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Kitabı oku: «Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III», sayfa 11

Luís de Camões
Yazı tipi:

SCENA III

Dionysa e Solina
DIONYSA
 
Solina, mana.
 
SOLINA
 
Senhora.
 
DIONYSA
 
Trazei-me cá a almofada;
Que a casa está despejada,
E esta varanda cá fóra
Está melhor assombrada.
Trazei a vossa tambem
Para estarmos cá lavrando;
Em quanto meu pae não vem,
Estaremos praticando,
Sem nos estorvar ninguem.
 
SOLINA
 
Este he o mesmo lugar
Onde estava o bem logrado,
Tal que de muito enlevado
Se esquecia do cantar
Por se enlevar no cuidado.
 
DIONYSA
 
Vós, mana, sois mui ruim!
Logo lhe fostes contar
Que me ergui polo escutar.
 
SOLINA
 
Eu o disse?
 
DIONYSA
 
Eu não o ouvi?
Como mo quereis negar?
 
SOLINA
 
E pois isso que releva?
Que se perde nisso agora?
 
DIONYSA
 
Que se perde! Assi, Senhora,
Folgareis vós que se atreva
A contá-lo lá por fóra?
Que se lhe meta em cabeça
Alguma parvoa tenção?
Que faça, se vem á mão,
Algũa cousa que pareça?
 
SOLINA
 
Senhora, não tẽe razão.
 
DIONYSA
 
Eu sei mui bem attentar
Do que se ha de ter receio,
E do que he para estimar.
 
SOLINA
 
Não he o demo tão feio
Como alguem o quer pintar;
E não se espera isso delle,
Que não he ora tão moço.
E Vossa Mercê asselle
Que qualquer segredo nelle
He como huma pedra em poço.
 
DIONYSA
 
E eu que segredo quero
Co'hum criado de meu pae?
 
SOLINA
 
E vós, mana, fazeis fero?
Ao diante vos espero,
Se adiante o caso vae.
 
DIONYSA
 
O madraço! quem o vir
Fallar de siso co'ella…
Então vós, gentil donzella,
Folgais muito de o ouvir?
 
SOLINA
 
Si, porque me falla nella;
E eu como ouço fallar
Nella, como quem não sente,
Folgo de o escutar,
Só para lhe vir contar
O que della diz a gente;
Qu'eu não quero nada delle.
E mais, porque está fallando?
Não m'esteve ella rogando
Que fosse fallar com elle?
 
DIONYSA
 
Disse-vo-lo assi zombando.
Vós logo tomais em grosso
Tudo quanto me escutais.
Parvo! que vê-lo não posso.
 
SOLINA
 
Ella alli, e o cão co'o osso!
Inda isto ha de vir a mais.
Pois que tal odio lhe tem,
Fallemos, Senhora, em al;
Mas eu digo que ninguem
Merece por querer bem
Que a quem lho quer, queira mal.
 
DIONYSA
 
Deixae-o vós doudejar.
Se meu pae, ou meu irmão,
O vierem a aventar,
Não ha elle de folgar.
 
SOLINA
 
Deos meterá nisso a mão.
 
DIONYSA
 
Ora hi polas almofadas,
Que quero hum pouco lavrar;
Por ter em que me occupar;
Qu'em cousas tão mal olhadas
Não se ha o tempo de gastar.
 
SOLINA
 
Que cousa somos mulheres!
Como somos perigosas!
E mais estas tão viçosas
Qu'estão á boca que queres
E adoecem de mimosas!
Se eu não caminho agora
A seu desejo e vontade;
Como faz esta Senhora,
Fazem-se logo nessa hora
Na volta da honestidade.
Quem a vira o outro dia
Hum poucochinho agastada,
Dar no chão com a almofada,
E enlevar a phantasia,
Toda n'outra transformada!
Outro dia lhe ouvirão
Lançar suspiros a mólhos,
E com a imaginação
Cahir-lhe a agulha da mão,
E as lagrimas dos olhos.
Ouvir-lhe-heis á derradeira
A ventura maldizer,
Porque a foi fazer mulher.
Então diz que quer ser Freira;
E não se sabe entender.
Então gaba-o de discreto,
De musico e bem disposto,
De bom corpo e de bom rosto.
Quanté então eu vos prometo,
Que não tẽe delle desgôsto.
Despois, se vem a attentar,
Diz que he muito mal feito
Amar homem deste geito;
E que não póde alcançar
Pôr seu desejo em effeito.
Logo se faz tão Senhora,
Logo lhe ameaça a vida,
Logo se mostra nessa hora
Muito segura de fóra,
E de dentro está sentida.
Bofé, segundo vou vendo,
Se esta postema vier,
Como eu suspeito, a crescer,
Muito ha que della entendo
O fim que póde vir ter.
 

SCENA IV

Duriano e Filodemo
DURIANO

Ora deixae-a ir, que á vinda lhe fallaremos; entretanto cuidarei o como hei de fazer; que não ha mor trabalho para huma pessoa que fingir-se.

FILODEMO

Dar-lhe-heis esta carta; e fazei muito com ella que a dê á Senhora Dionysa; que me vai nisso muito.

DURIANO

Por mulher de tão bom engenho a tendes?

FILODEMO

E porque me perguntais isso?

DURIANO

Porque ainda hontem entrou pelo A, B, C, e ja quereis que leia carta mandadeira: fa-la-heis cedo escrever materia junta.

FILODEMO

Não lhe digais que vos disse nada, porque cuidará que por isso lhe fallais; mas fingi que de puro amor a andais buscando a tempos que fação á vossa tenção.

DURIANO

Deixae-me vós a mi com o caso, que eu sei melhor as pancadas a estes vintes, que vós; e eu vo-la farei hoje vir a nós sem gafas; e vós entretanto acolhei-vos a sagrado, porque ei-la lá vem.

FILODEMO

Olhae lá: fazei que a não vêdes, e fingi que fallais comvosco; que faz a nosso caso.

DURIANO

Dizeis bem. (Yo sigo tristeza, remedio de tristes: la terrible pena mia no la espero remediar. Pois não devia assi de ser, polos santos Evangelhos! mas muitos dias ha que eu sei que o amor, e os cangrejos, andão ás vessas. Ora, emfim, las tristezas no me espanten, porque suelen aflojar cuando mas duelen.)

SCENA V

Solina e Duriano
SOLINA, com a almofada
 
Aqui anda passeando
Duriano, e só comsigo
Pensamentos praticando:
Daqui posso estar notando
Com quem sonha, se he comigo.
 
DURIANO
 
Ah quão longe estará agora
Minha Senhora Solina
De saber que estou bem fóra
De ter outra por senhora,
Segundo o amor determina!
Porém se determinasse
Minha bem-aventurança
Que de meu mal lhe pezasse.
Até que nella tomasse
Do que lhe quero vingança!..
 
SOLINA
 
(Comigo sonha por certo.
Ora quero-me mostrar,
Assi como por acêrto:
Chegar-me-hei mais ao perto,
Por ver se me quer fallar.)
Sempre esta casa ha d'estar
Acompanhada de gente,
Que não possa homem passar!
 
DURIANO
 
Á traição vindes tomar
Quem ja feridas não sente?
 
SOLINA
 
Logo me a mi parecia
Que era elle o que passeava.
 
DURIANO
 
E eu mal adivinhava
Que me viesse este dia,
Que ha tantos que desejava.
Se huns olhos por vos servir,
Com o amor que vos conquista,
Se atrevêrão a subir
Os muros da vossa vista,
Que culpa tẽe quem vos vir?
E se esta minha affeição,
Que vos serve de giolhos,
Não fez êrro na tenção,
Tomae vingança nos olhos,
E deixae o coração.
 
SOLINA
 
Ora agora me vem riso.
Assi que vós sois, Senhor,
De siso meu servidor?
 
DURIANO
 
De siso não, porque o siso
Me tẽe tirado o amor.
Porque o amor, se attentais,
N'hum tão verdadeiro amante
Não deixa siso bastante;
Senão se siso chamais
A doudice tão galante.
 
SOLINA
 
Como Deos está nos Ceos,
Que se he verdade o que temo,
Que fez isto Filodemo.
 
DURIANO
 
Mas fê-lo o démo; que Deos
Não faz mal tanto em extremo.
 
SOLINA
 
Bem. Vós, Senhor Duriano,
Porque zombareis de mim?
 
DURIANO
 
Eu zombo?
 
SOLINA
 
Eu não m' engano.
 
DURIANO
 
S' eu zombo, inda em meu dano
Vejais vós mui cedo a fim.
Mas vós, Senhora Solina,
Porque me querereis mal?
 
SOLINA
 
Sou mofina.
 
DURIANO
 
Oh! real.
Assi que minha mofina
He minha imiga mortal.
Dias ha qu'eu imagino
Qu'em vos amar e servir
Não ha amador mais fino;
Mas sinto que de mofino
Me fino sem o sentir.
 
SOLINA
 
Bem derivais: quanté assi
Á popa o dito vos veio.
 
DURIANO
 
Vir-me-ha de vós, porque creio
Que vós fallais dentro em mi,
Como esprito em corpo alheio.
E assi que em estas piós
A cahir, Senhora, vim;
Bem parecerá entre nós,
Pois vós andais dentro em mim,
Que ande eu tambem dentro em vós.
 
SOLINA
 
He bem: que fallar he esse?
 
DURIANO
 
Dentro na vossa alma, digo,
Lá andasse, e lá morresse!
E se isto mal vos parece,
Dae-me a morte por castigo.
 
SOLINA
 
Ah mao! Como sois malvado!
 
DURIANO
 
Mas vós como sois malvada,
Que de hum pouco mais de nada
Fazeis hum homem armado,
Como quem 'stá sempre armada!
Dizei-me, Solina, mana.
 
SOLINA
 
Qu'he isso? Tirae lá a mão:
Oh! vós sois mao cortezão.
 
DURIANO
 
O que vos quero m'engana,
Mas o que desejo não.
Não ha aqui senão paredes,
As quaes não fallão, nem vem.
 
SOLINA
 
Está isso muito bem.
Bem: e vós, Senhor, não vêdes
Que poderá vir alguem?
 
DURIANO
 
Que vos custão dous abraços?
 
SOLINA
 
Não quero tantos despejos.
 
DURIANO
 
Pois que farão meus desejos,
Que querem ter-vos nos braços,
E dar-vos trezentos beijos?
 
SOLINA
 
Olhae que pouca vergonha!
Hi-vos d'hi, boca de praga.
 
DURIANO
 
Eu não sei certo a que ponha
Mostrardes-me a triaga,
E virdes-me a dar peçonha.
 
SOLINA
 
Ora ide rir á feira,
E não sejais dessa laia.
 
DURIANO
 
Se vêdes minha canseira,
Porque lhe não dais maneira?
 
SOLINA
 
Que maneira?
 
DURIANO
 
A da saia.
 
SOLINA
 
Por minha alma, hei de vos dar
Meia duzia de porradas.
 
DURIANO
 
Oh que gostosas pancadas!
Mui bem vos podeis vingar,
Qu'em mim são bem empregadas.
 
SOLINA
 
Ao diabo, que o eu dou.
Como me doeo a mão!
 
DURIANO
 
Mostrae cá, minha affeição,
Que essa dor me magoou
Dentro no meu coração.
 
SOLINA
 
Ora hi-vos embora asinha.
 
DURIANO
 
Por amor de mi, Senhora,
Não fareis huma cousinha?
 
SOLINA
 
Digo que vades embora.
Que cousa?
 
DURIANO
 
Esta cartinha.
 
SOLINA
 
Que carta?
 
DURIANO
 
De Filodemo
A Dionysa vossa ama.
 
SOLINA
 
Dizei, que tome outra dama,
E dê os amores ao démo.
 
DURIANO
 
Não andemos pola rama.
Senhora, (aqui para nós)
Que sentis della com elle?
 
SOLINA
 
Grandes alforges sois vós!
Pois hi-lhe dizer que appelle.
 
DURIANO
 
Fallae, que aqui 'stamos sós.
 
SOLINA
 
Qualquer honesta se abala,
Como sabe que he querida.
Ella he por elle perdida:
Nunca n'outra cousa falla.
 
DURIANO
 
Ora vou-lhe dar a vida.
 
SOLINA
 
E eu não lhe disse ja
Quanta affeição lh'ella tem?
 
DURIANO
 
Não se fia de ninguem,
Nem crê que para elle ha
No mundo tamanho bem.
 
SOLINA
 
Dir-vos-hia de mim lá
O que lh'eu disse zombando?
 
DURIANO
 
Não disse, por S. Fernando!
 
SOLINA
 
Ora ide-vos.
 
DURIANO
 
Que me va!
E mandais que torne? Quando?
 
SOLINA
 
Quando eu cá vir lugar,
Vo-lo mandarei dizer.
 
DURIANO
 
Se o quizerdes buscar,
Não vos deve de faltar,
Se não faltar o querer.
 
SOLINA
 
Não falta.
 
DURIANO
 
Dae-me hum abraço
Em sinal do que quereis.
 
SOLINA
 
Tá, que o não levareis.
 
DURIANO
 
De quantos serviços faço
Nenhum pagar me quereis?
 
SOLINA
 
Pagar-vos-hão algum'hora,
Que isso a mi tambem me toca;
Mas agora hi-vos embora.
 
DURIANO
 
Essas mãos beijo, Senhora,
Em quanto não posso a boca.
 

SCENA VI

Solina que traz a almofada, e Dionysa
SOLINA
 
Ja Vossa Mercê dirá
Qu'estive muito tardando.
 
DIONYSA
 
Bem vos detivestes lá.
Bofé que estava cuidando
Em não sei que.
 
SOLINA
 
Que será?
Aqui somos. (Quanté agora
Está ella transportada.)
 
DIONYSA
 
Que rosnais vós lá, Senhora?
 
SOLINA
 
Digo que tardei lá fóra
Em buscar esta almofada.
Que estava ella agora só
Comsigo phantasiando?
 
DIONYSA
 
Bofé que estava cuidando
Qu'he muito para haver dó
Da mulher que vive amando.
Que hum homem póde passar
A vida mais occupado:
Com passear, com caçar,
Com correr, com cavalgar,
Fórra parte do cuidado.
Mas a coitada
Da mulher sempre encerrada,
Que não tẽe contentamento,
Não tẽe desenfadamento,
Mais que agulha e almofada?
Então isto vem parir
Os grandes erros da gente:
Forão mil vezes cahir
Princezas d'alta semente.
Lembra-me que ouvi contar
De tantas affeiçoadas
Em baixo e pobre lugar,
Que as que agora vão errar
Podem ficar desculpadas.
 
SOLINA
 
Senhora, a muita affeição
Nas Princezas d'alto estado
Não he muita admiração;
Que no sangue delicado
Faz amor mais impressão.
Mas deixando isto á parte,
Se m'ella quizer peitar,
Prometto de lhe mostrar
Huma cousa muito d'arte,
Que lá dentro fui achar.
 
DIONYSA
 
Que cousa?
 
SOLINA
 
Cousa d'esprito.
 
DIONYSA
 
Algum panno de lavores?
 
SOLINA
 
Inda ella não deo no fito?
Cartinha sem sobre-escripto,
Que parece ser de amores.
 
DIONYSA
 
Essa he a boa ventura?
 
SOLINA
 
Bofé que mo pareceo.
 
DIONYSA
 
E essa donde nasceo?
 
SOLINA
 
No meu cesto da costura:
Não sei quem m'alli meteo.
 
DIONYSA
 
Mostrae-ma; não hajais medo,
Mana. Eu que vos descobri…
 
SOLINA
 
E se ella vem para mi,
Logo quer ver meu segredo?
Não a veja: vá-se d'hi.
Ei-la-ahi.
 
DIONYSA
 
Cuja será?
 
SOLINA
 
Não sei certo cuja he.
 
DIONYSA
 
Si; sabeis.
 
SOLINA
 
Não sei, bofé.
 
DIONYSA
 
Ora a carta mo dirá.
 
SOLINA
 
Pois leia Vossa Mercê.
 
Abre Dionysa a carta, e lê-a

Se para merecer minha pena me não falta mais que viver contente della, ja logo ma podeis consentir; pois que de nenhuma outra cousa vivo triste, senão por não ser para tão doce tristeza. Se tendes por offensa commetter tamanha ousadia; por maior a devieis ter, se a não commettesse; que amor acostumado he fazer os extremos á medida das affeições, e as affeições á medida da causa dellas. Pois logo, nem o meu amor póde ser pouco, nem fazer menos: se este não bastar para consentirdes em meu pensamento, baste para me dardes o que pelo ter mereço; e senão muitas graças ao Amor, que me soube dar hum cuidado, que com tê-lo se paga o trabalho de soffrê-lo.

SOLINA
 
Quanta parvoice diz!
 
DIONYSA
 
Ora muito boa está!
Como vós, mana, sois má!
Não sejais vós tão biliz;
Que bem vos entendo ja.
Cuja he?
 
SOLINA
 
E eu que sei?
 
DIONYSA
 
Pois quem o sabe?
 
SOLINA
 
O démo.
 
DIONYSA
 
Certo que he de quem temo;
Que os ditos que nella achei
São todos de Filodemo.
Este homem, que atrevimento
He este que foi tomar?
Qual será seu fundamento?
Que mil vezes me faz dar
Mil voltas ao pensamento.
Não entendo delle nada.
Mas inda qu'isto he assi,
Disso que delle entendi,
Me sinto tão alterada,
Que me arreceio de mi.
Eu inda agora não creio
Que he verdade este amor;
Mas praza a Deos, se assi for,
Que inda este meu arreceio
Se não converta em temor.
 
SOLINA
 
Ja vós, ja sêdes,
Peixes, nas redes.
Senhora, quem mais confia,
Mais asinha a cahir vem:
Natural he o querer bem;
Que o amor n'alma se cria,
Sem o sentir quem o tem.
Filodemo, no que ouvi,
Tẽe-lhe sobeja affeição;
E postoque o creia assi,
Ou eu sonhei, ou ouvi.
Que era d'alta geração.
Logo na phisionomia,
Nas manhas, artes e geito,
Mostra mui grande respeito:
Nem tão alta phantasia
Não se põe em baixo peito.
 
DIONYSA
 
Tudo isso cuido, e vi
Mil vezes miudamente;
Mas estas mostras assi
São desculpas para mi,
E não para toda a gente.
 
SOLINA
 
O seu moço vejo vir
A nós, seu passo contado:
Este he muito para ouvir,
Que diz que me quer servir
D'amores esperdiçado.
 

SCENA VII

Vilardo, Solina e Dionysa
VILARDO
 
Senhora, o Senhor seu pae,
Mesmo de Vossa Mercê,
Ja lá para casa vae:
Por isso, Senhora, andae,
Que elle me mandou n'hum pé;
E diz que fosse jantar
Vossa Mercê mesmamente.
 
SOLINA
 
E ja veio do pomar?
 
DIONYSA
 
Oh quem pudéra escusar
De comer, nem de ver gente!
(Nenhuma côr de verdade
Tenho do que m'elle manda.)
 
VILARDO
 
S'ella sem vontade anda,
Eu lh'emprestarei vontade,
Empreste-m'ella a vianda.
 
SOLINA
 
Va, Senhora, por não dar
Mais em que cuidar á gente.
 
DIONYSA
 
Irei, mas não por jantar;
Que quem vive descontente
Mantem-se de imaginar.
 
VILARDO
 
Pois tambem cá minhas dores
Me não deixão comer pão;
Nem come minha affeição
Senão sopadas d'amores,
E mil postas de paixão.
Das lagrimas caldo faço,
Do coração escudella;
Esses olhos são panella
Que coze bofes e baço,
Com toda a mais cabedella.
 

SCENA VIII

O Monteiro, um pastor e um bobo
MONTEIRO
 
Perdeo-se por esta brenha
Venadoro, meu Senhor,
Sem que novas delle tenha:
Queira Deos que inda não venha
Desta perda outra maior.
Contra esta parte daqui
Des pos hum cervo correo,
Logo desappareceo:
Como da vista o perdi,
O gosto se me perdeo.
Eu, e os mais caçadores,
Corremos montes e covas;
Fallamos com lavradores
Deste valle, e com pastores,
Sem acharmos delle novas.
Quero ver nestes casais
Que cobre aquelle arvoredo,
Se acharei pastores mais,
Que me dem alguns sinais
Que me possão tornar ledo.
 
Chama
 
Ó dos casaes, ó de lá:
Ah pastores, não fallais?
 
PASTOR
 
Quien sois, ó lo que buscais?
 
MONTEIRO
 
Ouvis? Chegae para cá.
 
PASTOR
 
Dicid vos lo que mandais.
 
BOBO
 
No vayais adó os llamó,
Padre, sin saber quien es.
 
PASTOR
 
Porque?
 
BOBO
 
Porque este es
Aquel ladron que hurtó
El asno del Portugues.
Y se vais adó estan,
Os juro al cuerpo sagrado
De San Pisco, y San Juan,
Que tambien os hurtarán,
Que sois asno mas honrado.
 
PASTOR
 
Déjame ir, que me llamó.
 
BOBO
 
No, por vida de mi madre;
Que si allá vais, muerto so',
Y desta vez quedo yo,
Sin asno, triste! y sin padre.
 
MONTEIRO
 
Vinde, que vo-lo encommendo,
E em vossas mãos me ponho.
 
BOBO
 
No vais, que dijo en comiendo.
Encomiendoos al demonio!      (Ao Monteiro.)
Y esso es lo que andais haciendo?
 
PASTOR
 
Déjame ir adó está,
Que no es cosa que me espante.
 
BOBO
 
No quereis sino ir allá?
Pues echadle pan delante,
Puede ser amansará.
 
PASTOR
 
Dios os guarde! Qué cosa es
Esa por que voceais?
 
MONTEIRO
 
Dar-m'heis novas, ou sinais
D'hum Fidalgo Portugues,
Se passou por onde andais?
 
BOBO
 
Yo so' Hidalgo Portugues:
Que manda su Señoria?
 
PASTOR
 
Cállate: oh que nescio es!
 
BOBO
 
Padre, no me dejarés
Ser lo que quisiere un dia?
Ah Santo Dios verdadero!
No seré lo que otros son?
Digo ahora que no quiero
Ser Alonsico, el vaquero.
 
PASTOR
 
Cállate ya, bobarron.
 
BOBO
 
Ya me callo: ahora un poco
He de ser lo que yo quisiere.
 
PASTOR
 
Señor, diga lo que quiere,
Porque este mochacho es loco,
Y muero porque no muere.
 
MONTEIRO
 
Digo, que se por ventura
Sabeis o que ando buscando:
Hum Fidalgo, que caçando
Se perdeo nesta espessura
Apos hum cervo andando.
Tenho esta parte corrida,
Sem delle poder saber:
Trago a alegria perdida;
E se de todo a perder,
Perca-se tambem a vida.
Porque só polo buscar
Tenho trabalhos assás.
 
BOBO
 
(Yo no puedo callar mas.)
 
PASTOR
 
(Como no puedes callar?
Quítate allá para tras.)
Cuanto por aquesta tierra,
No siento nueva ninguna.
 
MONTEIRO
 
Oh trabalhosa fortuna!
 
PASTOR
 
Mas detras daquesta sierra
Hallareis, por dicha, alguna;
Que unas choças de vaqueros
Portugueses allí estan;
Y ahí muchas veces van
Cazadores Cavalleros:
Puede ser que lo sabran.
 
MONTEIRO
 
Quero-me ir lá saber.
Ficae-vos a Deos, pastor.
 
PASTOR
 
Dios os livre de dolor.
 
BOBO
 
Y á nos dé siempre comer
Pan y sopas, qu'es mejor.
Mirad lo que os notifico:
En aquel valle, acullá,
Anda paciendo un burrico,
Hidalgo, manso, y bonico;
Puede ser que ese será.
 
PASTOR
 
Calla, y acaba de andar.
 
BOBO
 
Ya ando.
 
PASTOR
 
Quieres callar?
Bobo, que tan poco sabe!
 
BOBO
 
No diceis que ande y acabe?
Ando, y no quiero acabar.
 

ACTO TERCEIRO

SCENA I

Florimena, pastora, com hum pote que vai á fonte
FLORIMENA
 
Por este formoso prado
Tudo quanto a vista alcança
Tão alegre está tornado,
Que a qualquer desesperado
Póde dar certa esperança.
O monte, e sua aspereza,
De flores se veste ledo;
Reverdece o arvoredo,
Somente em minha tristeza
Está sempre o tempo quedo.
Junto desta fonte pura,
Segundo a muitos ouvi,
D'altos parentes nasci:
Foi como quiz a Ventura,
Mas não como eu mereci.
O dia que fui nascida,
Minha mãe do parto forte
Foi sem cura fallecida;
E o dia que me deo vida
Lhe dei eu a ella a morte.
Do mesmo parto nasceo
Meu irmão, que entre os cabritos
Comigo tambem viveo;
Mas, assi como cresceo,
Crescêrão nelle os espritos.
Foi-se buscar a cidade;
Teve juizo e saber;
Eu fiquei, como mulher,
E não tive faculdade
Para poder mais valer.
A hum pastor obedeço
Por pae, que d'outro não sei;
E, pola mãe que matei,
A huma cabra conheço,
De cujo leite mamei.
Mas porém, ja qu'este monte
Me obriga e meu nascimento,
Quero, pois quer meu tormento,
Encher a talha na fonte
Que co'os olhos accrescento.
 
Finge que enche a talha

SCENA II

Venadoro e Florimena
VENADORO
 
Pois que me vim alongar
Dos caminhos e da gente,
Fortuna, que o consente,
Se devia contentar
De me ter tão descontente.
Porém, segundo adivinho,
Por tão espêsso arvoredo,
Por tão aspero rochedo,
Quanto mais busco o caminho,
Tanto mais delle me arredo.
O cavallo, como amigo,
Ja cansado me trazia:
Mas deixou-me todavia;
Que mal pudera comigo
Quem comsigo não podia.
Quero-me aqui assentar
Á sombra, nesta hervinha,
Porque canso ja de andar;
Mas inda a fortuna minha
Não cansa de me cansar.
Junto desta fonte pura
Não sei quem cuido qu'está;
Mas no coração me dá
Que aqui me guarda a Ventura
Alguma ventura má.
Ou ganhado, ou bem perdido,
Faça, emfim, o que quizer,
Qu'eu o fim disto hei de ver?
Que ja venho apercebido
A tudo quanto vier.
Oh que formosa serrana
Á vista se me offerece!
Deosa dos montes parece;
E se he certo que he humana,
O monte não a merece.
Pastora tão delicada,
De gesto tão singular,
Parece-me qu'em lugar
De perguntar pola estrada,
Por mim lhe hei de perguntar.
Atéqui sempre zombei
De qualquer outra pessoa
Que affeiçoada topei;
Mas agora zombarei
De quem se não affeiçoa.
Serrana, cuja pintura
Tanto a alma me moveo,
Dizei-me: Por qual ventura
Andareis nesta espessura,
Merecendo estar no ceo?
 
FLORIMENA
 
Tamanho inconveniente
Andar na serra parece?
Pois a ventura da gente
Sempre he mui diferente
Do que, ao parecer, merece.
 
VENADORO
 
Tal resposta he manifesto
Não se parecer co'as cabras.
Pois não vos parece honesto
Saberdes matar co'o gesto,
Senão inda com palabras?
No mato tudo he rudeza.
Ha tal gesto e discrição?
Não o creio.
 
FLORIMENA
 
Porque não?
Não supprirá natureza
Onde falta criação?
 
VENADORO
 
Ja logo nisso, Senhora,
Dizeis, se não sinto mal,
Que do vosso natural
Não era serdes pastora.
 
FLORIMENA
 
Digo, mas pouco me val.
 
VENADORO
 
Pois quem vos pôde trazer
Á conversação do monte?
 
FLORIMENA
 
Perguntae-o a essa fonte;
Que as cousas duras de crer,
Hum as faça, outro as conte.
 
VENADORO
 
Esta fonte, que está aqui,
Que sabe do que dizeis?
 
FLORIMENA
 
Senhor, mais não pergunteis.
Porque outra cousa de mi
Sabei que não sabereis.
De vós agora sabei,
O que não tendes sabido:
Se quereis ágoa, bebei;
Se andais por dita perdido,
Eu vos encaminharei.
 
VENADORO
 
Senhora, eu não vos pedia
Que ninguem m'encaminhasse;
Que o caminho qu'eu queria,
Se o eu agora achasse,
Mais perdido me acharia.
Não quero passar daqui;
E não vos pareça espanto
Qu'em vos vendo me rendi;
Porque quando me perdi,
Não cuidei de ganhar tanto.
 
FLORIMENA
 
Senhor, quem na serra mora
Tambem entende a verdade
Dos enganos da cidade:
Vá-se embora, ou fique embora,
Qual for mais sua vontade.
 
VENADORO
 
Oh lindissima donzella,
A quem a ventura ordena
Que me guie como estrella!
Quereis-me deixar a pena,
E levar-me a causa della?
E ja que vos conjurastes
Vós e Amor para matar-me,
Oh não deixeis d'escutar-me!
Pois a vida me tirastes,
Não me tireis o queixar-me!
Qu'eu, em sangue e em nobreza
O claro Ceo me extremou;
E a Fortuna me dotou
De grandes bens e riqueza,
Que sempre a muitos negou.
Andando caçando aqui,
Apos hum cervo ferido,
Permittio meu fado assi,
Que andando dos meus perdido,
Me venha perder a mi.
E porqu'inda mais passasse
Do que tinha por passar,
Buscando quem m'ensinasse,
Por que via me tornasse,
Acho quem me faz ficar.
Que vingança permittio
A fortuna n'hum perdido!
Oh que tyranno partido,
Que quem o cervo ferio,
Vá como cervo ferido!
Ambos feridos n'hum monte,
Eu a elle, outrem a mi:
Huma differença ha aqui,
Qu'elle vai sarar á fonte,
E eu nella me feri.
E pois que tão transformado
Me tẽe vossa formosura,
Hum de nós troque o estado.
Ou vós para o povoado,
Ou eu para a espessura.
 
FLORIMENA
 
Dos arminhos he certeza,
Se lhe a cova alguem çujar,
Morar fóra, antes d'entrar:
D'estimar muito a limpeza
Pola vida a vai trocar:
Tambem quem na serra mora
Tanto estima a honestidade,
Que antes toma ser pastora,
Que perder a honestidade
A trôco de ser Senhora.
Se mais quereis, esta fonte
Vos descubra o mais de mim:
O que ella vio, ella o conte;
Porque eu vou-me para o monte,
Porque ha ja muito que vim.
 
Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
05 temmuz 2017
Hacim:
270 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain
Metin
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