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Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)», sayfa 9

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Terminado o primeiro combate serio entre republicanos e monarchicos e em que os revolucionarios de Alcantara déram sobejas provas da sua grande coragem, o 1.º tenente Parreira dividiu a columna em dois pelotões, recolhendo o primeiro ao quartel de marinheiros, pela rua Baluarte para o guarnecer e defender, ficando ainda o tenente Carlos da Maia com o segundo pelotão até final da debandada do inimigo. Esta força recolheu mais tarde ao quartel pela porta sul, ao tempo em que um automovel que apparecera no local conduzindo os srs. Antonio José de Almeida e Pires de Carvalho se incumbia de levar ao hospital alguns revolucionarios feridos e um morto.

Uma vez no quartel, o 1.º tenente Parreira mandou reforçar a defeza da face do edificio que olhava para a guarda municipal de Alcantara, defeza que continuou a ser dirigida pelo commissario Costa Gomes, e guarneceu a parada do sul, de modo a impedir a vinda do inimigo pela rua 24 de Julho. D'esta fórma, o quartel ficou constituido em verdadeiro baluarte, defendido não só pelas forças de marinha, mas por grande numero de populares, que n'essa occasião se lhes aggregaram e foram logo armados e municiados.

CAPITULO XVIII
Os sargentos de artilharia 1 resolvem continuar a lucta

Voltemos á Rotunda. Logo de manhã, Machado Santos, que então commandava uma força destinada a proteger o acampamento de qualquer assalto dos monarchicos pelas avenidas Fontes Pereira de Mello e Duque de Loulé, prendeu o 1.º tenente Victor Sepulveda, palaciano de fresca data, e que pouco antes sahira de casa attrahido pelo estrondear dos canhões. Machado Santos, que o conhecia dos tempos em que elle, Sepulveda, tambem conspirava contra a monarchia e se affirmava, pelo menos apparentemente, d'um radicalismo feroz, perguntou-lhe que fazia ali n'aquelle ponto da cidade. O 1.º tenente Sepulveda illudiu a pergunta e inquiriu por sua vez:

– Ah! és tu?.. A marinha está aqui?..

Resposta de Machado Santos:

– Não: aqui estão artilharia 1 e infantaria 16. E tu, para onde vaes?

– Ora essa! Vou apresentar-me ao major general da armada. Dizem que ha barulho…

– Barulho?..

E Machado Santos, desferindo uma gargalhada, accrescentou:

– É a Revolução que está na rua. E tu, com muita pena minha, és meu prisioneiro.

O 1.º tenente Sepulveda esboçou um gesto de resistencia e ameaçou:

– Vê o que fazes! Eu…

– Dois civis armados para levarem este senhor ao commandante da columna! ordenou Machado Santos.

– Então, eu…

– Conduzam este senhor ao capitão Sá Cardoso, repetiu Machado Santos, e digam-lhe que é official de marinha e que acho conveniente conserval-o preso.

Os dois civis acquiesceram e emquanto o 1.º tenente Sepulveda, formulando nova ameaça, se dispunha a acompanhal-os, Machado Santos, pondo-lhe a mão no hombro, disse, a sorrir de ironia:

– Adeus, meu irmão da Montanha!..

O palaciano de fresca data estremeceu como se fôra tocado por um ferro em braza. A allusão de Machado Santos era mordente e devia ter-lhe evocado n'esse momento de lucta sangrenta os seus trabalhos de conspirador, a sua propaganda d'outros tempos contra o soberano e o antigo regimen…

Pouco depois, o capitão Sá Cardoso mandava-o pôr em liberdade.

Referido este episodio, que não merecia relevo especial se o 1.º tenente Sepulveda não tivesse, á ultima hora, assumido uma attitude de strenuo paladino da monarchia e o seu nome não houvesse sido citado a proposito da morte do almirante Candido dos Reis, prosigamos na narrativa do que occorreu na Rotunda, ao alvorecer do dia 4.

Assim que rompeu a manhã, Machado Santos, muito embora as noticias recebidas no acampamento fossem em extremo desanimadoras, desenvolveu uma energia sem limites, vigiando tudo, tratando de tudo, sempre incançavel e inattingivel pelo desalento. Ao contrario do heroico official, os outros militares agaloados sentiam-se a pouco e pouco invadidos pelo receio contagioso de que o movimento liquidasse n'um 31 de janeiro de peores e mais funestas consequencias.

Um alviçareiro dos muitos que irrompem no acampamento, anonymos alguns, sobejamente conhecidos outros, affirma sem hesitações que está tudo perdido. Lanceiros 2, infantaria 1 e a guarda municipal, que segundo o plano revolucionario, não deviam ter sahido dos quarteis sem soffrerem um ataque rude dos grupos de populares armados, andam pelas ruas de Lisboa sem que ninguem os incommode e preparam-se, de certo, para investir com os revoltosos acampados na Rotunda. A marinha não desembarcou nem tomou conta dos telegraphos; e ha quem diga que acabou de pôr um ultimatum: ou as forças de terra se rendem, ou ella bombardeia a cidade e mette os navios no fundo. Outro alviçareiro, que parece dar um recado de encommenda, confirma tudo isso e aconselha os officiaes a não prolongarem a resistencia; de contrario, accrescenta, a repressão será terrivel. Por ultimo, até a figura prestigiosa d'um antigo combatente pelo ideal republicano manifesta opinião identica e abandona o acampamento, onde momentos antes se mostrara corajoso e enthusiasta.

O medo é contagioso, dizemos acima, e não ha duvida: esse contagio ganha progressivamente os mais animosos e d'ahi a alguns minutos o capitão Sá Cardoso convoca o conselho de officiaes e expõe-lhe a situação, tal como elle a julga apprehender:

– Contra nós, cêrca de 3:000 homens, com as baterias a cavallo; a nossa posição da Rotunda dominada pelas alturas como o Thorel, Graça, Penha, S. Pedro d'Alcantara, etc. O inimigo tem quinze metralhadoras. Estamos na imminencia d'um ataque simultaneo por todas as ruas e por todas as alturas.

Todo o conselho – é o proprio capitão Sá Cardoso que o affirma – a começar pelo official mais moderno, manifesta o parecer de que a situação é desesperada e que a lucta provocará uma carnificina horrorosa. Todos os officiaes estão desanimados. O capitão Sá Cardoso, terminada a reunião, chama alguns sargentos de artilharia, diz-lhes nitidamente que o movimento foi mal succedido e aconselha-os a voltar com as forças a quarteis. As suas responsabilidades, accrescenta, são bem menores do que as dos officiaes e estes teem que sahir do acampamento por outra fórma. Um dos sargentos ainda lhe pergunta com as lagrimas nos olhos:

– Então, está tudo perdido?

– Está, responde o capitão Sá Cardoso.

E afasta-se, dominado pela mesma commoção. N'esse instante supremo, em que o desanimo dos officiaes combatentes podia ter conduzido irremediavelmente ao insuccesso da tentativa revolucionaria, os civis dão mostras de persistencia e fé inquebrantavel. Um dos populares approxima-se d'um dos militares, que mais desalentado se mostra e diz-lhe brutal, mas justamente:

– Quem quer chorar, vae para casa!.. Mas não esteja aqui a enfraquecer a coragem dos outros.

O capitão Sá Cardoso e o tenente José Ricardo Cabral vestem-se á paisana e mettem-se n'um automovel. «Então, conta o primeiro d'esses officiaes, Machado Santos acerca-se de nós, a querer convencer-nos a que fiquemos, emquanto nós tentamos convencel-o a que nos acompanhe, para evitar uma chacina. Elle, cheio de enthusiasmo, de bemdita loucura, teima em ficar e nós partimos tristemente, convencidos de que, dentro em pouco, a Rotunda será um horroroso mar de sangue».

A cidade, no emtanto, apesar de ter acordado na manhã do dia 4 de outubro com a Revolução em plena actividade, conserva um aspecto relativamente calmo, que é digno de registo. O tiroteio, que desde as duas da madrugada se faz sentir aqui e ali, produz naturalmente uma certa commoção e contribue para augmentar a anciedade do momento. Mas a maioria dos habitantes continua a fazer a vida do costume, apenas entrecortada pelos muitos boatos que circulam, pelas noticias, umas falsas, outras verdadeiras, que lançam a confusão no ambiente. Ás 9 da manhã, excepção feita das casas em cujas proximidades a lucta é accesa, nas outras o ecco do movimento é fraco. Apparecem á hora habitual o padeiro, o leiteiro, o homem do talho; a carroça do lixo arrasta-se vagarosamente e recolhe os caixotes collocados ás portas; pelas janellas ha cabeças curiosas que interrogam, surprehendidas, o azul do ceu.

Os grupos de revolucionarios, que horas antes não conseguiram executar o programma da insurreição e se dissolveram mal a luz do sol illuminou o quadro, tendem a reconstituir-se, cautelosa e prudentemente. Ha uma falta sensivel de armamento; e, sobretudo, nota-se extraordinaria difficuldade de communicações. A Rotunda fica no coração da cidade. O quartel de marinheiros tambem não é muito distante. E no emtanto, pouca gente sabe de verdade o que se passa n'uma e n'outro e sobre esses dois fócos de rebeldia correm as mais desencontradas versões. Assim, affirma-se que na Rotunda o capitão Palla commanda a artilharia e elogia-se a precisão da sua pontaria. No quartel dos marinheiros, accrescenta-se, está o almirante Candido dos Reis, e é elle quem dirige, em chefe supremo da marinha revoltada, o ataque ás forças monarchicas que rodeiam o palacio das Necessidades. Puro engano… Á hora a que circulam taes boatos já Candido dos Reis cahiu morto na Azinhaga das Freiras e o capitão Palla abandonou o acampamento da Avenida.

Entretanto, Machado Santos, apoz o abandono da Rotunda pelos outros officiaes, convoca um conselho de sargentos de artilharia 1 e pergunta-lhes se acceitam o seu commando.

– Estou decidido, diz elle, a não abandonar esta posição, custe o que custar!..

Os sargentos respondem-lhe que morrerão combatendo até o ultimo momento pela Republica. Machado Santos pede então um cavallo, monta e desde esse instante é elle o unico dirigente dos revolucionarios concentrados no alto da Avenida.

O sol doura o rio, onde se vêem passar, como a medo, pequenos barcos. Para os lados do Rocio sente-se um movimento de tropas: fileiras de soldados guarnecem a entrada da praça dos Restauradores. Machado Santos dispõe as peças de artilharia, tomando as embocaduras do Rato, avenida Fontes Pereira de Mello e avenida da Liberdade e colloca-as tambem no parque Eduardo VII para defender o acampamento pelo lado norte. Ao meio dia, n'um momento de treguas, os populares arranjam os entrincheiramentos, que Machado Santos, elle proprio, considera platonicos, mas que dão ás forças revoltosas a illusão perfeita d'um forte abrigo contra as investidas dos monarchicos.

Na Rotunda já estão a essa hora uns quatrocentos homens, exhibindo variado armamento. Estabelecem-se vedetas. A guarda das côrtes, commandada por um sargento de infantaria 16, vem juntar-se aos revoltosos. Apparecem outros destacamentos e praças isoladas que fugiram dos respectivos corpos. Os viveres acodem em abundancia. Grupos de civis vão de vez em quando ao Matadouro apprehender a carne ali abatida… para que se não diga que a camara municipal a fornece de bom grado aos revoltosos e é… seu cumplice.

A dispersão do quartel general revolucionario que, na madrugada de 4, se installara no estabelecimento de banhos de S. Paulo, effectuara-se, entretanto, por uma forma desanimadora. João Chagas e outros elementos de organisação tinham abalado para os lados do Rocio e até que a manhã clara lhes desse um vago indicio da situação, foram pousando aqui e ali, hesitantes, indecisos, repugnando-lhes acreditar na derrota completa, mas desalentados ao mesmo passo pela falta de noticias seguras, com a ausencia de factos dos quaes dependia uma tal ou qual esperança de victoria.

Primeiro estiveram n'uma casa da rua dos Correeiros, deposito d'aguas mineraes; depois voltaram ao terceiro andar da rua da Esperança, residencia da mãe de Innocencio Camacho e durante uma boa parte do dia 4 tentaram inutilmente approximar-se do acampamento da Rotunda. Ao cahir da tarde, porém, João Chagas conseguiu passar do Rocio para a avenida Fontes Pereira de Mello, ir a casa e a seguir áquelle fóco de intensissima rebeldia. Mas o trajecto fel-o dominado pela ideia de que, se os serventuarios da monarchia o reconhecessem, o victimariam sem complacencia. Uma vez nas garras da municipal ou da policia, João Chagas pagaria com a vida a sua temeridade. Tinha bem presente no espirito a intranquilidade do sr. Malaquias de Lemos quando antes do 28 de janeiro o trouxera encerrado no quartel dos Paulistas, e futurava logicamente que, se o prendessem durante a revolta, lhe dariam destino egual ao de tres desgraçados que no dia 5 appareceram fusilados n'outro quartel da guarda pretoriana. Antes morrer do estilhaço d'uma granada que succumbir a dentro d'umas grades de ferro, sem lucta, inerme, manietado por algozes…

Outros dos dirigentes revolucionarios percorreram na madrugada de 4 as redacções dos jornaes, procurando anciosamente informar-se dos acontecimentos. Outros ainda, como José Barbosa, Celestino Steffanina e o engenheiro Antonio Maria da Silva, installaram-se no escriptorio do primeiro á hora em que já havia correrias da municipal pelo Calhariz e o Loreto e os soldados disparavam tiros para o ar, não tardando a occupar as embocaduras das ruas, porque os grupos de civis os ameaçavam com bombas. José Barbosa conta d'este modo essas horas de tragica anciedade:

«A madrugada ia rompendo e continuavamos sem saber positivamente o que estava succedendo na cidade. Eu conservava em meu poder os papeis com os nomes das pessoas que deviam constituir o governo provisorio e varias indicações a cumprir logo que a Republica fosse proclamada. Relemol-os até os fixarmos na memoria e preparámo-nos para os inutilisar logo que a policia invadisse a casa. A anciedade era enorme. De positivo sabiamos apenas que a guarda municipal cercara o telegrapho e não a marinha, como fôra deliberado ao adoptar-se o plano revolucionario. Na estação do Terreiro do Paço, todos os empregados que faziam serviço na madrugada de 4 eram republicanos e deviam retardar a transmissão dos telegrammas officiaes. O engenheiro Silva conseguira, por meio d'umas trocas, afastar n'esse momento os empregados que não tinham adherido ao complot.

«De manhã, cedo, sahimos á rua a colher noticias. Na rua das Gaveas encontrámos José da Costa Carneiro, que nos deu informações animadoras. Mas surgiram outras, contradictorias, e a indecisão era manifesta. Entrámos depois na pharmacia Durão, onde estacionavam alguns revolucionarios. Necessitava-se antes de mais nada dar certas ordens, restabelecer as communicações com os navios e o alto da Avenida, reorganisar o quartel general. No Hotel Europe estavam José Relvas e Eusebio Leão. Ambos haviam passado a noite entre os jornaes republicanos e o consultorio do segundo. Fui ter com elles ao hotel e, depois de almoçarmos, Relvas e eu fomos para a rua e mais tarde, na Lucta, começámos a tomar as providencias que os factos impunham. Brito Camacho procurava instantemente canalisar os elementos dispersos, impedir a derrota e com uma calma que pouca gente, de certo, lhe conhece, com uma coragem serena, imperturbavel, resolvia os problemas que de momento se nos apresentavam.

«Em certa altura, discutimos o caso da morte de Candido dos Reis e accordámos em mentir, affirmando que o vice-almirante vivia, para evitar que o desanimo invadisse os elementos revolucionarios. Tratou-se da interrupção das linhas ferreas e telegraphicas e de prevenir a hypothese do governo monarchico receber qualquer auxilio da provincia, onde, diga-se de passagem, a Carbonaria contava uma vasta rêde de ligações. Silvestre Coelho, por indicação nossa, foi a Sacavem assegurar-se de que a artilharia do forte estava disposta a obstar a qualquer avanço sobre Lisboa de elementos fieis ao antigo regimen. E como em artilharia 3 os revolucionarios tinham um camarada dedicado na pessoa do capitão Figueiredo, em caçadores 6 havia dois ou tres officiaes declaradamente republicanos e infantaria 15 estava por nosso lado, socegámos os mais receiosos de um ataque vindo de fóra, explicando que as forças da Revolução o não podiam temer e que tudo marchava para um triumpho redemptor.

«Mas não limitámos a nossa acção a estas providencias. No Beato, no Centro João Chagas, tinham-se concentrado 300 homens armados de espingardas caçadeiras e praças da guarda fiscal. Indicámos-lhes a conveniencia de descerem até ao Rocio, por um itinerario cuidadosamente escolhido e se não se realisou esse avanço sobre as forças acampadas n'aquella praça foi porque se reparou em dado momento que talvez esse contingente de revolucionarios tivesse de desempenhar outra missão importante no local da sua concentração. Emfim, ás quatro da tarde de 4, a impressão era de que os acontecimentos se desenrolavam muito mais favoravelmente para a Republica. Continuámos, no emtanto, a providenciar no sentido de não se perder, com uma imprudencia ou um gesto de desalento, o que até então fora feito á custa de muita dedicação. Jayme Teixeira incumbiu-se de levar ao quartel de marinheiros uma communicação tranquilisadora e outra communicação analoga foi enviada a Machado Santos. N'uma e n'outra repetiamos que os revolucionarios estivessem socegados porque não viria de fóra de Lisboa auxilio á monarchia. A Machado Santos tambem o preveniamos da imminencia do ataque effectuado pelas baterias de Queluz.»

No emtanto, Innocencio Camacho fôra a bordo dos navios insurreccionados dar-lhes indicações seguras sobre o que se estava passando em terra. Affonso Costa e Antonio José d'Almeida, depois de terem errado pelo Hotel Central, a casa do dr. Augusto de Vasconcellos e outro ponto da cidade, tinham ido parar a Algés, onde, a bem dizer, mal chegavam os echos do tiroteio.

CAPITULO XIX
O desespero de Candido dos Reis condul-o ao suicidio

Tem-se dito por vezes, embora com todas as cautelas possiveis, que o elemento popular falhou na Revolução de 4 e 5 de outubro. E cita-se, em abono d'esta asserção: 1.º o facto de não terem comparecido, na madrugada de 5, no local previamente designado, os civis que deviam acompanhar o almirante Candido dos Reis e outros officiaes a bordo dos navios de guerra; 2.º a circumstancia da guarda municipal ter conseguido sahir dos quarteis, pouco depois de iniciado o movimento, quando, pelo plano estabelecido, os grupos de paisanos deviam impedir essa sahida ou, pelo menos, retardal-a e tirar-lhe, por assim dizer, a utilidade do momento.

A asserção não é fundada. O elemento popular não falhou. A Revolução, se tinha de ser feita com o povo e com a tropa – o povo abrindo o caminho á tropa – triumphou exactamente porque as melhores energias populares não trepidaram no instante supremo. Os civis não compareceram, é certo, no ponto marcado pelo almirante Candido dos Reis; mas não compareceram, e isso já é do dominio publico, porque receberam na noite de 3 ordens em contrario. De resto, a sua acção fez-se sentir efficazmente n'outro ponto de Lisboa e o assalto aos navios de guerra não dependia absolutamente da sua presença ao lado do almirante. Para obstar á sahida da guarda municipal, havia escalonados diversos grupos, constituidos cada um d'elles por uma duzia de homens, uns armados e outros não. Esses grupos tinham recebido o encargo mais perigoso na distribuição dos papeis revolucionarios: o de defrontar em primeira mão a furia do inimigo. Eram verdadeira chair á canon e deviam iniciar o combate á hora em que ninguem sabia ainda com precisão quaes os regimentos fieis á monarchia e quaes os que adheriam á Republica.

Esses homens cumpriram o seu dever. Não obstaram completamente á sahida da municipal, porque receberam na hora propria armamento insufficiente e o itinerario do inimigo soffreu modificações, mas conservaram-se firmes no seu posto durante longas horas de espectativa angustiosa, correndo a todo o instante o risco de se lançarem na lucta antes d'um signal de esperança e sem saberem se seriam ou não secundados. E uma vez dispersos, muitos d'elles foram procurar outros sitios de combate, onde se portaram com inexcedivel coragem e bravura. Falando d'alguns d'esses homens que foram seus companheiros na primeira noite da revolta, dizia dias depois do triumpho o dr. Carlos Amaro:

– Deve-se-lhes, principalmente, a força de fé indomavel que foi o segredo da victoria e não ficar sendo a Revolução uma obra exclusiva do heroismo militar.

E com effeito. Os civis estiveram na Rotunda ao lado de Machado Santos, dando-lhe uma parcella de auxilio que o heroico revolucionario certamente não desconhece; estiveram em Alcantara investindo contra as forças organisadas da monarchia; entrincheiraram-se no quartel de marinheiros e arrostaram o ataque da guarnição do paço das Necessidades; foi um grupo de paisanos que denodadamente acompanhou um arrojado official de marinha, o 2.º tenente Tito de Moraes, a tomar conta d'um dos navios de guerra; os civis é que assaltaram o D. Carlos; na madrugada de 5, foram ainda os grupos de populares que incommodaram as forças militares acampadas no Rocio; e por ultimo, os paisanos distinguiram-se no arriscado serviço de communicações durante esse periodo de cruel incerteza em que cada passo dado na area da insurreição correspondia ao sacrificio de tudo, desde o amor da vida ao amor da familia.

Contou-nos José Barbosa, assim que se dissiparam os fumos do combate: na madrugada de 4, apoz a dispersão do quartel general revolucionario, quando elle, desalentado, entrava para o seu escriptorio da rua do Loreto, viu um grupo de homens agitar-se com as armas na mão, em frente da guarda municipal que guarnecia a Caixa Geral dos Depositos. Esse grupo de homens não ignorava, decerto, que o seu acto era requerimento para uma execução summaria. E comtudo, realisava-o ardorosamente, enthusiasticamente, desprendendo-se da existencia com um desapego notavel.

Outro caso: Machado Santos estava na Rotunda sem saber o que occorria nos diversos pontos da cidade. Pensava já em mandar um emissario dedicadissimo á busca de noticias e não occultava o seu aborrecimento, provocado pela falta de informações. De repente, apparecem no acampamento dois rapazes e elucidam os revoltosos sobre a situação. Esses dois rapazes tinham ido a pé do Dafundo ao Alto da Avenida, e ali se conservaram, até á proclamação da Republica.

E outros, muitos outros casos poderiamos citar, evidenciando a energia de que o elemento popular deu provas nos dias 4 e 5 de outubro, expondo-se ás balas com uma coragem que por vezes roçou a mais extraordinaria loucura. Na tropa revoltada houve legitimos heroes; mas os civis não falharam como se apregoa insistentemente. Foram os obreiros humildes do movimento e só lhes resta, como premio de tanto esforço e sacrificio, a orgulhosa consolação de terem sido os primeiros a correr todos os riscos da aventura.

Folheemos agora uma pagina da Revolução, que, por muito discutida, nem por isso deixa de merecer n'estas narrativas um registo especial. Referimo-nos á acção do almirante Candido dos Reis nas primeiras horas do movimento, ao desanimo que o invadiu e á sua morte.

O valente official devia embarcar no Caes do Gaz acompanhado por uns dez militares agaloados e um grupo de civis. Estes não compareceram no local. Dos militares compareceram oito: o capitão de fragata Fontes Pereira de Mello, o tenente de caçadores Helder Ribeiro e os tenentes de marinha Silva Araujo, Carvalho Araujo, Aragão e Mello, Monteiro Guimarães, Sousa Junior e Assis Ferreira. O primeiro a chegar foi o tenente Carvalho Araujo; Candido dos Reis, que, após a reunião da rua da Esperança, fôra ao Centro de S. Carlos e de lá a casa d'umas pessoas de familia residentes n'uma rua da Estephania, encontrou-se á meia noite n'essa casa com o tenente Helder Ribeiro. Depois de breves palavras sobre o movimento projectado, um e outro trataram de carregar as armas, dois revolvers, de que estavam munidos.

Falou-se mais tarde, a proposito da morte do almirante, que o ferimento encontrado na autopsia e a bala alojada dentro do craneo denotavam que Candido dos Reis se servira para o provavel suicidio d'uma pistola automatica. O tenente Helder Ribeiro é de opinião que elle não possuia tal arma. «E – diz o arrojado official – a rasão é simples: quando quiz carregar o meu revolver pedi-lhe algumas cargas do revolver que elle tinha na mão. Cedeu-m'as, mas, como não servissem, trocámos ligeiras impressões sobre a precipitação com que o armamento fôra distribuido aos revolucionarios. Era natural, portanto, que, se elle tivesse na occasião outra arma que não esse revolver vulgar, m'a emprestasse para eu não sahir á rua, como sahi, quasi desarmado».

Pouco depois da meia noite, o almirante Candido dos Reis e o tenente Helder Ribeiro sahiram da casa da rua da Estephania e encaminharam-se para o Aterro. Um vapor de pesca devia conduzir os officiaes revolucionarios a bordo dos navios de guerra. Qual era? Dil-o o 1.º tenente Carvalho Araujo n'uma entrevista que concedeu a um jornal da manhã:

«Esse vapor era o Chire, que eu procurei ao longo da muralha, apenas ali cheguei. N'esta rapida busca encontrei-me quasi de cara com uns individuos, gente caracterisadamente de bordo, e eu, julgando tratar-se de tripulantes do Chire, dirigi-lhes a senha: Mandou-me procurar? Elles, porém, não me responderam o Passe, cidadão! que os devia denunciar como gente nossa… Aquelle mutismo fez-me recolher prudentemente, e assim me conservei até que chegaram os meus collegas, a quem o almirante, em breve, mandou embarcar no Chire.

«N'esse vapor chegaram a entrar alguns d'esses officiaes; lembro-me muito bem: foram o Silva Araujo e o Sousa Junior, que por signal d'ahi a pouco voltaram, com esta estranha noticia: o Chire tinha as caldeiras apagadas… Houve um momento de quasi indignação e, – porque não dizêl-o? – de desanimo… Mas em breve nos refizemos, e, por um excesso de boa vontade, accordámos em que nos tinhamos enganado no nome do vapor – e n'este numero estava Candido dos Reis, que no emtanto se mostrou visivelmente contrariado… Embora! Nem assim se esmoreceu. E, um pouco ao acaso, fomos caminhando para o Dinorah, na esperança de que fosse aquelle o vapor que nos esperava. Recordo-me de que quem entrou ali foram Candido dos Reis, Monteiro Guimarães e eu…

« – Um momento – interrompeu o jornalista entrevistador – Isso realisou-se, é claro, depois do assalto?..

« – Do assalto? Mas se não houve assalto nenhum…

« – Parece-me, no emtanto, que me falou n'um assalto, quando ha pouco fazia a descripção geral d'essa jornada…

« – Sim, falei n'um assalto, mas para negar que tal se desse, em contrario do que parece deprehender-se de varios depoimentos. Nós entrámos no Dinorah sem que ninguem, fosse quem fosse, nos impedisse o passo…

« – E uma vez lá dentro…

« – Mal punhamos pé no navio, um homem da tripulação veiu ter comnosco e, sem mais preambulos, com uma grande tranquillidade, que bem se via não ser a de um iniciado, diz-nos: saberão vv. ss.as que o vapor não está navegavel…» O almirante estacou n'um pasmo e depois disse ao Monteiro que descesse á casa das caldeiras a certificar-se…

« – E era certo?

« – Um pouco. O Monteiro trouxe debaixo a noticia de que na verdade o Dinorah não tinha ainda pressão, mas poderia abalar dentro de meia hora… N'estas circumstancias os officiaes resolveram esperar. E como os outros collegas tinham ficado no caes, o almirante mandou-me que os avisasse de que o vapor era o Dinorah. Desembarquei, indo pela muralha adeante, em procura dos officiaes. Não estavam já no mesmo ponto onde pouco antes os deixara. Tinham achado prudente desviar-se um pouco, porque ali começava a concentrar-se a guarda fiscal, e tinha os seus perigos uma tal visinhança… Estavam junto da cancela da linha ferrea, e, para provar que me não escapou o mais pequeno pormenor d'essa noite, direi que já lá encontrei o Monteiro Guimarães, a quem o almirante mandara com uma ordem identica e que chegou antes de mim, por eu ter perdido alguns minutos procurando os officiaes na muralha. No momento em que transmittia a ordem do almirante ouviram-se no rio os primeiros tiros de peça… Em terra já tinhamos tambem percebido o ruido da fusilaria.

«Quasi ao mesmo tempo ouvia-se, em artilharia 1, nove tiros… Contámol-os, offegantes, e, n'um grande alvoroço, ficámo-nos depois á escuta, esperando o resto… Mas nada mais se ouviu, o que levou um dos officiaes a exclamar: «Dir-se-ia o signal das forças fieis…» (Correra entre os officiaes que o signal das forças monarchicas eram nove tiros de artilharia…) Mas estava escripto que aquella noite seria para nós de dolorosas surprezas… No mesmo instante appareceu-nos, vindo de fóra, das ruas, um collega que nos deu noticias vagas, mas muito desanimadoras…

« – Quem era esse official? – perguntou-lhe o jornalista.

« – O tenente Aragão e Mello, homem que foi a alma revolucionaria dos navios, no periodo da organisação. Porque, creia isto: no trabalho de preparação dos espiritos houve muita heroicidade, muita valentia que mereciam historia. O perigo não existiu apenas dentro das horas de combate; existiu tambem, e permanentemente, durante a obra de aliciação, que se fez, dentro dos navios e dos quarteis, á custa de sacrificios tremendos. O Aragão, destacadamente, arriscou tudo, expondo-se temerariamente, n'uma quasi loucura! Era vigiado, olhado com desconfiança, e para isso concorria a clara falta de disciplina com que as praças se lhe dirigiam, n'um quasi «tu cá, tu lá» nascido das reuniões… O Aragão foi-se do caes, e, incançavel, expondo-se sempre, andou pelas ruas, entrou nos quarteis, a sondar os acontecimentos; soube depois que voltou lá abaixo, porém em occasião em que já lá não estava nenhum official.

« – Essa ultima affirmação vae contra outras, que dão o tenente Aragão falando da muralha para Candido dos Reis, e dizendo-lhe: «Meu almirante, basta de sacrificios! Infantaria 16 está fuzilando o povo!»

« – O Aragão não pode ter communicado com o almirante. Pelo menos não o fez emquanto lá estivemos. Quem lhe falou foi o Helder que, a nosso pedido, se dirigiu ao Dinorah a levar as ultimas noticias, e as resoluções d'um pequeno conselho de officiaes que reunimos n'essa occasião para apreciar immediatamente os acontecimentos.»

Esse conselho decidira adiar o embarque por mais algum tempo até os officiaes alcançarem noticias exactas sobre o que se estava passando n'outros pontos de Lisboa. As suas resoluções, claro é, ficaram, no emtanto, dependentes do arbitrio do almirante. O tenente Helder, depois de conferenciar sobre o assumpto com Candido dos Reis, voltou para junto dos seus camaradas da marinha e communicou-lhes que o almirante desistia do embarque. É o proprio tenente Helder quem nos refere esse incidente da revolta:

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
25 haziran 2017
Hacim:
220 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain