Kitabı oku: «Cian», sayfa 2

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Capítulo Três

Bem, em uma coisa eu era bom: ser pai de Rachel. Éramos amigos e ela raramente mencionava o pai biológico. Sempre que Kaitlin estava ocupada com suas anotações de pesquisa, Rachel e eu íamos pescar, cozinhar e manter nosso acampamento e equipamentos em ordem. Nós dois éramos bons de pescaria, mas nem tanto em caçar. Gostávamos de cozinhar e estávamos constantemente à procura de castanhas, frutinhas, raízes, além de ervas selvagens para adicionar às nossas várias misturas e surpreender Kaitlin no jantar.

Nosso destino nesta viagem era a aldeia de Alichapon-tupec. Kaitlin sabia de uma piaçava de folhas vermelhas com poderosas propriedades medicinais que crescia apenas naquela região. Iríamos lá, tentar obter amostras da planta e, talvez, obter algum conhecimento sobre o seu uso junto aos nativos locais. Pensei sobre aventuras semelhantes em outras florestas tropicais, nós três percorremos um longo caminho juntos. Desde que Rachel nasceu, nove anos atrás, viajamos o suficiente para nos levar várias vezes ao redor do mundo.

De repente, percebi que meus pensamentos haviam se afastado do rio quando fui puxada de volta à realidade por Cian gritando algo para mim. Ela agarrou o remo e segurou à frente dela, em direção a um enorme tronco vindo diretamente sobre nós na correnteza. Virei meu remo de lado na água para retardar nosso progresso, mas foi de pouca ajuda. Quando ela jogou o remo contra o tronco, não teve efeito. Era um tronco de teca, com umas cinco vezes o comprimento da nossa canoa e provavelmente pesava umas duas toneladas. Se colidisse conosco, certamente seríamos esmagados na água, enquanto ele desceria o rio sem ser afetado. No entanto, Cian, empurrando a árvore, afastou a frente do barco do tronco e forçou a popa, onde eu estava, em direção a ela. Estendi meu remo para empurrá-lo contra a casca da árvore, depois juntos para posicionamos o barco paralelo ao tronco e, finalmente, nos afastamos dele.

Eu assisti à partida por um momento, então encontrei Cian, Kaitlin e Rachel me dando um olhar severo, como se eu quase tivesse afundado nossa pequena expedição. Mesmo Hero, seguindo a expressão irritada de Cian, me lançou um olhar de indignação. Entre meus devaneios, tinha perdido completamente a noção de onde estávamos e o que estava fazendo. Meu corpo estava trabalhando para nos manter sempre à frente, mas meus olhos não estavam observando o rio.

– Desculpe. —Baixei a cabeça e voltei a remar. —Eu vou ficar acordado agora.

* * * * * *

Subimos o rio sem parar até o pôr do sol e então preparamos acampamento.

Enquanto Cian cozinhava cinco ratos em palitos afiados, notei que minha irmã e sobrinha trocavam olhares. Elas olhavam para os ratos sobre o fogo, depois de novo uma para a outra, com as sobrancelhas a subir cada vez mais.

– Não estamos com muita fome – disse Kaitlin.

– Com certeza foi um grande café da manhã que tomamos mais cedo, hein mãe? – Rachel esfregou sua barriga supostamente cheia.

As duas aplicaram repelente de insetos e enfiaram-se nos colchonetes.

Ao longo do caminho, no rio, nós compartilhamos nossas barras de carne seca e granola com Cian, e ela nos deu um pouco de sua comida; tiras defumadas de carne e maçãs açucaradas. Ela parecia gostar da carne seca e da granola, mas não da água engarrafada que Kaitlin passava para ela.

Depois do jantar, Cian e eu fizemos algumas tentativas de conversa, usando palavras e gestos, junto com imagens desenhadas na terra. Várias horas se passaram, mas tudo o que entendemos foi que ela era uma mulher sozinha na Amazônia e eu era uma pessoa de fora procurando por algo. Quando tentei explicar o que eu procurava, não consegui. Minha irmã, é claro, estava procurando uma planta exótica e remédios tribais. Isso era fácil de entender.

Cian falou em palavras que eu não conseguia entender e fez movimentos que para mim eram tão musicais e sensuais quanto a sonata mais suave.

Eu me importo com o que realmente está sendo dito?

Nós dois alimentamos o fogo e continuamos a quebrar a barreira verbal que nos separava até cairmos no sono.

* * * * * *

De manhã, Cian fez um pão; de que eu não sei. Ela cozinhou em uma pedra plana perto da lareira, acrescentando pétalas esmagadas da bolsa de remédios. Kaitlin anotou a identificação e descrição das folhas da flor e pediu mais pão. Fiquei satisfeito ao ver que ela recuperara o apetite.

– Saxon – disse Kaitlin.

Eu olhei para ela.

– Você pode desenhar essas pétalas e o pão de nookum que Cian fez para nós? Temos que tentar encontrar as plantas e coletar amostras.

Ela me entregou uma das pétalas secas

– Seja cuidadoso; Receio que vá se desmantelar.

– Vou tentar.

Peguei cuidadosamente a pétala da mão dela, coloquei-a na pedra do café da manhã e peguei meu caderno de desenho. Ouvi Cian chamar o pão de nooc, então escrevi isso no topo da página, adivinhando a ortografia.

* * * * * *

Depois de sair do acampamento, remamos rio acima pelo resto do dia, o rio foi se estreitando cada vez mais. Encontramos uma cachoeira rochosa e fomos em sua direção. Do topo da cachoeira, caímos em um lago longo e profundo. Peguei o caderno de desenho da minha mochila e estudei Cian enquanto ela observava a água. Pareceu-me que ela esteve perdida em seus pensamentos por algum tempo. O que ela viu na água, ou em suas memórias, disse-lhe que deveríamos alterar nossa direção para sudeste. Ela indicou para mim e eu, estando na popa da canoa, ajustei nosso curso.

Kaitlin compilava notas sobre etnobotânica, enquanto Rachel passava um dedo na superfície lisa da água e eu nos mantinha no rumo.

Cian nos deixou naquela noite, depois que acampamos na margem do lago. Hero foi com ela. Por alguma razão, achei isso desconcertante. Não que eu sentisse tanta falta do cachorro, mas me senti abandonado. Andei um pouco e depois me ocupei de atualizar meu diário.

Antes do amanhecer, ela e Hero retornaram com carne fresca. O cachorro usava uma coleira de couro trançado que eu nunca tinha visto antes. Cian trabalhou próximo ao fogo, esfolando e cortando a caça, e depois pendurando as tiras de carne na fumaça. Hero e eu a assistíamos.

– Mulher surpreendente – eu sussurrei para ele.

Ele não respondeu; apenas me observou rapidamente. Depois de um momento, ele a fitou e, com um suspiro profundo, apoiou o queixo nas patas estendidas da frente.

Cian era ao mesmo tempo jovem e madura. Ela poderia ter vinte e cinco ou trinta e cinco, mas duvido que ela alguma vez considerasse seu aniversário de falecimento. Ela era jovem e esbelta no corpo, mas amadureceu muito além dos anos em sabedoria e astúcia. A Amazônia pulsava em suas veias e cintilava em seus olhos, repleta de vida, mas fria e calculista. Vida e morte foram eventos que aconteceram, não considerações emocionais. Não, não falamos dessas coisas; percebi pela maneira como ela usava sua faca, perspicácia e corpo. Talvez ela não fosse mais que uma criatura feroz no coração, mas isso não importava para mim.

A Amazônia havia fornecido o material para reconstruir o membro que faltava em seu corpo. Esse acoplamento de madeira e tecido humano a tornou ainda mais parte da natureza, e a natureza parte dela. Não apenas ela nunca havia usado sua condição para obter nossa condescendência ou simpatia como, na verdade, ela era mais ágil na floresta do que nós. Achei prudente não fazer referência óbvia a isso, embora estivesse curioso sobre o que aconteceu, esperaria até que meu conhecimento da língua dela aumentasse além de algumas palavras antes de tocar no assunto. Embora a Amazônia tivesse lhe proporcionado uma nova perna, alguém, ou alguma coisa, em sua selva havia tomado a antiga.

Capítulo quatro

Encontramos uma rica variedade de flores, trepadeiras e ervas nas margens do lago, Kaitlin estava extremamente excitada. Cian ocasionalmente colhia uma folha ou galho e indicava que poderia ser usado para curar um corte ou aliviar uma dor de cabeça.

Enquanto as duas vagueavam pela floresta o dia todo, Rachel e eu fomos pescar. Hero não estava conosco, sempre que podia escolher entre ir atrás de Cian ou sair comigo e Rachel, Cian era sua favorita. Aparentemente, a lealdade canina ao seu dono nunca fora explicada adequadamente ao vira-lata ingrato.

Rachel e eu descobrimos, para nossa intensa alegria, que o lago era lar de uma variedade imensa de tilápia vermelha. Elas não tinham medo de humanos em canoas balançando anzóis, então logo tivemos uma pegadeira com peixe saboroso para o jantar. Enquanto Rachel nos direcionava de volta à costa, decidi que nossa jornada a Alichapon-tupec poderia esperar mais alguns dias. Com a água agora azulada batendo na lateral do nosso barco e nuvens inchadas navegando no céu acima, peguei meu bloco de desenho e pensei em Cian e nas pétalas de flores que ela ocasionalmente colocava atrás da orelha. Era impressionante como em uma selva cheia de beleza, todas as orquídeas ao longo do caminho empalideciam quando comparadas a ela.

* * * * * *

Notei que Cian me olhava com mais frequência, no começo, ela parecia gostar mais de Hero que de mim; quase nunca olhava na minha direção e preferia, penso, manter distância, e assim mantive. Ela estava sempre acariciando o cachorro, levando-o para caçar com ela, guardando pequenos petiscos do prato para ele, parecia tolerar a minha presença como a dos ratos e piranhas, ou das cobras que ela parecia odiar com certa intensidade. Poucos dias atrás, eu era apenas outra coisa que precisava ser suportada, mas agora era diferente, ela acidentalmente esbarrava em mim perto da lareira, derramava chá no meu joelho ao passar ou pegava algum utensílio ao mesmo tempo que eu.

Na tarde do segundo dia no lago, Kaitlin decidiu que era hora de lavar nossas mudas de roupa, estávamos começando a exalar um odor um tanto forte.

Rachel, Kaitlin e eu esfregamos nossas roupas com barras de sabão no topo de um afloramento, onde uma pequena queda d'água borbulhava no lago. Cian ajudou Rachel a lavar a roupa, e muitos respingos aconteceram no final da fila enquanto elas riam e conversavam; Rachel tagarelava em português, enquanto Cian respondia com seu Yanomami. Logo a água espirrou em mim. Olhei na direção delas, que rapidamente desviaram o olhar como se a água tivesse vindo de outro lugar.

Cian disse algo para mim.

– O quê? – eu perguntei – Não entendo.

Ela se aproximou de mim, segurando o sabão de Rachel.

– Agora cai dimguri ensaboado.

– Dimguri? – Eu disse balançando a cabeça.

– Ra-CHEL, por favor – disse Cian à garota – faz palavra pro tio Saxon?

Elas discutiram algo por um minuto usando palavras e sinais.

– Eu acho – disse Rachel – que ela quer saber se você sabe nadar.

– Ah – respondi, acenando com a cabeça – Nadar? Sei sim.

Assim que eu disse isso, ela me empurrou da cachoeira e eu caí em um mergulho. Ali, próximo à margem, não era muito profundo, rapidamente cheguei à superfície, me debatendo um tanto na água. Todas as três riram quando Hero latiu para mim. Meu chapéu flutuou para a superfície, com o velho Zippo ainda preso na faixa. Eu alcancei o chapéu e o joguei em Cian, que riu novamente e jogou a barra de sabão para mim. Peguei-o e, depois de tirar a camisa, coloquei em uso.

Cian mergulhou de cabeça no lago e surgiu perto, afastando os cabelos do rosto. Joguei a barra de sabão para ela e logo todos, exceto Hero, estavam ali, tomando banho e jogando água para todos os lados. O cachorro correu ao longo da margem latindo, mas sem ousar entrar na água.

* * * * * *

Uma manhã, acordei rindo e me sentei no meu colchonete para encontrar Cian e Rachel brincando com um jogo de pedras lisas e coloridas. Uma delas sacudia várias pedras na mão, jogava-as no lugar que limparam na terra e, sob algum sinal, pegavam o maior número possível de uma determinada cor. No final da rodada, elas abriam as mãos, olhavam para as pedras que haviam capturado e, num frenesi, arrancavam pedras de um certo tamanho das mãos da outra. Esse último momento vinha sempre acompanhado por um ataque de riso incontrolável.

Assisti a esse jogo por algum tempo e, apesar do esforço, não consegui determinar sua fórmula, que parecia bastante fluida de uma rodada para a outra.

No entanto, notei que minha sobrinha agora tinha seus cabelos loiros ondulados amarrados nas costas, mantidos no lugar por um delicado galho e duas orquídeas de coloração lavanda. O cabelo longo e escuro de Cian estava preso em duas tranças logo acima das orelhas, a esquerda um pouco mais alta do que a direita e ambas com presilhas, uma de plástico vermelho e a outra verde.

Encontrei uma rodela do pão de Cian   pronto para mim em uma pedra quente perto do fogo, junto com uma xícara de chá com mel. Quando comecei meu café da manhã, de repente percebi que elas não estavam apenas rindo histericamente de vez em quando, mas entre as rodadas do jogo elas conversavam de um lado para o outro no que eu sabia ser a língua Yanomami! Nenhuma palavra de português foi dita.

Olhei para Kaitlin e a encontrei olhando para mim com um sorriso em seus lábios, elevei uma sobrancelha e ela deu de ombros voltando a estudar uma folha amarelada sob a lupa.

Capítulo Cinco

De manhã, saímos do lago entrando em um afluente esverdeado, que mais tarde se fundiu a um marrom.

No dia seguinte, continuamos remando até chegarmos a um lugar em que o córrego se alargava em um pequeno lago de retenção. A água tranquila era cercada por taboas e enormes vitórias-régias, flores cor-de-rosa no topo de bases translúcidas ondulavam como se perturbadas por algo que se movia embaixo delas, sapos venenosos alaranjados e pretos preenchiam vários lírios, esperando uma refeição se aproximar.

A água se aprofundou e ficou perfeitamente imóvel enquanto cortávamos sua pele fina. A lagoa sonolenta tolerou essa aflição por várias horas, depois ocorreu uma mudança quase imperceptível: a água ficou com um tom de esmeralda, depois vermelho sangue e começou a se contorcer entre as formas de vida, como se estivesse despertando. Logo estreitou-se e começou a avançar, mas na direção oposta ao seu curso original.

Meu mapa caro já não tinha mais utilidade para mim agora, nossa jornada já havia atravessado muito além da borda mastigada. Então o enrolei e devolvi à sacola, onde Cian o colocara no nosso primeiro dia.

Através em um pequeno descanso do dossel da floresta, pude ver montanhas cobertas de neve a oeste, acreditava que era a faixa norte dos Andes. Por alguma razão, todas as coisas entraram em foco naquele momento; as montanhas, a Amazônia, o riacho, a proa da canoa, tudo ficou perfeitamente claro para mim.

Nossos suprimentos acabaram, mas não queríamos comida ou bebida; nossa guia fornecera tudo, mas Cian parecia confusa com nossos rituais de café da manhã, almoço e jantar, ela comia quando estava com fome e descansava quando cansada. Até onde eu sei, ela nunca dormiu uma noite inteira e se levantava frequentemente para tomar o pulso da selva, às vezes, quando ela voltava no escuro, tocava em meu braço para mostrar o que havia encontrado. Ela queria que eu provasse e experienciasse tudo o que era dela, e eu acedi aos seus desejos, com prazer infinito.

Cian coletou folhas e raízes para Kaitlin enquanto explicava, com sinais articulados das mãos e com a ajuda das traduções de Rachel, os objetivos medicinais das plantas. As páginas do caderno iam se preenchendo de notas alegres, enquanto as folhas eram cuidadosamente pressionadas para secar.

* * * * * *

Na noite do décimo dia, descartei minha camisa e cortei minha calça cáqui em shorts. Exceto por sua saia, na altura dos joelhos, Cian não usava nada, ela era imune às multidões de insetos mordedores e espinhos, ou simplesmente os tolerava como um dos fatos da vida na selva, se ela podia suportar, eu também poderia.

Quando Cian me viu coçando as picadas de mosquito no meu peito, me levou a um bosque próximo de arbustos densos que reconheci como jovens amargões, usando a faca, ela arrancou a casca e esfregou as mãos na pele exposta da árvore. Depois disso, passou as mãos macias pelos meus braços, pernas, peito e costas, O óleo de amargão não só tinha um aroma doce e picante, mas era também um eficaz repelente de insetos.

– Bem – eu disse enquanto inspirava profundamente – isso preencherá cerca de três páginas do caderno de Kaitlin.

Ela respondeu com um leve sorriso enquanto lentamente esfregava meu bíceps, depois retornando ao meu peito. Meu coração começou a acelerar, e me perguntei se ela podia sentir a batida pelas pontas dos dedos. Como se tivesse lido meus pensamentos, ela baixou os olhos e tirou as mãos de mim. Ela então aplicou um pouco do óleo em seus próprios braços e abdômen.

– Aqui – eu disse – deixe-me ajudá-la.

Alguns minutos mais tarde, ela me levou ao luar até a base de uma enorme árvore de andiroba, depois subimos mais e mais. Em nosso berço, no topo mais alto, balançando suavemente na primeira brisa, nos aninhamos e passamos a noite juntos.

* * * * * *

Na manhã seguinte, o modem IBM de Cian estava pendurado em meu pescoço e meu isqueiro Zippo agora era seu amuleto. Ela costumava segurá-lo entre os lábios, sorrindo e nunca se cansava de abri-lo para se assegurar de que a chama ainda vivia dentro do coração metálico. Eu frequentemente verificava meu suprimento de fluído, a felicidade dela se tornara essencial para minha existência.

A presença de Cian na minha vida me mudou completamente, mas minha intrusão no mundo dela não a alterou de maneira alguma, exceto por seu lindo sorriso para mim, por isso, serei eternamente grato.

À noite, saímos do acampamento juntos, praticando minha discrição e astúcia, ela guiou minha mão adaptando-se ao vínculo humano. Juntos, capturamos, matamos, esfolamos e filetamos a carne a ser defumada sobre o fogo. Ela me ensinou uma dúzia de maneiras para capturar e matar cobras, às vezes, parecia que seu principal objetivo na vida era livrar toda a Amazônia das criaturas rastejantes que pudesse encontrar.

Comíamos quando tínhamos fome, dormíamos quando estávamos cansados, por vezes, nossos amuletos se enroscavam juntos como um ramo de capirona. Talvez eu também estivesse ficando selvagem de coração, mas não acho que isso importava para ela. Se importava, ela nunca deixara transparecer.

Na próxima vez em que embarcamos na água, o rio se alargou e, curiosamente, vagou de volta pela borda do meu mapa. Eu andei na frente do nosso navio, e ela estava à popa. Ainda assim, eu olhava para ela em busca de orientação, mas aprendi a sentir nosso curso, sentindo suas correções suaves, tentei ler a água como ela, mas só via ondas entrelaçadas.

* * * * * *

Quinze dias depois de conhecer Cian no cais de Manaus, chegamos a um assentamento abandonado às margens de um rio que, de acordo com o “Mapa Revisado da Bacia Amazônica”, era chamado Rio da Melancolia. Eu pensei que a vila era Alichapon-tupec, mas esse nome não estava marcado no mapa, na verdade, não havia nenhuma indicação no gráfico de qualquer comunidade naquele local. A vila estava completamente deserta e assim parecia estar há muitos anos,

Cian vagou, como se estivesse procurando algo, mas ela parecia estar perdida ou confusa. Enquanto a observava, senti uma crescente sensação de desconforto, finalmente, ela chegou a uma rede velha balançando suavemente na brisa do meio-dia. Eu andei ao lado dela quando Kaitlin e Rachel vieram para o outro lado. Ali, deitado no tecido podre, havia um esqueleto.

Capítulo Seis

Vários momentos se passaram antes de Cian sacar a faca e começar a cortar uma extremidade da rede, peguei minha faca para cortar a outra, e quando terminamos, enrolamos os ossos em folhas de bananeira, amarramos com videiras e os colocamos no solo. Solenemente fechamos a terra sobre eles. Cian rodeava o túmulo com velhas pedras da lareira e se ajoelhava ao lado, depois, fez um sinal sobre a terra macia e sussurrou algumas palavras. Após alguns minutos de silêncio, iniciamos a tarefa sombria de enterrar todos os outros.

Saímos da vila no final do dia e flutuamos rio abaixo por uma hora antes de desembarcar em terra para acampar novamente, todos estávamos em silêncio enquanto realizávamos nossas tarefas. Até mesmo Hero estava quieto e mexido.

Rachel juntou lenha antes mesmo que fosse pedido, Kaitlin preparou um lugar para a fogueira, enquanto eu limpava as áreas de dormir ajustando uma camada macia de folhas e grama. Cian levou as duas tigelas de couro para um fluxo de água fresca, levou a sacola dos ratos com ela. Quando ela voltou com a água, pude ver que a sacola estava vazia.

Rachel e eu trabalhamos junto à lareira, preparando nosso jantar. Assim que a água esquentou, Kaitlin desembrulhou cuidadosamente seu estoque de chá Ceyloin Lumbini e fez um pouco, ela pingou um pouco de mel na caneca e mexeu com um pedaço de canela. Eu tinha visto o Lumbini ser usado apenas uma vez desde que deixamos a Índia. Ela entregou a xícara para Cian.

– Sente-se ali com Saxon – disse Kaitlin  – Rachel e eu vamos cuidar da comida.

– Mmm – foi a exclamação de prazer de Cian enquanto provava a bebida doce e picante – Nunca senti assim antes.

Olhei para o meu copo vazio, depois para Kaitlin, mas ela me ignorou solenemente.

Todo mundo ficou em silêncio durante a nossa refeição, então Cian desenrolou seu cobertor junto ao fogo e deitou a cabeça no meu colo. Logo ela estava dormindo. Isso era incomum para ela; sempre gostava de caçar no início da noite, enquanto as criaturas da floresta estavam ativas.

–O que foi aquilo que ela sussurrou sobre o primeiro túmulo? – Perguntei a Kaitlin.

–Parecia “Janya Xaporieiz nota, Karbandar”, ou algo assim – disse Kaitlin.

– Sharbandar – Rachel a corrigiu  —A última palavra significa mãe, Cian me ensinou isso. Essas últimas três palavras significam “Para você, mãe”. Já a ouvi dizer Xaporieiz antes, mas não sei o que quer dizer.

–Mãe? – Kaitlin disse e olhou para mim – Poderia ter sido o esqueleto da mãe dela que encontramos na rede?

–Jesus Cristo! – Eu sussurrei quando um nó apertou meu estômago. Eu olhei para Cian enquanto ela dormia, e eu acariciava o cabelo de sua bochecha com meus dedos instáveis.  —Deve ter sido.

–Então era a vila dela lá atrás – disse Kaitlin – e todos os outros ossos…

–O que aconteceu com o povo de Cian? – Rachel perguntou à mãe.

Rachel sentou-se ao lado de Cian. Hero estava deitado ao lado de Rachel, com o queixo na coxa enquanto observava o rosto de Cian, que estava pacificamente em repouso.

Olhei através da lareira para minha irmã, ela não estava em sua tarefa habitual da noite com as anotações e espécimes de plantas, ao contrário, ela apenas fitava as brasas brilhantes.

– Parece-me – eu disse – que a tragédia na vila ocorreu há muito tempo, talvez vinte anos ou mais.

A floresta havia recuperado tudo ao cobrir lentamente as cabanas em ruínas com trepadeiras e raízes, apagando memórias da vila. Uma pequena tribo escavara uma casa na selva imponente, e a natureza apagara tudo, junto com o seu povo.

Depois que Cian falou sobre o túmulo de sua mãe mais cedo naquele dia, ela ficou em silêncio por alguns minutos, se levantou, limpou as bochechas e começou a procurar algo. A parte interna da aldeia estava coberta de mato, Cian afastava as ervas daninhas, observando o chão enquanto caminhava. Finalmente, ela encontrou algo e se ajoelhou, era o osso de uma perna humana. Cian sussurrou algo para Rachel quando ela começou a cavar a terra.

– Tudo deve estar no chão – Rachel traduziu as palavras de Cian e a ajudou na escavação.

Kaitlin encontrou mais alguns ossos nas proximidades.  —Uma pá seria útil agora – ela murmurou, usando um graveto para quebrar o solo.

– Aqui está um pouco mais fácil – eu disse e usei minha faca de caça para afrouxar o terreno, depois a tirei com as mãos.

Não era uma tarefa difícil, o solo era macio e disposto a ser aberto para receber os restos mortais, mas era um trabalho triste e horrível, quando começamos a encontrar os restos, descobrimos que eles estavam por toda a vila. Provavelmente, os animais caçadores haviam arrastado os ossos e, depois de tanto tempo, era impossível saber o que matou as pessoas.

–Ah, não! – Eu ouvi Rachel chorar.

Fomos para onde ela estava ao lado de uma das cabanas que desabara, ela estava olhando para o chão. Lá no mato vimos um crânio minúsculo, a julgar pelo tamanho, a criança deveria ter sido muito mais nova que Rachel quando morreu.

–Você não deveria estar vendo isso— disse Kaitlin, abraçando a filha.

Ela estava certa, mas o que poderíamos fazer? Não sabíamos com o que estávamos lidando quando chegamos à vila e também não acho que Cian sabia, pelo menos não em um nível consciente.

Cian e eu enterramos o pequeno crânio e colocamos uma pedra ao lado dele, como ela havia feito pelos outros.

Agora Kaitlin acrescentava outro graveto para crepitar sob o fogo, enquanto Cian ainda dormia com a cabeça em meu colo.

–Não sei o que aconteceu com eles, querida, pode ter sido algum tipo de doença ou um ataque – disse minha irmã em resposta à pergunta de Rachel sobre os moradores.

– Mas como Cian sobreviveu? – perguntou Rachel.

– Se foi há tanto tempo quanto imagino – eu disse —ela poderia ser apenas uma criança quando isso aconteceu.

– Sabe o que eu acho? – Kaitlin disse.

Eu olhei para ela.

– Não acredito que Cian tenha voltado lá em todos esses anos, caso contrário, os ossos estariam enterrados há muito tempo.

– Faz todo sentido. – eu disse —Ela parecia perdida e confusa até encontrar a rede da mãe, acho que foi assim que ela soube quem era: a rede e os arredores.

– Eu me pergunto o que ela fará agora – disse Kaitlin.

Eu não tinha pensado tão longe. O que Cian faria? E eu, vou fazer o que? Ela estava sozinha quando a conheci no cais, talvez ela voltasse à sua vida solitária na floresta.

– Teremos que voltar para chegar a tempo do Encontro em breve – eu disse— e ainda não encontramos Alichapon-tupec.

–Estou começando a pensar que não existe esse lugar, mas de toda forma, Cian me deu amostras e informações sobre plantas suficientes para compensar uma dúzia de Alichapon-tupecs, vou levar um mês inteiro para organizar e catalogar tudo.

– E o encontro?

– Se ainda formos a ele – disse Kaitlin.

Minha irmã, sempre estava alguns passos à minha frente.

–Eu pensei que estávamos indo para o encontro cigano nos Pirineus e depois para a Riviera no outono, não?

–As coisas mudam.

Agora eu estava em um dilema, mas aparentemente, Kaitlin já havia chegado a uma decisão. Ela não gostava muito de explicar seus planos em detalhes, e eu nunca fazia muitas perguntas, sempre preferindo descobrir as coisas por conta própria.

Decidimos nossos planos vários meses antes, no encontro, Kaitlin compilaria anotações sobre remédios ciganos e populares, depois passaríamos um ano na Riviera enquanto ela editaria e revisaria sua etnofarmacopedia, preparando-a para publicação. Mais de uma dúzia de cadernos estavam cheios de anotações e espécimes de plantas medicinais que ela colecionara ao longo dos anos, junto com os esboços que eu desenhei para ela.

Na Riviera, perto da vila de Villefranche, ficaríamos no grande hotel Miratroka. Mon ami Monsieur Victoy, dono daquele estabelecimento gentil e um cavalheiro, me dava emprego sempre que aparecíamos à sua porta. E era lá que no outono, esperávamos colocar Rachel em uma escola inglesa por um ano, enquanto sua mãe trabalhava no manuscrito. A menina era, sabíamos, muito avançada para qualquer aluno do terceiro ano, mas achamos que socializar um pouco nas salas de aula e no pátio da escola a faria bem, para equilibrar seu bem-estar intelectual.

– Eu me pergunto – eu disse – qual é a palavra Yanomami para casamento?

– Natohiya – foi a resposta rápida de Rachel.

Kaitlin olhou para cima.

– Como você sabe disso?

A menina deu de ombros.

– Nós falamos sobre isso.

– Por quê? – eu perguntei.

– No começo – disse Rachel – Cian pensava que você e minha mãe eram casados e eu era sua filha.

– Você aprendeu muito Yanomami? – Kaitlin perguntou.

– Nem tanto, mas consegui algumas palavras e, usando nossas mãos, podemos conversar um pouco. Também estou ensinando português para ela, ela ficou muito feliz quando lhe disse que o nome do meu pai é Ian e ele constrói grandes coisas no oceano.

– Ian McAveety. – disse Kaitlin – Eu não penso nele há meses, você e eu poderíamos vê-lo na Escócia. Você gostaria disso, Rachel?

– Não sei, não o vimos pouco antes de irmos para a Índia? Quando Cian disse que se você e Saxon eram casados, contei a ela sobre Ian.

– Sim – disse Kaitlin – mas isso foi há dois anos, você não sente falta do seu pai?

– Talvez – disse a garota – mas se ele me quisesse, viria nos encontrar. Ela rolou Hero para esfregar sua barriga. –Além disso – disse ela – tenho tio Saxon para cuidar de mim.

Kaitlin voltou-se para mim.

– Casamento? – ela perguntou.

– Eu estava pensando – eu disse a ela – como os Yanomami se casam.

– O chefe – Rachel disse enquanto brincava com seu cachorro – amarra suas mãos com uma videira, diz algumas palavras, então todos vão fazer uma shabona para eles, só isso e estão casados.

– O que é shabona? – eu perguntei.

– Uma cabana – disse ela – como aquelas da vila.

Eu olhei para minha irmã.

– Acho que é melhor começarmos a procurar um chefe amanhã.

Rachel sorriu esfregando a barriga do cachorro.

– Acho que você vai querer perguntar a Cian sobre isso primeiro – disse Kaitlin.

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