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Kitabı oku: «A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)», sayfa 8

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– Falem mais baixo!.. Na rua ouve-se tudo…

CAPITULO XVI
No momento culminante, o desanimo invade os organisadores da revolta

A ultima reunião dos organisadores do movimento realisou-se na noite de 3 no terceiro andar do predio 106 da rua da Esperança, residencia da mãe de Innocencio Camacho, que elle, nas vesperas, transferira para Cintra, receioso de que os acontecimentos a envolvessem nas suas graves consequencias.

Na tarde d'esse mesmo dia Innocencio Camacho e José Barbosa tinham ido ao escriptorio do dr. Affonso Costa avisal-o, por incumbencia do almirante Candido dos Reis, da data fixada para a revolta. O dr. Affonso Costa ouviu attentamente a communicação ensaiando algumas vezes o santo e a senha e depois limitou-se a puxar d'um carnet e a escrever ali o numero do predio da rua da Esperança. Sabia perfeitamente o que se tramava, mas não calculava que o movimento rebentasse d'ahi a horas. Marinha de Campos, que José Barbosa tambem prevenira do facto, cumprindo egualmente uma determinação do almirante, metteu-se n'um automovel com Alfredo Leal e foi a Cintra chamar o dr. Eusebio Leão, que adoecera na vespera.

Ás 7 da tarde, emquanto o engenheiro Antonio Maria da Silva ia tratar de arranjar uns doze automoveis que eram indispensaveis para o serviço de communicações, João Chagas e José Barbosa foram jantar a um restaurante da Baixa, pretendendo dar uma tregua á agitação que os dominava. O que foi esse jantar não se descreve com facilidade. Decorreu tristemente, quasi silencioso, pois que até João Chagas parecia n'esse momento avaro da viveza e do espirito de brilhante causeur que o caracterisam. «Mal comemos, contou-nos mais tarde José Barbosa; e o pouco que ingerimos não tinha o menor sabor».

Ás 8 os conjurados principiaram a affluir á rua da Esperança. Innocencio Camacho appareceu mais cedo para abrir as portas e fazer as honras da casa. Os outros eram, além dos revolucionarios representantes da armada e de todos os corpos da guarnição da capital, Candido dos Reis, Affonso Costa, José Relvas, José Barbosa, João Chagas e Antonio José d'Almeida. Eusebio Leão, que viera de Cintra apesar da doença que o affligia, fôra deitado n'um sophá e ardia em febre. A sala, onde só cabiam á vontade dez pessoas, tinha apenas uma meza e sobre ella um candieiro de petroleo. Em volta da meza perambulavam cerca de cincoenta conjurados. A atmosphera era irrespiravel. Asphyxiava-se lá dentro.

Na reunião, Candido dos Reis falou com rara energia, accentuando nitidamente que se não fosse capaz de collocar-se á frente dos marinheiros e de os conduzir á victoria não tinha o direito de viver. Examinou-se a situação. Os revolucionarios contavam em absoluto com elementos de lanceiros 2, cavallaria 4, caçadores 2, infantaria 5 e caçadores 5. De infantaria 16 comparecera á reunião apenas um alferes e havia duvidas sobre se o regimento podia entrar desde logo na revolta. Infantaria 1 não adheria, mas tambem não contrariava a acção conjuncta dos militares e do povo. Dentro da sala, repetimos, abafava-se… Isso não impedia, entretanto, que todos os conjurados se mantivessem n'um estado de espirito que removia mentalmente quaesquer obstaculos que surgissem ante o projecto de insurreição.

A reunião acabou ás 10 e 30, dando-se alguns dos officiaes presentes rendez-vous na rua do Livramento, depois de se fardarem convenientemente. O movimento seria iniciado á 1 hora da madrugada com uma salva de 31 tiros dada pelos navios de guerra fundeados no Tejo, salva que teria o seu echo no quartel de artilharia 1. O Directorio e os outros elementos de organisação installar-se-hiam, como já dissémos, no balneario de S. Paulo, d'onde, uma vez iniciada a revolta, sahiriam para Alcantara e ao encontro do monarcha João Chagas, José Relvas e Affonso Costa. Tencionavam, n'essa altura, pegar em D. Manuel e mettel-o a bordo d'um navio.

Dissolvida a reunião, José Barbosa foi ao Centro de S. Carlos, encontrando ali tres officiaes de marinha que pediam armas. Como lhes fosse respondido que no momento as não havia, retorquiram immediatamente:

– Não ha duvida. Voltaremos, fardados, a buscal-as!..

E voltaram. No Centro tambem estava o engenheiro Oliveira, que em companhia de Alvaro Pope devia iniciar o ataque ao quartel de engenharia. De tarde, falaram na necessidade de arranjar um pé de cabra para arrombar a porta d'um edificio militar. O empreiteiro Oliveira, embora lhe repugnasse usar tal instrumento, tanto forcejou que o obteve e á noite lá estava no Centro com o pé de cabra, tranquilisando d'este modo a sua consciencia:

– Como é para servir a boa causa…

Candido dos Reis appareceu no Centro de S. Carlos ás 11 e 50. Combinou com Simões Raposo que este iria a Belem aguardar o inicio da revolta, a Belem, onde o pharmaceutico Abrantes, como já tivemos ensejo de registar, organisára um nucleo fortemente combativo e que depois falaria com elle na Rocha do Conde d'Obidos, dando-lhe Simões Raposo n'essa occasião conta do que se passasse n'aquelle ponto da cidade. Candido dos Reis ainda alludiu á morte do dr. Miguel Bombarda e elle e Simões Raposo assentaram em que esse facto doloroso não influira de modo algum no projecto da revolta, quer para a adiar, quer apenas para a modificar em determinado sentido.

Proximo da meia noite, juntaram se no estabelecimento de banhos de S. Paulo: Affonso Costa, José Relvas, Eusebio Leão, Innocencio Camacho, José Barbosa, Antonio José d'Almeida, João Chagas, Joaquim Pessoa, Celestino Steffanina, Ricardo Durão, Manuel Duarte, engenheiro Antonio Maria da Silva, Malva do Valle, Marinha de Campos, Alfredo Leal, Simões Raposo e Soares Guedes. Este revolucionario e Joaquim Pessoa tinham-se incumbido de arranjar os barcos necessarios para o embarque de officiaes e forças de marinha nos caes do Gaz e da Viscondessa. Não se faz ideia da agitação moral que a todos dominou durante a longa hora em que esse grupo de conjurados esperou que os navios ancorados no Tejo dessem o signal para o começo da revolta. Ao soar a 1 hora da madrugada, nada se percebendo, vindo do exterior, que lhes indicasse o cumprimento do que momentos antes fôra decidido, a anciedade recrudesceu. Vinte minutos depois, ouviam-se apenas tres tiros de peça; a seguir alguns tiros isolados que muito pouco podiam significar para a satisfação do seu espirito… Nada ou quasi nada do que fôra combinado se produzia. Os factos succediam-se por modo a fazer desesperar os mais optimistas. Até o primeiro regimento a sahir á rua era exactamente aquelle com que os organisadores do movimento menos contavam: infantaria 16.

Não constitue segredo para ninguem que os organisadores do movimento revolucionario tiveram um momento de desanimo, um momento em que suppozeram tudo perdido. Foi durante o espaço de tempo que decorreu entre a hora anteriormente marcada para o inicio da revolta e o alvorecer do dia 4, quando um nucleo de republicanos se defrontava já com uma fracção das forças fieis á monarchia. Esse momento, em que as melhores energias sentiram um desfallecimento semelhante ao do 28 de janeiro, marca uma étape curiosissima da Revolução.

No estabelecimento de banhos de S. Paulo – já o dissemos concentrara-se proximo da meia noite uma duzia de homens decididos e resolutos, tendo cada um d'elles uma missão definida a cumprir. D'ahi, d'esse quartel general, os revolucionarios partiriam ao signal combinado para diversos pontos da cidade a executar o plano fixado. Aguardavam, portanto, esse signal com a anciedade precursora dos grandes acontecimentos decisivos. Mergulhados quasi na treva, dir-se-hia que continham a respiração para evitar que do exterior surprehendessem o menor symptoma agitador. Um relogio proximo bateu a uma da madrugada e todos os ouvidos se apuraram. A incerteza, dominava-os. Escoaram-se alguns minutos que pareceram seculos. Do grupo destacaram-se então tres ou quatro que foram percorrer as immediações do balneario. Nada se percebia que denotasse o começo da refrega e o desalento – uma interrogação insatisfeita – pairava no ambiente.

Á uma e vinte, os tiros de peça que soaram no Tejo deram o alarme. Contaram-nos um a um. Não correspondiam ao que fôra planeado. Que se passaria a bordo n'esse instante supremo? Que significava esse troar d'artilharia que não tranquilisava os espiritos? Alguem aventou a ideia de que os tiros constituiam um signal pedindo soccorro. Mas soccorro para qual dos barcos de guerra? Evidentemente, um d'elles fôra atacado pelos outros e solicitava para terra urgente auxilio.

A situação complicava-se. Para mais, logo a seguir a esse alarme tudo recahira no silencio. A cidade dormia em plena paz. A curta distancia do balneario vigiavam mollemente tres policias. Affonso Costa, Alfredo Leal e Malva do Valle tomaram uma resolução: ir a Alcantara vêr o que se passava. Sahiram de S. Paulo n'um automovel e recommendaram aos que ficavam:

– Se dentro de vinte minutos não voltarmos, siga para o quartel de marinheiros outro grupo…

Foi o que succedeu. Affonso Costa, Alfredo Leal e Malva do Valle não regressaram ao balneario dentro do praso marcado e João Chagas e Antonio José d'Almeida, enfiando n'outro automovel, abalaram pelo Aterro adeante.

O silencio da madrugada ainda se não rompera com os echos do tiroteio. A meio do Aterro, João Chagas e Antonio José d'Almeida encontraram um official de marinha, que assistira, no 3.º andar da rua da Esperança, á ultima reunião dos conjurados. Andava agitadissimo d'um lado para o outro, como a procurar um ponto de embarque ou quaesquer amigos que já se lhe deviam ter reunido. Falaram-lhe e elle não occultou a sua decepção. Falhara tudo… O movimento liquidara n'um pessimo esboço de insurreição.

O automovel andou mais uns metros e estacou em frente do quartel dos marinheiros, do lado em que o edificio olha para o Tejo. As janellas do quartel estavam illuminadas. Um grupo de populares avançou ao encontro de João Chagas.

– Que ha? – perguntou-lhes o grande publicista.

– Nada… Absolutamente nada.

E um dos revolucionarios, apontando para o quartel, accrescentou:

– Ali parece ter havido qualquer coisa, mas agora está tudo em socego.

O automovel poz-se de novo em andamento e foi direito ao largo do Calvario. O regimento de infantaria 1 avançava sobre Alcantara dividido em duas porções. «Os soldados, – disse-nos João Chagas recordando os episodios d'essa madrugada de perfeita desillusão – davam mostras d'um cançaço extremo. Vinham derreados, sem ordem na marcha, moviam-se somnolentamente como se a noticia da revolta lhes tolhesse a vontade. Tinham o aspecto d'um corpo já derrotado, desfeito, por longos minutos de ataque renhido».

Do largo do Calvario, o automovel foi á Praça d'Armas. «Suppunha – é ainda João Chagas que o diz – ir encontrar n'essa altura a reproducção d'uma d'essas revoluções francezas em que um bairro inteiro, iniciando o movimento, dava abrigo aos elementos insurreccionados. Calculava que n'esse reducto nos defenderiamos então até a ultima, depois de bem barricados contra os ataques do inimigo monarchico. Mas não… Alcantara, o bairro que eu sonhara para esse papel historico, parecia dormir serenamente, confiadamente, como se não suspeitasse da imminencia d'uma grave agitação».

Na Praça d'Armas, estacionava outro grupo de populares. João Chagas formulou a eterna pergunta:

– Que ha?

A resposta foi desanimadora:

– Nada… absolutamente nada. No quartel dos marinheiros houve qualquer coisa, mas agora está tudo em socego…

Era de desesperar. O socego do quartel dos marinheiros, após qualquer coisa de anormal, significava claramente que a revolta no edificio fôra promptamente suffocada. Não havia que insistir. O movimento falhara e quasi sem resistencia, sem um impulso de heroismo que o dignificasse na agonia. O silencio no local dizia-o melhor que quaesquer outros depoimentos. A menor tentativa de reacção, a produzir-se, teria sido assignalada no momento pelo estalar de uma bomba, pela percursão d'um gatilho, por um grito de triumpho ou de raiva…

O automovel rodou para o balneario de S. Paulo, a confirmar o insucesso do complot.

João Chagas mandou parar o vehiculo a certa distancia do edificio para não despertar suspeitas, mas, antes de entrar, foi abordado por um amigo que o aconselhou a retirar-se, affirmando que a policia cercava o balneario.

– E os outros? – inquiriu João Chagas, alludindo aos restantes revolucionarios que tinham ficado no quartel general.

– Os outros sahiram por uma porta das trazeiras… A policia não os apanhou.

Perfeita debacle. O quartel general dissolvia-se inoportunamente, desaggregando-se de modo a difficultar qualquer acção de conjuncto. D'ahi por deante não se podia pensar rasoavelmente em estabelecer communicações entre os diversos agrupamentos compromettidos na revolta. A acção individual teria que substituir-se á acção collectiva dos organisadores do movimento.

Afinal, o desanimo, essa dispersão dos elementos dirigentes da revolta, não tinham verdadeiramente rasão de existir. Á mesma hora em que o Directorio do partido republicano, o comité executivo de Lisboa e outros companheiros de lucta andavam perfeitamente ás cegas pelas ruas da cidade, pousando aqui e ali, indagando anciosamente o que havia, conjecturando para d'ahi a pouco uma terrivel repressão monarchica – um nucleo de populares, fardados e não fardados, arvorava destemidamente a bandeira vermelha e verde e caminhava para o triumpho n'uma marcha desordenada, é certo, mas com a mais intensa fé, a fé que só por si basta na maioria dos casos a garantir o exito e a victoria. Á mesma hora tambem Alcantara, o bairro de gloriosas tradições revolucionarias que a João Chagas parecera momentos antes alheiado do movimento, inerme ou somnolento, derrotava um regimento inteiro de cavallaria e continha em respeito um outro de infantaria; e d'uma loja da rua do Livramento sahia, disciplinado e forte, um grupo de officiaes de marinha e de carbonarios, a iniciar sem hesitações nem precipitações um dos feitos mais brilhantes do ataque á monarchia.

CAPITULO XVII
Uma parte das forças revolucionarias installa-se na Rotunda

Já dissemos que o primeiro regimento a insurrecionar-se na madrugada de 4 de outubro foi o de infantaria 16, exactamente aquelle que menos confiança inspirava aos organisadores da revolta. Esse episodio inicial do movimento merece que o pormenorisemos.

Ás 9 horas da noite, logo que no quartel de Campo d'Ourique soou o toque do silencio, os soldados que sabiam do complot metteram-se na cama vestidos e equipados, fingindo que dormiam a somno solto para não despertar a attenção dos camaradas. Entretanto o cabo Correia e um soldado mais animoso invadiam as arrecadações das companhias, tiravam d'ali todo o armamento a que poderam lançar mão e conduziam-no para as casernas – levando a cabo essa tarefa com grandes precauções e riscos quasi irremoviveis.

Em certa altura, quando o cabo Correia estava fechado n'uma d'essas arrecadações, ouviu bater á porta. Sentiu-se perdido… Quem seria? Um official? Um amigo? Foi abrir, resolvido a tudo. Era o telegraphista do regimento que, segundo uma combinação previa, lhe ia mostrar um telegramma do quartel general recebido n'aquelle mesmo instante e em que se mandava que infantaria 16 estivesse de prevenção. Passava das 9 horas. A ordem chegava, pois, demasiado tarde. O telegramma, seguiu, por esse motivo, para as mãos do official de inspecção e a escolha das armas e munições continuou, sem interrupção, até final, ao mesmo tempo que o soldado 1.008, fingindo que estava de guarda, percorria, armado, todas as casernas, despertando todos os adeptos e avisando os soldados do serviço de policia, tambem no segredo do complot, de que não fizessem fogo contra quem pretendesse entrar no quartel.

Ás 12 e 45 da madrugada estava tudo a postos, tudo combinado e preparado. O cabo Correia soltou da sua caserna, que era a mais afastada da secretaria, um assobio forte e prolongado – o signal da rebellião – e os soldados revolucionarios juntaram-se immediatamente na parada, onde, em dado momento, ergueram um côro triumphal de vivas á Republica. Da parada foram depois á secretaria. Tornava-se indispensavel prender quanto antes os officiaes não adherentes e abrir as portas do quartel ao elemento civil – setenta homens armados que, momentos antes, tinham sahido do Centro de Santa Izabel. N'esse instante, o commandante de infantaria 16, tendo dado pela revolta, descera á parada e obrigara um soldado a bradar ás armas, ameaçando-o de revolver em punho. O soldado obedeceu, mas em seguida fugiu, indo juntar-se aos camaradas sublevados. O coronel encaminhou-se para a caserna da 3.ª companhia do 3.º batalhão e estacou á porta. A fusilaria crepitou pela primeira vez. Uma bala attingiu o commandante, matando-o instantaneamente. O capitão Barros, que se postara á entrada da arrecadação da sua companhia, oppondo-se a que os soldados se armassem, teve sorte egual…

Os outros officiaes, desvairados ou desorientados, fugiram com medo que lhes succedesse o mesmo que ao commandante e ao capitão Barros. As chaves dos portões ficavam dentro d'uma barretina e, como não fosse possivel encontral-as nos primeiros momentos, Machado Santos, que tambem avançara sobre infantaria 16 á frente d'um grupo de homens armados, teve que esperar alguns momentos na rua sem poder entrar. Entretanto, apparecia um cabo que, estando de guarda em Valle de Pereiro, abandonara o serviço. Foi elle que abriu caminho a Machado Santos pela porta da arrecadação regimental, e sem difficuldade, porque a respectiva sentinella não resistiu. Os sediciosos encaminharam-se então, já senhores do quartel, para a sala dos officiaes, onde encontraram o major Dias, que não quiz adherir, e as chaves dos portões dentro da tal barretina. O quartel não tardou a ser completamente franqueado aos revoltosos civis.

Era preciso, no emtanto, ir a artilharia 1, porque demais a mais já correra uma noticia aterradora, a de que alguns officiaes do 16 tinham ido á rua da Estrella chamar a guarda municipal. Essa sahida de infantaria 16 não se fez, porem, sem grande confusão. Machado Santos gritava, os outros barafustavam e por fim lá se conseguiu iniciar a marcha para Entre-Muros, indo á frente o heroico commissario naval. Por todo o trajecto, feito a galope, soltaram-se vivas enthusiasticos á Revolução e á Republica. Á porta do quartel de artilharia 1 estava o capitão Sá Cardoso. Ouvira repetidos toques de reunir em accelerado e sahira a esperar as forças revolucionarias de infantaria. Logo que defrontou Machado Santos, desembainhou a espada e collocou-se a seu lado. Segundos depois, a porta do quartel de Entre-Muros tambem era arrombada.

Como ahi o official de inspecção e o major do regimento não quizessem adherir, o capitão Sá Cardoso convidou-os a afastarem-se do local e os dois officiaes promptamente obedeceram. Na parada já andava o capitão Palla na faina de preparar as baterias revolucionarias, coadjuvado pelo alferes Brandão, que adherira espontaneamente. O capitão Sá Cardoso montou a cavallo e, antes de sahir do quartel de Entre-Muros, recebeu a adhesão do tenente Quaresma de infantaria 16, tenente Garcia, que estava afastado d'esse regimento, como aliás de todos os outros, por causa do 28 de janeiro e dos tenentes Santos e Paes, que tinham vindo expressamente de infantaria 3 para tomar parte no movimento. Infantaria 16 – diga-se de passagem – não tinha sargentos; assim os respectivos logares foram occupados por cabos.

Prompta uma bateria, o capitão Sá Cardoso tomou o commando, coadjuvado pelo alferes Brandão, indo a escoltar a artilharia uma parte de infantaria 16 commandada pelo tenente Garcia. Essa bateria sahiu do quartel de artilharia 1 a caminho das Necessidades, mas a meio da rua Ferreira Borges foi surprehendida pela companhia da guarda municipal, aquartelada na Estrella, que fez fogo sobre os revolucionarios. Houve da parte d'estes uma breve hesitação, propria de quem nunca tinha entrado em fogo; mas a resposta á aggressão não se fez esperar e tres tiros de peça destroçaram os municipaes. Como alguns populares avisassem o capitão Sá Cardoso de que as forças fieis á monarchia se haviam postado nas embocaduras das ruas, promptas a fusilal-o e aos seus soldados, aquelle official resolveu voltar atraz, a juntar-se ao grosso da columna insurreccionada, que encontrou na rua de S. João dos Bemcasados.

Ahi, os officiaes conferenciaram e decidiram, após breve discussão, que a columna marchasse para a Avenida. O capitão Sá Cardoso, na qualidade de official mais antigo, tomou o commando superior e Machado Santos passou a dirigir a guarda avançada de infantaria 16 e grupos civis. Na altura das Amoreiras, a cauda da columna foi atacada d'uns quintaes ou coisa parecida e respondeu com uma descarga de infantaria. No largo do Rato houve novo alarme, mas da policia, que rapidamente foi desarmada por Machado Santos. Na rua Alexandre Herculano, deu-se uma scena que nos primeiros momentos não foi facil explicar: os revolucionarios foram ali recebidos com enorme tiroteio e a columna, desmantelando-se, marchou em debandada até á rua Castilho. N'esta rua, os capitães Sá Cardoso e Palla e Machado Santos lá conseguiram juntar de novo os elementos dispersos e as forças revolucionarias, ainda que no meio de grande confusão, conseguiram chegar á Rotunda.

Uma vez no famoso acampamento, o capitão Palla arranjou definitivamente a artilharia e Machado Santos e outros officiaes a infantaria; á esquerda d'esta formou um pelotão de 40 atiradores civis. O capitão Sá Cardoso fez uma fala aos soldados e populares que estavam ali reunidos, mostrando bem a responsabilidade que pesava sobre todos. Entretanto, a força de policia que estava na feira de Agosto, commandada pelo chefe Antunes, tinha retirado prudentemente do local; ao acampamento iam chegando mais populares e entre elles dois guardas municipaes; todos os individuos que passavam na Rotunda eram obrigados a pegar em armas. Ás 4 da manhã, a cavallaria da guarda municipal tentou um ataque pela frente do acampamento. Não fôra completamente destroçada na Avenida pelo grupo civil incumbido de o fazer, muito embora Silva Passos e outros conjurados arriscassem a vida n'essa denodada investida – e assim conseguira chegar a cincoenta metros das forças sublevadas. Mas estas responderam logo com fusilaria e tres granadas e os cavalleiros fieis ao antigo regimen tiveram que retroceder com algumas perdas.

Passemos agora da Rotunda a Alcantara e vejamos o que succedia n'esse bairro de verdadeiras tradições revolucionarias. O quartel general dos elementos que estavam no segredo do complot era a typographia da rua do Livramento, pertencente ao industrial sr. Franklin Lamas. Ninguem dirá ao vêr esse modesto artifice da revolta que a sua pallida e rachitica figura de anemico disfarça, além d'uma vontade de ferro, uma tenacidade organisadora fóra do commum. E, no emtanto, Alcantara deve-lhe assignalados serviços de acção republicana, em que a ousadia e a fé inquebrantavel venceram multiplos obstaculos á propaganda do Ideal.

Na noite de 3 de outubro, logo que ao bairro chegou a noticia de que o movimento seria iniciado d'ahi a poucas horas, os elementos revolucionarios correram a reunir-se no estabelecimento do sr. Franklin Lamas, ao tempo em que os centros republicanos da freguezia eram invadidos por populares que disputavam entre si as poucas armas até então ali armazenadas. Á 1 e 8 da madrugada de 4, reportamo-nos á precisão mathematica do relatório do 1.º tenente Parreira – sahiram da typographia, além d'esse denodado official de marinha, os 2.os tenentes Sousa Dias e Carlos da Maia, commissarios navaes Costa Gomes e Guilherme Rodrigues, 1.º sargento Gonçalves dos Santos, 2.os contra-mestres Armando Barata e Correia da Silva, 2.º sargento José Rodrigues, Franklin Lamas, seu irmão Francisco Lamas, Joaquim Alves, Joaquim Vaz e outros civis. Este disciplinado nucleo revolucionario encaminhou-se para o quartel de marinheiros, onde entrou pela chamada porta do jardim.

Lá dentro, depois de desarmada a sentinella, o grupo arrombou a arrecadação do armamento, que foi distribuido pelos populares que ainda o não tinham, preparando-se tudo para a prisão dos officiaes que estavam no edificio. Ainda no jardim do quartel e a caminho da parada de cima, o grupo defrontou quatro d'esses officiaes que faziam uma ronda. O 1.º tenente Parreira não hesitou. Dirigiu-se-lhes energicamente, intimando-lhes a rendição e os quatro officiaes entregaram as armas, dando pouco depois entrada n'um dos calabouços. A seguir o grupo revolucionario subiu ás casernas, o 1.º tenente Parreira mandou levantar e armar todas as praças e como o sargento da guarda se mostrasse hesitante, o illustre official obrigou-o a entrar na formatura e mais tarde mandou-o prender, por não lhe merecer confiança. Faltava aprisionar os dois commandantes do corpo de marinheiros para se effectivar a posse completa do quartel.

Formou-se então um nucleo incumbido de defender as sahidas do edificio e os restantes revolucionarios procederam a varias buscas. «O primeiro a descer – conta o 1.º tenente Parreira no seu relatorio – foi o 1.º commandante que vinha só e armado e ficou entre portas á entrada do corredor da porta principal». O heroico commandante dos revoltosos intimou-o a render-se. Elle resistiu, primeiro agitando a espada e depois disparando tiros de pistola, e um grupo desfechou, attingindo-o e prostrando-o ferido. Acudiram os criados que o transportaram para os seus aposentos particulares e os contingentes das differentes casernas principiaram a juntar-se na parada, onde já então se encontrava o 2.º tenente Tito de Moraes, que tomou logo a iniciativa de activar a formatura das praças.

D'ahi a momentos os civis empregados nas buscas correram sobre o 2.º commandante do corpo, obrigando-o a fugir até á parada de cima, onde o 1.º tenente Parreira o aprisionou, mettendo-o no calabouço com os outros officiaes suspeitos. Arrombou-se depois o paiol da polvora, os cunhetes foram trazidos para a parada e, assim que se municiaram cerca de 50 praças, esta força installou-se nas janellas da frente do quartel sob o commando do commissario Costa Gomes, recebendo incumbencia de impedir a sahida do esquadrão de cavallaria da municipal e defender essa face do edificio.

Ás 2 e meia da madrugada, concluido o municiamento das praças, os revolucionarios arrombaram a porta sul do quartel e sahiram para a rua 24 de Julho, onde pouco antes tinham formado outras forças e grupos civis. O nucleo organisado no quartel dos marinheiros, depois de leve contacto com uma diminuta força de cavalaria em reconhecimento, que retrocedeu logo que ouviu dar vivas á Republica, marchou em direcção á rua da Costa, pretendendo assim cumprir uma parte do plano estabelecido e que consistia em cercar o palacio das Necessidades, conjugando a sua acção com a da columna de infantaria 16 e artilharia 1 do commando do capitão Sá Cardoso. Já dissemos que essa columna se viu impossibilitada de exercer tal missão, por ter sido atacada pela municipal na rua Borges Carneiro. O nucleo do quartel dos marinheiros tambem não poude chegar até junto do palacio, porque, tendo a sua guarda avançada avistado na passagem da linha ferrea forças de cavallaria 4 e infantaria 1, o 1.º tenente Parreira mandou fazer alto, encarregando entretanto alguns civis de explorarem a rua Vieira da Silva.

N'esse mesmo instante, appareceu um capitão que as forças fieis ao antigo regimen haviam destacado como parlamentario. Sahiu a reconhecel-o uma vedeta revolucionaria commandada pelo 2.º tenente Carlos da Maia.

– Que defende? perguntou-lhe esse official de marinha.

Resposta do capitão:

– Tenho muita pena, mas sou obrigado a vir aqui…

– Mas que principio defende? insistiu o commandante da vedeta.

– As instituições.

– Mas que instituições? Republica ou monarchia?

– A monarchia.

E logo a seguir, o capitão accrescentou, visivelmente embaraçado:

– Mas eu vou contar tudo ao meu tenente coronel…

D'ahi a pouco surgiu na frente dos revolucionarios um tenente de infantaria. Logo que chegou á fala, declarou que tambem ia pedir instrucções ao tenente-coronel; e como as vedetas espalhadas pela rua Vieira da Silva affirmassem que as forças contrarias estavam egualmente desenvolvidas para esse lado e a cavallaria e a infantaria fieis á monarchia tomassem posições de combate, o 1.º tenente Parreira desistiu de avançar sobre o palacio das Necessidades e decidiu preparar as coisas para um inevitavel recontro sangrento. Mandou arrombar parte do tapume proximo á passagem de nivel do caminho de ferro de cintura e dividiu as forças de marinha em dois pelotões. Um, sob o commando do tenente Carlos da Maia, desenvolveu-se em angulo recto, parte com as costas no tapume e com as armas dirigidas para a passagem de nivel, e outra parte dentro da cêrca e com a frente para oeste. O outro pelotão dividiu-se em duas fracções commandadas respectivamente pelos tenentes Sousa Dias e Tito de Moraes e formou com as costas para a parede norte da rua 24 de Julho, dirigindo as armas obliquamente para a passagem de nivel, cruzando, por conseguinte, os fogos com as forças que lhe ficavam fronteiras.

O 1.º tenente Parreira, tomadas estas disposições, ainda esperou um pouco antes de abrir as hostilidades. Mas, continuando a notar movimentos na cavallaria e infantaria adversas, resolveu tomar a offensiva e deu a voz de fogo. A fusilaria crepitou com energia e violencia durante minutos. Do lado opposto, responderam ao ataque com umas descargas que causaram algumas baixas nas forças revolucionarias. A seguir, como a cavallaria inimiga, desembocando na rua Fradesso da Silveira, desobedecesse á intimativa do 1.º tenente Parreira para fazer alto, os revolucionarios e os populares atacaram-na rudemente, secundados pela artilharia civil e a cavallaria, dispersando-se, bateu em retirada, com cêrca de 50 baixas entre mortos e feridos. Não se calcula o effeito desmoralisador que n'esse regimento fiel á monarchia produziu a explosão de varias bombas. Os soldados precipitaram-se immediatamente das montadas, originando uma confusão enorme, e emquanto uns se refugiavam aqui e ali buscando abrigo contra aquella arma poderosa que lhes parecia ser lançada do inferno, outros corriam para junto dos populares revoltosos, pedindo que os poupassem e declarando abandonar d'uma vez para sempre o serviço do antigo regimen.

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
25 haziran 2017
Hacim:
220 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain