Kitabı oku: «Guerras do Alecrim e da Manjerona», sayfa 2
Semicúpio: Lá o tenho empapelado, que cuido que o ar m’o leva.
Sevadilha: Assim te leve o diabo.
Semicúpio: Levará que é muito capaz disso. Pois em que ficamos? Bem me queres, ou mal me queres?
Sevadilha: Apanha aquele malmequer, que está junto àquela porta, e pergunta-lho, que ele to dirá.
Semicúpio: Pois acaso nas folhas do malmequer, estão escritos os teus amores, ou os teus desdéns?
Sevadilha: Da mesma sorte que a buena dicha na palma da mão.
Semicúpio: Eu vou apanhar o dito malmequer. (vai-se)
Sevadilha: Quem me dera que ficasse em malmequer para o fazer andar à prática!
(Entra Semicúpio com um malmequer)
Semicúpio: Eis aqui o malmequer: ora vamos a isso; que se há flores que são desengano da vida, esta o será do amor. Sevadilha, toma sentido, vê se fica no bem-me-quer.
Sevadilha: Isto é como uma sorte.
Semicúpio: Queira Deus não se converta o malmequer em azar. Tem sentido.
Sevadilha: Amor,se sai a coisa como eu quero, eu te prometo um arco de pipa, e uma venda nos Remolares em que ganhes muito dinheiro.
Canta Semicúpio a seguinte
Ária
Oráculo de amor
Propício me responde
Nas ânsias deste ardor
Bem me queres, mal me queres
Bem me queres, disse a flor.
Ai de mim, que me quer mal
Teu ingrato malmequer
Acabou-se o meu cuidado,
Que mais tenho que esperara?
Vou-me agora regalar,
Levar boa vida, comer, e beber.
(Entra Dona Clóris)
Dona Clóris: Oh! Quanto folgo que já estejas bom!
Semicúpio: E tão bom que parece que nunca tive nada.
Dona Clóris: Com que saraste?
Semicúpio: Com o mesmo mal; porque também há males que vêm por bem.
Dona Clóris: Que dizes, que te não entendo? Estás louco?
Semicúpio: Meu amo ainda o está mais do que eu, desde que te viu assim por maior esta manhã; e assim para significar-te a tremendíssima eficácia de seu amor, aqui me manda a teus pés, minto, aos teus átomos, para que com os disfarces do Alecrim possa merecer os teus agrados.
Dona Clóris: Sevadilha, põe-te a espreitar não venha alguém.
Sevadilha: Sim Senhora. Arrelá como ardil do homem! (vai-se)
Dona Clóris: E quem é esse teu ano que tanto me adora?
Semicúpio: É o Senhor Dom Gilvaz, cavalheiro de tão lindas prendas, com verbi gratia Londres e Paris.
Dona Clóris: Que oficio tem?
Semicúpio: Há de ter um de defuntos, quando morrer.
Dona Clóris: E enquanto vivo, em que se ocupa?
Semicúpio: Em morrer por vossa mercê.
Dona Clóris: Fala a propósito.
Semicúpio: Senhora, meu amo não necessita de ofícios para manter os seus estados , porque tem várias propriedades consigo muito boas; além disso tem uma quinta na semana, que fica entre a quarta e a sexta, tão grande que é necessário vinte e quatro horas, para se correr toda.
Dona Clóris: Quanto fará toda de renda?
Semicúpio: Não se pode saber ao certo; sei que tem várias rendas em Flandres, e outras em Peniche, e estas bem grossas; também tem um foro de fidalgo, e um juro de nobreza.
Dona Clóris: Basta que é fidalgo?
Semicúpio: Como as estrelas, que as vê ao meio-dia, e as estas horas não vê outra coisa; e certamente lhe posso dizer que é tão antiga a sua descendência, que diz muita gente, que descende de Adão.
Dona Clóris: Se isso é assim, talvez, que me incline a quere-lo para meu esposo.
Semicúpio: Venha a resposta, senhora, que meu amo está esperando com língua de palmo.
Dona Clóris: Pois ouve o que lhe hás de dizer.
Canta Dona Clóris a seguinte
Ária
Dirás ao meu bem,
Que não desconfie,
Que adore, que espere,
Que não desespere,
Que à sua firmeza Constante serei.
Que firme eu também
A tanta fineza
Amante, constante
Extremos farei. (vai-se)
Semicúpio: Vencido está o negocio; mas o capote do velha cá não há de ficar por vida de Semicúpio; que se a ocasião faz o ladrão, hei de sê-lo por não perder a ocasião. (vai-se com o capote).
(Entra Sevadilha)
Sevadilha: Espera, homem, onde levas o capote? E foi-se como um cesto rosto? Ai, mofina desgraçada, que há de ser de mim se meu amo não achar o seu rico capote?
(Entra Dom Lancerote)
Dom Lancerote: Já sarou o homem, Sevadilha?
Sevadilha: Sim, Senhor.
Dom Lancerote: Já se foi?
Sevadilha: Sim, Senhor.
Dom Lancerote: Guardaste o capote?
Sevadilha: (à parte) Ai é ela.
Dom Lancerote: Não ouves? Guardaste o capote?
Sevadilha: Qual capote?
Dom Lancerote: O meu.
Sevadilha: Qual meu?
Dom Lancerote: O meu de Saragoça.
Sevadilha: Ah sim, o capote do homem do Alecrim?
Dom Lancerote: Qual homem?
Sevadilha: O do acidente.
Dom Lancerote: Tu zombas?
Sevadilha: Zombaria fora, o homem levou o capote.
Dom Lancerote: O meu capote?
Sevadilha: Eu não sei, se ele era de vossa mercê, o que sei é que o homem do Alecrim levou um capote, com que estava coberto.
Dom Lancerote: E como o levou?
Sevadilha: Nos ombros.
Dom Lancerote: O meu capote furtado?
Sevadilha: Pois nunca se viu furtar um capote?
Dom Lancerote: Não, bribantona, que era um capote aquele que nunca ninguém o furtou. Oh, dia infeliz, dia aziago, dia indigno de que o Sol te visite com os seus raios!
Sevadilha: Santa Bárbara!
Dom Lancerote: Tu, descuidada, hás de por para ali o meu capote, ou do corpo t’o hei de tirar.
Sevadilha: Como m’o há de tirar do corpo se eu o não tenho?
Dom Lancerote: Desta sorte.
Cantam Dom Lancerote e Sevadilha: a seguinte
Ária a duo
Dom Lancerote:
Moça tonta, descuidada,
Sevadilha:
Há mulher mais desgraçada
Neste mundo? Não, não há.
Dom Lancerote:
Se não dás o meu capote,
Tua capa hei de rasgar.
Sevadilha:
Não me rasgue a minha capa.
Dom Lancerote:
Dá-me, moça o meu capote.
Sevadilha:
Minha capa.
Dom Lancerote:
Meu capote.
Ambos:
Trata logo de o pagar.
Dom Lancerote:
Meu capote assim furtado!
Sevadilha:
Meu adorno assim rasgado!
Ambos:
Que desgraça!
Dom Lancerote:
Contra a moça.
Sevadilha:
Contra o velho.
Ambos:
A justiça hei de chamar:
Meu capote donde está? (vão-se).
Cena III
Praça: no fim haverá uma janela. Entra Dom Gilvaz embuçado.
Dom Gilvaz: disse a Semicúpio que aqui o esperava; mas tarda tanto que entendo o apanharam na empresa. Mas, se será aquele, que ali vem? Não é Semicúpio que ele não tem capote. Quem será?
(Entra Semicúpio embuçado em um capote).
Semicúpio: Lá está um vulto embuçado no meio do caminho; queira Deus não me chegue ao vulto; não sei se torne para trás, mas pior é mostrar covardia; eu faço das tripas coração; vou chegando, mas sempre de longe.
Dom Gilvaz: Ele se vem chegando, e eu confesso que não estou todo trigo.
Semicúpio: Este homem não está aqui para bom fim; eu finjo-me valente: afaste-se lá, deixe-me passar, aliás o passarei.
Dom Gilvaz: Vossa mercê pode passar.
Semicúpio: ai, que é D. Gil! Pois agora farei com que me tenha por valoroso. Quem está ai? Fale, quando não despeça-se desta vida que o mando para a outra.
Dom Gilvaz: Primeiro perderá a sua, quem me intenta reconhecer.
Semicúpio: Tenha mão, Senhor Dom Gilvaz, que sou Semicúpio.
Dom Gilvaz: Se não falas, talvez que a graça te saísse cara.
Semicúpio: Igual vossa mercê, que se o não conheço pela voz, sem dúvida, Senhor Dom Gilvaz, lhe prego como o seu nome na cara.
Dom Gilvaz: Deixemos isso, dá-me novas de Dona Clóris; dize, pudeste dar-lhe o recado?
Semicúpio: Não sabe que sou o César dos alcoviteiros? Fui, vi e venci.
Dom Gilvaz: Dá-me um abraço, meu Semicúpio.
Semicúpio: Não quero abraços, venham as alvíssaras, senão emudeci como Oráculo.
Dom Gilvaz: Em casa t’as darei; conta-me primeiro, que fazia Dona Clóris?
Semicúpio: Isso são contos largos, estava toda rodeada de braseiros de Alecrim, com um grande molho dele no peito, cheirando a Rainha de Hungria, mascando Alecrim como quem masca tabaco de fumo; e como acabava de jantar, vinha palitando com um palito de Alecrim e, finalmente, senhor, com o Alecrim anda toda tão verde como se tivera tirícia.
Dom Gilvaz: E do mais que passaste?
Semicúpio: Isso é para mais de vagar, basta que saiba por ora que apenas lancei o anzol no mar da simplicidade de Dona Clóris, picando logo na minhoca do engano, ficou engasgalhada com o engodo d Emil patranhas que lhe encaixei à mão tente.
Dom Gilvaz: Incríveis são as tuas habilidades: e que capote é esse?
Semicúpio: Este é o despojo do meu triunfo; joguei com o velho os centos, e ganhai-lhe este capote; e se vossa mercê soubera a virtude que ele tem, pasmaria.
Dom Gilvaz: Que virtude tem?
Semicúpio: É um grande remédio para sarar acidentes de gora coral.
Dom Gilvaz: Conta-me isso.
(Entra Dom Fuas embuçado)
Dom Fuas: Esta é a janela da cozinha de Dona Nize, que apesar da escuridade da noite a conhece o meu instinto pelos eflúvios odoríferos que exala a Pancava daquela Fênix.
Dom Gilvaz: Semicúpio, um homem ao pe da janela de Dona Clóris? Isto não me cheira bem.
Semicúpio: Como lhe há de cheirar bem, se isto é um monturo?
(Aparece Fagundes à janela)
Fagundes: Cê, é vossa mercê mesmo?
Dom Fuas: Sou eu mesmo, e não outro, que impaciente espero novas de meu bem.
Dom Gilvaz: Não ouviste aquilo, Semicúpio.
Semicúpio: Aquilo é que não cheira bem, Senhor Dom Gilvaz.
Fagundes: Não basta que vossa mercê diga que é mesmo, é necessário a senha, e a contra-senha.
Dom Fuas: Pois atenda.
Canta Dom Fuas o seguinte
Minueto
Já que a fortuna
Hoje me abona, a Manjerona,
Quero exaltar.
No seu triunfo
Que a fama entoa,
Palma, e coroa
Há de levar.
Há de por certo,
Que a sua rama
Na voz da fama
Sempre andará.
Dom Gilvaz: Este é Dom Fuas, pela senha da Manjerona: que te parece, Semicúpio, o quanto tem adiantado o seu amor?
Semicúpio: Quidquid sit, o primeiro milho é dos pássaros, o segundo é cá para os melros.
Fagundes: Suba por essa escada. (Lança a escada).
Dom Fuas: Segure bem. (sobe).
Semicúpio: Senhor Dom Gil, agora é tempo de subir também pois estamos em era de atrepar; não perca a ocasião.
Dom Gilvaz: Vem tu também. (sobe).
Semicúpio: Eu também vou a render à escala vista esse castelo de Cupido.
Fagundes: Tenha mão, senhor, que é o que quer?
Dom Gilvaz: Manjerona.
Fagundes: Vossa mercê, meu fidalgo, quem procura?
Semicúpio: Também Manjerona, em lugar de Sevadilha, que tudo faz bom tabaco.
Fagundes: Isto cá está por estanque, não entra quem quer.
Semicúpio: Se não entra quem quer, entrará quem não quer.
Fagundes: Vá-se daí, que não conheço Framengos à meia-noite.
Semicúpio: Tem mão, não me empurres.
Fagundes: Não há de entrar.
Semicúpio: Ó mulher, não me precipites, que sou capaz de te escalar.
Fagundes: Vá-se c’os diabos, seja quem for.
(Empurra a escada, que cai com Semicúpio)
Semicúpio: Ai, que me derreaste, bruxa infernal! Tu me pagarás o semicúpio que me fizeste tomar. Estes são os ossos do oficio; mas para que tudo não sejam ossos, vamos levando esta escada, que sempre valerá alguma coisa: ao menos se não morri da queda, vou para casa em uma escada.
(Vai-se Semicúpio e leva a escada)
Cena IV
Gabinete. Entra Fagundes trazendo pela mão a Dom Fuas, e de trás virá Dom Gilvaz embuçado.
Fagundes: Pise de mansinho; que se acorda, será para no enforcar.
Dom Fuas: Recontou a Dona Nize os extremos, com que a idolatro?
Fagundes: Não me ficou nada no tinteiro: meu senhor, nessa matéria tenho tanta elegância que sou outra Marca Túlia Cicerona.
Dom Fuas: Ai, Fagundes, se casará D. Nize com o primo! Mas quem está aqui atrás de nós?
Dom Gilvaz: (à parte) Não quero dar-me a conhecer a Dom Fuas, por ver se com os zelos desiste da empresa, para que só triunfe o Alecrim.
Dom Fuas: Cavalheiro, vós daqui não haveis de passar, ou ambos ficaremos aqui mortos, sem dizer-me primeiro o que buscais nesta casa?
Dom Gilvaz: O mesmo que vós buscais.
Dom Fuas: O que eu busco, não vos pode pertencer.
Dom Gilvaz: Nem o que me pertence, podeis vós buscar.
Fagundes: Senhores meus, acomodem-se que pode acordar o Senhor Dom Lancerote, e o dano será de todos.
Dom Fuas: Queres que me cale à vista dos meus zelos?
(Entra Dona Nize)
Dona Nize: Que ruído é este, Fagundes?
Dom Fuas: Sinto, Senhora Dona Nize, que a primeira vez que me facilitais esta fortuna, me hospedeis com zelos.
Dona Nize: Nos sei que motivo haja para os haver.
Dom Fuas: Es senhor embuçado que aqui me vem seguindo, e diz que procura o mesmo que eu busco.
Dona Nize: Sabe ele porventura o que vós procurais?
Dom Fuas: Ele que diz que sim, certo é que o sabe.
Dona Nize: Senhor, vós acaso vindes aqui a meu respeito? (Para D.Gil).
Dom Gilvaz: (À parte) Nada hei de responder.
Dom Fuas: Quem cala consente: não averigüemos mais, Senhora Dona Nize, só sinto que a sua Manjerona admita enxertos de outras plantas.
Dona Nize: Esse é o pago que me dais, de admitir a vossa correspondência, de obrar este excesso a vosso respeito, e de me expor a este perigo por vossa causa?
Dom Fuas: Melhor fora desenganar-me que essa era a melhor fineza que vos podia merecer.
Dona Nize: Pois eu digo-vos que estou inocente, que não conheço este homem; e me parece que basta dize-lo, para me acreditares.
Dom Fuas: E bastava ver eu o contrário, para não acreditar essas desculpas.
Dona Nize: Pois visto isso, fiquemos como dantes.
Dom Fuas: De que sorte?
Dona Nize: Desta sorte.
Canta Dona Nize a seguinte
Ária
Suponha, senhor,
Que nunca me viu,
E que é o seu amor
Assim como a flor,
Que apenas nasceu,
E logo murchou.
Pois tanto me dá
De seu pretender,
Que firme suponho
Seria algum sonho,
Que pouco durou. (Vai-se).
Dom Fuas: Nize cruel, isto ainda é maior tirania; escutam-me. (Vai-se).
Fagundes: Vá lá dar-lhe satisfações que ela é bonita para essas graças. E vossa mercê, senhor rebuçado, a que sim quis profanar o sagrado desta casa?
Dom Gilvaz: a ver o bem que adoro.
Fagundes: Vossa mercê está zombando? Aqui não há quem possa ser amante de vossa mercê; pois bem vê o recato e honra desta casa.
Dom Gilvaz: Eu bem vejo o recato e honra desta casa. Que? Aquilo de subir um homem por uma anela, e ir-se para dentro atrás de uma mulher, não é nada?
Fagundes: Aquele homem é primo carnal da Senhora Dona Nize.
Dom Gilvaz: Pois eu também quero ser muito conjunto da Senhora Dona Clóris: ora faça-me o favor de a ir chamar.
Fagundes: Que diz? A Senhora Dona Clóris? Olha tu lá, Dona Clóris não te enganes; sim, a outra, que anda coberta de cilícios, jejuando a pão e água; tire daí o sentido, meu senhor.
Dom Gilvaz: Se a não dores chamar, a irei eu buscar.
Fagundes: Ai, senhor, vossa mercê tem alguma legião de diabos no corpo? E que remédio tenho senão chamá-la, antes que o homem faça alguma asneira, que ele tem cara de arremeter. (Vai-se).
Dom Gilvaz: Venha logo, que eu não posso esperar muito tempo. A velha queria corretagem: basta que lh’a dê Dom Fuas.
(Entra Dona Clóris)
Dona Clóris: Senhor, vossa mercê, que pretende com tantos excessos? A quem procura?
Dom Gilvaz: Eu, Senhora Dona Clóris, sou Dom Gilvaz, aquele impaciente amante, que atropelando impossíveis vem, qual salamandra de amor, a abrasar-se nas chamas do seu Alecrim, como vítima da mesma chama.
Dona Clóris: Senhor Dom Gilvaz, como entendo o seu amor só se encaminha ao licito fim de ser meu esposo, por isso lhe facilito os meus agrados, mas não tão francamente que primeiro não haja de experimentar no crisol da constância os raios do seu amor.
Dom Gilvaz: Mui pouco conceito fazeis da vossa beleza; pois se antes de admirar essa formosura em ocultas simpatias soubestes atrair todos os meus afetos, como depois de admirar o maior portento de perfeição, poderia haver em mim outro cuidado mais, que o de adorar-vos com tão imóvel constância, que primeiro se moverão as estrelas fixas que sejam errantes as minhas adorações?
Dona Clóris: Isto é de veras, Senhor Dom Gil?
Dom Gilvaz: Se eu morro de veras, como hei de falar zombando?
Soneto
Tanto te quero, ó Clóris, tanto, tanto;
E tenho neste tanto tanto tanto,
Que me cuidar que te perco, me espavento,
E em cuidar que me deixas, me ataranto.
Se não sabes (ai, Clóris) o quanto o quanto
Te idolatra rendido o pensamento,
Digam-te os meus suspiros cento a cento.
Soletra-o nos meus olhos pranto a pranto.
O quem pudera agora encarecer-te
Os esquisitos modos de adorar-te
Que o amor soube inventar para quere-te!
Ouve, Clóris; mas não, que hei de assustar-te;
Porque é tal o meu incêndio, que ao dizer-te
Ficaras no perigo de abrasarte.
Dona Clóris: Senhor D. Gil, as suas finezas por encarecidas perdem a estimação de verdadeiras; que quem a língua tão solta para os encarecimentos, terá presa a vontade para os extremos.
Dom Gilvaz: Como há de haver experiências na minha constância, serão os sucessos de minhas finezas os cronistas de meu amor.
Canta Dom Gilvaz a seguinte:
Ária
Viste, ó Clóris, a flor gigante,
Que procura firme, amante,
Seguir sempre a luz do Sol?
Sol, que gira, são teus raios,
E meu peito girassol.
Mas, ai, Clóris, que a luz pura
De teus raios mais se apura
De meu peito no crisol.
Dona Clóris: Cessa, me bem, de encarecer-me o teu amor, já sei são verdadeiras as tuas expressões. Oh, se eu tivera a fortuna, que essas vozes as não levasse o vento para aumentar com elas a força de sua inconstância!
(Entra Sevadilha)
Sevadilha: É bem feito! É bem empregado!
Dona Clóris: O que, Sevadilha?
Sevadilha: O senhor, que está acordado.
Dona Clóris: Não pode ser a estas horas; não te creio, que és uma medrosa.
Sevadilha: Falo verdade e não minto.
Canta Sevadilha a seguinte:
Ária
Senhora, que o velho,
Se quer levantar! Mofina de mim,
Que ouvi escarrar,
Falar,e tossir!
Senhor, vá-se embora, (Para D.Gil)
Vá já para fora,
Senão o papão,
Nos há de engolir.
Fagundes: Ui, senhores, isto é coisa de brinco? O senhor seu tio está com tamanho olho aberto que parece um leão, que está dormindo; deite fora esse homem e venha-se agasalhar, que já vem amanhecendo.
Dona Clóris: Pois deitem fora da D.Gil: me bem, estimarei que as suas obras correspondam às suas palavras. (Vai-se).
(Entram Dona Nize e Dom Fuas)
Dona Nize: Fagundes, encaminha a Dom Fuas, que meu tio está acordado.
Dom Fuas: (à parte) Ainda o embuçado aqui está? É para ver!ah, cruel!
Dona Nize: Anda, Fagundes.
Fagundes: Senhora, que não há escada para descerem.
Dona Nize: E aquela por onde subiu, aonde está?
Fagundes: Empurrei-a com um homem, que também queria subir.
Dom Gilvaz: (à parte) Devia ser Semicúpio.
Dom Fuas: Pois como há de ser?
Sevadilha: Não há mais remédio, que saltar pela janela.
Fagundes: Mas vejam não caiam no alfuje.
Dom Gilvaz: (à parte) Em boa estou metido!
Dom Fuas: Aonde está a chave da porta?
Sevadilha: A chave tem guardas e está agasalhada no travesseiro do velho, por não dormir numa porta.
Dom Lancerote: Fagundes, venha abrir esta janela, que já vem amanhecendo. (Dentro)
Fagundes: Eis aqui mercês o que quiseram!
Dom Lancerote: Fagundes, que faz, que não vem? (Dentro)
Fagundes: Estou enxotando o gato da vizinha: sape gato. Senhores escondam-se aonde for.
Dona Nize: ai, que desgraça!
Dom Lancerote: (Dentro) Sevadilha, que é isto lá?
Sevadilha: (Dentro) É o gato da vizinha: sape gato.
Semicúpio: (Dentro) Abram a porta que se queima a casa: fogo, fogo!
Fagundes: Ai, que há fogo na casa! São Marçal.
Dona Nize: Eu estou morta!
Dona Clóris: Ai, que se queima a casa, que desgraça! (Entra).
Dom Fuas: Pior é esta!
Dom Gilvaz: Há horas minguadas!
Semicúpio: (Dentro) Abram a porta, que há fogo, fogo!
Sevadilha: Mofina de mim, que lá vão os meus tarecos.
Semicúpio: (Dentro) Não ouvem? Pois lá vai a porta pela porta fora. (Entra Semicúpio com uma quarta às costas, e ao mesmo tempo sai Dom Lancerote em fralda de camisa, e Dom Tibúrcio embrulhado em um lençol, com uma candeia de garavato na mão).
Semicúpio: Fogo!fogo!
Fagundes: Adonde é, meu senhor?
Dom Tibúrcio: Que é isto cá?
Dom Lancerote: Fogo aonde, se eu não veja fumo?
Semicúpio: Como há de ver o fumo, se o fumo faz não ver?
Dom Tibúrcio: Aqui me cheira a Alecrim queimado.
Dom Lancerote: Dizes bem; Clóris, acendeste algum Alecrim?
Dona Clóris: Eu, senhor, não… foi… porque sempre…
Dom Lancerote: Cala-te, que eu porei o Alecrim com dono; há mais mofino homem! Lá vai o suor de tantos anos.
Semicúpio: Com ele podia vossa mercê apagar este fogo.
Dom Gilvaz: (à parte) Estou admirado de ver a traça de Semicúpio!
Dom Tibúrcio: Senhores, acudamos a isto, que se acaba a torcida.
Dom Lancerote: Vede, sobrinho, ainda assim não se entorna o azeite.
Dona Nize: Ai, os meus craveiros de Manjerona!
Dona Clóris: Ai, os meus olhos de Alecrim!
Fagundes: Ai, a minha canastra!
Sevadilha: Ai, os meus tarequinhos!
Dom Lancerote: Ai, a minha burra!
Dom Tibúrcio: Ai, o meu alforje!
Semicúpio: Ai com tanto ai! Senhores, aonde é o fogo?
Dom Lancerote: Vejam, vossas mercês, bem por essas casas aonde será.
Semicúpio: Entremos, senhores, antes que se ateie o incêndio.
Dom Gilvaz e Dom Fuas: Vamos.
(Saem Semicúpio, Dom Fuas e Dom Gilvaz e logo tornam a entrar)
Dom Lancerote: Vereis vós, trampozinha, que fim leva o Alecrim.
Dona Clóris: O Alecrim não tem fim, que nunca murcha.
(Entram os três)
Dom Gilvaz: Não se assustem, que não é nada.
Dom Fuas: Já se apagou, Deus louvado.
Dom Lancerote: Aonde foi? (O fogo)
Semicúpio: Foi no almofariz, que estava ao pé da isca.
Sevadilha: Pois eu não fui que a petisquei.
Fagundes: Pois eu nem no ferrolho.
Semicúpio: Pois eu ainda estou em jejum.
Dom Lancerote: Ora, meus senhores, vossas mercês me vivam muitos anos pela honra que me fizeram.
Dom Gilvaz: Sempre buscarei ocasiões de servir a esta casa. (vai-se).
Dom Fuas: E eu não menos. (vai-se).
Semicúpio: Agradeça-nos a boa vontade, não mais.
Fagundes: Se não houvessem boas almas, já o mundo estava acabado.
Dona Clóris: (à parte) Eu estou pasmada do sucesso!
Dona Nize: (à parte) E eu não estou em mim!
Dom Tibúrcio: Ora, com licença, meus senhores, que me vou pro em fresco. (vai-se).
Dom Lancerote: Eu, todavia, ainda não estou sossegado. Viu nossa mercê bem na chaminé?
Semicúpio: Para que vossa mercê descanse de todo, vazarei esta quarta nos narizes daquela velha, que são duas chaminés.
Fagundes: Ai, que me ensopou! Senhor, que mal lhe fiz?
Semicúpio: É dar-lhe a molhadura de certa obra.
Dom Lancerote: Que fez vossa mercê?
Semicúpio: Deixe, senhor; isto é par que se lembre e tenha cuidado no fogo, que facilmente se pode atear por um acidente.
Fagundes: Vou mudar de camisa. (vai-se).
Dona Nize: Tomara aproveitar os cacos para a minha Manjerona.
Dom Lancerote: Esta advertência merece esta moça, que é uma descuidada, que por seus desmazelos me deixou furtar um capote.
Cantam Dom Lancerote, Sevadilha, Semicúpio, Dona Clóris e Dona Nize a seguinte:
Ária A
Dom Lancerote:
Tu, moça, tu tonta
Sentido no fogo,
Senão tu verás.
Sevadilha:
Debalde é o seu rogo,
Que fogo sem fumo
Não é bom sinal.
Semicúpio:
Que linda pilhage,
Que fogo selvage,
Que lambe voraz!
Dona Clóris:
Não sente quem ama.
Dona Nize:
Não temo esta chama.
Ambas:
Que é fogo de amor.
Dom Lancerote:
Cuidado no fogo.
Sevadilha:
Debalde é o seu rogo.
Dom Lancerote e Sevadilha:
Que fogo sem fumo
Não é bom sinal.
Dom Lancerote:
Sentido, cuidado.
Semicúpio:
Que fogo selvage.
Todos exceto Dom Lancerote:
Que é fogo de amor.
Todos:
Cuidado, pois, cuidado,
Que algum furor vendado
Fulmina tanto ardor.
PANO