Kitabı oku: «Sumalee», sayfa 5
Tailândia 14
Estava sentado no pátio observando os treinamentos de Muay Thai. Estava pensando que o pior da prisão era o tédio. Tantas horas sozinho, sem nada para fazer, sem ninguém com quem dividir, nem que fosse um pensamento, quando se aproximou de mim um homem grande careca e com cara de louco que tinha visto outras vezes andando por ali. Tinha uma grande cicatriz mal curada que subia do olho esquerdo até a metade da testa. Não se relacionava muito com o restante dos presos e ninguém parecia gostar de ficar muito perto dele. Tinha cara de estar bem mal da cabeça. Ele parou diante de mim, balançando-se de um lado para o outro, e me olhou cm firmeza com os olhos muito abertos, sem piscar. Eu não sabia muito bem o que pensar. Se também ia me bater ou se estava se divertindo só de me observar. Em todo caso, ele assustava. Após alguns segundos de tensão, ele se dirigiu a mim com um forte sotaque australiano.
— O que você fez para eles?
— Como?
— Isso mesmo: o que você fez para esses chatos amarelos para eles te tratarem assim? — perguntou mais uma vez, apontando com a cabeça para o grupo de perseguidores que conversavam do outro lado do pátio.
— Nada que eu saiba. Não fiz nada para ninguém na cadeia. Contanto que não sejam irmãos da desgraçada que me mandou para cá…
— Então é estranho que persigam você como fazem, né?
— Também penso assim. O que posso fazer?
— Acho que nada.
— Não é que me importe que converse comigo; pelo contrário, agradeço muito. Mas não tem medo de que eles impliquem com você por falar comigo? Ninguém quer se aproximar de mim por causa isso.
— Comigo? Acho que não. Desde que entrei aqui, representei o papel de um louco perigoso capaz de qualquer coisa e, desde então, ninguém se mete comigo. E já estou há muitos anos aqui.
— E como conseguiu? — perguntei, mas na verdade, acho que não devia ser difícil para ele se passar por um louco perigoso. Para mim, ele parecia mesmo. — Porque isso cairia muito bem para mim.
— No primeiro dia, quando um maldito amarelo veio falar comigo, arrogante, comecei a gritar como um possesso e fui para cima dele, batendo, mordendo, arrancando os cabelos dele… Como se um demônio estivesse guiando meu comportamento. Quase o matei. De fato, foi nessa briga que me fizeram esta cicatriz, quando seus amigos entraram para defendê-lo. Ele levou a pior, pode ter certeza — afirmou, com um olhar sádico e um meio sorriso no rosto. — Passei uma temporada isolado, mas quando saí, entre minha cara, que não é muito amigável, e a fama que a briga ganhou, ninguém voltou a cruzar meu caminho. De vez em quando, faço alguma bobagem ou grito com alguém para que não se esqueçam que sou capaz de qualquer coisa, e pronto. Se me virem com você, pensarão que é mais uma excentricidade do farang louco. Aliás, me chamo James — disse, estendendo a mão.
— David. Prazer — respondi, dando minha mão. — O que é farang?
— É como os idiotas locais chamam a nós, os ocidentais. Não sei se significa estrangeiro, branco ou demônio, mas também não me importa. E outra coisa: não se confunda. Não é porque falei com você que vou fazer alguma coisa para te ajudar quando te atacarem. Uma coisa é eu gostar de encher o saco deles um pouco, e outra muito diferente é me divertir com alguns chineses por você, para quem eu não dou a mínima.
Estava claro que meu novo amigo não gostava muito dos tailandeses, para não dizer que parecia bastante racista, mas não que tivesse muita escolha. Era a primeira pessoa que se atrevia a falar comigo desde que entrei. Em uma situação normal, teria dado meia volta depois de dizer o que pensava dos racistas, mas eu não estava em uma situação normal. De fato, estava bem do lado contrário. E não discordava totalmente com o fato de que alguns tailandeses mereciam mesmo morrer. Pelo menos alguma.
Ficamos conversando por um tempo de banalidades. Ele riu um pouco dos presos que estavam treinando, gritando com eles como se estivesse na final do campeonato mundial de luta e tivesse apostado todo o seu dinheiro no resultado do combate. Alguns paravam para ver quem estava gritando assim, mas quando viam que era ele, seguiam seu rumo. Eu não gostava muito de chamar atenção e metia a cabeça entre as pernas para que não me reconhecessem.
Ele também passou alguns minutos maldizendo a quantidade de negros que havia na prisão. Como me contou, quase todos eram nigerianos e todos por motivo de drogas. Havia muito tráfico de drogas com a Nigéria. Ainda assim, o líder de todos eles não era nigeriano, com certeza, mas ninguém parecia saber sua origem. Era um homem também negro, grande e forte, com uma curiosa cicatriz em forma de meia lua no rosto e a quem todos pareciam temer. Até James. Pelo visto, era um mercenário africano, um filho da guerra obrigado a lutar e matar desde jovem e que não estava para brincadeira. Parecia muito tranquilo, mas quando precisava, era muito violento e não parecia temer nada nem ninguém. Havia muitos rumores sobre ele, mas ninguém sabia quais eram verdadeiros ou não: que o haviam obrigado a matar seu irmão quando o recrutaram à força em um grupo armado com apenas onze anos; que dois anos depois, ele matou o chefe que ordenou o ataque e o nomearam como líder; que era um assassino de aluguel; que tinha sido escravista na guerra do Congo; que comia o coração de suas vítimas; que tinha violado centenas de homens e mulheres, inclusive menores; que gostava de matar com as próprias mãos; que uma vez queimou vivo um povoado inteiro só porque não quiseram dizer onde se escondia uma pessoa que ele estava procurando; que tinha traficado todo tipo de produtos ilegais… Tantas barbaridades. E, olhando para ele, nenhum me parecia pouco crível. Dava muito medo. Muito. Por sorte, ele me ignorava totalmente.
Quando já se cansou de maldizer todo mundo, levantou-se e se foi da mesma forma como tinha vindo, sem dizer nada. Eu o vi se afastando, sentindo-me em parte aliviado por ter podido falar com alguém depois de tanto tempo.
Eu me conformava com isso a essa altura.
Cingapura 7
Quando cheguei em casa, Dámaso e Josele correram para me perguntar sobre o encontro. Nos sentamos na sala e eu contei o que tínhamos feito, onde tínhamos ido e, principalmente, o que aconteceu no final, na praia. Os dois ficaram pensando um momento. Josele foi o primeiro a falar.
— Com certeza é uma paranoia sua. Ela só está querendo ir mais devagar.
— Não sei, Josele. Você não estava lá. Foi algo mais. No momento, parecia que íamos continuar nos beijando, até que algo passou pela cabeça dela e a fez recuar. Tenho certeza de que ela queria, mas não consigo pensar no que poderia a ter feito parar. Talvez tenha algum tipo de doença contagiosa. Não sei o que pensar.
— Para, burro! Certeza que é algo muito mais simples. As coisas costumam ser mais simples do que achamos, é a gente que complica tudo. Provavelmente tem a ver com o que dizem os costumes do país dela ou algo assim.
— Estou com Josele — afirmou Dámaso. — Combine de se encontrar com ela na semana que vem e veja como a coisas acontecem.
— Espero que tenham razão. Eu a conheço há apenas dois dias, mas essa garota tem algo de especial que me deixa louco.
— Olha lá, você está se apaixonando — disse Josele.
— Quanta bobagem! Como posso estar me apaixonando se a conheci ontem? A única coisa que eu queria era uma garota para passar o tempo.
— Você é quem está dizendo — respondeu Josele. — Na primeira noite, nada de nada, ontem um beijinho e hoje ela está fazendo sua cabeça… Amigo, você tem um problema.
— Sim, eu sei o que é — sussurrou Dámaso, com ironia. — Eu também prestei atenção quando você nos apresentou ela ontem… Ela tem uns argumentos muito convincentes — disse, caindo na risada.
— Como você é besta!
Nós três rimos muito. Um pouco de bobagem não me caía nada mal. É verdade que era uma garota linda e com um corpo incrível. É claro que isso foi a primeira coisa que me chamou atenção quando a vi no bar. Mas, conforme falava com ela no sábado durante a festa, fui percebendo quase com certeza que era ainda mais bonita por dentro do que por fora, e que podia me acrescentar muito. Eu me escutava dizendo essas tolices e ria pensando que não poderia ter me apaixonado em apenas dois dias. Provavelmente era pelo estado de ânimo tão baixo que tinha trazido da Espanha pelo fim do meu último relacionamento. Dámaso me surpreendeu logo com a história de uma garota de Cingapura com quem Josele tinha se envolvido.
— E vai ficar com ela? — perguntei.
— Com ela? Não só não tenho o telefone dela, como também não sei como se chama. Com esses nomes tão diferentes… — Josele não parava de rir.
Voltamos a rir com vontade. Josele era um Casanova incurável. Dámaso não desprezava uma boa oportunidade se cruzava com uma, mas o atraía mais a festa, todos os esportes em que pudesse apostar, bronzear-se e o golfe.
Fui para a cama cedo porque o dia seguinte era segunda e tinha que trabalhar, mas não conseguir pegar no sono a noite toda. Revirava na cama olhando para o celular para ver se ela me mandava uma mensagem ou pensando se eu deveria escrever algo para ela. Acabei não fazendo isso porque não queria incomodá-la, mas vontade não faltou.
Quando chegou a hora de me levantar, tinha dormido apenas algumas horas em curtos períodos. Cada vez que acordava, olhava rapidamente para o celular para ver se tinha alguma novidade. Tentei me convencer de que não era para tanto, mas não tinha jeito. Fomos para o escritório e tomamos café da manhã na cantina com Diego, Tere, Jérôme e uma garota chinesa muito tímida de Pequim chamada Aileen Meng. Desde que soube que Diego e Tere estavam juntos, não conseguia olhar da mesma forma para eles. Agora tudo pareciam gestos de cumplicidade entre eles. Não podia evitar sorrir quando os via juntos. Inveja, talvez.
Jérôme e Diego contavam uma história que parecia ser muito divertida pela forma como todos riam, sobre a cara que fez um turista norte-americano quando deram uma multa de mil dólares a ele por mascar chiclete. Em Cingapura, o chiclete estava banido. O homem tentou discutir com o policial sobre o sentido da exclusão nomeando as liberdades individuais e um monte de ideias mais típicas de filmes que da realidade de Cingapura. Eu me esforçava para esboçar um sorriso quando notava que os demais também faziam isso, mas estava muito distraído. No fim, me pareceu que já era uma boa hora para falar com Sumalee. Me afastei um pouco dos outros e escrevi uma mensagem a ela, que respondeu quase imediatamente.
— Bom dia.
— Olá!
— Posso ligar para você?
— Sim, claro.
Saí da cantina e liguei para ela enquanto dava uma volta pelos corredores.
— Como vai?
— Bem, e você?
— Muito cansado, não pude dormir muito.
— E… por que?
— Pensando sobre ontem.
— Foi legal, não foi?
— Sim, foi ótimo, mas você me deixou um pouco confuso.
— Por que?
Era o momento da verdade. Meu lema nesses casos era que a sinceridade leva você para onde deve estar ou para onde acabará indo, portanto, quanto antes, melhor. Com todas as consequências.
— Não sei. Eu gostei de beijá-la, tinha muita vontade de fazer isso. Mas depois você me deu a sensação de que algo a deteve. Talvez eu tenha me precipitado e não deveria ter me lançado tão depressa. Nos conhecemos há apenas dois dias…
— Não, não, não. Eu gostei.
— Então por que essa cara de repente?
— Por nada… Estava cansada e estava ficando muito tarde para conseguirmos sair do parque com luz. Só isso.
— Tem certeza? Sumalee, não quero pressioná-la. Podemos ir no ritmo que quiser, mas preciso que seja sincera. Odeio mentira, para o bem e para o mal.
Durante um momento, ela não disse nada. A espera estava me deixando louco.
— Sumalee?
— Sim, sim. De verdade, não era nada. Gostei do beijo. Foi um dia muito divertido e com um final muito especial.
— Eu também gostei muito. De tudo, quer dizer. Não só do beijo. O mercado, a comida, que estava deliciosa no restaurante da sua amiga, Kai-Mook, e o passeio de bicicleta pelo parque… e o beijo, claro. Essa foi a melhor parte. O que acha de nos encontrarmos de novo?
― Claro! — disse, com a voz jovial que tanto gostava de ouvir. — Mas antes de quarta-feira, não posso. Tenho muito trabalho.
— Até quarta-feira! Tudo bem, tudo bem. Tentarei aguentar até lá. Se quiser, posso te convidar para jantar.
— Me parece uma boa ideia. Onde?
— Bom, digo a você amanhã ou na quarta de manhã. Tenho que encontrar um lugar bonito à altura do restaurante da sua amiga.
— Justo. Vamos nos falando. Preciso ir, estão chegando clientes na agência. Um beijo.
— Outro.
Ouvi o som do beijo pelo telefone. Ainda que fosse virtual, também foi muito bom. Não sabia muito bem que conclusão tirar da conversa, porque no começo parecia reservada e prudente, mas depois voltou a ser a Sumalee risonha. No fim, a pessoa acredita no que quer. Guardei o celular no bolso e me dirigi para minha mesa com um sorriso de orelha a orelha torcendo para que o tempo passasse o quanto antes para que eu pudesse vê-la na quarta-feira. Quando contei a meus colegas de apartamento sobre a conversa, eles comemoraram por confirmar que não era nada e Josele tomou para si a tarefa de procurar um restaurante diferente para poder levá-la.
O dia passou voando. Eu me sentia como se estivesse flutuando em uma nuvem. Toda vez que fechava os olhos, lembrava do beijo e revivia o suave toque de seus lábios entre os meus. Minha pele se arrepiava só de pensar.
Jérôme, Dámaso e outros colegas iam beber alguma coisa na saída do trabalho. Como não tinha muito mais o que fazer, fui com eles. Fomos a um pub que parecia mais um de qualquer esquina de Londres, com a diferença de que a metade da clientela era de origem asiática. E que a bebida era caríssima. Muita gente fazia um “esquenta” antes, que era legal, e faziam isso principalmente em algumas pontes que ligam a área Clark Quay, região de caminhada por excelência para os turistas, ou iam a um hawker para comprar baldes de cerveja Tiger. Em seguida, iam para as discotecas com o álcool no corpo, como eu fazia em Madri quando era mais jovem. Em nosso caso, que não pagávamos pela moradia, dinheiro não era um problema.
Depois, organizamos um campeonato de bilhar e dardos que me manteve entretido até ir para casa. Ali, assaltei um pouco a geladeira e fui para a cama cedo. Sem ter dormido na noite anterior e com tanta festa, meu corpo se vacilava de vez em quando. Um pouco antes de me preparar para dormir, escrevi para Sumalee para desejar boa noite. Ela me mandou um desenho de uma menina oriental mandando um beijo que me fez sentir euforia e calor por dentro e eu retornei com outro igual. Naquela noite, dormi como um bebê.
No dia seguinte, levantei cheio de energia. Fomos para o trabalho, mas desci vários pontos antes do nosso. Eu queria me movimentar um pouco. Precisava. Além disso, assim poderia ver um pouco mais da cidade. A rua estava cheia de ocidentais que estavam indo trabalhar. Isso não era de se estranhar, levando em conta que 40% da população de Cingapura era formada por expatriados.
Passei o dia trabalhando sem parar e arrastando pelo andar com minha energia o pobre Jérôme, que não tinha ido dormir tão cedo quanto eu e estava com ressaca. Quando terminou o dia, eu ainda estava hiperativo, mas não convencia ninguém a fazer algo interessante, a não ser Dámaso a jogar tênis, então fomos para nossa casa e ficamos mais de uma hora correndo pelas pistas. Dámaso me deu uma surra, mas não me importei. A única coisa que eu precisava era gastar um pouco do excesso de energia. Ele, por sua vez, ficou me lembrando por vários dias, arrependendo-se de não ter apostado antes de começar.
Um colega norte-americano, Sam, me aconselhou um lugar que me pareceu sensacional para meu encontro do dia com Sumalee. Solucionado o assunto do lugar, não tinha muito mais o que fazer, por isso, liguei para minha mãe, contei como tinham sido aqueles dias, sem dizer nada sobre Sumalee para que ela não começasse com um filme fantasioso de casamento e muitos netos. Depois, eu e meus colegas de apartamento passamos o resto da tarde jogando Texas hold'em na sala com Shen, um cingapurense muito simpático de origem chinesa que era nosso vizinho. Ali pude me desforrar da derrota no tênis e, de quebra, pagar parte do jantar do dia seguinte. Dámaso não levou muito bem, era muito competitivo. Não fazia outra coisa a não ser dizer que fazia semanas que estava com muita má sorte, mas não sabíamos do que ele estava falando porque era nossa primeira partida. No fim, ele pagou o que devia.
Queria escutar Sumalee antes de ir para a cama, então liguei para ela.
— Muito boa noite, Sumalee.
— Olá, Davichu!
— Como você disso? Não está nos livros.
— O que acha? Que não posso pesquisar por minha conta? — ela disse, fazendo cara de inocente. — Falei de você para uma colega portuguesa do trabalho que fala espanhol e morou muitos anos na Espanha.
— Ah, sim? E o que mais ela contou?
— Coisas sobre os espanhóis. Te conto quando nos virmos. Ela também me ensinou a dizer “oi” em espanhol: houla.
— Quase, quase — disse, sorrindo. — Diga para ela corrigir sua pronúncia e veremos se amanhã você já vai estar falando bem.
— Já sabe onde vai me levar?
— Sim. Não sei se você já foi lá, mas me pareceu um lugar muito original e me lembra meu país.
— Onde?
— É uma surpresa. Espero, pelo menos. Amanhã você saberá.
— Não me deixe assim! Dá uma diga pelo menos.
— Tudo bem. Você terá que ganhar sua comida.
— O que?
— Essa é a dica, linda. Se eu deixar muito fácil, estragará a surpresa.
— Tudo bem, tudo bem. Onde nos encontramos?
— O que acha da estação de metrô de Seng Kang, às 7:30 da noite?
— Tão ao norte? Você vai me matar de curiosidade, mas aguentarei até amanhã. Está bem para mim! Irei logo depois do trabalho.
— Eu também. Nos vemos amanhã então. Um beijo enorme.
— Um beijo, David.
Doces sonhos, Sumalee, pensei enquanto desligava o celular. Doces sonhos.
Cingapura 8
Levantei com o ânimo nas nuvens. Estava transbordando energia. Era o dia em que voltaria a ver Sumalee. Foi difícil me concentrar no trabalho e o tempo passava muito devagar. Demais.
Por fim, chegou a hora de sair. Fui direto para o metrô. Nas plataformas havia painéis de vidro que evitavam que alguém caísse de lá. O trem parava de forma que as portas dos vagões se encaixassem com as portas dos painéis. Deduzi que deveria ter ocorrido muitos casos de suicídio no metrô ou muita aglomeração no horário de pico que poderia colocar as pessoas em perigo. Apareci cinco minutos antes das 7:30. Sumalee ainda não tinha chegado.
Ela não demorou muito para chegar, mas eu a vi primeiro e pude observá-la à distância. Ela usava um vestido branco sem alças que ia até os joelhos, com um cinto preto de fivela dourada que contornava sua cintura. Até aquele momento, não tinha percebido que ela andava de forma muito graciosa, dando passos muito pequenos, mas muito rápidos. Quando me encontrou, saiu trotando até mim e me deu um grande abraço que levou ao céu. Usava mais uma vez aquele perfume que me lembrava o nosso primeiro beijo. Jasmim.
— Hola — ela disse em espanhol, com uma pronúncia perfeita.
— Vejo que andou praticando com sua colega.
— O que achou?
— Falou como uma nativa.
— E isso não merece um prêmio?
Eu a olhei franzindo a testa. Essa mulher sabia como me desconcertar. Mil ideias cruzaram minha cabeça em um instante, mas ao final, fui em sua direção e dei um beijo fugaz em seus lábios.
— Terei que aprender mais palavras em espanhol para poder receber mais prêmios. E melhores — comentou, risonha, enquanto esticava a mão e pegava a minha. — E então, onde vai me levar?
— Olha, lá vem o ônibus do lugar para onde vamos.
De fato, um ônibus com publicidade do Marina Country Club, que era onde ficava o restaurante, estava parando ao nosso lado. Durante o trajeto, pensava em quanto Sumalee me deixava confuso. No outro dia, se afastou de mim assim que a beijei e hoje tinha uma atitude totalmente diferente. Não entendia nada.
Descemos na entrada do clube, que tinha a cara dos típicos clubes americanos de filmes, com seus grandes campos de golfe, cheios de homens elitistas com seus charutos. Ao entrar, logo se via que era de outra forma, com famílias e muito mais convidativo e simples.
De mãos dadas, eu a levei até o restaurante.
— Um restaurante de pesca de camarões! — gritou Sumalee.
— Você conhece?
— Sabia que em Cingapura tinha vários, mas nunca fui a nenhum. Vou anotar para quando tiver que guiar turistas na cidade.
— Foi sugestão de um colega do trabalho. Me pareceu divertido isso de sentarmos na borda da piscina com as varas tentando pescar nossos próprios camarões e, depois, comê-los.
— Adorei! Sempre quis fazer isso, mas nunca encontrava o momento… ou a companhia adequada.
— Acho que se chamam camarões gigantes, mas para mim, parecem mais lagostas pelo tamanho.
— E agora, o que temos que fazer?
— Eu aluguei duas varas por uma hora. Eles nos dão também um cesto de plástico para colocar os camarões que pegarmos. Quando acabar nosso tempo, se acharmos que é o suficiente para nós, damos os camarões para eles pesarem, para ver quanto vai ficar, e eles os preparam para comermos em qualquer uma das mesas do restaurante.
― Perfeito! Vamos ver se tenho sorte e pego alguma coisa.
Primeiro, um instrutor deu a todos uma breve aula sobre como usar as varas e como desenganchar os camarões pegos. Depois, colocou cada um em seu lugar. Era uma piscina elevada de cerca de cinco metros de largura por quinze de comprimento. As bordas pareciam o balcão de um bar e havia cadeiras ao redor para se sentar, se quisesse, enquanto esperava que algum camarão mordesse a isca. Sumalee e eu ficamos no meio de uma lateral e ficamos conversando enquanto esperávamos algum camarão decidir morder o anzol.
— Eu te contei outro dia onde vivia e com quem, mas você não me disse nada. Não quer que eu saiba?
— Não é isso, bobo. Moro em Sims Drive. É uma quitinete muito pequena em um edifício de HDB antigo. Tem apenas treze metros quadrados.
— Treze metros quadrados! Enquanto a minha tem mais de cem. Sua casa é do tamanho da minha sala.
— Sim, mas a empresa paga para você. Assim é muito fácil. Aqui, a moradia é muito cara. Eu precisava de algo centra e com bom acesso a transportes para não perder muito tempo em deslocamentos, mas não podia me permitir pagar muito. Tenho que mandar dinheiro para casa, para minha mãe.
— Quanto você paga?
— Eu pago duzentos e sessenta dólares por mês, minha colega de apartamento paga o restante. Mais de quinhentos entre nós duas.
— Mas vocês moram as duas nessa casa?
— Sim, o proprietário a alugou com duas camas. Elas ficam tão próximas que parecem uma única cama de casal. Poderia ter escolhido morar sozinha, mas teria que pagar o dobro. Tem um dormitório, um banheiro e uma cozinha pequenininha que se junta à sala.
— E o que esse HDB que você disse antes?
— Cerca de 80% das casas daqui são HDB, que são edifícios em que o governo é o construtor e os cede por noventa e nove anos. Ao final, eles voltam a ser do governo.
— No meu país, chamamos isso de moradias populares, mas elas se tornam propriedade das pessoas para sempre.
— Costumam ser melhores os bairros de condomínios ou andares. As pessoas têm mais dinheiro e até melhores serviços.
— E de valores de aluguel?
— Há muitas variações, claro, mas vai desde mil dólares de um HDB completo em uma região aceitável até vinte e quatro mil dólares de alguns condomínios. Os chalés e as lojas-casas têm preços exorbitantes.
— Vi muitos shop houses com Josele e Dámaso em Little India.
— Sim, ali é uma região típica com várias ruas desse tipo de casas.
— Está claro para mim, depois da sua explicação, que tenho que ser grato à empresa pela casa que eles nos deram. Deve custar uma fortuna a eles. Agora aprecio mais as condições da empresa por trabalhar aqui. E já pensou em se dedicar ao setor imobiliário? Vejo que você domina o assunto.
— É um bom observador. Na verdade, trabalhei um tempo com isso até encontrar o trabalho na agência de viagens. Por isso sei tanto sobre o assunto.
— E do que mais já trabalhou aqui?
— Não muito mais. Nas primeiras duas semanas, limpando as zonas comuns de um bloco de edifícios, mas aqui se encontra trabalho rápido se tiver qualificação.
— Sim, imaginei, segundo todo mundo me conta.
— E sua colega de apartamento? Conte um pouco dela.
— Ela também é tailandesa. Se chama Bongkot e a conheci quando trabalhava na imobiliária. Ela queria um lugar parecido ao que eu queria e acabamos procurando algo para as duas. Ela trabalha como contadora. Não quero que pense que é assim que quero viver. Na verdade, morar me Cingapura ganhando menos de dois mil dólares por mês é difícil, mas no nosso país estaríamos ainda pior.
— Estou percebendo que não faço nada além de perguntar coisas a você. Pareço um policial. Me pergunte alguma coisa. O que quiser.
— O que quiser? Tem certeza?
— Sim, o que quiser.
— Conte-me o que aconteceu com sua antiga namorada.
— Você não perde a oportunidade. Que pergunta.
— Você me disse o que eu quisesse… — disse, fazendo beicinho.
— Sim, sim. Eu disse e vou cumprir. Vamos lá. Nos conhecemos na faculdade. No começo, éramos só amigos do mesmo grupo, mas pouco a pouco fomos nos sentindo mais atraídos e acabamos saindo juntos. Quando estávamos mais ou menos há seis anos juntos, começamos a falar de morar juntos. Eu já trabalhava nesta empresa e ela também tinha seu trabalho. No início, ela ficou muito entusiasmada com a ideia, mas aos poucos esse entusiasmo foi se apagando e ela sempre acabava encontrando desculpas para adiar o momento ou para não falar do assunto. Eu mostrava a ela anúncios de casas que ia procurando, mas nenhum parecia bom o bastante. Tudo era um obstáculo. Ela começou a se afastar um pouco de mim. Eu achava que era porque ela estava se irritando com a história de morarmos juntos e eu disse que não havia problema, que podíamos esperar e que adiássemos esse plano. Não funcionou nem um pouco. Ela continuou cada dia mais estranha, até que um dia o Rafa, um amigo meu, me disse que ela estava me traindo com Pablo, outro suposto amigo. Primeiro, não quis acreditar, mas o Rafa é um dos meus melhores amigos e não tinha motivo algum para mentir sobre isso. Comecei a pensar nisso e reparei que Pablo não tinha mudado nada nos últimos tempos. Ou não estava envolvido com Cristina, ou era o melhor desgraçado mentiroso e traidor da história. No fim, acabou sendo um farsante sem moral. Encarei Cristina e perguntei de forma direta, e ela admitiu. Fazia mais de um ano que ela estava me chifrando com Pablo. Isso me deixou arrasado. Minha namorada de sete anos me traindo com um dos meus melhores amigos! Pelo menos Cristina, enquanto me traía, tinha remorsos e se afastou de mim, mas Pablo não mudou uma vírgula do seu comportamento; ele continuou agindo com uma naturalidade espantosa. Isso foi quase pior. Não importava a ele o que estava fazendo comigo. É claro, terminei com Cristina de forma fulminante. Ela pareceu até aliviada. Alguns meses depois, me ofereceram para vir a Cingapura e me pareceu uma oportunidade única de deixar tudo isso para trás e começar de novo. E aqui estou. Destroçado por dentro e com vontade de mudar minha vida.
Fiquei calado. Minha garganta se fechou e eu era incapaz de dizer uma única palavra. Com um olhar triste, fiquei observando o cabo da vara dançar na água. Uma lágrima fugaz rolou por minha bochecha, recordando esses momentos difíceis. Sumalee segurou meu rosto com as duas mãos e me fez virar a cabeça para ela.
— Sinto muto. Não queria deixá-lo triste, mas queria saber o que aconteceu com você. Agora está comigo e essa história ficou a milhares de quilômetros daqui. O que vai fazer é viver o presente e aproveitar o que temos. Está claro?
Sem me dar tempo para dizer nada, ela me beijou. Sua boca se juntou à minha, primeiro com suaves beijos superficiais, depois se abriu para mesclar seus lábios com os meus, para saboreá-los. No fim, sua língua saiu em busca da minha e durante um tempo elas realizaram uma estranha dança, como se fossem duas serpentes enroscadas. Eu apoiei a parte de trás de sua cabeça com minha mão direita e meus dedos mergulharam em seu cabelo, sentindo a carícia de sua delicadeza. Pressionei sua cabeça contra a minha com furor. Ela se virou para mim, e eu acompanhei o movimento. Mordisquei sua boca com suavidade, mas com firmeza, fazendo com que ela sentisse a pressão dos meus dentes sobre seus lábios, desfrutando do seu sabor. No último minuto, nos separamos devagar, enganchando a boca um do outro como se temêssemos perdê-la para sempre. Eu olhei nos olhos dela com firmeza.
— Sabe de uma coisa? Meu pai desapareceu quando eu era apenas um menino de poucos anos e nunca mais soube dele. Se quiser, te conto a história inteira e assim você me consola de novo.
— Não abuse! — disse, rindo. — Guarde esse curinga para outro dia que esteja precisando. De qualquer forma, está falando sério sobre seu pai?
— Totalmente.
Ela se inclinou para a frente e me abraçou com força. Tive que me controlar para não machucá-la com a vontade que eu tinha de apertá-la em meus braços e não soltá-la nunca mais. Passamos o resto da nossa hora de pesca rindo de qualquer coisa como se estivéssemos bêbados. Ébrios de felicidade. Esquecendo passados obscuros. De vez em quando, nos virávamos ao mesmo tempo e nos dávamos outro beijo, menos ardente, menos longo, mas mais intenso. Repletos da embriagadora magia daquele que beija o ser amado com a tranquilidade de que vai tê-lo sempre a seu lado, mas com a eletricidade das primeiras vezes. Pequenas descargas de prazer que faziam minha pele se arrepiar e eu sentia calafrios percorrendo minhas costas. Além de me excitar demais.
Ücretsiz ön izlemeyi tamamladınız.