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Kitabı oku: «Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III», sayfa 4

Luís de Camões
Yazı tipi:

ELEGIA IV

 
Despois que Magalhães teve tecida
A breve historia sua, que illustrasse
A Terra Santa Cruz, pouco sabida;
 
 
Imaginando a quem a dedicasse,
Ou com cujo favor defenderia
Seu livro d'algum zoilo que ladrasse;
 
 
Tendo nisto occupada a phantasia,
Lhe sobreveio hum somno repousado,
Antes que o sol abrisse o claro dia.
 
 
Em sonhos lhe apparece todo armado
Marte, brandindo a lança furiosa,
Com que fez quem o vio todo enfiado;
 
 
Dizendo em voz pezada e temerosa:
Não he justo que a outrem se offereça
Obra alguma que possa ser famosa,
 
 
Senão a quem por armas resplandeça
No largo inundo com tal nome e fama,
Que louvor immortal sempre mereça.
 
 
Disse assi: quando Apollo, que da flama
Celeste guia os carros, de outra parte
Se lhe presenta, e por seu nome o chama,
 
 
Dizendo: Magalhães, postoque Marte
Com seu terror t'espante, todavia
Comigo deves só de aconselhar-te.
 
 
Hum Varão sapiente, em quem Thalia
Poz seus thesouros, e eu minha sciencia,
Defender tuas obras poderia.
 
 
He justo que a escriptura na prudencia
Ache só defensão; porque a dureza
Das armas he contrária da eloquencia.
 
 
Assi disse: e tocando com destreza
A cithara dourada, começou
A mitigar de Marte a fortaleza.
 
 
Mas Mercurio, que sempre costumou
Pacificar porfias duvidosas,
Co'o Caducêo na mão, que sempre usou,
 
 
Determina compor as perigosas
Opiniões dos deoses inimigos
Com suaves razões e ponderosas.
 
 
E disse: Bem sabemos dos antigos
Heroes, e dos modernos, que provárão
De Belona os gravissimos perigos,
 
 
Como tão bem mil vezes concordárão
As armas com as letras; porque as Musas
A muitos na milicia acompanhárão.
 
 
Nunca Alexandre, ou Cesar, nas confusas
Guerras o estudo deixão grande espaço;
Que as armas jamais delle são escusas.
 
 
N'huma mão livros, n'outra ferro e aço;
Aquella rege e ensina; est'outra fere:
Mais co'o saber se vence, que co'o braço.
 
 
Pois, logo, hum Varão grande se requere,
Que com teus dões (Apollo) illustre seja,
E de ti (Marte) palma e glória espere.
 
 
Este vos darei eu, em quem se veja
Saber e esfôrço no sereno peito,
Que he hum Leoniz que faz ao mundo inveja.
 
 
Deste as Irmãas em vendo o bom sogeito,
Todas nove nos braços o tomárão,
Criando-o co'o seu leite no seu leito:
 
 
As Artes e as Sciencias lh'ensinárão;
Inclinação divina lh'influírão
Ás virtudes moraes, que logo o ornárão.
 
 
Daqui nos exercidos o seguírão
Das armas no Oriente, onde primeiro
Hum soldado gentil instituírão.
 
 
Alli taes provas fez de Cavalleiro,
Que, de Christão magnanimo e seguro,
A si mesmo venceo por derradeiro.
 
 
Despois, ja Capitão forte e maduro,
Governando toda a Aurea Chersoneso,
Lhe defendeo co'o braço o debil muro.
 
 
Porque vindo a cercá-la todo o pêso
Do poder dos Achens, que se sustenta
De alheio sangue, em furia todo acceso;
 
 
Este só que a ti, Marte, representa,
O castigou de sorte, que vencido
De ter quem vivo fique se contenta.
 
 
E logo qu'este Reino defendido
Deixou, segunda vez com maior glória
Para o ir governar foi elegido.
 
 
Mas não perdendo ainda da memoria
Os amigos o seu govêrno brando,
Os imigos o damno da victoria;
 
 
Huns com amor intrinseco esperando
Estão por elle, e os outros congelados
O estão com frio medo receando.
 
 
Vêde pois se serião debellados
Por seu claro valor, se lá tornasse,
E dos Indicos mares degradados.
 
 
Porqu'he justo que nunca lhe negasse
O conselho do Olympo alto e subido
Favor e ajuda com que pelejasse.
 
 
Aqui só póde ser bem dirigido
De Magalhães o estudo: este só deve
Ser de vós, claros deoses, escolhido.
 
 
Assi Mercurio disse; e em termo breve
Conformados se vem Apollo e Marte;
E voou juntamente o somno leve.
 
 
Acorda Magalhães, e ja se parte
A offrecer-vos, Senhor claro e famoso,
Tudo o que nelle poz sciencia e arte.
 
 
Tẽe claro estylo, e engenho curioso,
Para poder de vós ser recebido,
Com mão benigna, de ânimo amoroso.
 
 
Pois se só de não ser favorecido
Hum alto esprito fica baixo e escuro;
Este seja comvosco defendido,
 
 
Como o foi de Malaca o debil muro.
 

ELEGIA V

 
Aquelle mover de olhos excellente,
Aquelle vivo espirito inflammado
Do crystallino rosto transparente;
 
 
Aquelle gesto immoto e repousado,
Qu'estando n'alma propriamente escrito,
Não póde ser em verso trasladado;
 
 
Aquelle parecer, que he infinito
Para se comprender d'engenho humano;
O qual offendo em quanto tenho dito;
 
 
Tanto a inflamar-me vem d'hum doce engano,
E tanto a engrandecer-me a phantasia,
Que não vi maior glória que meu dano.
 
 
Oh bem-aventurado seja o dia
Em que tomei tão doce pensamento,
Que de todos os outros me desvia!
 
 
E bem-aventurado o soffrimento
Que soube ser capaz de tanta pena,
Vendo que o foi da causa o entendimento!
 
 
Faça-me quem me mata, o mal que ordena,
Trate-me com enganos, desamores;
Qu'então me salva, quando me condena.
 
 
E se de tão suaves desfavores
Penando vive hum'alma consumida,
Oh que doce penar! que doces dores!
 
 
E se huma condição endurecida
Tambem me nega a morte por meu dano,
Oh que doce morrer! que doce vida!
 
 
E se me mostra hum gesto lindo humano,
Como que de meu mal culpada se acha,
Oh que doce mentir! que doce engano!
 
 
E s'em querer-lhe tanto ponho tacha,
Mostrando refrear o pensamento,
Oh que doce fingir! que doce cacha!
 
 
Assi que ponho ja no soffrimento
A parte principal de minha glória,
Tomando por melhor todo tormento.
 
 
Se sinto tanto bem só co'a memoria
De ver-vos, linda Dama, vencedora;
Que quero eu mais que ser vossa victoria?
 
 
Se tanto a vossa vista mais namora,
Quanto eu sou menos para merecer-vos;
Que quero eu mais que ter-vos por senhora?
 
 
Se procede este bem de conhecer-vos,
E consiste o vencer em ser vencido,
Que quero eu mais, Senhora, que querer-vos?
 
 
S'em meu proveito faz qualquer partido,
Só na vista d'huns olhos tão serenos,
Que quero eu mais ganhar que ser perdido?
 
 
Se, emfim, os meus espritos, de pequenos,
A merecer não chegão seu tormento,
Que quero eu mais, que o mais não seja menos?
 
 
A causa, pois, m'esforça o soffrimento;
Porque, a pezar do mal que me resiste,
De todos os trabalhos me contento;
 
 
Que a razão faz a pena alegre, ou triste.
 

ELEGIA VI

 
Entre rusticas serras e fragosas,
Compostas d'asperissimos rochedos,
De salitradas lapas cavernosas;
 
 
Onde gretando os humidos penedos
Orvalhados de neve branca e fria,
Brotando estão de si mil arvoredos;
 
 
Huma floresta fez verde e sombria
A natureza experta, que rodeia,
Como elevado muro, a serrania.
 
 
Neste formoso sítio se recreia
O lascivo Cupido entre as boninas,
Que sempre hum brando Zephyro meneia.
 
 
Da candida cecem, das clavellinas,
Da salva, mangerona e das mosquetas,
Das rubicundas flores hyacinthinas,
 
 
Muitas capellas tece, que de setas
Lhe servem contra peitos de donzellas,
A quem d'inveja traz sempre inquietas.
 
 
Não são d'huma só côr as flores bellas;
Que humas esmalta verde, outras rosado,
Entre as azues crescendo as amarellas.
 
 
Dos agrestes loureiros rodeado,
Faz o valle huma sombra deleitosa,
Quando apparece o sol mais levantado.
 
 
E por cima da relva bem graciosa
As gottas de crystal quasi imitando
Estão do aljofar puro a luz formosa.
 
 
As crystallinas fontes, que brotando
Por entre alvos seixinhos se derivão,
Das árvores os troncos vão banhando.
 
 
Entre as limpidas ágoas, qu'inda esquivão
O formoso pastor que se perdeo,
Preso das falsas mostras que o captivão,
 
 
Cresce a por cuja causa s'esqueceo
A linda Cytherêa de Vulcano,
Quando presa d'Amor se lhe rendeo.
 
 
Na brancura do rosto soberano,
Inda as crueis feridas apparecem
Do javali cerdoso e deshumano.
 
 
As rosas que de sangue resplandecem,
As candidas boninas marchetadas,
Qual roxo esmalte á vista bem se offrecem.
 
 
Do matutino orvalho rociadas,
As flores rutilantes e cheirosas
Estão como por cima prateadas.
 
 
Os humidos botões abrindo as rosas,
Que os agudos espinhos vão cercando,
No prado se vem rindo deliciosas.
 
 
A mellifera abelha, susurrando
Por cima das boninas que rodeia,
Está co'o som das ágoas concertando.
 
 
Do trémulo regato a branda areia
De jacinthos se cobre e de vieiras,
Qu'encrespão da corrente a branca veia.
 
 
Os álamos s'abração co'as videiras
De sorte, que s'enxérga escassamente
Se são os cachos seus, se das parreiras;
 
 
E pendendo por cima da corrente,
Outro formoso bosque debuxando
Estão no fundo della brandamente.
 
 
Ouve-se o rouxinol aqui, lembrando
Do perfido cunhado a crueldade,
Mágoas em melodias transformando.
 
 
A solitaria rôla com soidade
Desfaz o rouco peito, ja cansada
De que não move a morte a piedade.
 
 
A domestica Progne anda banhada
No sangue de seus filhos, em vingança
Da triste Philomela profanada.
 
 
De competir co'o merlo não descança
O garrulo calhandro, qu'enrouquece
Por não perder callado a confiança.
 
 
Em quanto o pobre ninho ajunta e tece
O sonoro canario, modulando
Engana a grave pena que padece.
 
 
Alguns versos s'escuta derramando
O vário pintasirgo, tão saudaveis,
Que produzem memorias d'amor brando.
 
 
Por os direitos troncos ha notaveis
Epigrammas; alguns d'antigua historia,
Que contra o duro tempo são duraveis.
 
 
Huns de cruel tormento, outros de glória,
Conforme a liberdade do qu'escreve,
Estranhos casos mostrão á memoria.
 
 
O que neste lugar contente esteve,
Contente declarou seu pensamento,
E os prazeres tambem que nelle teve.
 
 
Mas outros, declarando o sentimento
Que dos olhos destila tristes ágoas,
Deixárão mil lembranças de tormento.
 
 
Abrazando-se alguns em vivas frágoas,
Escrevêrão do bosque em muitas partes
Gostos d'Amor agora, agora mágoas.
 
 
Porque, cruel menino, o premio partes
A quem serás2 tyranno se lho negas,
E injusto e desigual, se lho repartes?
 
 
Porqu'enganas as almas que tão cegas
Arrastas apos ti, de error captivas?
Porque a crueis rigores as entregas?
 
 
Para que contra hum peito assi t'esquivas,
Que humilde se sujeita a teu cuidado,
Com enganos de sombras fugitivas?
 
 
Levas, como a menino, hum pobre a nado,
N'huma apparencia falsa embevecido,
Quando co'os braços corta o mar inchado.
 
 
Querendo-se tornar, vê-se perdido;
Ja grita que se affoga; e tu zombando,
Da praia entre os penedos escondido!
 
 
O triste, que conhece ir-se affogando,
No meio da arriscada zombaria
Por divino soccorro está clamando.
 
 
Mas eu de que m'espanto, se dizia
Hum sabio que d'enganos se temesse
O que tomasse a hum cego tal por guia?
 
 
Nunca nelle a firmeza permanece;
Se nos dá gôsto algum, muda-se logo;
Ja chora, ja se ri, ja s'enfurece.
 
 
Anda co'os corações sempre em hum jôgo;
Humas vezes os faz de pedra fria,
Outras os faz de neve, outras de fogo.
 
 
Tornando ao bosque meu que descrevia,
Despois de ter contado da frescura
Que nelle tão pomposa apparecia,
 
 
Referir quero agora huma aventura
Que nelle ao vão Narciso aconteceo,
Digna de se chorar com mágoa pura.
 
 
Castigo foi que o moço mereceo
Por se mostrar esquivo com aquella,
Qu'em viva pedra Juno converteo.
 
 
Ardia em fogo d'alma a vãa donzella,
Soffrendo hum duro peito; que a Narciso,
Quando ella mais se abraza, mais congela.
 
 
E quando a fraca Nympha mais de siso
Mostrava hum signal certo de firmeza,
Então se provocava o moço a riso.
 
 
Ja d'huma profundissima tristeza
A descora o rigor que a consumia.
Como diz desfavor mal com belleza!
 
 
O gelado pastor folgava e ria;
Mas vendo-a de seu gôsto andar contente,
Por não a contentar s'entristecia.
 
 
He tal o seu rigor, que não consente
Que seja o gôsto proprio festejado;
Antes disso se mostra descontente.
 
 
Mas o cego Cupido, d'affrontado,
Em vingança da fé que desprezou,
Fez que fosse de si mesmo enganado.
 
 
Casualmente hum dia se chegou
A beber n'huma fonte crystallina,
Que de si nova sêde lhe causou.
 
 
Vendo a sua figura peregrina
Que a fonte dentro em si representava,
Se perdeo por imagem tão divina.
 
 
Como ja, d'enlevado, não cuidava
Nos enganos que a sombra lhe fazia,
Vendo o formoso rosto, suspirava.
 
 
Por as avaras ágoas se metia;
E quanto mais molhava os tenros braços,
Então mais vivamente o fogo ardia.
 
 
Vendo-se assi prender em duros laços,
Ao sentimento obriga a paciencia,
Dando, fóra de si, ao vento abraços.
 
 
Embevecido todo n'apparencia,
Sem saber de cuidado o que sentia,
Não fez ao doce engano resistencia.
 
 
Ao ver-se longe mais, mais perto via
O peregrino gesto; e se chegava,
Então para mais longe lhe fugia.
 
 
Vendo, emfim, como em tudo o remedava
Cahio no torpe engano que tivera,
A tempo que de si ja preso estava.
 
 
A belleza que a tantas morte dera,
De si mesma se abraza e se captiva.
Quão longe então de si ver-se quizera!
 
 
Ella se abranda propria; ella se esquiva;
E sendo ella somente a que se amava,
Ella se chama ingrata e fugitiva.
 
 
A formosura, pois, que namorava,
Com tal difficuldade era seguida,
Qu'estando dentro em si, mui longe estava.
 
 
A solitaria Nympha, qu'escondida
Ja nas cavernas concavas se via,
Dos males que lhe ouvio foi commovida.
 
 
Das namoradas mágoas que dizia
O namorado moço, ella somente
Os ultimos accentos repetia.
 
 
Elle vendo-se estar alli presente,
As crystallinas ágoas accusava
De que ellas o fazião descontente.
 
 
Outras vezes á fonte, quando a olhava,
Ja cego, e sem juizo, agradecia
A figura que dentro lhe mostrava.
 
 
Mas vendo qu'ella em nada se dohia
De seu grave tormento, grita e chora.
Quanto erra quem de sombras se confia!
 
 
Ja lhe pede que saia para fóra.
Ignorando que sempre fóra esteve
A belleza que nelle proprio mora.
 
 
Despois que longo espaço se deteve
Nestes queixumes seus tão lastimosos,
Que com tão longo ser, julgou por breve;
 
 
Co'os olhos, bellos si, mas lagrimosos,
Do valle se despede e da espessura,
Dando soluços da alma vagarosos.
 
 
Entregue na vontade da ventura,
Ou, por melhor dizer, de seus enganos,
Ao centro se arrojou da fonte pura.
 
 
Dest'arte feneceo em tenros anos
Narciso, dando exemplo á formosura
De que tema, se he tal, tambem seus danos.
 
 
Sentimento mostrou da sorte dura
O namorado Jupiter, mudando
Ao moço em flor purpurea, qu'inda dura.
 
 
Aquellas claras ágoas rodeando,
Onde por seus amores se perdeo,
Está despois da morte acompanhando.
 
 
Tanto no seu engano procedeo,
Que não sabe na morte inda apartar-se
Dos erros que na vida commetteo.
 
 
Bem póde o coração desenganar-se,
Que o fogo d'hum querer, n'alma inflammado,
Não costuma na morte resfriar-se.
 
 
Porque despois do corpo sepultado,
Prisão onde s'encerra o fraco esprito,
Eternamente chora o seu cuidado.
 
 
E das escuras ágoas do Cocito
A rapida corrente refreando,
Celebra o lindo gesto n'alma escrito.
 
 
Lá se está co'os favores recreando;
E se foi desprezado, lá padece,
As duras esquivanças lamentando.
 
 
Nem dos avaros olhos lá s'esquece,
Que de formoso verde a terra esmaltão,
Por não ver os do triste qu'endoudece.
 
 
Assi que os desfavores nunca faltão,
Até despois da morte perseguindo
Hum triste coração que desbaratão.
 
 
Triste de quem em vão lhe vai fugindo!
 

ELEGIA VII

 
Ao pé d'hum'alta faia vi sentado,
N'hum valle deleitoso e bem florido,
A Almeno, pastor triste e namorado.
 
 
Outro no mundo póde haver nascido
Mui queixoso de Amor; porém não tanto,
Como este amante, por amar perdido.
 
 
Ja Venus hia recolhendo o manto
Escuro com que a terra se mostrava,
Para ajudar d'Almeno o triste pranto.
 
 
Apollo sôbre os montes derramava
Seus dourados cabellos, que fazião
Ao triste inda mais triste do qu'estava.
 
 
As flores por o prado s'estendião.
E das que finas mais erão as côres,
Brancas, roxas, as Nymphas mais colhião.
 
 
Ja guiavão seus gados os pastores,
Que, deixando-os no campo deleitoso,
Com ellas praticavão só d'amores.
 
 
Mas era esta alegria hum perigoso
Estado para Almeno entristecido;
E por isso a deixava pressuroso,
 
 
Buscando outro lugar: contra Cupido
Claramente exclamava, e o arguia
De contrário, d'astuto e fementido.
 
 
De quando em quando a frauta que tangia.
Numeros dava ao ar tão docemente,
Que as aves provocava a melodia.
 
 
Cego assi desta dor, deste accidente,
Com os olhos em lagrimas banhados,
Postos no ceo, dizia tristemente:
 
 
Se, Amor, eu te offendi com meus cuidados,
Porque mos déste tu para offender-te,
Quando livre vivia nestes prados?
 
 
Não vês quanto me negas merecer-te
O bem que me mostravas, se deixasse
Ferir meu coração para soffrer-te?
 
 
Qual bem me has dado, Amor, que me durasse?
Ou qual me has promettido, que hajas dado?
Ou qual déste, que muito não custasse?
 
 
Mostra-me quem puzeste em tal estado,
Que pudesse viver de ti contente,
Ou quem de ti não fosse lastimado?
 
 
Inimigo cruel de toda a gente,
Ja não quero teu bem, só meu mal quero;
Se de ti nem meu mal se me consente.
 
 
Inda que de teus bens ja desespéro,
Não desprézo dos males o tormento;
Antes o prezo mais, quando he mais fero.
 
 
Arrebatado deste pensamento
Hia o triste pastor com hum contino
Pranto, que lhe avivava o sentimento.
 
 
Quando entrou n'hum vergel d'esmalte fino,
Qu'era de Amor plantado; e parecendo
Lhe está menos humano que divino.
 
 
Nelle a dor sua esteve suspendendo:
Porém não, como cervo, está ferido,
Reparo ao mal que leva pretendendo.
 
 
Apparecia o sítio tão florído,
Que provocava a não vulgar espanto,
Entre huns altos ulmeiros escondido.
 
 
D'hum crystallino orvalho tinha o manto,
Quando entrou nelle o misero pastor,
E as tenções explicou neste seu canto.
 
 
Ó bellas rosas, vós que sois amor,
He por dita humildade, ou he baixeza,
O ter apar de vós murta, que he dor?
 
 
Papoulas conversais, que são tristeza!
Não desprezais o cardo, que he tormento!
Admittis a hortelãa, sendo crueza!
 
 
Dos goivos longe vejo o sentimento;
Dos jasmins perto estou vendo o perigo;
Dos malmequeres vejo o soffrimento.
 
 
Deste me temerei como inimigo;
Mas traz por armas salva, que he razão:
Com ella acabará tambem comigo.
 
 
As minhas vem a ser huma affeição,
Que são os puros cravos misturados
Co'a vontade sujeita, que he limão.
 
 
Ai mosquetas, que sois d'amor cuidados!
Ai crespa mangerona, que es prazer!
Vós sós devieis adornar os prados.
 
 
Não pódem dous oppostos juntos ser:
Onde se põe giesta, que he lembrança,
Junto do rosmaninho, que he 'squecer?
 
 
Bem peza do leve álamo a mudança;
Do roxo goivo anima o pensamento
Do cypreste odorifero a esperança.
 
 
O trevo, que he sentido apartamento,
Cérca o mangericão, que se interpreta
Memoria a quem offende o esquecimento.
 
 
Mais importuna que o jardim de Creta,
A ameixieira a flor está soltando:
A segurelha vejo, que he discreta.
 
 
As hervas que daqui irei tomando,
São a pura cecem, qu'he saudade;
Cravos, medo de ver qual de amor ando.
 
 
E, de ter mui perdida a liberdade,
Tomarei madresylva entendimento;
Legação tomarei, porqu'he verdade.
 
 
Marmeleiro me dá arrependimento:
Por a salva, que he gôsto, tomarei
Coentro opposto ao meu contentamento.
 
 
Conhecimento firme nunca achei,
Que violetas são; e, quando o houvera,
Qual meu damno então fôra, bem o sei.
 
 
Oh quem, herva cidreira, oh quem pudera
Ver-vos aqui menor, pois sois victória,
Que de mi alcançou chamma severa!
 
 
Mas se quereis que tenha alguma glória,
Por galardão d'amar e ser sujeito,
Perderei de tormentos a memoria.
 
 
Porém, pois mo negais, de todo engeito
A palma, qu'he ventura; e na parreira,
Qu'he'sperança perdida, me deleito.
 
 
Entretanto co'a flor da laranjeira,
Qu'he desafio duro e arriscado,
Posso arguir da hora derradeira.
 
 
Ja não se quer deter o meu cuidado
Com a romãa descanso: a brevidade
Das maravilhas só tẽe desejado.
 
 
E vós, ovelhas minhas, sem piedade
Vos apartae de mi, se algum desejo
Tendes de ter do pasto mais vontade.
 
 
Se muita de me verdes em vós vejo,
Toda a minha de ver-vos hei perdido
Á força do poder d'amor sobejo.
 
 
Lograe do Tejo o placido ruido;
Sós lograe estas veigas florecidas:
Pois se perde o pastor vosso querido,
 
 
Não gosteis de com elle ser perdidas.
 

ELEGIA VIII

 
Belisa, unico bem desta alma triste,
Descanso singular de minha vida,
Throno donde o poder d'Amor consiste;
 
 
Formosa fera, a quem está rendida
D'Amor a que he mais livre liberdade,
Ganhada mais, se mais por ti perdida;
 
 
Quão contrário parece na beldade,
Que os corações captiva com brandura,
Alguma nódoa haver de crueldade!
 
 
Quão contrário parece em formosura,
Que deixa muito atraz quanto he humano,
Esquiva condição, ou alma dura!
 
 
Quão mal parece em quem só co'hum engano
Póde dar vida ao coração sujeito,
Dar-lhe, em lugar de vida, hum mortal dano!
 
 
Quão mal parece que hum amor perfeito
Não seja d'outro igual remunerado,
Inda que seja, acaso, contrafeito!
 
 
Quão mal parece estar desesperado
Quem tanto por ti soffre e tẽe soffrido,
Devendo estar de penas alliviado!
 
 
Porém peor parece quem rendido
Não for a hum parecer que tudo rende,
Por mais qu'em seu rigor viva offendido.
 
 
E inda peor parece quem defende
O ser essa belleza sempre amada,
Por mais qu'em vão se canse o que a pretende.
 
 
Se quem te mostra amor te desagrada,
Só pódes pretender o não ser vista,
Mas não despois de vista o ser deixada.
 
 
Quão mal sabe o valor de tua vista
Quem cuida que o que della acaso alcança
Póde achar coração que lhe resista!
 
 
Quão bem pareceria huma esperança
Ja concedida a meu amor ardente,
Não sempre huma mortal desconfiança!
 
 
Se hum padecer por ti constantemente
Pudesse ser reparo a quem mais te ama,
Inda esperar pudera o ser contente.
 
 
Mas eu temo que aquella immensa chama
Com que a teu bello imperio me levaste,
Te enfrie tanto a ti, qu'anto m'inflama.
 
 
Se a Olympica belleza assi imitaste,
Que brandamente move hum amor puro,
Porque tão dura condição tomaste?
 
 
Qual elevado, qual soberbo muro
Este mal, que m'occupa o pensamento,
Contado, não tornára menos duro?
 
 
Tu, qu'es a causa só de meu tormento,
Tu, que somente podes gloriar-me,
Queres que as minhas queixas leve o vento?
 
 
Tu, que me pagarias com matar-me,
Inda a morte me negas vezes tantas?
Ai, que me deras vida em morte dar-me!
 
 
Usa piedade, tu, que o mundo espantas
Co'os bellos olhos, com que o douras tanto,
Se acaso a vê-lo brandos os levantas.
 
 
Estende-se na terra o negro manto,
E á noute dá alegria a luz alheia;
Mas nos meus olhos tristes dura o pranto.
 
 
Torna a manhãa despois alegre e cheia
Da luz que o chôro enxuga á bella Aurora;
Mas do meu chôro nunca enxuga a veia.
 
 
Lagrimas ja não são qu'esta alma chora,
Mas amor he vital que dentro arde,
E por a luz dos olhos salta fóra.
 
 
Como inda a morte quer que mais aguarde?
Não tarde ja, mas corra a mal tão fero.
Mas ja por mais que corra virá tarde.
 
 
Nem no supremo trance de ti 'spero
Qu'inda com ver o estado em que me has pôsto
Queiras, crua, entender quanto te quero.
 
 
Ai! se volveres esse bello rosto
Ao lugar triste em que morrer me vires,
Não por desgôsto teu, mas por teu gôsto,
 
 
Não quero de ti, não, que alli suspires,
Nem que de dar-me a morte te arrependas,
Mas que os olhos de ver-me então não tires.
 
 
Assi nunca pastor a quem te rendas,
Te faça conhecer o que me fazes,
Para que com teu mal meu mal entendas!
 
 
Como ja agora não te satisfazes
Das penas deste amor, que por querer-te,
De teu merecimento são capazes?
 
 
Pois quem com outro merito render-te
Presume, (oh raro monstro de belleza!)
Muito mais longe está de merecer-te.
 
 
Este si, que merece a grã crueza
Com que tu d'acabar-me a vida tratas,
Pois diante de ti, de si se preza.
 
 
Se cuidas que com isto desbaratas
O meu constante amor, porque não viva,
Elle mais vive quando mais me matas.
 
 
Se o dar-me morte tens por glória altiva,
Eu m'inclino a que mates; tu t'inclina
A matar mais de branda que d'esquiva.
 
 
S'esta alma tua julgas por indina
Daquelle grande bem qu'em ti s'esconde,
Do descoberto mal a faze dina.
 
 
Onde (ai!) voz acharei que baste, (ai!) onde,
A poder reduzir-te a ser piedosa?
Ou m'acaba de todo, ou me responde.
 
 
Mas por mais que te mostres rigorosa,
Deixar meu pensamento m'he impossivel,
Igualmente que a ti não ser formosa.
 
 
E por mais qu'esta dor seja terrivel,
Somente o contemplar a causa della,
Inda que a faz maior, a faz soffrivel
 
 
Porém chegando a não poder soffrê-la,
Perdendo a vida; quando a morte chame,
Não perderei o gôsto de perdê-la.
 
 
He justo qu'eu por ti mil mortes ame:
Mas vê tu se te illustra, quando offensa
Minha mortal o teu valor se chame.
 
 
Bem vês que huma beldade tão immensa
De vencer-me tẽe glória bem pequena,
Pois só render-me tomo por defensa.
 
 
Mas ja que amor tão puro me condena,
Contente fico assaz desta victoria;
Que não me dão meus males tanta pena,
 
 
Quanto o serem por ti me dá de glória.
 
2.Este terceto foi viciado na cópia e depois, ao que parece, corrigido por mão estranha. A versificação está certa, mas o sentido he absurdo: e se a verdadeira lição não he:
Porque, cruel menino, o premio partesDe modo que es tyranno, quando o negas,E injusto e desigual, quando o repartes?  não podemos adivinhar qual seja. Nota dos Editores.
Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
05 temmuz 2017
Hacim:
270 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain