quando o pai acenou com a cabeça para a mãe. Sarka colocou a carne de volta no seu prato, enquanto a mãe se aproximou com um manto grosso e o colocou sobre os ombros dele. Gareth, ainda tremendo, retrocedeu lentamente em direção à lareira, logo o calor do fogo aqueceu suas costas quando ele se sentou no chão ao lado dela, agarrando Larka com força. A menina ainda estava chorando. Sarka aproximou-se com o prato.

“Sente-se no chão ao meu lado!” Gareth ordenou. “Lentamente!”

Sarka fez o que ele pediu com uma expressão carrancuda, ela olhou para sua irmã com preocupação e colocou bruscamente o prato no chão ao lado dele.

Gareth foi dominado pelo cheiro. Ele se abaixou e pegou um pedaço de carne com a mão livre, enquanto segurava o punhal contra a garganta de Larka com a outra mão; ele mastigava e mastigava, fechando os olhos, saboreando cada mordida. Ele mastigava mais rápido do que podia engolir, os pedaços de comida pendiam de sua boca.

“Vinho!” Ele exclamou.

A mãe trouxe-lhe um odre de vinho e Gareth o espremeu  em sua boca cheia, sorvendo-o. Ele respirou fundo, mastigando e bebendo, ele estava começando a sentir-se normal de novo.

“Agora solte a menina!” O pai disse.

“De jeito nenhum.” Gareth respondeu. “Eu vou dormir a noite aqui, assim, com ela em meus braços. Ela vai estar segura se eu também estiver. Você quer ser um herói? Ou você quer que sua filha viva?”

Todos os membros da família se entreolharam hesitantes, sem palavras.

“Posso lhe fazer uma pergunta?” Sarka perguntou para ele. “Se você é um rei tão bom, por que você trata seus súditos dessa maneira?”

Gareth olhou de volta para ela, perplexo, então finalmente ele se inclinou para trás e caiu na gargalhada.

“Quem disse que eu era um bom rei?”

CAPÍTULO CINCO

Gwendolyn abriu os olhos, sentindo o mundo se mover ao seu redor, ela se esforçou para descobrir onde estava. Ela viu-se passando pelos enormes portões de pedra vermelha e arqueados de Silésia, ela viu milhares de soldados do Império que a olhavam com admiração. Ela viu Steffen, caminhando ao lado dela e ela viu como o céu se movia para cima e para baixo. Ela percebeu que estava sendo carregada. Ela percebeu que estava nos braços de alguém.

Ela esticou o pescoço e viu os brilhantes e intensos olhos de Argon. Ela percebeu que estava sendo levada por Argon, Steffen seguia ao seu lado, os três ingressavam livremente pelos portões de Silésia, passavam por milhares de soldados do Império, os quais abriam caminho para eles e os observavam. Eles estavam rodeados por um brilho branco e Gwendolyn podia sentir-se imersa em uma espécie de escudo de energia protetora nos braços de Argon. Ela percebeu que ele estava lançando algum tipo de feitiço para manter todos os soldados sob controle.

Gwen se sentiu confortada, protegida nos braços de Argon. Cada músculo em seu corpo doía, ela estava exausta e não sabia se poderia andar caso tentasse. Seus olhos tremulavam enquanto andavam e ela via o mundo passar por ela em pequenos fragmentos. Ela viu um pedaço de um muro em ruínas; um parapeito desmoronado; uma casa incendiada; uma pilha de escombros; ela via tudo isso enquanto eles atravessavam o pátio e chegavam aos portões mais distantes na borda do Canyon; ela viu-se passando por aqueles portões também e viu os soldados se afastando.

Eles chegaram à beira do Canyon, até a plataforma coberta de puas de metal. Argon aguardou ali e logo a plataforma foi baixada, levando-os de volta para as profundezas da baixa Silésia.

Ao entrarem na cidade baixa, Gwendolyn viu dezenas de rostos, os rostos preocupados e amáveis dos cidadãos de Silésia. Eles assistiam a sua passagem como se fosse um espetáculo. Todos olhavam para ela com olhares de admiração e preocupação, enquanto ela continuava descendo até a praça principal da cidade.

Quando chegaram ali, centenas de pessoas se aglomeraram ao redor deles. Ela olhou ao redor e viu os rostos familiares de Kendrick, Srog, Godfrey, Brom, Kolk, Atme e de dezenas de homens do Exército Prata e da Legião a quem ela reconheceu. Eles se reuniram em torno dela, via-se a angústia em seus rostos no sol da manhã, a névoa serpenteava pelo Canyon e uma brisa fria a espetou. Ela fechou os olhos, tentando fazer com que tudo desaparecesse. Ela  se sentia como um objeto em exibição, sentia que havia sido esmagada até o mais íntimo de seu ser. Ela sentia-se humilhada. Ela sentia que havia decepcionado todos eles.

Eles continuaram passando por todo o povo, pelas ruelas estreitas da cidade baixa, atravessaram outra entrada em arco e, finalmente, chegaram ao palacete da baixa Silésia. Gwen perdeu e recobrou a consciência várias vezes, enquanto entravam em um magnífico castelo vermelho, subiam até um conjunto de escadas, percorriam um longo corredor e atravessaram outra entrada alta e arqueada. Finalmente, uma pequena porta se abriu e eles entraram num quarto.

O quarto estava escuro. Parecia ser um quarto grande, com uma antiga cama de dossel em seu centro. O fogo crepitava em uma antiga lareira de mármore, não muito longe da cama. Vários servos se encontravam na sala e Gwendolyn sentiu quando Argon a levou para a cama, colocando-a suavemente sobre ela. Quando ele fez isso, várias pessoas a rodearam e a olharam com preocupação.

Argon retirou-se, ele deu alguns passos para trás e desapareceu no meio da multidão. Ela o procurou, piscando várias vezes, mas não conseguia mais encontrá-lo. Ele se havia ido. Ela sentiu a ausência de sua energia protetora, a qual havia estado envolvendo-a como um escudo. Ela sentia mais frio, sentia-se menos protegida, sem ele por perto.

Gwen lambeu os lábios rachados e um momento depois sentiu que sua cabeça estava sendo apoiada sobre um travesseiro, logo uma jarra com água foi levada aos seus lábios. Ela bebeu e bebeu, percebendo o quanto estava com sede. Ela olhou para cima e viu uma mulher cujo rosto era familiar.

Illepra, a curandeira real. Illepra tinha a vista baixa, seus olhos castanhos e suaves estavam cheios de preocupação enquanto ela dava água a Gwendolyn, passava um pano quente sobre sua testa e afastava o cabelo seu rosto. Ela pousou a mão sobre sua testa e Gwen sentiu uma energia curativa fluir através dela. Ela sentiu seus olhos ficarem pesados, logo ela sentiu que eles se fechavam contra sua vontade.

*

Gwendolyn não sabia quanto tempo tinha passado, até que ela abriu os olhos novamente. Ela ainda se sentia exausta, desorientada. Em seus sonhos, ela tinha ouvido uma voz e agora ela a ouvia novamente.

“Gwendolyn.” Disse a voz. Ela a ouviu ecoar em sua mente e se perguntou quantas vezes haviam chamado o nome dela.

Ela olhou para cima e reconheceu Kendrick, olhando para ela. De pé ao lado dele estava seu irmão Godfrey, junto com Srog, Brom, Kolk e vários outros. Do outro lado dela estava Steffen. Gwen odiava as expressões de seus rostos. Eles olhavam para ela como se ela fosse uma pobre coitada, como se ela tivesse retornado do mundo dos mortos.

“Minha irmã.” Kendrick disse, sorrindo. Ela podia ouvir a preocupação em sua voz. “Diga-nos o que aconteceu.”

Gwen balançou a cabeça, cansada demais para contar tudo.

“Andronicus.” Ela disse, com voz rouca, sua voz não era mais que um sussurro. Ela limpou a garganta. “Eu tentei… render-me… em troca da cidade… eu confiava nele. Estúpida…”

Ela balançou a cabeça vez após vez, uma lágrima rolou pelo seu rosto.

“Não, você é nobre.” Kendrick corrigiu apertando-lhe a mão. “Você é a pessoa mais corajosa de todos nós.”

“Você fez o que todo grande líder teria feito.” Godfrey disse dando um passo adiante.

Gwen balançou a cabeça.

“Ele nos enganou…” Gwendolyn disse. “… Ele me atacou. Ele mandou McCloud me atacar.”

Gwen não pôde mais aguentar: ela começou a chorar enquanto falava as palavras, incapaz de conter-se. Ela sabia que isso não era próprio de um líder, mas ela não podia controlar-se.

Kendrick tomou a mão dela entre as suas e a apertou suavemente.

“Eles iam me matar…” Disse ela. “… Mas Steffen salvou-me…”

Todos os homens olharam para Steffen com um novo respeito, ele estava, como sempre, lealmente ao lado de Gwen, com sua cabeça inclinada.

“O que fiz foi muito pouco e muito tarde.” Ele respondeu humildemente. “Eu era um só homem contra muitos.”

“Mesmo assim, você salvou nossa irmã e por isso, estaremos sempre em dívida com você.” Disse Kendrick.

Steffen abanou sua cabeça.

“Eu tenho uma dívida muito maior para com ela.” Respondeu ele.

Gwen chorava.

“Argon nos salvou a ambos.” Concluiu ela.

O rosto de Kendrick ficou sombrio.

“Nós vingaremos você.” Disse ele.

“Não é por mim que eu que estou preocupada.” Disse ela. “É pela cidade… pelo nosso povo… Silésia… Andronicus… ele vai atacar.…”

Godfrey deu um tapinha na mão dela.

“Não se preocupe com isso agora.” Disse ele, dando um passo à frente. “Descanse. Deixe que nós discutamos essas coisas. Você está segura agora, aqui.”

Gwen sentiu os olhos dela se fechando. Ela não sabia se estava acordada ou sonhando.

“Ela necessita dormir.” Illepra disse, dando um passo à frente com atitude protetora.

Gwendolyn ouvia tudo isso vagamente enquanto se sentia cada vez mais sonolenta. Ela entrava e saía do estado de inconsciência. Por sua mente passavam as imagens de Thor e logo as de seu pai. Ela estava tendo dificuldades para discernir o que era real e o que era um sonho e ouvia apenas trechos da conversa acima de sua cabeça.

“Que tão sérias são as suas feridas?” Disse uma voz, talvez fosse a voz de Kendrick.

Ela sentiu Illepra pousar a palma da mão em sua testa. E foram dela as últimas palavras que Gwen ouviu, antes que seus olhos se fechassem:

“As feridas do corpo são leves, meu senhor. São as feridas do seu espírito, as mais profundas.”

*

Quando Gwen acordou novamente, foi ao som de um fogo crepitante. Ela não podia dizer quanto tempo tinha passado. Ela piscou várias vezes enquanto olhava ao redor do quarto escuro. Ela viu que a multidão havia se dispersado. As únicas pessoas que permaneceram foram Steffen, sentado em uma cadeira ao lado da cama; Illepra, que estava sobre ela, aplicando uma pomada no seu pulso e apenas mais outra pessoa. Era um homem idoso e gentil que a olhava com preocupação. Ela quase o reconheceu, mas tinha dificuldade em identificá-lo. Ela sentia-se tão cansada, muito cansada, como se não tivesse dormido há anos.

“Minha senhora?” O homem idoso disse, inclinando-se. Ele segurava algo grande em ambas as mãos, ela olhou para baixo e percebeu que era um livro com uma capa de couro.

“Sou eu Aberthol.” Disse ele. “Seu antigo professor. Está me ouvindo?”

Gwen engoliu saliva e assentiu lentamente, abrindo um pouco os olhos.

“Eu estive esperando horas para vê-la.” Disse ele. “Eu a vi mexer-se inquieta.”

Gwen assentiu lentamente, lembrando-se dele, grata por sua presença.

Aberthol inclinou-se e abriu o grande livro, Gwen podia sentir o peso dele em seu colo. Ela ouviu o farfalhar de suas páginas pesadas enquanto ele as folheava.

“É um dos poucos livros que eu salvei.” Ele disse. “… Antes do incêndio da Casa dos Eruditos. É o quarto volume dos anais dos MacGils. Você o leu antes. Dentro dele há histórias de conquistas, vitórias e derrotas é claro, mas há também outras histórias. Histórias de grandes líderes feridos. De feridas do corpo e feridas do espírito. Todos os tipos de lesões que possamos imaginar, minha senhora. E eu vim aqui para dizer-lhe isto: até mesmo os melhores homens e mulheres sofreram as formas mais inimagináveis de tratamento, lesões e tortura. A senhora não está sozinha. A senhora é apenas uma partícula da roda do tempo. Há inúmeros outros que sofreram coisas muito piores do que a senhora; muitos que sobreviveram, prosseguiram e se tornaram grandes líderes.

“Não se sinta envergonhada.” Disse ele, agarrando-lhe o pulso. “É isso o que eu quero dizer-lhe. Nunca se envergonhe. Não deve haver nenhuma vergonha em sua pessoa, somente honra e coragem pelo que tem feito. A senhora é tão grande quanto qualquer líder que o Anel já viu. E isso em nada a diminui, de forma alguma.”

Gwen, tocada por suas palavras, sentiu uma lágrima rolar pelo seu rosto. Suas palavras eram exatamente o que ela precisava ouvir e ela se sentia muito grata por elas. Naturalmente, ela sabia e entendia que ele estava certo.

No entanto, ela ainda estava muito afetada emocionalmente e tinha dificuldades para sentir o que ele dizia. Uma parte dela não poderia deixar de sentir que de alguma forma, ela tinha sido afetada para sempre. Ela sabia que isso não era verdade, mas era assim como ela se sentia.

Aberthol sorria enquanto ele segurava um livro menor.

“Lembra-se deste aqui?” Perguntou ele, virando sua capa de couro vermelho. “Era o seu livro favorito de toda a infância. As lendas de nossos pais. Há uma história em particular aqui que eu gostaria de ler para você, para ajudá-la a passar o tempo.”

Gwen estava comovida pelo gesto, mas ela não aguentava mais. Ela balançou a cabeça tristemente.

“Obrigada.” Ela disse, com voz rouca, outra lágrima rolou pelo seu rosto. “Mas eu não posso ouvi-lo agora.”

O rosto dele refletiu sua decepção e em seguida, ele assentiu, entendendo.

“Em outra ocasião.” Disse ela, sentindo-se deprimida. “Eu preciso ficar sozinha. Eu gostaria, por favor, que me deixassem sozinha. Todos vocês.” Disse ela, virando-se e olhando para Steffen e Illepra.

Todos eles se levantaram e fizeram uma pequena reverência, em seguida, se viraram e saíram da sala apressadamente.

Gwen se sentiu culpada, mas ela não podia evitar isso; ela queria enroscar seu corpo como se fosse uma bola e morrer. Ela ouvia os passos de todos atravessando a sala, ouviu a porta fechar-se atrás deles e olhou ao redor para assegurar-se de que o quarto estivesse vazio.

Mas ela se surpreendeu ao ver que não estava: ali estava uma figura solitária, de pé na soleira, ereta, com sua postura perfeita, como sempre. Ela caminhou bem devagar, com seu andar imponente até Gwen, parou a poucos metros de sua cama e olhou para ela, com seu rosto totalmente inexpressivo.

Era sua mãe.

Gwen ficou surpresa ao vê-la parada ali, a ex-rainha, tão imponente e orgulhosa como de costume, olhando para ela com uma expressão mais fria do que nunca. Não havia nenhuma compaixão em seus olhos, nada sequer comparável à compaixão que Gwen encontrou nos olhos de outros visitantes.

“Por que está aqui?” Perguntou Gwen.

“Eu vim aqui para vê-la.”

“Mas eu não desejo vê-la.” Disse Gwen. “Eu não quero ver ninguém.”

“Eu não me importo o que você quer.” Disse sua mãe, indiferente e confiante. “Eu sou sua mãe e eu tenho o direito de vê-la quando eu quiser.”

Gwen sentiu a velha raiva contra sua mãe arder; ela era a última pessoa que ela queria ver naquele momento. Mas ela conhecia bem sua mãe e sabia que ela não iria embora antes de dizer tudo o que tinha em mente.

“Então diga o que quer.” Disse Gwendolyn. “Fale e me deixe em paz de uma vez por todas.”

Sua mãe suspirou.

“Você não sabe disso.” Disse a mãe. “Mas quando eu era jovem e tinha sua idade, eu fui atacada da mesma forma que você.”

Gwen olhou-a chocada; ela não tinha ideia.

“Seu pai sabia disso…” Sua mãe continuou. “… E ele não se importou. Ele se casou comigo mesmo assim. Na época, era como se meu mundo tivesse acabado. Mas não acabou.”

Gwen fechou os olhos, sentindo outra lágrima rolar pelo seu rosto, enquanto tentava bloquear aquele assunto. Ela não queria ouvir a história de sua mãe. Era um pouco tarde demais para que sua mãe demonstrasse ter qualquer compaixão real para com ela. Será que ela simplesmente pensava que poderia entrar ali, depois de tantos anos de tratamento cruel, oferecer uma história empática e pretender que em troca, todo o dano fosse reparado?

“A senhora já acabou?” Perguntou Gwendolyn.

Sua mãe deu um passo à frente. “Não, Eu não acabei.” Disse ela, com voz firme. “Você é a rainha agora, então já é hora de que você aja como uma.” Disse sua mãe, com uma voz tão dura como o aço. Gwen percebeu uma força na voz dela jamais sentida antes. “Você se lamenta. Mas as mulheres todos os dias, em todos os lugares, sofrem destinos muito piores do que você. O que aconteceu com você não é nada no esquema da vida. Você me entende? Nada.”

Sua mãe suspirou.

“Se você quiser sobreviver e sentir-se à vontade neste mundo, você deve ser forte. Mais forte do que os homens. Os homens terão você, de uma forma ou de outra. A vida não se trata apenas do que acontece com você – trata-se de como você percebe isso. Como você reage a isso. É sobre isso que você exerce o controle. Você pode se acovardar e morrer. Ou você pode ser forte. “Isso é o que separa as garotas das mulheres.”

Gwen sabia que sua mãe estava tentando ajudar, mas ela se ressentia da falta de compaixão de sua abordagem. E ela odiava receber um sermão.

“Eu odeio você.” Gwendolyn disse para a mãe. “Eu sempre odiei.”

“Eu sei disso.” Disse sua mãe. “E eu odeio você também. Mas isso não significa que não possamos nos entender. Eu não quero o seu amor, o que eu quero é que você seja forte. Este mundo não é governado pelos fracos e assustadiços, ele é governado por aqueles que levantam a cabeça diante da adversidade, como se ela não fosse nada. Você pode entrar em colapso e morrer, se quiser. Há tempo de sobra para isso. Mas isso seria tedioso, chato. Seja forte e viva. Verdadeiramente viva. Seja um exemplo para os outros. Porque um dia, eu lhe garanto, você vai morrer de qualquer jeito. E enquanto você estiver viva, você pode muito bem viver de verdade.”

“Deixe-me em paz!” Gwendolyn gritou incapaz de ouvir outra palavra.

Sua mãe olhou para ela friamente, então, finalmente, depois de um silêncio interminável, ela virou-se e saiu caminhando pomposamente do quarto como um pavão, batendo a porta atrás de si.

No silêncio vazio, Gwen começou a chorar, ela chorou por um longo tempo. Mais do que nunca, ela desejava que tudo aquilo acabasse.