Kitabı oku: «Obras Completas de Luis de Camões, Tomo III», sayfa 5
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ELEGIA IX
A vida me aborrece, a morte quero:
Será eterno o meu mal, segundo entendo,
Pois na mor esperança desespéro.
Sem viver vivo, por morrer vivendo
Por não verdes, Senhora, como eu vejo,
Quanto de mi por vós me ando esquecendo.
Seja-me agradecido este desejo;
Ingrata não sejais a quem vos ama
Com puro e honestissimo despejo.
A culpa que me pondes, ponde-a á fama,
Que pregôa de vós celeste vida
Que os corações d'amor divino inflama.
Humana, quando não agradecida,
Vos mostrae ao mal meu, que me faz vosso,
Antes que a alma do corpo se despida.
Mas que posso eu fazer, pois ja não posso
Hum tormento domar tão forte e duro,
Homem formado só de carne e de osso?
Em minha fé segura me asseguro;
Porqu'esta, quando he grande, jamais erra,
Se resulta d'amor sincero e puro.
Essa beldade santa me faz guerra;
Por ella hei de morrer, inda que veja
Tornar o brando rio em dura serra.
Que cousa tenho eu ja que minha seja?
Quem não deseja a vossa formosura,
Não póde assegurar que o ceo deseja.
De qu'eu sempre a deseje estae segura:
Neste desejo meu nunca mudança
Hão de ver as mudanças da ventura.
A vida tenho posta na balança
Da glória singular, do damno esquivo;
Que o perdê-la por vós he mor bonança.
Se vos offendo, cuido que não vivo:
Olhae se muito mais que de offender-vos,
Das esperanças do viver me privo.
O que temo somente he só perder-vos;
O que quero somente he só adorar-vos;
O que somente adoro he só querer-vos.
Querer-vos sem deixar de venerar-vos;
Desejar-vos somente por servir-vos;
Por servir a amor vil não desejar-vos:
Somente ver-vos, e somente ouvir-vos
Pretendo; e pois somente isto pretendo,
Deveis a estes sentidos permittir-vos.
Isto somente, (oh cego!) estou dizendo,
Como se fôra pouco isto somente!
Que mais que ouvir-vos ha? qu'estar-vos vendo?
Se o não merece o meu amor decente;
Se morte por amar-vos se merece,
Morra eu, Senhora; e vós ficae contente.
Se vos aggrava quem por vós padece;
Se vos vẽe a offender quem vos quer tanto,
Quem desta sorte errou não desmerece.
Que quando os olhos da razão levanto
Ao ceo d'essa rarissima belleza,
De não morrer por ella só m'espanto.
Deixae-me contentar desta tristeza,
E fazer de meus olhos largo rio;
Se algum póde abrandar vossa dureza.
Correndo sempre as lagrimas em fio,
Farei crescer as hervas por os prados,
Pois ja d'outra alegria desconfio.
No monte darei pasto a meus cuidados;
E serão de mi sempre entre os pastores
Esses divinos olhos celebrados.
Aprenderão de mi os amadores
Aquillo que se chama amor sublime,
Ouvindo o rigor vosso, e minhas dores.
E nenhum havera que a pena estime
Mais soberana por a causa della,
Que a que teve até então não desestime;
E qu'inveja não mostre á minha estrella.
ELEGIA X
Que tristes novas, ou que novo dano,
Qu'inopinado mal incerto sôa,
Tingindo de temor o vulto humano?
Que vejo? as praias humidas de Goa
Ferver com gente attonita e turbada
Do rumor que de boca em boca vôa!
He morto D. Miguel (ah crua espada!)
E parte da lustrosa companhia
Que alegre s'embarcou na triste Armada:
E d'espingarda ardente e lança fria
Passado por o torpe e iniquo braço,
Que nossas altas famas injuría.
Não lhe valeo escudo, ou peito d'aço,
Não ânimo d'avós claros herdado,
Com que temer se fez por longo espaço.
Não ver-se em de redor todo cercado
D'irados inimigos, qu'exhalavão
A negra alma do corpo traspassado.
Não as fortes palavras que voavão
A animar os incertos companheiros,
Que timidos as costas lhe mostravão.
Mas ja postos, nos termos derradeiros,
(Rotos por partes mil e traspassados
Os membros, no valor somente inteiros)
Os olhos (de furor acompanhados,
Qu'inda na morte as vidas amedrentão
Dos duros inimigos espantados)
Postos no ceo, parece que presentão
A alma pura á suprema Eternidade,
Por quem os ceos e a terra se sustentão.
E pedindo dos erros, que na idade
Immatura e innocente ja fizera,
Perdão á pia e justa Magestade,
As rosas apartou da neve fria;
E, como debil flor, a quem fallece
O radical humor de que vivia,
Nas mãos do Coro Angelico, que dece,
S'entrega; e vai lograr a vida eterna,
Que com morte tão justa se merece.
Vai-te, alma, em paz á gloria sempiterna;
Vai, que quem por a Lei sacra e divina
A sólta, áquelle a dá que o ceo governa.
Mas se de tal valor foi morte dina,
A ausencia que do gôsto nos saltêa,
A perpétua saudade nos inclina.
Deixa pois tu, formosa Cytherêa,
Do gentil filho e neto de Cyniras
O pranto por a morte horrida e fêa.
E tu, dourado Apollo, que suspiras
Por o crespo Jacintho, moço charo,
Por quem a clara luz ao mundo tiras;
Vinde e chorae hum moço em tudo raro,
Não de ferino dente vulnerado,
Nem de risco sujeito a algum reparo:
Mas só de ferro imigo traspassado;
Que sem duvida incerta, ou frio medo,
A vida poz nas mãos de Marte irado.
Tambem tu, moço Idalio, assiste quedo;
Deixa de dar o venenoso mel
A beber por os olhos, triste e ledo.
Pois os formosos olhos de Miguel
Ja cobertos se vem do escuro manto
Da lei geral a todos mais cruel.
E vós, filhas de Thespis, que co'o canto
Podeis bem mitigar a dor immensa
Dos irmãos generosos e alto pranto;
Não consintais que fação larga offensa
Á grande integridade, a que se devem
Ágoas não só, do damno recompensa.
Que ja diante os olhos me descrevem,
Quando as bocas da Fama voadora
Ao patrio e claro Tejo as novas levem,
A profunda tristeza; qu'em hum'hora
Tal posse tomará dos altos peitos,
Que delles o discurso lance fóra.
Alli de dor os corações sujeitos
Hão de lançar de si toda a memoria
D'exemplos claros, solidos respeitos.
Mas, porém se igualais a vida á glória,
Ó claro Dom Philippe, e pretendeis
Deixar-nos de acções vossas larga historia;
Eu não vos persuado a que estreiteis
O coração na Estoica disciplina,
Onde livre d'affectos vos mostreis.
Que mal a natureza determina
Medo, esperanças, dores e alegria,
Como o Cynico velho nos ensina.
Immanidade estupida (dizia
O Sulmonense canto) e vil rudeza,
He não sentir affectos que a alma cria.
Porém se o sentir nada for bruteza,
E se paixão devida se consente,
Tambem o sentir muito he ja fraqueza.
Em vós hum soffrer alto s'exprimente,
Qual nos fortes Varões foi conhecido,
Como em estranha, em Lusitana gente.
Bem conheço que o corpo assi perdido,
Como de illustre tumulo carece,
Será de brutas feras consumido.
Mas consola-me, emfim, que se parece
Ao grande bisavô, que por a vida
Real, a sua á Maura lança offrece.
Em pedaços a gente enfurecida
O corpo alli lhe deixa; e com mão dura
Lhe nega a sepultura merecida.
Facil he a perda aqui da sepultura:
Diogenes prudente, e Theodoro
Pouco sentem do corpo essa jactura.
Assi formoso e inteiro, assi decoro
Adorna quem o tẽe, como o tomou,
Quando se ouvir o extremo som canoro.
Mas ai! qual terror subito occupou
O vosso claro peito, ó Portuguezes?
Qual pavido temor vos congelou?
Que lançadas, que golpes, que revézes
Vos fizerão fazer tamanha injúria
Aos fortes Lusitanicos arnezes?
Ou ja de Capitão sobeja incuria,
Ou fraqueza? Não: qu'elle sustentava
Com seu peito dos barbaros a furia.
Ou ja do ferreo cano a fôrça brava
Com estrondos que atroão mar e terra,
Os corações ardentes congelava?
Ah! quem vos fez que os impetos da guerra
Não sustentasseis com valor ousado,
Desprezando o temor que a vida encerra?
A vida por a Patria e por o Estado
Pondo nossos avós, a nós deixárão,
Em terra e mar, exemplo sublimado.
Elles a desprezar nos ensinárão
Todo temor. Pois como agora os netos
Subitamente assi degenerárão?
Não pódem, certo, não, viver quietos
Com feia infamia peitos generosos,
Ja em publicos lugares, ja em secretos.
Mortos d'Esparta os Héroes valerosos
Da fera multidão, fazendo extremos,
Taes Epitaphios tinhão gloriosos:
Dirás, Hóspede, tu, que aqui jazemos
Passados do inimigo ferro, em quanto
Ás santas Leis da Patria obedecemos.
Fugindo os Persas vão com frio espanto,
Mas achão as mulheres no caminho,
Mostrando-lhes o ventre, em terror tanto.
Pois do damno fugís, vendo-o visinho,
Fracos! vinde a esconder-vos (lhes dizião)
Outra vez no materno e escuro ninho.
Vêde quaes com mais glória ficarião,
Se aquelles que morrêrão por o Estado,
S'estes a quem mulheres injurião?
Mas tu, claro Miguel, que ja acordado
Deste sonho tão breve, estás naquella
Tôrre do ceo, seguro e repousado;
Onde, com Deos unida a forte e bella
Alma, com teus Maiores reluzindo,
Trocaste cada chaga em clara estrella;
Co'os pés o crystallino ceo medindo,
Nada d'essas altissimas Espheras,
Nem da terreste aos olhos encobrindo;
Agora hum curso e outro consideras,
Agora a vaidade dos mortaes,
Que tu tambem passáras se vivêras,
......
ELEGIA XI
Se quando contemplamos as secretas
Causas, por que este mundo se sustenta,
E o revolver dos ceos e dos planetas;
E se quando á memoria se presenta
Este curso do sol tão bem medido,
Que hum ponto só não míngua, nem s'augmenta;
Aquelle effeito, tarde conhecido,
Da lua na mudança tão constante,
Que minguar e crescer he seu partido;
Aquella natureza tão possante
Dos ceos, que tão conformes e contrarios
Caminhão, sem parar hum breve instante;
Aquelles movimentos ordinarios,
A que responde o tempo, que não mente,
Co'os effeitos da terra necessarios;
Se quando, emfim, revolve subtilmente
Tantas cousas a leve phantasia,
Sagaz escrutadora e diligente;
Bem vê, se da razão se não desvia,
Aquelle unico Ser, alto e divino,
Que tudo póde, manda, move e cria.
Sem fim e sem princípio, hum Ser contino;
Hum Padre grande, a quem tudo he possibil,
Por mais que o difficulte humano atino:
Hum saber infinito, incomprehensibil;
Huma verdade que nas cousas anda,
Que mora no visibil e invisibil.
Esta potencia, emfim, que tudo manda,
Esta Causa das causas, revestida
Foi desta nossa carne miseranda.
Do amor e da justiça compellida,
Por os erros da gente, em mãos da gente
(Como se Deos não fôsse) deixa a vida.
Oh Christão descuidado e negligente!
Pondera-o com discurso repousado;
E ver-te-has advertido facilmente.
Ólha aquelle Deos alto e increado,
Senhor das cousas todas, que fundou
O ceo, a terra, o fogo, o mar irado;
Não do confuso caos, como cuidou
A falsa Theologia, e povo escuro,
Que nesta só verdade tanto errou;
Não dos atomos leves d'Epicuro;
Não do fundo Oceano, como Thales,
Mas só do pensamento casto e puro.
Ólha, animal humano, quanto vales,
Pois este immenso Deos por ti padece
Novo estylo de morte, novos males.
Ólha que o sol no Olympo s'escurece,
Não por opposição de outro Planeta;
Mas só porque virtude lhe fallece.
Não vês que a grande máchina inquieta
Do mundo se desfaz toda em tristeza,
E não por causa natural secreta?
Não vês como se perde a Natureza?
O ar se turba? o mar batendo geme,
Desfazendo das pedras a dureza?
Não vês que cahe o monte, a terra treme?
E que lá na remota e grande Athenas
O docto Areopagita exclama e teme?
Oh summo Deos! tu mesmo te condenas,
Por o mal em qu'eu só sou o culpado,
A tamanhas affrontas, tantas penas?
Por mi, Senhor, no mundo reputado
Por falso, e violador da sacra Lei?
A fama a ti se põe do meu peccado?
Eu, Senhor, sou ladrão, tu justo Rei.
Pois como entre ladrões eu não padeço?
A pena a ti se dá do qu'eu errei?
Eu servo sem valor, tu immenso preço,
Em preço vil te pões, por me tirares
Do captiveiro eterno que mereço?
Eu por perder-te, e tu por me ganhares
Te dás aos soltos homens, que te vendem,
Só para os homens presos resgatares?
A ti, que as almas sóltas, a ti prendem?
A ti summo Juiz, ante Juizes
Te accusão por o error dos que te offendem?
Chamão-te malfeitor; não contradizes:
Sendo tu dos Prophetas a certeza,
Dizem que quem te fere prophetizes.
Rim-se de ti; tu choras a crueza
Que sôbre elles virá: a gente dura,
Por quem tu vens ao mundo, te despreza.
O teu rosto, de cuja formosura
Se veste o ceo e o sol resplandecente,
Diante quem pasmada está a Natura,
Com cruas bofetadas da vil gente,
De precioso sangue está banhado,
Cuspido, atropellado cruelmente.
Aquelle corpo tenro e delicado,
Sôbre todos os Santos sacrosanto,
A açoutes rigorosos desangrado;
Despois coberto mal d'hum pobre manto,
Que se pegava ás carnes magoadas
Para dobrar-lhe as dores outro tanto.
Magoavão-no as chagas não curadas,
Hum tormento causando-lhe excessivo
Ao despir por as mãos crueis e iradas.
As venerandas barbas de Deos vivo
De resplandor ornadas, s'arrancavão
Para desempenhar a Adão captivo.
Com cordas por as ruas o levavão,
Levando sôbre os hombros o trophéo
Da victoria qu'as almas alcançavão.
Ó tu, que passas, homem Cyrenêo,
Ajuda hum pouco a est'Homem verdadeiro,
Que agora, como humano, enfraqueceo.
Ólha que o corpo afflicto do marteiro,
E dos longos jejuns debilitado,
Não póde ja co'o pêso do madeiro.
Oh não enfraqueçais, Deos incarnado!
Essas quédas, que tanto vos magôão,
Supportae Cavalleiro sublimado.
Aquellas altas vozes, que lá sôão,
Dos Padres são, que o Limbo tẽe escuro,
E ja de louro e palma vos corôão.
Todos vos bradão que subais o muro
Da cidade infernal, e que arvoreis
Em cima essa bandeira mui seguro.
Oh Santos Padres! não vos apresseis;
Pois muito mais a Deos, que a vós, custárão
Essas duras prisões em que jazeis.
Aquellas mãos que o mundo edificárão,
Aquelles pés que pízão as estrellas,
Com durissimos pregos s'encravárão.
Mas qual será o humano qu'as querellas
Da angustiada Virgem contemplasse,
Sem se mover a dor e mágoa dellas?
E que dos olhos seus não destillasse
Tanta cópia de lagrimas ardentes,
Que carreiras no rosto sinalasse?
Oh quem lhe víra os olhos refulgentes
Convertendo-se em fontes, e regando
Aquellas faces bellas e excellentes!
Quem a ouvíra com vozes ir tocando
As estrellas, a quem responde o ceo,
Co'os accentos dos Anjos retumbando!
Quem víra quando o puro rosto ergueo
A ver o Filho, que na Cruz pendia,
Donde a nossa saude descendeo!
Que mágoas tão chorosas que diria!
Que palavras tão miseras e tristes
Para o ceo, para a gente espalharia!
Pois que sería, Virgem, quando vistes
Com fel nojoso, e com vinagre amaro
Matar a sêde ao Filho que paristes?
Não era este o licor suave e claro,
Que para o confortar então darieis
A quem vos era, mais que a vida, charo.
Como, Virgem Senhora, não corrieis
A dar as puras tetas ao Cordeiro,
Que padecer na Cruz com sêde vieis?
Não era só, não, esse o verdadeiro
Poto, que vosso Filho desejava,
Morrendo por o mundo em hum madeiro;
Mas era a salvação que alli ganhava
Para o misero Adão, que alli bebia
Na fonte que do peito lhe manava.
Pois, ó pura e Santissima Maria,
Que, emfim, sentistes esta mágoa, quanto
A grave causa della o requeria;
D'essa Fonte sagrada e peito santo
M'alcançae huma gotta, com que lave
A culpa que me aggrava e pesa tanto.
Do licor salutifero e suave
M'abrangei, com que mate a sêde dura
Deste mundo tão cego, torpe e grave.
Assi, Senhora, toda criatura
Que vive e vivirá, e não conhece
A Lei de vosso Filho, a abrace pura;
O falsissimo herege, que carece
Da graça, e com damnado e falso esprito
Perturba a Santa Igreja, que florece;
O povo pertinaz no antiguo rito,
Que só o destêrro seu, que tanto dura,
Lhe diz qu'he pena igual ao seu delito;
O torpe Ismaelita, que mistura
As Leis, e com preceitos tão viciosos
Na terra estende a seita falsa e impura;
Os idolatras maos, supersticiosos,
Varios de opiniões e de costumes,
Levados de conceitos fabulosos;
As mais remotas gentes, onde o lume
Da nossa Fé não chega, nem que tenhão
Religião alguma se presume;
Assi todos, emfim, Senhora, venhão
A confessar hum Deos crucificado,
E por nenhum respeito se detenhão.
E d'hum e d'outro o vício ja deixado,
O seu Nome, co'o vosso nesse dia,
Seja por todo o mundo celebrado;
E respóndão os ceos: JESUS, MARIA.
ELEGIA XII. ACROSTICA
Juizo extremo, horrifico e tremendo,
E Juiz sempiterno, alto e celeste,
Significará a terra, humedecendo.
Ver-se-ha nella hum suor que manifeste
Como em carne vem Deos, para que o veja
Homem toda esta máchina terreste;
Rei justo, que dos corpos e almas seja
Juiz; e quando o mundo cego e inculto
Sôbre espinhos crueis deitado seja,
Todo vão simulacro e gentil culto
Ousará engeitar a gente; e guerra
Fará co'o mar o fogo, e cru tumulto.
Immensa luz, que as carnes desenterra,
Lançará fóra as portas vãas do Averno,
Hum Justo e outro alçando á santa terra.
Outros, que são os maos, no fogo eterno
Deitará, descobrindo-se os segredos,
E sendo claro todo feito interno.
Desfeitos serão montes e penedos,
E será tudo pranto e estridor duro;
Obras de grande dor e tristes medos.
Será tornado o sol de todo escuro,
E destruida a máchina do mundo,
Sem luz as luzes todas do Orbe puro;
Altos serão os valles, e em profundo
Lugar se abaterão os altos montes;
Vibrará mares vento furibundo:
Haverá só de chammas vivas fontes:
De trombeta tremenda som terribil,
Ouvido, fara pallidas as frontes.
Responderá dos maos gemido horribil.
EPISTOLAS
EPISTOLA I
Quem póde ser no mundo tão quieto,
Ou quem terá tão livre o pensamento,
Quem tão exprimentado, ou tão discreto,
Tão fóra, emfim, de humano entendimento,
Que ou com público effeito, ou com secreto,
Lhe não revolva e espante o sentimento,
Deixando-lhe o juizo quasi incerto,
Ver e notar do mundo o desconcêrto?
Quem ha que veja aquelle que vivia
De latrocinios, mortes e adulterios,
Que ao juizo das gentes merecia
Perpétua pena, immensos vituperios,
Se a Fortuna em contrário o leva e guia,
Mostrando, emfim, que tudo são mysterios,
Em alteza d'estados triumphante,
Que por livre que seja não s'espante?
Quem ha que veja aquelle, que tão clara
Teve a vida, qu'em tudo por perfeito
O proprio Momo ás gentes o julgára,
Inda quando lhe visse aberto o peito,
Se a má Fortuna, ao bom somente avara,
O reprime, e lhe nega seu direito,
Que lhe não fique o peito congelado,
Por mais e mais que seja exprimentado?
Democrito dos deoses proferia
Que erão sós dous; a Pena, e o Beneficio.
Segredo algum será da phantasia,
De qu'eu achar não posso claro indicio.
Que se ambos vem por não cuidada via
A quem os não merece, he grande vício
Em deoses sem-justiça e sem-razão.
Mas Democrito o disse, e Paulo não.
Dir-me-heis, que s'este estranho desconcêrto
Novamente no mundo se mostrasse,
Que por livre que fosse e mui experto,
Não era d'espantar se m'espantasse.
Mas que se ja de Socrates foi certo
Que nenhum grande caso lhe mudasse
O vulto, ou de prudente, ou de constante,
Exemplo tome delle, e não m'espante.
Parece a razão boa; mas eu digo
Deste uso da Fortuna tão damnado
Que quanto he mais usado e mais antigo,
Tanto he mais estranhado e blasphemado.
Porque, se o Ceo, das gentes tão amigo
Não dá á Fortuna tempo limitado,
Não he para causar mui grande espanto,
Que mal tão mal olhado dure tanto?
Outro espanto maior aqui m'enleia,
Que com quanto Fortuna tão profana
Com estes desconcertos senhoreia,
A nenhuma pessoa desengana.
Não ha ninguem, que assente, nem que creia
Este discurso vão da vida humana,
Por mais que philosophe, nem qu'entenda,
Que algum pouco do mundo não pretenda.
Diogenes pisava de Platão
Com seus sordidos pés o rico estrado,
Mostrando outra mais alta presumpção
Em desprezar o fausto tão prezado.
Diogenes, não vês que extremos são
Esses que segues, de mais alto estado?
Pois se de desprezar te prezas muito,
Ja pretendes do mundo fama e fruito.
Deixo agora Reis grandes, cujo estudo
He fartar esta sêde cubiçosa
De querer dominar e mandar tudo,
Com fama larga e pompa sumptuosa.
Deixo aquelles que tomão por escudo
De seus vicios e vida vergonhosa
A nobreza de seus antecessores,
E não cuidão de si que são peores.
Aquelle deixo, a quem do somno esperta
O grão favor do Rei que serve e adora,
E se mantẽe dest'aura falsa e incerta,
Que de corações tantos he senhora.
Deixo aquelles qu'estão co'a boca aberta
Por s'encher de thesouros de hora em hora,
Doentes desta falsa hydropesia,
Que quanto mais alcança, mais queria.
Deixo outras obras vãas do vulgo errado,
A quem não ha ninguem que contradiga,
Nem de outra cousa alguma he governado,
Que d'huma opinião e usança antiga.
Mas pergunto ora a Cesar esforçado,
Ora a Platão divino, que me diga,
Este das muitas terras em que andou,
Aquelle de vencê-las, que alcançou?
Cesar dirá: Sou digno de memoria:
Vencendo povos varios e esforçados,
Fui Monarca do mundo; e larga historia
Ficará de meus feitos sublimados.
He verdade: mas esse mando e glória,
Lograste-o muito tempo? Os conjurados
Bruto e Cassio dirão que, se venceste,
Emfim, emfim, ás mãos dos teus morreste.
Dirá Platão: Por ver o Etna e o Nilo
Fui a Sicilia, Egypto e outras partes,
Só por ver e escrever em alto estilo
Da natural sciencia e muitas artes.
O tempo he breve, e queres consumi-lo,
Platão, todo em trabalhos? e repartes
Tão mal de teu estudo as breves horas,
Que, emfim, do falso Phebo o filho adoras?
Pois quanto des que vive ja apartada
A alma desta prisão terreste e escura;
Está em tamanhas cousas occupada,
Que da fama, que fica, nada cura.
E se o corpo terreno sinta nada,
O Cynico dirá se por ventura
No campo, onde lançado morto estava,
De si os cães, ou as aves enxotava.
Quem tão baixa tivesse a phantasia,
Que nunca em mores cousas a metesse,
Qu'em só levar seu gado á fonte fria,
E mungir-lhe do leite que bebesse,
Quão bem-aventurado que sería!
Que por mais que a Fortuna revolvesse,
Nunca em si sentiria maior pena,
Que pezar-lhe de a vida ser pequena.
Veria erguer do sol a roxa face,
Veria correr sempre a clara fonte,
Sem imaginar a ágoa donde nace,
Nem quem a luz occulta no Horizonte.
Tangendo a frauta donde o gado pace,
Conheceria as hervas do alto monte,
Em Deos creria simples e quieto,
Sem mais especular algum secreto.
D'hum certo Trasilao se lê e escreve
Entre as cousas da velha antiguidade,
Que perdido grão tempo o siso teve
Por causa d'huma grave enfermidade;
E em quanto, de si fóra, doudo esteve,
Tinha por teima, e cria por verdade,
Qu'erão suas, das naos que navegavão,
Quantas no porto Píreo ancoravão.
Por hum Senhor mui grande se teria,
(Além da vida alegre que passava)
Pois nas que se perdião não perdia,
E das que vinhão salvas se alegrava.
Não tardou muito tempo, quando hum dia
Huncrito, seu irmão, que ausente estava,
Á terra chega; e vendo o irmão perdido,
Do fraternal amor foi commovido.
Aos Medicos o entrega, e com aviso
O faz estar á cura refusada.
Triste! que por tornar-lhe o antigo siso
Lhe tira a doce vida descansada.
As hervas Apollineas d'improviso
O tornão á saude ja passada.
Sisudo Trasilao, ao charo irmão
Agradece a vontade, a obra não.
Porque despois de ver-se no perigo
Do trabalho a que o siso o obrigava,
E despois de não ver o estado antigo,
Que a louca presumpção lhe apresentava:
Oh inimigo irmão, com côr de amigo!
Para que me tiraste (suspirava)
Da mais quieta vida e livre em tudo,
Que nunca pôde ter nenhum sisudo?
Por qual Senhor algum eu me trocára,
Ou por qual algum Rei de mais grandeza?
Que me dava que o mundo se acabára,
Ou que a ordem mudasse a natureza?
Agora me he penosa a vida chara;
Sei que cousa he trabalho, e qu'he tristeza.
Torna-me a meu estado; qu'eu te aviso
Que na doudice só consiste o siso.
Vêdes aqui, Senhor, bem claramente
Como a Fortuna em todos tẽe poder,
Senão só no que menos sabe e sente;
Em quem nenhum desejo póde haver.
Este se póde rir da cega gente;
Neste não póde nada acontecer;
Nem estara suspenso na balança
Do temor mao, da perfida esperança.
Mas se o sereno Ceo me concedêra
Qualquer quieto, humilde e doce estado,
Onde com minhas Musas só vivêra,
Sem ver-me em terra alheia degradado;
E alli outrem ninguem me conhecêra,
Nem eu conhecêra outro mais honrado,
Senão a vós, tambem como eu contente;
Que bem sei que o serieis facilmente:
E ao longo d'huma clara e pura fonte,
Qu'em borbulhas nascendo, convidasse
Ao doce passarinho, que nos conte
Quem da chara consorte o apartasse;
Despois, cobrindo a neve o verde monte,
Ao gasalhado o frio nos levasse,
Avivando o juizo ao doce estudo,
Mais certo manjar d'alma, emfim, que tudo.
Cantára-nos aquelle, que tão claro
O fez o fogo da árvore Phebêa,
A qual elle em estylo grande e raro
Louvando, o crystallino Sorga enfrêa;
Tangêra-nos na frauta Sanazaro,
Ora nos montes, ora por a arêa;
Passára celebrando o Tejo ufano
O brando e doce Lasso Castelhano.
E comnosco tambem se achára aquella,
Cuja lembrança, e cujo claro gesto
N'alma somente vejo, porque nella
Está em essencia puro e manifesto;
Por alta influição de minha estrella
Mitigando o rigor do peito honesto,
Entretecendo rosas nos cabellos,
De que tomasse a luz o sol em vellos;
E em quanto por Verão flores colhesse,
Ou por Inverno ao fogo accommodado,
O que de mi sentíra nos dissesse,
De puro amor o peito salteado;
Não pedíra então eu, que Amor me désse
Do insano Trasilao o doudo estado;
Mas que alli me dobrasse o entendimento,
Por ter de tanto bem conhecimento.
Mas por onde me leva a phantasia?
Porqu'imagino em bem-aventuranças,
Se tão longe a Fortuna me desvia,
Qu'inda me não consente as esperanças?
Se hum novo pensamento Amor me cria
Onde o lugar, o tempo, as esquivanças
Do bem me fazem tão desamparado,
Que não póde ser mais qui'maginado?
Fortuna, emfim, co'o Amor se conjurou
Contra mi, porque mais me magoasse:
Amor a hum vão desejo me obrigou,
Só para que a Fortuna mo negasse.
O tempo a tal estado me chegou;
E nelle quiz que a vida se acabasse;
Se ha em mi acabar-se, o qu'eu não creio;
Que até da muita vida me receio.
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05 temmuz 2017Hacim:
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