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Kitabı oku: «A agua profunda», sayfa 3

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A herança inesperada da senhora Bois-Daufraines – prima afastada de Suzanna Moraines – veio trazer ao casal dois milhões de francos, justamente no momento em que os Desforges e Mosé iam começar a fazer falta, agora que a idade chegava com o seu fatal cortejo: pontos dourados na alvura dos dentes, tranças postiças e espartilhos reparadores! Paulo Moraines tinha a mania de contar a toda a gente a historia d'essa herança, em todos os pormenores, e accrescentava invariavelmente: «Vejam o que é ter uma mulher inteligente. Quasi que nem chegámos a perceber que tinhamos alguns milhares de libras de renda a mais, tão boa dona de casa ella é!»

Nem uma leve sombra passou pelo rosto aberto do excellente homem, quando a baroneza de Node deixou escapar, tão gravemente, deante d'elle, o classico proverbio: «não se falla em corda…»

Ao contrario, insistiu até:

– «Se é escandalo, digam-me que é para o contar á Suzanna. Não poude vir por estar com uma enxaqueca; mas, em indo para casa, conto-lhe tudo.»

A um novo golpe de vista lançado a Chalinhy, Joanna comprehendeu que não necessitava empregar nova ironia – ella tinha ouvido a phrase de Moraines – e começou com este uma animada conversação, uma d'essas tagarelices dos grandes jantares parisienses, que são a justificação plena da anthipathia dos homens superiores por esse meio banal.

É manifesta a antithese entre as deficiencias do espirito e os explendores da decoração.

A sala de jantar do palacio de Sarliévre, com as suas altas paredes cobertas de magnificas tapeçarias de Arraz, com o esplendido mobiliario á Luiz XVI, com os elegantes centros de meza e jarras de Saxe, com o intenso brilho de flores, dos pratos e crystaes, realisava um sonho vivo da mais requintada opulencia. As seis mulheres assentadas á meza, entre oito homens, trajando com o maior rigor eram todas formosas, e a mais velha, Emmelina de Sarliévre, tinha apenas trinta e sete annos.

Eram, além da elegante Joanna e da graciosa Valentina, a muito gentil senhora de Bonivet, a deliciosa Monniot e a sua amiga, a joven Croix Firmin.

Se um phonographo recolhesse as phrases trocadas entre estas princezas da moda e os cavalheiros que as rodeavam, uma tal miseria de espirito e de idéas, era de fazer chorar!.. Mas não. O que se diz n'aquelle meio, não é a imagem do que se pensa.

A verdade da vida parisiense não está nas palavras. Está nas situações a que essas «palavras vãs» empregando o dito popular, servem de indifferente acompanhamento.

Entre essas quatorze pessoas, muitas d'ellas estavam talvez na frente uma das outras, em situações similhantes á de Joanna para com os esposos Chalinhy. Quando interesses d'esta ordem occupam o espirito e o coração, as exterioridades não passam d'um méro alibi, em que a questão importante é não trahir o drama intimo.

E era verdadeiramente um drama que a baroneza de Node observava na physionomia do amante, na qual se denunciavam as alternativas do seu pensamento, agitado pela sua perfida insinuação.

Pela primeira vez ousava, não criticar Valentina na presença do marido – porque já o tinha feito muitas vezes – mas, atacal-a na sua qualidade de esposa legitima.

Este: «Estás bem certo d'isso!..» escapou-lhe; sem lhe medir o alcance, como um echo das phrases que tinha pronunciado para si só, depois da descoberta pasmosa d'essa tarde. Com o seu instincto de amante tinha procurado ferir Chalinhy precisamente no ponto mais vulneravel.

Conhecia-o perfeitamente! A physionomia attribulada d'este homem indicava claramente que a feição predominante do seu caracter era a incerteza. Um rapaz cheio de timidez, com attitudes imperiosas de voluntariedade. Esta paixão – porque uma verdadeira timidez é uma pura paixão, no sentido amplo da palavra – desconcerta todas as analyses. Meio physica, meio moral, affecta as mais intimas fibras do nosso ser, onde se effectua a reunião das duas naturezas, a animal e a espiritual.

O seu effeito mais constante é a vacillação da intelligencia e da vontade ao mesmo tempo; uma não pensando com firmeza e segurança e a outra não executando com decisão.

Caso estranho! Esta desconfiança em nós mesmo, constitue muitas vezes uma superioridade. Os bons resultados obtidos por Chalinhy nos seus negocios provinham d'isso precisamente. Habituara-se a seguir na esteira dos que vira ser bem succedidos, com um bom senso que, em presença dos resultados, era uma força, mas que na realidade constituia uma fraqueza.

No casamento acontecia-lhe o mesmo, não se libertava d'uma vez das suas peias, não tinha força para o fazer, detido pela esposa, tão sensivel tambem.

Não ha disposição mais propicia aos mal entendidos da existencia commum, do que os excessos de susceptibilidade. Quando a intimidade quotidiana não vence a timidez, exaspera-a. Esta especie de perturbação moral, ainda aggravada pela reserva de Valentina, que o marido inconsiderado e susceptivel tomava por indifferença, impedia-o de experimentar pela esposa essa sensação d'amor partilhado, sem a qual nenhuma união é completa.

Era por causa dos apetites de sensualidade não satisfeitos no seio da familia que Joanna o tinha attrahido e que continuava a prendel-o.

Sabia-o, e sabia tambem que Norberto tinha pela esposa uma estima nunca interrompida, a qual o obrigava a permanecer n'um constante estado de incerteza e irresolução.

Não comprehendia bem Valentina, e, por momentos, receava-a.

Teve Joanna a prova d'isso, ha pouco, durante o jantar, que passou quasi todo no mutismo d'um homem que está inteiramente preoccupado por uma idéa fixa – não conversando com ella nem com a sua outra visinha, a agradavel senhora de Bonnivet, senão o indispensavel para não passar por grosseiro; e quando se levantou da mesa e que finalmente, se achou só com a amante, n'um dos angulos da sala, foi por uma allusão á sua enigmatica pequena phrase de ha pouco, que recomeçou a conversa interrompida no principio do jantar.

– «Foste bem pouco amavel comigo» disse-lhe n'um metal de voz como de quem deseja que nenhuma das palavras proferidas chegue a ouvidos estranhos, e que tantos amantes teem a ingenuidade de adoptar nos seus segredos! – «Sim bem descaroavel para uma amiga que considera como uma felicidade passar o tempo na tua companhia. Quizeste unicamente incommodar-me?»

– «Eu? incommodei-te? E como?»

– «Sábel-o perfeitamente», respondeu. «Como» insistiu Joanna. «Sabes que me desgosta a nossa situação com Valentina e parece que estás propositadamente disposta a tornar-me tal situação mais difficil, magoando-me por sua causa. Que pretendias dizer, quando, a proposito do pesar que sentia por causa d'ella, receioso de que desconfiasse de nossa intimidade, me dirigiste a pergunta:

«Estás bem certo d'isso?.. E com o resto…»

– «Não pretendia coisa alguma. O receio de perturbares a tranquilidade de Valentina apavora-te. Obrigas-me a repetir-te ainda mais uma vez que seria mais prudente teres pensado d'essa maneira n'outro tempo, e mais conveniente para mim. Quiz dizer simplesmente que ella não é tôla e que sabe perfeitamente o que se passa em relação aos nossos sentimentos. O que isso prova é que a sua amisade por ti não é o que a tua fatuidade imagina, e que se não preocupa tanto comtigo como julgas.

«Eis tudo… Ha muito tempo que te repito que esse receio não passa d'uma simples chimera. Quando digo os nossos sentimentos, acrescentou Joanna, é os meus que deveria dizer. Não tens emoções senão por causa d'ella. Mas não supportarei esta situação por muito tempo…»

Agitou nervosamente o leque, lançando esta ameaça de rompimento, com um sorriso de desafio. Os calculados vaes vens das brancas e flexiveis pennas de abestruz faziam chegar junto do amante um effluvio do perfume de que estavam impregnadas as mais reconditas peças do seu vestuario.

Sentia-se bella, e movia a cabeça com um gesto que mostrava melhor a alvura do colo. Os seus olhos pretos, meio cerrados, com um olhar provocante, iam procurar no fundo das pupilas de Chalinhy o pensamento, longinquo.

Este homem terno e complexo, que, durante todo o jantar se tinha só preoccupado com a esposa, e que muitas vezes desejava ver terminada uma ligação tão criminosa para a sua consciencia, sentia n'aquelle momento, – como muitas outras vezes – um d'estes impetos de desejo, que produz nas suas victimas a desordem de toda a sua racional energia.

Respondeu n'uma voz quasi imperceptivel:

– «Sabes muito bem que só a ti amo. Vemos-nos tão pouco actualmente, e isto entristece-me tanto… Esta semana tenho ainda que ir a Pont-Yonne passar trez dias. Queres que vamos á nossa casa, antes de partir? Queres, ámanhã…?»

– «Sim,» disse Joanna, muito baixo, e mudando rapidamente de tom, como se a perturbação do amante se tivesse tambem apoderado d'ella «ás quatro horas. Vou libertar a Valentina», disse em voz alta, pronunciando o final da phrase com tanta força, que a senhora de Chalinhy, que estava assentada apenas a alguns passos de distancia, sem que o marido tivesse dado por isso, voltou a cabeça e, desejosa de terminar uma insipida conversa com o dono da casa, o aborrecido Sarliévre, perguntou á prima:

– «Fallam de Valentina, que dizem a meu respeito?»

Foi sentar-se ao lado d'aquella que trahia tão abominavelmente havia um anno, e que se preparava para perder sem remedio logo que estivesse inteiramente senhora do segredo de que conhecia apenas alguns indicios – mas que indicios!

Inclinou-se, como para examinar um lindo bracelete da rival, de modo que as suas cabeças ficavam muito proximas, e n'essa posição observava Chalinhy. Tinha prazer em authenticar o seu dominio sobre o amante, forçando-o a assistir a scenas de intimidade que lhe desagradavam. Bem sabia que n'aquellas occasiões o fazia soffrer; mas acreditava, e não sem logica, que assim desarmaria a sua resistencia.

Somos geralmente tanto mais fracos quanto menos felizes, e ella tinha necessidade de aproveitar toda a fraqueza de Chalinhy para a realisação das combinações que sempre julgára tão longinquas, tão indefinidas, quando o inexperado acontecimento d'essa tarde, corroborado pela indiscutivel mentira da marqueza, vinha tornal-as precisas, pela primeira vez.

IV
Realidades

Taes combinações – ou, mais propriamente, tal combinação era o divorcio de Chalinhy. Com a natureza suggestionavel que Joanna lhe conhecia, como não seguira por este caminho desde o principio? O acaso pozera-lhe nas mãos uma tal arma! Não devia tentar utilisal-a? Vimos já que entre os sonhos que lhe attenuavam as amarguras de mulher aviltada, o mais phantastico, mas tambem o mais permanente, era o de um novo casamento. Mas para isso era necessario que fosse livre. Vimos tambem que esperava que essa liberdade viesse da iniciativa do marido, conforme o tal artigo do codigo, mais ou menos rigorosamente interpretado. Esta iniciativa, tinha dito muitas vezes comsigo mesma, tomal-a hia, em todo o caso, ella propria, se algum dia se lhe proporcionasse occasião propicia para um novo casamento, e essa occasião deparava-lh'a o destino.

Era a amante de Chalinhy. Tinha o direito, na conformidade do codigo feminino, de provar que elle a tinha seduzido, por isso que fôra o seu primeiro e unico amante, e que portanto, a devia desposar, se um dia fossem livres…

– Livres!..

– Esta palavra, sempre a mesma, a perseguil-a, como um retornello d'esperança. Livres? Podia sel-o com um processo judiciario, e Chalinhy podia sel-o tambem se a mulher o enganasse e tivesse a prova d'isso. Mas quem lhe forneceria essa prova? Seria ella mesma? A tentação de denunciar o segredo surprehendido tinha ao principio tocado ao de leve o espirito da invejosa mas repeliu-a desde os primeiros momentos. Repelliu-a, e, comtudo, pouco a pouco, foi-se tornando mais persistente. A prova está na insinuação enygmatica, tão perfidamente feita no principio do jantar, em casa da Sarliévre. O sobresalto de pundonor que a levára a repetir depois as suas proprias palavras, dando-lhe uma interpretação anodina, duraria ainda? Tel-o-hia affirmado com a maior energia se a interrogassem quando regressava da soirée– debaixo da impressão da promessa d'uma entrevista com o marido da prima. Mas n'aquelle momento, deitada na cama, e passando em revista atravez do seu espirito tão insignificantes incidentes com tão importantes consequencias, teria apenas objectado que no fim de contas havia muitos meios para chegar a conhecer a verdade.

Pois não era facilimo que o acaso, que lhe deu a conhecer a intriga de Valentina, se reproduzisse com qualquer outra pessoa! E porque é que essa outra pessoa não havia de ser o proprio marido? Uma mulher que tem na sua vida uma aventura occulta, commette geralmente imprudencias; tinha sido uma verdadeira imprudencia a mudança de trem n'aquella tarde; e então a maneira como Valentina explicava o que tinha feito n'essa mesma tarde, equivalia a uma completa confissão.

«Se Chalinhy descobre tudo, não tenho nada de que me penitenciar, e Valentina não poderá lamentar-se se occupo um logar que não póde ser d'ella… Mas o que ha a descobrir? Que tem um amante?

«Quem é? Passa esta semana fóra de Paris, não saberei nada. Tanto melhor, desconfiará menos de mim.

«Ficará para quando voltar… Em todo o caso, ámanhã não deixarei Norberto pronunciar sequer o seu nome… A minha dignidade exige-o. Não saberá nada por mim!..»

Se a perigosa e felina creatura podesse penetrar bem no intimo d'esta resolução, – debaixo de cuja impressão ia dormir – plenamente satisfeita! – reconheceria haver n'ella mais prudencia do que magnanimidade.

Communicar ao marido indicios tão incompletos não era advertir a mulher?

Não teve grande difficuldade, no dia seguinte, em cumprir, na entrevista em local occulto que o adultero Chalinhy designou por «nossa casa», a promessa que fez a si mesma. Não offerece duvida que o desejo de designar assim o magnifico palacio da rua Varenne, dependia muito da graça enebriante que a amante desenvolvesse para com elle n'esse dia. Anciava porque o estonteamento das suas caricias o acompanhasse até Pont-Yonne, junto de Valentina, e impedisse entre elles a renovação da intimidade conjugal, que é o receio permanente da amante d'um homem casado.

Joanna, durante muito tempo, conservou-se alheia a taes receios, emquanto julgou Valentina inteiramente inaccessivel ao amor; a sua opinião, porém, modificou-se bruscamente.

As consequencias da mudança na apreciação do caracter da prima avolumaram-se durante os dias da separação que seguiram a ultima entrevista, e, portanto, só poude ensaiar por todas as fórmas, interrogando subtilmente uns e outros, as mais infructiferas investigações sobre o mysterio cujo rasto havia surprehendido.

Associando o nome d'um novo personagem da sociedade que frequentava, ao da senhora de Chalinhy, não se calariam todos deante d'ella, uns porque era sua parenta muito proxima e outros porque era a rival da gentil marqueza?

Quiz sabel-o a todo o custo, e não conseguiu recolher mais do que os echos dos elogios que conhecia muito bem, por ter soffrido tanto com elles. Passando em revista os frequentadores habituaes dos salões da rua Varenne, não conseguiu tambem fixar as suspeitas n'um unico.

Todos, sem excepção, desde os conquistadores que começavam a envelhecer, como Casal, Vardes, até aos moços «bellos» de nova geração, um Pedro de Eysséne, um Maximo de Portille, tinham para com a marqueza de Chalinhy, as attitudes do natural respeito que se não inventa, que se não finge.

Emana de todo o seu ser, e traduz-se pela maneira especial de olhar uma mulher, de se approximar d'ella, de lhe falar, com a qual outra mulher se não pode enganar, por isso mesmo que teem para com ella modos bem differentes. Por mais imperceptivel que seja a mudança todos a sentem.

Não, não havia entre os individuos que mais conviviam com Valentina, um unico homem de quem Joanna podesse dizer: «É este!» com uma sombra de verosimilhança.

Quando se encontrou novamente com os Chalinhy, no regresso de Pont Yonne, não tinha conseguido colher um unico esclarecimento mais, sobre o mysterio da vida da sua rival, sabia tanto como no momento em que viu as plumas pretas do seu chapeu desapparecerem na carruagem, no meio da rua Saint Honoré; e as ternuras do amante ao tornar a vêr as duas, abraçando-se, tratando-se por tu, dizendo-se mutuamente palavras de amisade, não tinha diminuido tambem.

Um unico ponto se modificou.

A semana de isolamento e de meditação amorteceu definitivamente, ou antes, destruiu por completo os escrupulos que tornavam odiosa para Joanna a idéa da denuncia ao marido.

Todos os rancores do seu amor proprio ulcerado durante tantos annos, por uma comparação constantemente renovada, sempre deprimente, tinham-se condensado num sentimento que ella formulava nas seguintes palavras. Se manifestava em todas ellas a coragem dos seus intimos desejos, não se pronunciava nitidamente senão na ultima phrase.

– «Tanto peor para ella, se tomo a minha desforra. Assiste-me todo o direito de assim proceder desde que tem disfructado todas as venturas e eu nenhumas… No fim de contas ha n'isto um fundo de justiça!»

As mais hediondas perversidades que possam commetter-se entre mulheres, estão já envoltas n'este appello á equidade. Quer se trate da ordem social ou da ordem sentimental, esta palavra justiça, tão solemne, serve geralmente para nos absolver, perante a nossa propria consciencia, da inveja da felicidade dos outros.

É sempre opportuno repetil-a n'uma epocha em que se procura envolver em phrasiologia idealista as mais baixas e menos generosas paixões! Esta galante mulher, d'um tão perverso egoismo, não raciocinava por sua propria conta d'um modo differente dos promotores de revoluções. O seu sophisma era sómente menos perigoso, posto o desejo de prejudicar fosse ainda mais forte.

Se as vontades muito firmes realizam muitas vezes, com felicidade, os seus emprehendimentos é porque applicam toda a attenção das suas faculdades aos menores acontecimentos, e não deixam escapar nenhuma occasião de operar.

Depois de ter passado, mentalmente, em revista todos os processos de espionagem possiveis, Joanna acabou por optar pelo mais simples.

Era tambem o que infallivelmente daria o resultado tão ardentemente desejado: redobrar de intimidade e de persistencia para surprehender Valentina, em sua casa, a todas as horas. A sua perspicacia de mulher saberia descobrir um signal qualquer que lhe permitisse exercer uma acção efficaz. Por experiencia propria tinha aprendido que uma ligação prolongada cria naturalmente habitos d'uma regularidade quasi burgueza. A maior parte dos amantes acabam por ter entrevistas quasi periodicas, em consequencia da necessidade de harmonisar os prazeres clandestinos com os actos do seu viver habitual.

Quando, ao contrario, taes entrevistas são irregulares, é sempre do lado da amante que se deve procurar a causa.

É que os momentos de liberdade nem sempre apparecem, e como esta depende em geral da presença ou ausencia do marido, é na vida d'este que deve procurar-se o desconhecido do viver da mulher. Aquella, porém, cujo marido e senhor caça muitas vezes por semana, escolherá antes uma d'essas tardes em que se julga segura de qualquer surpreza.

Não acontecia assim no caso presente.

Valentina observada? Era-o tão pouco. Podia commetter todas as imprudencias e com inteira segurança.

Mas, sendo dissimulada a ponto de denunciar a existencia de uma intriga amorosa, em presença da attitude que tomava, deveria tambem, em tal caso, ser prudente e por principio.

As verdadeiras hypocritas são assim. Um dos seus caracteristicos habituaes é uma absoluta discordancia entre o seu modo de pensar e de proceder. Nunca a marqueza de Chalinhy se retrahira, como uma pessoa que tem um segredo a occultar na sua existencia.

Era com esta particularidade que Joanna contava. Fez este raciocinio simples mas evidente: entre os indicios que a tinham decidido a seguir sua prima de longe, quando a fosse esperar no grande armazem, o mais decisivo era o da sua maneira de vestir.

Pareceu-lhe que havia n'ella a intenção de passar despercebida.

Pensou que, no dia em que Valentina se preparasse de novo para a mysteriosa expedição, se vestiria da mesma fórma, senão com o mesmo vestido pelo menos com egual severidade.

Ainda não tinha passado uma semana, depois do regresso dos primos, e reconhecia já que o seu feminino talento de inducção lhe havia suggerido o melhor systema. Só lhe seria necessaria alguma paciencia. Á inveja que é por natureza uma paixão silenciosa e alimentada de longas impressões, raras vezes lhe falta.

Joanna nem mesmo teve tempo de empregar a sua.

Foi á rua Varenne, n'aquelle dia, uma segunda feira, pelas onze horas da manhã, para abraçar a «cara prima» antes d'almoçar e combinar com ella o que deviam fazer n'essa tarde. Treze dias antes, precizamente á mesma hora, mas então por méro acaso, fez a Valentina a mesma pergunta: «Vamos sahir juntas?» e que ella lhe respondeu. «Não posso» dando como desculpa ter que fazer algumas visitas. Desde que entrára no gabinete reservado junto do quarto de Valentina, no qual esta costumava, antes do almoço, tratar da sua correspondencia, teve Joanna um grande presentimento. A prima tinha o mesmo vestido que levava no celebre dia. A sua emoção era tão viva que lhe tremia a voz ao formular uma tão simples e natural pergunta. Tão convencida estava antecipadamente de que a resposta seria: «Não posso» que ao ouvil-a pronunciou apenas estas ligeiras palavras de insistencia: «Porque? Que tens que fazer?» ás quaes a outra oppoz uma explicação ainda mais vaga.

« – Não, effectivamente não posso; tenho umas duas ou tres visitas a fazer que não devo de fórma nenhuma adiar.»

Joanna desistiu de a interrogar mais com receio de suscitar uma desconfiança, que poderia deitar por terra o plano concebido pelo seu espirito, para o pôr em execução opportunamente.

Consistia em, no dia que surprehendesse os signaes reveladores, esperar, occulta dentro d'uma carruagem com os estóres corridos, á esquina do «boulevard» dos Invalidos para a rua Varenne, e seguir a equipagem da marqueza de Chalinhy quando esta sahisse de casa.

A invejosa pensára primeiramente, n'um phrenesi de saber a verdade, em empregar este meio brutal sem esperar os taes signaes, e todos os dias, até obter o resultado desejado. O seu bom senso, porém advertiu-a de que uma operação d'esta natureza não tinha probabilidades de exito, se fosse repetida muitas vezes.

Uma carruagem de aluguer que segue um «coupé» particular não se nota á primeira vez; mas á terceira ou quarta se não é apercebida pela pessoa que vae dentro do «coupé», sel-o-ha pelo cocheiro ou trintanario.

N'aquelle dia, tendo surprehendido a rival com uma toilette tão significativa para ella, que constituia quasi a certeza da renovação da scena anterior, como poderia Joanna hesitar?

Deixou a prima ás 11 horas e meia.

Sabia que almoçava ao meio dia e um quarto, que habitualmente mandava preparar a carrruagem ás duas e meia.

Desde a uma hora que estava no posto de observação anteriormente fixado, tendo tido a coragem, muito de admirar n'uma senhora da sua educação, de realizar com o cocheiro d'um trem de praça um d'estes pactos que estabelecem entre a pessoa que o propõe e a que o acceita, uma muito aviltante cumplicidade.

– «O seu cavallo será capaz de seguir uma boa parelha que vá com toda a velocidade?..» perguntou-lhe Joanna, depois de concluido o ajuste.

– «Junte mais dez francos á conta, minha senhora,» respondeu o homem, «e juro que, em toda a cidade de Paris, não nos escapará.»

Esta familiaridade da parte d'uma creatura de tão infima condição, a cujo nivel o dialogo travado a rebaixára, fez ruborisar a baroneza de Node. Não renunciou, porém, por tão pouco, a um projecto de que esperava um resultado tão simples quão definitivo e completo.

Foi baldado o receio de que o rocinante atrelado á carruagem de aluguer não podesse acompanhar a magnifica parelha de cavallos inglezes da prima, e a fanfarronada do cocheiro não teve occasião de ser posta em experiencia, pela simples razão de que ás duas horas a marqueza de Chalinhy sahia effectivamente do palacio, mas a pé.

Do seu carro e atravez dos intersticios do pedaço de seda azul, uzado e sujo, que a mão nervosa apenas affastava, via a prima caminhar pela rua adiante, lenta e tranquillamente, com o passo d'uma mulher que aproveita o bom tempo para dar um passeio hygienico. Não pareceu mesmo ter reparado na anomalia que representava, n'um bairro tão pouco propicio ás aventuras parisienses, a permanencia d'uma carruagem com os estores corridos, immovel, no extremo da pacata rua Varenne!

Atravessou o «boulevard», sem se voltar, e chegou ao pequeno jardim dos Invalidos, que transpoz, sempre com o mesmo passo indifferente.

A baroneza de Node, que disse ao cocheiro que descesse a avenida do mesmo nome, a passo, não perdia um unico gesto da passeante.

A certeza do bom exito começava já a abandonal-a. Uma tia das duas, a velha condessa de Nerestaing, morava no caes d'Orsay, junto da esplanada.

Iria Valentina, simplesmente, visitar aquella velha fidalga?

Mas não. Em logar de seguir n'esta direcção, dirigiu-se para o «boulevard» de Tour-Maubourg. Chegando ali, mandou tambem parar uma carruagem que passava. O coração de Joanna batia com extraordinaria violencia.

Decorridos alguns momentos apenas, saberia se a prima ia fazer uma excursão sugerida durante o passeio, ou se ia á entrevista secreta, que era a unica explicação plausivel do abandono da sua equipagem no outro dia, e da sua mentira.

A carruagem que alugou tinha a caixa pintada de amarello, o que permittia seguil-a com tanta mais facilidade, quanto era certo que avançava ao trote lento d'um cavallo muito cançado.

Seguiu ao longo do «boulevard» Tour-Maubourg primeiro, depois pela avenida Duquesne, para contornar a egreja de S. Francisco Xavier, e ganhar um pouco adeante a comprida arteria popular da rua Vaugirard, que não abandonou mais até ao Luxemburgo.

Joanna, cuja carruagem rodava a uns vinte metros á retaguarda, pouco mais ou menos, estava agora convencida que d'esta vez tinha encontrado a verdadeira pista. Viu a carruagem amarella entrar na rua de Medecis, e na de Soufflot, seguir ao longo do muro do vasto lyceu Henrique IV. Nomes que a baroneza de Node nunca tinha sequer visto desenrolavam-se nas placas das esquinas: «Rua Clovis, R. Etrapa de Thourin… Rua Mouffetard». Mais algumas voltas ainda, e atravessada a concorrida arteria da rua Monge, a carruagem attingia o extremo da rua Lacépède que desemboca em frente do jardim das Plantas.

Ao chegar ali parou. A marqueza de Chalinhy desceu e pagou a corrida, com uma moeda de antemão preparada – um outro pequeno signal indicativo de que desejava desembaraçar-se do cocheiro o mais brevemente possivel.

– «Não iria á Piedade, cuja fachada cinzenta se erguia mais á direita?» Joanna, cuja carruagem tinha continuado a andar, e agora estava parada junto da grade do jardim, teve por um momento a idéa que a prima ia entrar no hospital. A hypothese d'uma visita de caridade que lhe passara já pela mente com um certo receio, e fôra posta de parte pelo seu odio, era então verdadeira?.. Ainda não. A senhora de Chalinhy esperou no meio da rua que a carruagem partisse e seguiu a pé pelo estreito passeio da rua Lacépède. Teria dado uns cincoenta passos, quando muito, e Joanna viu-a bater á porta d'uma pequena casa com dois andares. A porta abriu-se. A marqueza, que até ahi parecia completamente extranha a qualquer desejo de se occultar, lançou em torno um olhar investigador, como de quem quer ficar bem certa de que não foi reconhecida – e desappareceu por detraz do batente que se fechou logo. A baroneza de Node presenceou tudo, tão bem quanto lh'o permittia o afastamento forçado do seu posto de observação, com uma alegria cruel, a que se misturava, porém, muito espanto, para ser completa.

Por experiencia propria e pelas confidencias que alguns homens lhe tinham feito, estava perfeitamente industriada nas condições habituaes das secretas felicidades prohibidas da alta sociedade parisiense.

Como não havia, pois, de ficar desconcertada, até ao assombro, ao ver o bairro que a prima escolhera para as suas entrevistas d'amor. Joanna desceu da carruagem, e, caminhando ao longo do estreito passeio que a marqueza de Chalinhy percorrera alguns momentos antes, observava os modestos estabelecimentos d'este começo do arrabalde de S. Marçal: aqui uma lavanderia, com pouca roupa e pobre; mais adeante uma lojéca de revendedor; ao fundo uma serralharia de meio preço, e n'outra parte uma casa de venda de jornaes a dez réis. A accumulação e irregularidade das construcções, sem duvida contemporaneas da epoca em que Madame de Miramion construiu todo o bairro de S. Pelagio, hoje destruido, a humidade dos passeios, os resumbramentos dos descorados rebocos, tudo no aspecto da velha rua attestava a humildade dos moradores, para os quaes as visitas mais ou menos regulares d'uma mulher nova, bonita, superiormente elegante, como era a marqueza, devia constituir um acontecimento.

O proprio aspecto da casa em que acabava de entrar era de natureza a provocar a curiosidade e, por consequencia, a investigação, com todas as consequencias dos artificios escandalosos para extorquir dinheiro que quasi sempre d'ella derivam.

Era uma casa quadrada, isolada entre duas construcções mais elevadas, ás quaes se ligava por um muro de regular altura. Os ramos amarellados de meia duzia de tilias bastante desenvolvidas, ultrapassando o cimo do muro, denunciavam o luxo de um pequeno jardim.

Estes estreitos e quasi microscopicos talhões de verdura abundavam ainda, ha vinte e cinco annos, n'esta vertente sudeste do Monte de Santa Genoveva.

Eram os minusculos destroços, salvos por acaso, dos vastos parques pertencentes a recolhimentos que George Sand descreveu com tanta poesia na «Historia da minha vida». A communidade das Augustinhas Inglezas, onde ella foi educada, era muito proxima, como muito proximo era tambem o immenso quintal da Misericordia, de que elogia as uvas douradas e os cravos de differentes côres. Depois, estes pavilhões com jardins teem desapparecido uns apóz outros. Este da extremidade da rua Lacépède não devia ter sido mais notavel do que os da rua Rollin ou Boulangers. Hoje, a sua conservação é uma anomalia que necessariamente attrahe as attenções.

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
25 haziran 2017
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160 s. 1 illüstrasyon
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