Kitabı oku: «Sumalee», sayfa 3
Tailândia 13
Meus pensamentos sobre o apartamento em Cingapura foram interrompidos quando senti que alguém estava me observando. Parei a série de socos que estava fazendo e olhei para a porta da cela. Dali, um homem curioso me observava. Seu nome era Channarong. Eu o conhecia de ouvir os outros prisioneiros falarem dele, sempre com respeito. Seu nome, segundo me contaram, significava algo como “lutar para ganhar”, que era justamente para o que eu estava me preparando. Não estava muito claro para mim porque as pessoas o tinham em consideração. Não sabia se era um membro de alguma máfia, um lutador famoso ou o filho de um rico homem de negócios que podia pagar a alguém para que te matassem se o incomodassem. O caso é que ele estava me olhando em silêncio dali não sei há quanto tempo. Comecei a dissimular, esticando os braços e fazendo movimentos estúpidos, tentando imitar o que em minha cabeça seria tai chi. Eu tinha certeza de que seria tarde e que estaria claro para Channarong que eu estava treinando artes marciais. Teria que ser muito idiota para acreditar que o que eu estava fazendo era tai chi.
Me sentia ridículo tentando despistá-lo, assim, parei e fiquei olhando para ele se dizer nada. Channarong fixou seus olhos nos meus e me examinou com atenção. Seu rosto era totalmente inexpressivo. Era impossível saber o que ele estava pensando. Após alguns instantes, que me pareceram horas, deu uns passos e se aproximou de mim. De forma instintiva, deu um passo para trás e ergui os braços em posição defensiva. Estava acostumado com todos que se aproximavam era para me bater, ainda que desta vez eram muitas surras seguida, já que a última tinha sido a menos de uma hora.
Channarong se aproximou até estar a vinte centímetros de mim e me olhou curioso. Levantou sua mão e me encolhi, esperando receber o primeiro golpe, mas em vez disso, o que fez foi pegar o braço e esticá-lo um soco.
— Assim não —disse ele em um inglês bastante descente, enquanto negava com a cabeça várias vezes. — Assim não. Não, não, não.
Pegou meu braço e o esticou de novo, desta vez com muito mais força, Obrigando-me a girar sobre minha cadeira para não cair.
— Mova a cadeira, golpeia a cadeira. Mova a cadeira, golpeia a cadeira. Sabe como chamar esta cela? O Grande Tigre, porque dizem que “caça e come”. Quer ser preza ou caçador?
Repetiu essa frase como se fosse um mantra, e mais algumas vezes, enquanto eu movia meu braço e me dava palmadas na cintura. Ele estava corrigindo o movimento! Além de não querer me bater, ainda estava me ensinando a golpear de forma correta. Ele soltou meu braço e me animou com um gesto da mão a continuar tentando. Lancei uma nova série de socos, trocando de braços e utilizando a cadeira nos golpes enquanto Channarong ia corrigindo meus movimentos.
— Décima lição de Muay Thai —disse ele, muito sério, quando demos um tempo: — treinar e exercitar-se de forma regular. Você constante, eu observar. Muito bem. Muay Thai ser guerreiros de oito braços. Punhos, cotovelos, joelhos e pés. Treinar tudo, buscar equilíbrio.
Assim, ele ficou me vendo treinar sem que me desse conta. Estava claro que eu não escondia isso tão bem quanto acreditava. Um momento! Ele tinha dito décima lição? E as nove anteriores? Não importava. Fiz outra série de socos, concentrando0me em fazer tudo perfeito, tal qual ele tinha me ensinado, pondo toda minha atenção em cada detalhe do movimento, tentando não deixar que a dor no meu corpo influenciasse. Me virei, satisfeito, para ver o que ele achava, mas Channarong já tinha ido embora. Desapareceu da mesma forma que apareceu. Em silêncio e sem aviso. Me deixou todo confuso. Por que tinha me ajudado? Por que se foi sem me dar tempo para agradecê-lo? Não tinha respostas nem a possibilidade de obtê-las naquele momento, como se esperava de alguém prático como eu. Continuei treinando meus socos, usando a cadeira de apoio para golpear com mais força. Tentando superar a dor que me causava cada movimento naqueles lugares golpeados pela surra.
No dia seguinte procurei Channarong para agradecê-lo, mas não o encontrei. Também não insisti em procurar por todo o complexo, porque, com meus antecedentes, era melhor não me deixar ser visto para evitar problemas. Quando usavam alguém como saco de pancadas, o mais prudente era que não o encontrassem. Continuei treinando meus socos e o resto dos movimentos. Eu ia adorar se ele decidisse ser meu mentor, como o senhor Miyagi, do Karatê Kid, ou como Ángel, o professor de boxe que me ensinou o que era o respeito pelos demais e por si mesmo, mas duvidada muito que esse homem tão querido e a quem eu nunca tinha dirigido a palavra tivesse muito interesse em mim. Por outro lado, ele tinha me ajudado, não? Em todo caso, ninguém costumava me dirigir a palavra. Assim, me sentia grato pelo menos por isso.
Alguns dias depois, encontrei Channarong na fila do refeitório. Me aproximei para agradecer por seu interesse, mas ele mandou que eu me afastasse dele com rápidos movimentos de mão e um som como o de uma serpente
— Segunda lição — gritou, enquanto eu me afastava, confuso: — fazer-se útil aos demais.
Enquanto comia, tentava decifrar o significado dessas palavras. Ele queria que eu ajudasse as pessoas da prisão? Queria que eu pensasse em mim mesmo? Os orientais às vezes gostavam de divagar sobre as coisas. Não era mais fácil dizer logo o que queria? Fazer-se útil aos demais… defender aos demais dos brutamontes em vez de a mim mesmo? Filosofia barata. É tão mais útil dizer as coisas de forma direta. Olhei para Channarong e ele estava apontando para minha mesa, contando algo a seus companheiros, que riam com vontade. Não sabia o que pensar. Eu estava totalmente perdido. Provavelmente só estava rindo de mim, mas então, para que me ajudar?
Percebi que o grupo que tinha invocado comigo estava entrando no refeitório, assim, levantei, deixei a bandeja no lugar como tudo o que ainda restava para comer e fui embora rápido. Como dizia minha mãe: “Quem evita a ocasião evita o perigo”. Isso, sim, era um conselho útil. E claro.
Fui para a cela treinar. Não que treinar depois de comer fosse o mais aconselhável, mas era o único de poucos momentos em que costumava não ter ninguém e tinha que aproveitar. Fiz o que eu tinha que fazer. O que era necessário. Comecei minha rotina de treinamento. Alongamentos complexos, flexões, agachamentos… Trabalhando cada parte do corpo de forma independente e junto com as demais. Em seguida, continuei com os golpes no ar: primeiro socos, depois chutes, por último, joelhadas e cotoveladas, como os que via os presos que treinavam no pátio fazerem. Como disse Channarong, o guerreiro dos oito braços. Como ninguém falava comigo por medo de também se tornarem alvo dos que me batiam, eu tinha muito tempo para pensar. Em uma das minhas reflexões diárias, tinha considerado que, além de conseguir a melhor forma física e de tentar melhorar minha técnica e velocidade, deveria também enrijecer meu corpo e acostumá-lo aos golpes. Por isso, acrescentei a minha rotinha uma série de golpes com punhos, cotovelos, canela e dorso da mão na parede, usando pedaços de pano como atadura e começando com menos intensidade. Às vezes, exagerava com os golpes e ficava com alguma parte do corpo inchada por alguns dias, mas considerava isso necessário para ensinar a meu corpo a superar a dor. Quando meu ânimo fraquejava no treinamento, eu só tinha que me lembrar de alguns dos meus inimigos antagônicos da juventude ou de qualquer uma das surras recebidas; de mim no chão, sendo alvo de pontapés e golpes, encolhido como um animal e esperando que tudo acabasse. Então, aumentava o ímpeto dos golpes, o esforço do treinamento, tirando forças da fúria, ânimo do medo, intensidade do desespero.
Também tinha que aumentar muito minha resistência, por isso, dedicava meu tempo a correr sem parar no pátio; o que meus perseguidores comemoravam com piadas e risadas porque deviam pensar que eu estava treinando para fugir deles. Para mim, ao mesmo tempo, servia como terapia. Nem sempre gostei de correr. Logo que comecei a treinar boxe em Madri, tive que acrescentar rotinas de corrida para ganhar resistência e poder aguentar de pé um combate completo. Era extenuante, mas necessário. No fim, correr meia hora todos os dias se provou um alívio estabelecido para doutrinar meu corpo e mente.
Logo seria meu momento e a situação mudaria completamente. Logo essas risadas se transformariam e gritos. Gritos de dor. Pelo menos era nisso que eu acreditava. Era isso ou a morte.
Não havia outra alternativa.
Cingapura 4
Finalmente, segunda-feira. Primeiro dia de trabalho. Levantei às seis e meia da manhã, comecei o dia com café, cereais e um copo de suco. Um café da manhã completo. Meus colegas de apartamento me contaram, enquanto isso, que o que eles, e muita gente, costumavam fazer era tomar café da manhã no trabalho, na cafeteria da empresa, onde havia bebidas, frutas, pães e bolos grátis, ou nos estabelecimentos do edifício, se queiram algo diferente. Assim, podiam conversar um pouco com os colegas antes de começar o trabalho. Às vezes tinha gente que tomava de café, principalmente da Ásia, o mesmo que comemos nas outras refeições: macarrão, sopas, legumes refogados… Era muito curioso vê-los comer assim a essa hora da manhã. Me vesti e esperei dez minutos até que os outros estivessem prontos.
Entre uma coisa e outra, nos atrapalhamos e decidimos pegar um táxi para o trabalho. Por apenas dez dólares cingapurenses, que Josele pagou, em quinze minutos estávamos à porta do nosso edifício, em uma pracinha que havia na entrada, como a dos hotéis onde paravam os carros para se descarregar as malas.
A área era um complexo de quatro arranha-céus de cor branca com planta octogonal chamado Raffles City Tower. Pelo visto, era um conglomerado com shopping, escritórios, centro de convenções, restaurantes e dois hotéis que ocupavam duas das torres. Cada edifício devia ter quarenta ou quarenta e cinco andares. Impressionante. À direita da entrada onde estávamos havia um bar que se chamava Salt Tapas & Bar, um nome premonitório para os espanhóis, como o da nossa casa. O destino, no qual não acreditava, parecia me dizer que eu estava onde tinha de estar.
Nossos escritórios ficavam no 36º andar da torre de escritórios Raffles City Tower. A vista devia ser espetacular. Na entrada, como era meu primeiro dia, tiveram que me identificar e criar meu cartão de acesso permanente. Quando me entregaram, subimos de elevador até o escritório. Nosso andar tinha a vista livre, quase sem paredes, salvo pelas salas de reunião. Enquanto me levavam até onde estava aquele que seria meu gerente, cruzei com Teresa e Diego. Nos cumprimentamos rapidamente e combinamos de nos ver em breve na cafeteria do andar. Depois, Dámaso foi para sua mesa trabalhar e Josele me levou até Amit Dabrai, um indiano que era meu novo chefe.
Amit era uma pessoa muito seca e prepotente. Ele me contou em linhas gerais em que consistia o projeto como se estivesse me fazendo um favor e me mostrou meu posto de trabalho, onde meu notebook já estava me esperando. Assinei todos os papeis da entrega do computador e do celular e me instalei em meu lugar. Amit compartilhou comigo uma pasta na nuvem como toda a documentação e me disse que Jérôme, a quem me apresentou como o colega no projeto que tinha me designado, me contaria o que era mais importante ler para começar. Nisso, sim, ele insistiu que eu devia me colocar a par muito rápido e que esperava que naquela mesma semana eu começasse a trabalhar a todo vapor. Grande chefe arrogante e sério que me deram! Me lembrava muito um que tive em um projeto na Espanha.
Jérôme, que era francês, acabou sendo um cara totalmente diferente de Amit. Ele era doido, mas muito louco. Defini-lo como extrovertido era dizer o mínimo. Além disso, ele tinha um entusiasmo e uma vitalidade contagiosas e parecia estar sempre de bom humor. Falava um inglês com marcadíssimo sotaque francês – me custou acostumar-me a ele e escutá-lo sem rir. Ele me disse quais eram os principais documentos que deveria ler e me fez uma apresentação do projeto de quase uma hora, destacando o que era importante de verdade: em que consistia, o que se esperava de nós, em que ponto dele estávamos e quais eram os próximos passos que tínhamos que dar. Tudo isso depois de ir ao refeitório e conversar animadamente com Tere e Diego.
No meio da manhã, Josele me acompanhou até uma filial do banco POSB para eu abrir uma conta. Ele tinha conta no mesmo banco, que era um estatal do departamento de correios que funcionava muito bem. Segundo tinha me contado, por ser um paraíso fiscal, abrir uma conta era um processo muito simples. Me pediram o número FIN, que era como o documento de identidade. A empresa tinha agilizado para mim com o visto de trabalho, mas, pelo visto, era possível abrir uma conta sem ele e entregá-lo quando o tivesse. Tudo era fácil. Emitiram um cartão de débito para mim na hora e me deram minhas chaves para operar por internet e telefone.
Não muito longe havia um escritório exclusivo para banco privado.
— Ali, com um bom maço de notas, não é necessário nem identificarem você — disse Josele, olhando para mim com uma cara travessa. — Ainda que não possam dizer isso abertamente, claro. Essa gente facilita tudo para receber dinheiro.
— Que nada, espero conseguir ser cliente deles — assegurei, rindo.
Uma vez feitos os trâmites, voltamos para o escritório.
Cingapura 5
Josele se aproximou sorridente da minha mesa no trabalho.
— Adivinha, adivinha!
— Não sei. Tem algum abacaxi para me passar que precisa que eu termine antes do fim da semana? Estou cheio de coisas aqui tentando ficar em dia com isso, mas ajudarei você no que puder.
— Não! Muito melhor.
— Vamos ver.
— Neste sábado temos uma festa na Avalon, uma das baladas da moda. A que comentei com você que fica do outro lado do rio, ao lado do Museu de Artes e Ciência.
— Cara, não me surpreende muito. Tenho a impressão de que todos os sábados temos uma festa.
— Esta é especial. É uma homenagem aos expatriados espanhóis. Estará cheio de espanhóis e de expatriados de outros países. É a sua oportunidade de conhecer gente de todo tipo e lugar!
— Já conheço vocês, acho que não preciso de mais do que isso nos próximos cinco anos… — Sorri, contente de estar com eles.
— Sim, mas nós precisamos nos livrar de você um pouco. Você é como as rêmoras, esses peixinhos que vivem grudados nos tubarões. Tudo bem que sejam parasitas, mas às vezes cai bem um pouco de liberdade. Não sei se me entende.
— Se querem que eu os deixe em paz, é só me dizerem, manés.
— É brincadeira! Você sabe. Mas não te fará mal conhecer gente nova e tomar um bom porre.
— Isso, sim, eu sei. Estou cansado de choramingar pelas esquinas como um trouxa. Vamos ver se conhecemos um trio de belas australianas precisando de carinho. Porque de espanholas já me fartei por um bom tempo. O que preciso é um pouco de exercício de quadril. Você me entende — disse, fazendo um nada discreto movimento para frente e para trás.
— Esse é meu garoto! Vamos dizer a Dámaso e combinamos.
Levantei e fomos contar os planos a Dámaso. Naquele sábado arrasaríamos Cingapura.
O resto da manhã pareceu eterno. Todo mundo falava dessa grande festa para espanhóis à nossa volta. Todos faziam planos e riam pensando nas coisas que fariam. Saímos os três para correr com Diego algumas tardes para tentar liberar a tensão e nos concentrarmos em outra coisa, mas todos os esforços foram infrutíferos; e olha que forçamos tanto que nossas pernas ficaram doendo a semana toda. Até a partida de basquete da liga das empresas não foi mais que uma desculpa para falar do mesmo assunto.
Finalmente, chegou o sábado. A festa era no começo da noite. Assim, de manhã me levantei cedo e desci para a academia. As pernas estavam destruídas, mas tinha muito que trabalhar nos braços. Depois, fui com Diego em uma sessão matinal do cinema, na rede Golden Village Cinema, a quinze minutos andando de nossos escritórios. Eram salas com assentos grandes, muito espaço para esticar as pernas e em que às vezes passavam ciclos de cinema clássico. Estavam passando alguns dos melhores filmes de ficção científica de sempre e Diego e eu estávamos com pique para todos. Ver de novo Alien, Guerra nas Estrelas, Dune ou Blade Runner na tela grande não tinha preço. Nós éramos fanáticos pelo gênero.
Depois do filme, que era Matrix naquele dia, comemos em um restaurante de comida rápida chamado Mos Burger que, como o próprio nome diz, servia hamburgueres. Era a semana do hamburguer japonês e tinham alguns ingredientes muito estranhos, como shoyo e missô. No fim, não me entusiasmei muito. Onde tivesse um bom hamburguer com molho barbecue, queijo, tomate e cebola, preferia que deixassem de foras os experimentos estranhos. Então, fomos cada um para sua casa para tomarmos um bom banho e nos prepararmos para a festa, que começaria pouco depois, às sete da noite.
Quando cheguei em casa, Dámaso e Josele estavam em plena animação preparatória. Josele estava ocupado diante do espelho do banheiro com seu pequeno topete, que lhe dava um ar de “Rei”, e Dámaso olhava as roupas do armário com tanta concentração que parecia que estava jogando a mais difícil das partidas de xadrez da história. Aproveitei para tomar uma ducha e escolher um conjunto de roupas elegantes, mas nada exagerado. Não queria humilhar, mas também não queria parecer um Don Juan. Quando estávamos todos prontos, descemos até a rua, onde já esperava o táxi que tínhamos chamado, e fomos para a festa. Em quinze minutos estávamos na porta.
A entrada era uma estrutura de cristal com a palavra Avalon em letras fluorescente. Era vizinha da Marina Bay, por isso, a vista do outro lado da baía, incluindo os prédios onde trabalhávamos, era impressionante, com todos esses altos edifícios iluminados. Não deixava nada a desejar às vistas noturnas de Manhattan, em Nova Iorque, do Brooklyn. Entramos quando a festa tinha acabado de começar, por isso não havia ainda muita gente, e pudemos escolher um bom lugar para ficar. Nas festas acontecia o mesmo que com o marketing na Internet. As três chaves eram: posicionamento, posicionamento e posicionamento. Por dentro, havia um ar de nave industrial e com todas as luzes e a música, me lembraram o movimento ciberpunk, muito parecida com a ambientação do filme Blade Runner que Diego e eu iríamos ver na semana seguinte. Ao fundo, em uma plataforma com muitíssimos pontos de luz na parede que se acendiam e apagavam de forma aleatória, estava o DJ, tocando música eletrônica. Para mim, o nome dele não dizia nada, mas a verdade é que música não parecia ser sua especialidade. Parecia até que não tinha nem ideia do que estava fazendo. De qualquer forma, parecia ser conhecido aqui, porque quando o anunciaram, as pessoas ficaram loucas.
Tínhamos combinado com dois colegas de trabalho, e pouco a pouco foram chegando até que éramos mais de vinte. Na verdade, espanhóis eram cinco: Teresa, Dámaso, Josele, Diego e eu. Eu achava estranho falar em inglês com meus amigos espanhóis, mas fazia isso por cortesia ao resto do grupo, que não falava espanhol. Ficamos bebendo e dançando, rindo e contando histórias engraçadas de coisas que tinham acontecido com eles naquele lugar. Na festa, mais de 80% dos que estavam ali deviam ser expatriados ou, pelo menos, tinham cara de ocidentais. Em muitos dos grupos de pessoas ouvia-se falar em espanhol.
Ao nosso grupo, juntaram-se mais espanhóis que eu não conhecia. Dois rapazes e duas garotas. Dámaso, como não podia deixar de ser, conhecia a todos e me apresentou.
— David, este é Nacho. Não sei se ouviu falar de um fotógrafo chamado Ignacio Ínsua.
— Não, mas também não estou muito por dentro do mundo da fotografia.
— Bom, tanto faz. É ele. Josele o conhecem em uma exposição de fotos há algumas semanas. Na Espanha, ele expôs em vários museus e centros de arte. Uma atriz local conhecida logo notou seu trabalho e ele veio para cá com ela para fazer um book e desde então vive aqui. É o fotógrafo dos famosos e dos grandes eventos em Cingapura. Além de ser um bom jogador de golfe, claro.
— Prazer, Nacho. Vejo que já conhece Dámaso. Espero que se dê bem aqui e que possa ser meu fotógrafo particular, porque no golfe não acho que nos encontraremos. Eu sou mais de esportes de ação.
— Claro que sim, isso seria excelente. Um cliente espanhol que possa pagar minhas nada moderadas comissões. Prazer, David.
— Sempre posso pilotar um barco para uma sessão de fotos em alto mar e tirar uma graninha extra.
— Está falando sério? Às vezes fazemos books e anúncios em barcos. Preciso de vez em quando de um motorista.
— Claro — disse, sorrindo pelo uso da palavra “motorista” em vez de “piloto”. — Tenho o título de Capitão de Iate. Adoro a navegação. Conte comigo quando quiser. Tudo com relação a navegação me parece ótimo.
— Não me esquecerei.
Dámaso continuou com as apresentações.
— Estas duas morenas tão lindas são namoradas e se chamam Elena e Raquel. Elas têm uma doceria de produtos sem glúten.
— Olá. Dois beijos, né? Por que vieram a Cingapura?
— Queríamos conhecer outro país e vimos que aqui também havia celíacos, como em todo lugar, mas não tinham muitas lojas dedicadas a eles — explicou Elena, enquanto eu dava dois beijos em Raquel.
— Eu tinha um amigo celíaco em Madri. Alguns dos doces que ele comia eram tão bons quanto os normais. Não saberia diferenciá-los. Um dia quero passar na loja de vocês para prová-los.
— Quando quiser — disse Raquel. — Aqui está um cartão.
— Obrigado. Vejo que está preparada. Gosto disso. E você, como se chama? — disse, dirigindo-me ao quarto do grupo. — Eu continuo sendo David… — respondi, sorrindo.
— Me chamo Pamos, Juam Pamos — disse, imitando o estilo James Bond.
— Cuidado com ele, David — Dámaso me avisou. — É um bon vivant. Diz que é especialista do cinema, mas não sei se já estreou na profissão. Seus pais são ricos empresários que trabalham em assuntos relacionados com a exportação, mas ele só se dedica a ir de festa em festa e sair com todas as garotas que pode, tenham namorado ou não. Só deixa as festas para jogar golfe comigo e com Nacho.
— Golf? Dá para ver como você fez amigos. Bom, eu estou sozinho aqui, sem par, e não sou uma garota, então não tenho que me preocupar. Com sorte, ele ainda pode me apresentar alguma amiga bonita… — Ri com vontade.
Fiquei um bom tempo conversando com todo mundo, colegas do trabalho e novos conhecidos. Então, em uma volta que dei para ir até o banheiro, um homem com sotaque inglês se aproximou de mim e me ofereceu não sei que substância que eu não conhecia, mas que sem dúvida era algum tipo de droga. Recusei de forma taxativa e segui meu caminho. Nunca tinha usado drogas, nem sequer na minha época mais rebelde, e nem tinha vontade de começar agora. Não gostava que nada controlasse minha vida e esse era o típico caminho que podia me transformar em um escravo de minhas doses diárias. Nisso eu era muito radical. Nem fumava, apesar de já ter feito isso por um tempo, mas tive que parar porque era incompatível com o exercício que eu fazia. E apesar de beber, nunca deixava que o álcool me fizesse perder o domínio de mim mesmo. Meus amigos enxiam meu saco às vezes com esse assunto, principalmente Dámaso, que tinha umas bebedeiras hercúleas, mas eu gostava de sempre sentir que tinha o controle da situação. Era um pouco obsessivo com isso.
Quando voltei, me ofereci para buscar algo para Tere e meu colega, Jérôme, o louco, beberem. Enquanto estava no balcão esperando ser atendido por algum garçom, uma garota lindíssima de aspecto tailandês ou parecido apareceu ao meu lado. Tinha cabelos castanhos, longos, cacheados presos em duas partes de forma que caíam por ambos os lados da cabeça sobre o peito. Usava um gorro de tecido verde e uma camisa com alças da mesma cor. Seu rosto era arredondado e tinha um sorriso precioso, ressaltado por lábios pintados de uma cor vermelha muito suave. Seus olhos eram castanhos escuros, um pouco puxados, mas não muito. Bastante alta, devia medir um metro e setenta ou algo assim, e era magra. Não poderia dizer que tinha me apaixonado à primeira vista; isso seria uma bobagem. Mas meus hormônios de macho ibérico deram um salto mortal triplo, ainda mais quando ela virou para mim e falou comigo em um inglês perfeito com uma voz doce e musical que só pude escutar porque coincidiu com uma diminuição no volume da música.
— Desculpa, não vi a fila.
— Não, não! O que é isso? Não se preocupe. Ainda estou esperando ser atendido. Peça você primeiro, não precisa fazer seu acompanhante esperar.
— Meu acompanhante? Não, estou sozinha. Vim com uma amiga, mas ela teve que ir embora. Espera! Era uma estratégia para saber sobre isso, não é?
— Bom, você me pegou — reconheci, sorrindo. — Mas é difícil de acreditar que uma mulher tão bonita não tenha companhia.
Ela pareceu ter achado meu comentário muito engraçado, pois começou a rir com um riso melodioso que me encantou no mesmo instante. Durante alguns momentos, ficamos calados, nos observando.
— Desculpa, não me apresentei — disse, reagindo. — Me chamo David, sou um dos expatriados espanhóis homenageados nesta festa.
— Espanhol? Por seu inglês, achei que fosse americano… — afirmou, fazendo um biquinho.
— É porque minha mãe é americana. De Boerne, um pequeno povoado de dez mil habitantes no Texas, próximo a San Antonio. Um paraíso para as trilhas, cheio de rotas lindíssimas, mas não tanto quanto você, que nunca vi igual. Como se chama? Acho que você esqueceu de me dizer. Ou é um segredo?
— Não, não, não é nenhum segredo. Me chamo Sumalee, Sumalee Sintawichai. Em tailandês, meu nome significa “flor bela”.
— Flor bela? Economizarei o elogio fácil, mas é óbvio que é um nome perfeito para você. Dizem que a Tailândia é o país dos sorrisos. Se todos tiverem um tão bonito como o seu, deve ser o paraíso.
—É difícil não sorrir para um cara como você — respondeu.
Juro que o sorriso que ela me deu valia uma guerra. Era linda. Estava claro que essa mulher tinha capturado minha atenção.
— Você disse Simalee Sintawachi? — gritei, tentando superar o som ao redor. — Estou me esforçando para memorizar.
— Não, Sumalee Sintawichai — repetiu, aproximando-se do meu ouvido para não ter que gritar e fazendo com que eu ficasse todo arrepiado. — Mas Sumalee está bom para agora. Também não quero que funda a cabeça no primeiro dia.
Primeiro dia? Ela queria que nos víssemos mais vezes? Porque eu, sim, com certeza. Todos os que fossem possíveis. Uma garota tão bonita, eu queria para sempre ao meu lado. Não disse nada sobre seu comentário e a convidei para se unir a nós. Ela aceitou, encantada, com a condição de que não a deixasse sozinha em nenhum momento. Não me custou nada aceitar seus termos e, depois de pedir as bebidas de Jérôme e de Tere, e de oferecer uma a ela, nos dirigimos para o grupo. Eu a apresentei a todos os meus colegas e fiquei impressionado com sua desenvoltura diante de tantos estranhos. Quando chegou a vez de Dámaso, que já estava alegre pelo álcool, ele começou a fazer-lhe elogios aos gritos para que ela pudesse escutar, e tive que pará-lo.
— Calma aí, fera! As mãos controladas, se quiser mantê-las. Guarde seus encantos para outra mulher. Sumalee está comigo esta noite. Fizemos um trato, não é?
— Claro que sim. Só para você — disse, enquanto piscava um olho para mim de forma divertida e agarrava meu braço. — Fizemos um acordo de não nos separarmos nenhum momento hoje.
Dámaso, Jérôme, Josele e Diego me olhavam, incrédulos. Não sabiam se pensavam que eu tinha ganhado na loteria ou se havia uma armadilha por trás de tanta sorte. Para mim, tanto fazia; só queria que a noite durasse para sempre. Eu estava eufórico. Tinha acabado de chegar e já tinha criado laços. Estava claro que meus sete anos com Cristina não tinham me feito perder a habilidade lendária com as mulheres.
Passamos a noite toda na festa falando sem parar. Nos sentíamos muito confortáveis juntos, como se nos conhecêssemos a vida toda. Ela me contou que trabalhava em uma agência de viagens preparando principalmente todas organizadas para a Tailândia, seu país, ou de tailandeses por Cingapura. Teve que sair de lá porque sua mãe estava doente e ela precisava ganhar muito dinheiro para pagar o tratamento. Na Tailândia, tinha um bom trabalho, mas o salário era muito baixo, por isso, veio para Cingapura por conselho de uma amiga. Com o que ganhava podia mandar bastante dinheiro para casa para os remédios da mãe. Era original de uma região chamada Chiang Rai, no norte do país, quase fronteira com Mianmar e Laos. Sua família era pobre e teve que lutar muito para poder conseguir uma bolsa e estudar marketing na Universidade Thammasat. Quando terminou o curso, conseguiu um bom trabalho em uma grande empresa, mas o salário ainda era muito baixo para o que precisava, e isso a levou a Cingapura, onde, para a minha sorte, se encontrava agora.
Tínhamos muitas coisas em comum. Os dois adoravam esportes, viajar, ler, provar coisas novas, aventura, tudo relacionado ao espaço… Como se fôssemos almas gêmeas. Não podia acreditar na minha boa sorte. Aquela noite prometia ser agitada.
Não sei em que momento da noite chegamos àquela situação, mas quando me dei conta, ainda estávamos conversando, com sua mão direita apoiada sobre a minha e sendo acariciada por minha mão esquerda. Sua pele era muito suave e percebi uma pressão em seu peito que dificultava a respiração. Além disso, como a música estava muito alta e havia muita gente gritando, tínhamos que conversar ao pé do ouvido, o que tornava a situação ainda mais excitante quando ela me dizia algo e seu hálito acariciava meu rosto. Parecíamos dois apaixonados trocando confidências. Era difícil para mim não virar e começar a beijá-la e acariciá-la, satisfazendo o ardor que sentia em todo o meu corpo, mas não conhecia os costumes do lugar e não queria estragar a noite.