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Kitabı oku: «Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III», sayfa 3

Luís de Camões
Yazı tipi:

SEXTINAS

SEXTINA I

 
Foge-me pouco a pouco a curta vida,
Se por caso he verdade qu'inda vivo;
Vai-se-me o breve tempo d'ante os olhos;
Chóro por o passado; e em quanto fallo,
Se me passão os dias passo a passo.
Vai-se-me, emfim, a idade, e fica a pena.
 
 
Que maneira tão aspera de pena!
Pois nunca hum'hora vio tão longa vida
Em que do mal mover se visse hum passo.
Que mais me monta ser morto que vivo?
Para que chóro, emfim? para que fallo,
Se lograr-me não pude de meus olhos?
 
 
Oh formosos, gentís e claros olhos,
Cuja ausencia me move a tanta pena,
Quanta se não comprende em quanto fallo!
Se no fim de tão longa e curta vida
De vós m'inflammasse inda o raio vivo,
Por bem teria todo o mal que passo.
 
 
Mas bem sei que primeiro o extremo passo
Me ha de vir a cerrar os tristes olhos,
Que Amor me mostre aquelles por quem vivo.
Testimunhas serão a tinta e penna,
Qu'escrevêrão de tão molesta vida
O menos que passei, e o mais que fallo.
 
 
Oh que não sei qu'escrevo, nem que fallo!
Pois se d'hum pensamento em outro passo,
Vejo tão triste genero de vida,
Que se lhe não valerem tanto os olhos,
Não posso imaginar qual seja a penna
Qu'esta pena traslade com que vivo.
 
 
N'alma tenho contino hum fogo vivo,
Que se não respirasse no que fallo,
Estaria ja feita cinza a pena;
Mas sôbre a maior dor que soffro e passo,
O temperão com lagrimas os olhos:
Com que, se foge, não se acaba a vida.
 
 
Morrendo estou na vida, e em morte vivo;
Vejo sem olhos, e sem lingua fallo;
E juntamente passo gloria e pena.
 

SEXTINA II

 
A culpa de meu mal só tẽe meus olhos,
Pois que derão a Amor entrada n'alma,
Para que perdesse eu a liberdade.
Mas quem póde fugir a huma brandura,
Que despois de vos pôr em tantos males,
Dá por bens o perder por ella a vida?
 
 
Assaz de pouco faz quem perde a vida
Por condição tão dura e brandos olhos;
Pois de tal qualidade são meus males,
Que o mais pequeno delles toca n'alma.
Não s'engane com mostras de brandura
Quem quizer conservar a liberdade.
 
 
Roubadora he de toda liberdade
(E oxalá perdoasse á triste vida!)
Esta que o falso Amor chama brandura,
Ai meus antes imigos, que meus olhos!
Que mal vos tinha feito esta vossa alma,
Para vós lhe fazerdes tantos males?
 
 
Cresção de dia em dia embora os males;
Perca-se embora a antigua liberdade;
Transforme-se em Amor esta triste alma;
Padeça embora esta innocente vida;
Que bem me págão tudo estes meus olhos,
Quando de outros, se os vem, vem a brandura.
 
 
Mas como nelles póde haver brandura,
Se causadores são de tantos males?
Engano foi d'Amor, porque meus olhos
Dessem por bem perdida a liberdade.
Ja não tenho que dar senão a vida,
Se a vida ja não deo, quem ja deo a alma.
 
 
Que póde ja'sperar quem a sua alma
Captiva eterna fez d'huma brandura,
Que quando vos dá morte, diz qu'he vida?
Forçado me he gritar nestes meus males,
Olhos meus: pois por vós a liberdade
Perdi, de vós me queixarei, meus olhos.
 
 
Chorae, meus olhos, sempre os damnos d'alma,
Pois dais a liberdade a tal brandura,
Que para dar mais males, dá mais vida.
 

SEXTINA III

 
Oh triste, oh tenebroso, oh cruel dia,
Amanhecido só para meu damno!
Pudeste-me apartar daquella vista
Por quem vivia com meu mal contente?
Ah se o supremo fôras desta vida,
Qu'em ti se começára a minha glória!
 
 
Mas como eu não nasci para ter glória,
Senão pena que cresça cada dia,
O ceo m'está negando o fim da vida,
Porque não tenha fim com ella o damno:
Para que nunca possa ser contente,
Da vista me tirou aquella vista.
 
 
Suave, deleitosa, alegre vista,
Donde pendia toda a minha gloria,
Por quem na mor tristeza fui contente;
Quando será que veja aquelle dia
Em que deixe de ver tão grave damno,
E em que me deixe tão penosa vida?
 
 
Como desejarei humana vida,
Ausente d'hũa mais que humana vista,
Que tão glorioso me fazia o damno!
Vejo o meu damno sem a sua glória;
Á minha noite falta ja seu dia:
Triste tudo se vê, nada contente.
 
 
Pois sem ti ja não posso ser contente,
Mal posso desejar sem ti a vida;
Sem ti ja ver não posso claro dia,
Não posso sem te ver desejar vista;
Na tua vista só se via a glória,
Não ver a glória tua he ver meu damno.
 
 
Não via maior glória que meu damno,
Quando do damno meu eras contente:
Agora me he tormento a maior glória,
Que póde prometter-me Amor na vida,
Pois tornar-te não póde á minha vista,
Que só na tua achava a luz do dia.
 
 
E pois de dia em dia cresce o damno,
Nem posso sem tal vista ser contente,
Só com perder a vida acharei glória.
 

SEXTINA IV

 
Sempre me queixarei desta crueza
Que Amor usou comigo quando o tempo,
A pezar de meu duro e triste fado,
A meus males queria dar remedio,
Em apartar de mi aquella vista,
Por quem me contentava a triste vida.
 
 
Levára-me, oxalá, traz ella a vida,
Para que não sentira esta crueza
De me ver apartado de tal vista!
E praza a Deos não veja o proprio tempo
Em mi, sem esperança de remedio,
A desesperação d'hum triste fado!
 
 
Porém ja acabe o triste e duro fado!
Acabe o tempo ja tão triste vida,
Qu'em sua morte só tẽe seu remedio.
O deixar-me viver he mor crueza,
Pois desespéro ja d'em algum tempo
Tornar a ver aquella doce vista.
 
 
Duro Amor! se pagava só tal vista
Todo o mal que por ti me fez meu fado,
Porque quizeste que a levasse o tempo?
E se o assi quizeste, porque a vida
Me deixas para ver tanta crueza,
Quando em não vê-la só vejo o remedio?
 
 
Tu só de minha dor eras remedio,
Suave, deleitosa e bella vista.
Sem ti, que posso eu ver senão crueza?
Sem ti, qual bem me póde dar o fado,
Se não he consentir que acabe a vida?
Mas elle della me dilata o tempo.
 
 
Azas para voar vejo no tempo,
Que com voar a muitos foi remedio;
E só não vôa para a minha vida.
Para que a quero eu sem tua vista?
Para que quer tambem o triste fado
Que não acabe o tempo tal crueza?
 
 
Não poderão fazer crueza, ou tempo,
Fôrça de fado, ou falta de remedio,
Qu'essa vista m'esqueça em toda a vida.
 

ELEGIAS

ELEGIA I

 
O sulmonense Ovidio desterrado
Na aspereza do Ponto, imaginando
Ver-se de seus Penates apartado;
 
 
Sua chara mulher desamparando,
Seus doces filhos, seu contentamento,
De sua Patria os olhos apartando;
 
 
Não podendo encobrir o sentimento,
Aos montes ja, ja aos rios se queixava
De seu escuro e triste nascimento.
 
 
O curso das estrellas contemplava,
E aquella ordem com que discorria
O ceo e o ar, e a terra adonde estava.
 
 
Os peixes por o mar nadando via,
As feras por o monte procedendo
Como o seu natural lhes permittia.
 
 
De suas fontes via estar nascendo
Os saudosos rios de crystal,
Á sua natureza obedecendo.
 
 
Assi só, de seu proprio natural
Apartado, se via em terra estranha,
A cuja triste dor não acha igual.
 
 
Só sua doce Musa o acompanha
Nos soidosos versos qu'escrevia,
E nos lamentos com que o campo banha.
 
 
Dest'arte me figura a phantasia
A vida com que morro, desterrado
Do bem qu'em outro tempo possuia.
 
 
Aqui contemplo o gôsto ja passado,
Que nunca passará por a memoria
De quem o traz na mente debuxado.
 
 
Aqui vejo caduca e debil glória
Desenganar meu êrro co'a mudança
Que faz a fragil vida transitoria.
 
 
Aqui me representa esta lembrança
Quão pouca culpa tenho; e m'entristece
Ver sem razão a pena que m'alcança.
 
 
Que a pena que com causa se padece,
A causa tira o sentimento della;
Mas muito doe a que se não merece.
 
 
Quando a roxa manhãa, dourada e bella,
Abre as portas ao sol e cahe o orvalho,
E torna a seus queixumes Philomela;
 
 
Este cuidado, que co'o somno atalho,
Em sonhos me parece; que o que a gente
Por seu descanso tẽe me dá trabalho.
 
 
E despois de acordado cegamente,
(Ou, por melhor dizer, desacordado,
Que pouco acôrdo logra hum descontente)
 
 
Daqui me vou, com passo carregado,
A hum outeiro erguido, e alli m'assento,
Soltando toda a redea a meu cuidado.
 
 
Despois de farto ja de meu tormento,
Estendo estes meus olhos saudosos
Á parte donde tinha o pensamento.
 
 
Não vejo senão montes pedregosos;
E sem graça e sem flor os campos vejo,
Que ja floridos víra, e graciosos.
 
 
Vejo o puro, suave e rico Tejo,
Com as concavas barcas, que nadando
Vão pondo em doce effeito o seu desejo.
 
 
Humas com brando vento navegando,
Outras com leves reinos brandamente
As crystallinas ágoas apartando.
 
 
D'alli fallo com a ágoa que não sente
Com cujo sentimento est'alma sae
Em lagrimas desfeita claramente.
 
 
Ó fugitivas ondas, esperae;
Que pois me não levais em companhia,
Ao menos estas lagrimas levae.
 
 
Até que venha aquelle alegre dia
Qu'eu vá onde vós ides, livre e ledo.
Mas tanto tempo, quem o passaria?
 
 
Não póde tanto bem chegar tão cedo:
Porque primeiro a vida acabará,
Que se acabe tão aspero degredo.
 
 
Mas essa triste morte que virá,
S'em tão contrário estado me acabasse,
Est'alma assi impaciente adonde irá?
 
 
Que se ás portas Tartaricas chegasse,
Temo que tanto mal por a memoria
Nem ao passar do Lethe lhe passasse.
 
 
Que se a Tantalo e Ticio for notoria
A pena com que vai, e que a atormenta,
A pena que lá tẽe, terão por glória.
 
 
Essa imaginação, emfim, me augmenta
Mil mágoas no sentido, porque a vida
De imaginações tristes se contenta.
 
 
Que pois de todo vive consumida,
Porque o mal que possue se resuma,
Imagina na glória possuida.
 
 
Até que a noite eterna me consuma,
Ou veja aquelle dia desejado
Em que a Fortuna faça o que costuma;
 
 
Se nella ha hi mudar-se hum triste estado.
 

ELEGIA II

 
Aquella que d'amor descomedido
Por o formoso moço se perdeo,
Que só por si d'amores foi perdido;
 
 
Despois que a deosa em pedra a converteo
De seu humano gesto verdadeiro,
A última voz só lhe concedeo.
 
 
Assi meu mal do proprio ser primeiro
Outra cousa nenhũa me consente,
Qu'este canto qu'escrevo derradeiro.
 
 
E se huma pouca vida, estando ausente,
Me deixa Amor, he porque o pensamento
Sinta a perda do bem d'estar presente.
 
 
Senhor, se vos espanta o soffrimento
Que tenho em tanto mal para escrevê-lo,
Furto este breve espaço a meu tormento.
 
 
Porque quem tẽe poder para soffrê-lo,
Sem se acabar a vida co'o cuidado,
Tambem terá poder para dizê-lo.
 
 
Nem eu escrevo hum mal ja acostumado;
Mas n'alma minha triste e saudosa
A saudade escreve, e eu traslado.
 
 
Ando gastando a vida trabalhosa,
E esparzindo a contínua soidade
Ao longo d'huma praia soidosa.
 
 
Vejo do mar a instabilidade,
Como com seu ruido impetuoso
Retumba na maior concavidade.
 
 
De furibundas ondas poderoso,
Na terra, a seu pezar, está tomando
Lugar, em que s'estenda, cavernoso.
 
 
Ella, como mais fraca, lh'está dando
As concavas entranhas, onde esteja
Sempre com som profundo suspirando.
 
 
A todas estas cousas tenho inveja
Tamanha, que não sei determinar-me,
Por mais determinado que me veja.
 
 
Se quero em tanto mal desesperar-me,
Não posso, porque Amor e saudade
Nem licença me dão para matar-me.
 
 
Ás vezes cuido em mi, se a novidade
E estranheza das cousas, co'a mudança,
Poderião mudar huma vontade.
 
 
E com isto figuro na lembrança
A nova terra, o novo trato humano,
A estrangeira progenie, a estranha usança.
 
 
Subo-me ao monte que Hercules Thebano
Do altissimo Calpe dividio,
Dando caminho ao mar Mediterrano;
 
 
D'alli'stou tenteando adonde vio
O pomar das Hesperidas, matando
A serpe que a seu passo resistio.
 
 
Estou-me em outra parte figurando
O poderoso Anteo, que derribado
Mais fôrça se lhe vinha accrescentando;
 
 
Porém do Herculeo braço sobjugado,
No ar deixando a vida, não podendo
Dos soccorros da mãe ser ajudado.
 
 
Mas nem com isto, emfim, qu'estou dizendo,
Nem com as armas tão continuadas,
D'amorosas lembranças me defendo.
 
 
Todas as cousas vejo demudadas,
Porque o tempo ligeiro não consente
Qu'estejão de firmeza acompanhadas.
 
 
Vi ja que a Primavera, de contente,
Em variadas côres revestia
O monte, o campo, o valle, alegremente.
 
 
Vi ja das altas aves a harmonia,
Que até duros penedos convidava
A algum suave modo d'alegria.
 
 
Vi ja que tudo, emfim, me contentava,
E que, de muito cheio de firmeza,
Hum mal por mil prazeres não trocava.
 
 
Tal me tẽe a mudança e estranheza,
Que se vou por os prados, a verdura
Parece que se sécca de tristeza.
 
 
Mas isto he ja costume da ventura;
Porque aos olhos que vivem descontentes,
Descontente o prazer se lhes figura.
 
 
Oh graves e insoffriveis accidentes
De Fortuna e d'Amor! que penitencia
Tão grave dais aos peitos innocentes!
 
 
Não basta examinar-me a paciencia
Com temores e falsas esperanças,
Sem que tambem me tente o mal de ausencia?
 
 
Trazeis hum brando espirito em mudanças,
Para que nunca possa ser mudado
De lagrimas, suspiros e lembranças.
 
 
E s'estiver ao mal acostumado,
Tambem no mal não consentis firmeza,
Para que nunca viva descansado.
 
 
Ja quieto m'achava co'a tristeza;
E alli não me faltava hum brando engano.
Que tirasse desejos da fraqueza.
 
 
Mas vendo-me enganado estar ufano,
Deo á roda a Fortuna; e deo comigo
Onde de novo chóro o novo dano.
 
 
Ja deve de bastar o que aqui digo,
Para dar a entender o mais que calo
A quem ja vio tão aspero perigo.
 
 
E se nos brandos peitos faz abalo
Hum peito magoado e descontente,
Que obriga a quem o ouve a consolá-lo;
 
 
Não quero mais senão que largamente,
Senhor, me mandeis novas dessa terra;
Que alguma dellas me fara contente.
 
 
Porque se o duro Fado me desterra
Tanto tempo do bem, que o fraco esprito
Desampare a prisão onde s'encerra;
 
 
Ao som das negras ágoas do Cocito,
Ao pé dos carregados arvoredos
Cantarei o que n'alma tenho escrito.
 
 
E por entre estes horridos penedos
A quem negou Natura o claro dia,
Entre tormentos asperos e medos,
 
 
Com a trémula voz, cansada e fria,
Celebrarei o gesto claro e puro,
Que nunca perderei da phantasia.
 
 
O Musico de Thracia, ja seguro
De perder sua Eurydice, tangendo
Me ajudará ferindo o ar escuro.
 
 
As namoradas sombras, revolvendo
Memorias do passado, me ouvirão;
E com seu chôro o rio irá crescendo.
 
 
Em Salmonêo as penas faltarão,
E das filhas de Belo juntamente
De lagrimas os vasos s'encherão.
 
 
Que se amor não se perde em vida ausente,
Menos se perderá por morte escura:
Porque, emfim, a alma vive eternamente,
 
 
E amor he effeito d'alma, e sempre dura.
 

ELEGIA III

 
O poeta Simonides fallando
Co'o Capitão Themistocles hum dia,
Em cousas de sciencia praticando;
 
 
Hum'arte singular lhe promettia,
Qu'então compunha, com que lh'ensinasse
A lembrar-se de tudo o que fazia;
 
 
Onde tão subtis regras lhe mostrasse,
Que nunca lhe passassem da memoria
Em nenhum tempo as cousas que passasse.
 
 
Bem merecia, certo, fama e gloria
Quem dava regra contra o esquecimento,
Que sepulta qualquer antigua historia.
 
 
Mas o Capitão claro, cujo intento
Bem differente estava, porque havia
Do passado as lembranças por tormento;
 
 
Oh illustre Simonides! (dizia)
Pois tanto em teu engenho te confias,
Que mostras á memoria nova via;
 
 
Se me désses hum'arte, qu'em meus dias
Me não lembrasse nada do passado,
Oh quanto melhor obra me farias!
 
 
S'este excellente dito ponderado
Fosse por quem se visse estar ausente,
Em longas esperanças degradado;
 
 
Oh como bradaria justamente,
Simonides, inventa novas artes;
Não midas o passado co'o presente!
 
 
Que se he forçado andar por várias partes
Buscando á vida algum descanço honesto,
Que tu, Fortuna injusta, mal repartes;
 
 
E se o duro trabalho, he manifesto
Que por grave que seja, ha de passar-se
Com animoso esprito e ledo gesto;
 
 
De que serve ás pessoas o lembrar-se
Do que se passou ja, pois tudo passa,
Senão d'entristecer-se e magoar-se?
 
 
S'em outro corpo hum'alma se traspassa,
Não como quiz Pythagoras na morte,
Mas como quer Amor na vida escassa;
 
 
E s'este Amor no mundo está de sorte,
Que na virtude só d'hum lindo objecto
Tẽe hum corpo, sem alma, vivo e forte;
 
 
Onde este objecto falta, qu'he defecto
Tamanho para a vida, que ja nella
M'está chamando á pena a dura Alecto;
 
 
Porque me não criára a minha Estrella
Selvatico no mundo, e habitante
Na dura Scythia, e no mais duro della?
 
 
Ou no Caucaso horrendo, fraco infante
Criado ao peito d'huma tigre Hircana,
Homem fôra formado de diamante;
 
 
Porque a cerviz ferina e inhumana
Não submettêra ao jugo e dura lei
Daquelle que dá vida quando engana.
 
 
Ou em pago das ágoas qu'estilei,
As que passei do mar, forão do Lete,
Para que m'esquecêra o que passei.
 
 
Porque o bem que a esperança vãa promette,
Ou a morte o estorva, ou a mudança,
Que he mal que hum'alma em lagrimas derrete.
 
 
Ja, Senhor, cahirá como a lembrança,
No mal, do bem passado he triste e dura,
Pois nasce aonde morre a esperança.
 
 
E se quizer saber como se apura
Em almas saudosas, não s'enfade
De ler tão longa e misera escriptura.
 
 
Soltava Eolo a redea e liberdade
Ao manso Favonio brandamente,
E eu a tinha ja sôlta á saudade.
 
 
Neptuno tinha pôsto o seu tridente;
A proa a branca escuma dividia,
Com a gente maritima contente.
 
 
O côro das Nereidas nos seguia;
Os ventos, namorada Galatêa
Comsigo socegados os movia.
 
 
Das argenteas conchinhas Panopêa
Andava por o mar fazendo mólhos,
Melanto, Dinamene, com Ligea.
 
 
Eu, trazendo lembranças por antolhos,
Trazia os olhos n'ágoa socegada,
E a ágoa sem socêgo nos meus olhos.
 
 
A bem-aventurança ja passada
Diante de mi tinha tão presente,
Como se não mudasse o tempo nada.
 
 
E com o gesto immoto e descontente,
Co'hum suspiro profundo e mal ouvido,
Por não mostrar meu mal a toda a gente,
 
 
Dizia: Oh claras Nymphas! se o sentido
Em puro amor tivestes, e inda agora
Da memoria o não tendes esquecido;
 
 
Se por ventura fordes algum'hora
Adonde entra o grão Tejo a dar tributo
A Tethys, que vós tendes por Senhora;
 
 
Ou ja por ver o verde prado enxuto,
Ou ja por colher ouro rutilante,
Das Tagicas areias rico fruto;
 
 
Nellas em verso erotico e elegante
Escrevei co'huma concha o qu'em mi vistes;
Póde ser que algum peito se quebrante.
 
 
E contando de mi memorias tristes,
Os pastores do Tejo, que me ouvião,
Oução de vós as mágoas que me ouvistes.
 
 
Ellas, que ja no gesto m'entendião,
Nos meneios das ondas me mostravão
Qu'em quanto lhes pedia consentião.
 
 
Estas lembranças, que me acompanhavão
Por a tranquillidade da bonança,
Nem na tormenta triste me deixavão.
 
 
Porque chegando ao Cabo da Esperança,
Comêço da saudade que renova,
Lembrando a longa e aspera mudança;
 
 
Debaixo estando ja da estrella nova
Que no novo Hemispherio resplandece,
Dando do segundo axe certa prova;
 
 
Eis a noite com nuvens s'escurece;
Do ar subitamente foge o dia;
E todo o largo Oceano s'embravece.
 
 
A máchina do mundo parecia
Qu'em tormentas se vinha desfazendo;
Em serras todo o mar se convertia.
 
 
Lutando Boreas fero e Noto horrendo.
Sonoras tempestades levantavão,
Das naos as velas concavas rompendo.
 
 
As cordas co'o ruido assoviavão;
Os marinheiros, ja desesperados,
Com gritos para o ceo o ar coalhavão.
 
 
Os raios por Vulcano fabricados
Vibrava o fero e aspero Tonante,
Tremendo os Polos ambos de assombrados.
 
 
Amor alli, mostrando-se possante,
E que por algum medo não fugia,
Mas quanto mais trabalho, mais constante;
 
 
Vendo a morte presente, em mi dizia:
Se algum'hora, Senhora, vos lembrasse,
Nada do que passei me lembraria.
 
 
Emfim, nunca houve cousa que mudasse
O firme amor intrinseco daquelle
Em quem alguma vez de siso entrasse.
 
 
Huma cousa, Senhor, por certa asselle,
Que nunca amor se affina, nem se apura,
Em quanto está presente a causa delle.
 
 
Dest'arte me chegou minha ventura
A esta desejada e longa terra,
De todo pobre honrado sepultura.
 
 
Vi quanta vaidade em nós s'encerra,
E nos proprios quão pouca; contra quem
Foi logo necessario termos guerra.
 
 
Huma Ilha que o Rei de Porcá tem,
E que o Rei da Pimenta lhe tomára,
Fomos tomar-lha, e succedeo-nos bem.
 
 
Com huma grossa armada, que juntára
O Viso-Rei, de Goa nos partimos
Com toda a gente d'armas que se achára.
 
 
E com pouco trabalho destruimos
A gente no curvo arco exercitada:
Com morte, com incendios os punimos.
 
 
Era a Ilha com ágoas alagada,
De modo que se andava em almadias:
Emfim, outra Veneza trasladada.
 
 
Nella nos detivemos sós dous dias,
Que forão para alguns os derradeiros,
Pois passárão da Estyge as ondas frias.
 
 
Qu'estes são os remedios verdadeiros
Que para a vida estão apparelhados
Aos que a querem ter por cavalleiros.
 
 
Oh Lavradores bem-aventurados!
Se conhecessem seu contentamento,
Como vivem no campo socegados!
 
 
Dá-lhes a justa terra o mantimento;
Dá-lhes a fonte clara d'ágoa pura;
Mungem suas ovelhas cento a cento.
 
 
Não vem o mar irado, a noite escura,
Por ir buscar a pedra do Oriente;
Não temem o furor da guerra dura.
 
 
Vive hum com suas árvores contente,
Sem lhe quebrar o somno repousado
A grã cobiça d'ouro reluzente.
 
 
Se lhe falta o vestido perfumado,
E da formosa côr de Assyria tinto,
E das torçaes Attalicos lavrado;
 
 
Se não tẽe as delicias de Corinto,
E se de Pario os marmores lhe faltão,
O pyropo, a esmeralda e o jacinto;
 
 
Se suas casas de ouro não s'esmaltão,
Esmalta-se-lhe o campo de mil flores,
Onde os cabritos seus comendo sáltão.
 
 
Alli lhe mostra o campo várias côres;
Vem-se os ramos pender co'o fructo ameno;
Alli se affina o canto dos pastores.
 
 
Alli cantára Tityro e Sileno.
Emfim, por estas partes caminhou
A sãa Justiça para o ceo sereno.
 
 
Ditoso seja aquelle que alcançou
Poder viver na doce companhia
Das mansas ovelhinhas que criou!
 
 
Este bem facilmente alcançaria
As causas naturaes de toda cousa;
Como se gera a chuva e neve fria:
 
 
Os trabalhos do sol, que não repousa;
E porque nos dá lũa a luz alhêa,
Se tolher-nos de Phebo os raios ousa:
 
 
E como tão depressa o ceo rodêa;
E como hum só os outros traz comsigo;
E se he benigna ou dura Cytherêa.
 
 
Bem mal póde entender isto que digo,
Quem ha de andar seguindo o fero Marte;
Que sempre os olhos traz em seu perigo.
 
 
Porém seja, Senhor, de qualquer arte,
Pois postoque a Fortuna possa tanto,
Que tão longe de todo o bem me aparte;
 
 
Não poderá apartar meu duro canto
Desta obrigação sua, em quanto a morte
Me não entrega ao duro Radamanto;
 
 
Se para tristes ha tão leda sorte.
 
Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
05 temmuz 2017
Hacim:
270 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain