Kitabı oku: «Guerras do Alecrim e da Manjerona», sayfa 5
Cena V
Câmara. Haverá uma cama, e nela estará Dom Tibúrcio deitado, assistido de Dom Lancerote, Dona Clóris, Dona Nize e Sevadilha.
Dom Lancerote: Oh, que tarda este Médico!
Sevadilha: Não pode tardar muito; pois me disse que já vinha.
Dom Lancerote: Como estais agora, meu sobrinho?
Dom Tibúrcio: Depois que arrotei acho-me mais aliviado.
Dona Nize: (à parte). Vaso mau não quebra.
Dona Clóris: (à parte). Se Dora coisa boa, não havia de escapar.
Dom Lancerote: Não sabeis quanto fogo com a vossa melhora, pois me estava dando cuidado o enterro, e me podeis agradecer a boa vontade, pois vos seguro que havia ser luzido; vós o veríeis.
Dom Tibúrcio: Outro tanto desejo eu fazer a v.m.
(Entram Dom Gilvaz e Semicúpio vestidos de Médico)
Semicúpio: Deo gratias.
Dom Lancerote: Entrem, meus senhores Doutores.
Dom Gilvaz: (à parte). Em boa me meteu Semicúpio! Eu não sei o que hei de dizer.
Semicúpio: Qual de vossas mercês é aqui o doente?
Dom Lancerote: È este que aqui está de cama.
Semicúpio: Logo me pareceu pelos sintomas.
Sevadilha: Senhora, que são Semicúpio e D. Gil. (Para D. Cloris).
Dona Clóris: Bem os vejo: Nize, que te parece?
Dona Nize: Que faz melhor efeito o teu Alecrim, que a minha Manjerona.
(Entram Dom Fuas e Fagundes).
Fagundes: Entre, Senhor Doutor, aqui vem este senhor, que também se entende muito bem.
Dom Fuas: Neste instante chego de fora da terra, quando logo me chamou esta mulher que viesse a ver um enfermo.
Dom Lancerote: Já era escudado; porém, entre e sente-se.
Dona Clóris: Nize, Dom Fuas compete nas finezas com D. Gil.
Dona Nize: Não me pesa.
Dom Fuas: (à parte). Aqueles são D. Gil e Semicúpio; estou ardendo!
Semicúpio: Ah, Senhor, não vês a D. Fuas também como gente?
Dom Gilvaz: Já sei.
Dom Tibúrcio: Ai, minha barriga, que morro! Acuda-me, Senhor Doutor.
Semicúpio: Agora vou a isso: ora, diga-me, que lhe dói?
Dom Tibúrcio: Tenho na barriga umas dores mui finas.
Semicúpio: Logo as engrossaremos; e tem o ventre túmido, inchado, e pululante?
Dom Tibúrcio: Alguma coisa.
Semicúpio: Vossa mercê é casada, ou solteira?
Dom Tibúrcio: Por que, Senhor Doutor?
Semicúpio: Porque os sinais são de prenhe.
Dom Lancerote: Não, senhor, que meu sobrinho é macho.
Semicúpio: Dianteiro, ou traseiro?
Dom Lancerote: Ui, Senhor doutor! Digo, que meu sobrinho é varão.
Semicúpio: De aço ou de ferro?
Dom Lancerote: É homem, não me entende?
Semicúpio: Ora, acabe com isso, eis aqui como por falta de informação morrem os doentes; pois se eu não especulara isso com miudeza, entendendo que era macho, lhe aplicava uns cravos, e se fosse varão, umas limas; e como já sei que é homem, logo veremos o que se lhe há de fazer.
Dom Lancerote: Eis aqui como gosto de ver os Médicos assim especulativos.
Semicúpio: Pois o mais é asneira; diga-me mais, ceou demasiadamente a noite passada?
Dom Tibúrcio: Tanto como a futura; porque desde que me acabaram as chouriças, que trouxe no alforje, me tem meu tio posto a pão e laranja.
Dom Lancerote: Aquilo são delírios, Senhor Doutor.
Semicúpio: Assim deve ser por ainda que não queira, pois conforme ao aforismo: Cum barriga dolet, caetera membra dolent.
Dom Tibúrcio: Não são delírios, Senhor Doutor, que eu estou em meu juízo perfeito.
Semicúpio: Pior, pois quem dize que tem juízo, não o tem.
Dom Lancerote: Senhor Doutor, o homem está alucinado, depois que um fantasma, que saiu de uma caixa, o desancou; e sobre isso a grande pena que tem tomado de umas moças, que aqui introduziu em casa, enganando-as, de cuja insolência se me veio aqui a mãe queixar, que era mulher de bem, ao que parecia.
Semicúpio: Ela é muito criada de vossa mercê.
Dom Tibúrcio: Deixemos isso; o caso é que a minha barriga não está boa.
Semicúpio: Cale-se, que ainda há de ter uma boa barrigada; deite a língua fora.
Dom Tibúrcio: Ei-la aqui.
Semicúpio: Deite mais, mais.
Dom Tibúrcio: Não há mais.
Semicúpio: Essa bastará; é forte linguado! Tem mui boa ponta de língua! Vejam, vossas mercês, Senhores Doutores.
Dom Gilvaz: A língua é de prata.
Dom Fuas: Úmida está bastantemente.
Semicúpio: Venha o pulso: está intermitente, lânguido, e convulsivo; ó menina, tomou as águas?
Sevadilha: Ainda não veio o aguadeiro.
Semicúpio: Pergunto se o doente fez a mija?
Dom Tibúrcio: Nesta casa não há urinol.
Semicúpio: Pois tome-as ainda que seja numa frigideira em todo o casa, guia per orinis optime cognoscitur morbus.
Dom Lancerote: Ah, senhores, grande Médico!
Dona Nize: E D. Fuas como está melancólico! (Para Dona Clóris).
Dona Clóris: Estará cuidando na receita.
Semicúpio: Ora, senhores, capitulemos a queixa. Este fidalgo (se é que o é, que isto não pertence à Medicina) teve uma colórica procedida de paixões internas; porque o espírito agitado da representação fantasmal e da investida feminil, retraindo-se o sangue aos vasos linfáticos, deixando exauridas as matrizes sanguinárias, fez uma revolução no intestino reto; e como a matéria crassa e viscosa que havia nutrir o suco pancreático, pela sua turgência se achasse destituída do vigor, por falta do apetite famélico, degenerou em líquidos: estes, pela sua virtude acre e mordaz, vilicando e pungindo as túnicas e membranas do ventrículo, exaltaram-se os sais fixos e voláteis por virtude do acido alcalino, de sorte que fez com que o senhor andasse com as calças na mão toda esta noite: in calsis andatur, qui ventre evacuar, disse Galeno.
Dom Lancerote: Eu não lhe entendi palavra.
Dom Tibúrcio: Eu morro, sem saber de que.
Semicúpio: Conhecida a queixa, votem o remédio, que eu, como mais antigo, votarei em último lugar.
Dom Gilvaz: Eu sou de parecer que o sangrem.
Dom Fuas: Eu, que o purguem.
Semicúpio: Senhores meus, a grande queixa, grande remédio; o mais eficaz é que tome umas bichas nas meninas dos olhos, para que o humor faça retrocesso debaixo para cima.
Dom Tibúrcio: Como é isso, de bichas nas meninas dos olhos?
Semicúpio: É um remédio tópico, não se assuste que não é nada.
Dom Tibúrcio: Vossa mercê me quer cegar?
Semicúpio: Cale-se aí; quantas meninas tomam bichas, e mais não cegam.
Dom Lancerote: Calai-vos, sobrinho, que ele Médico é, e bem o entende.
Dom Tibúrcio: Por vida de Dom Tibúrcio, que primeiro há de levar o diabo ao Médico, e à receita, que em tal consinta. (Ergue-se).
Semicúpio: Deite-se, deite-se; o homem está maníaco, e furioso.
Dom Lancerote: Aquietai-vos, sois alguma criança?
Dona Nize: Ora Senhores Doutores, já que vossas mercês aqui se acham, bem é que os informemos, eu e minha irmã, de várias queixas que padecemos.
Semicúpio: Inda mais essa? Ora digam.
Dona Clóris: Senhor, o nosso achaque é tão semelhante que com uma só receita se podem curar ambos os males.
Dona Nize: Não há dúvida que o meu achaque é o mesmo em carne que o de minha irmã.
Semicúpio: Achaque em carne pertence à Cirurgia.
Dona Clóris: Que como dormimos ambas, se nos comunicou o mesmo achaque; e assim, senhor, padecemos umas ânsias no coração, umas melancolias n’alma, uma inquietação nos sentidos, uma travessura nas potencias; e finalmente, Senhor Doutor, é tal este mal, que se sente sem se sentir; que dói sem doer; que abrasa sem queimar; que alegra entristecentos, e entristece alegrando.
Semicúpio: Basta, já sei, isso é mal Cupidista.
Dom Lancerote: O que pe mal Cupidista, que nunca tal ouvi?
Semicúpio: É um mal da moda.
Dona Nize: Que remédio nos dão vossas mercês?
Dom Fuas: Eu dissera que o óleo da Manjerona era excelente remédio.
Dom Gilvaz: O verdadeiro para essa queixa são as fumaças do Alecrim.
Dom Fuas: Ui, Senhor Doutor, a Manjerona é um excelente remédio.
Dom Gilvaz: Nada chega ao alecrim, cujas excelentes virtudes são tantas, que para numera-las não acha número o algarismo: e não faltou quem discretamente lhe chamasse planta bendita.
Dom Fuas: Se entramos a especular virtudes, as da Manjerona são mais que as da erva santa.
Semicúpio: Daqui a pô-la bi altar não vai nada.
Dom Fuas: A Manjerona é planta de Vênus, de cujos ramos se coroa Cupido, e para o mal Cupidista não pode haver melhor remédio, que uma planta de Vênus, pois se notarmos a perfeição com que a natureza a revestiu daquelas mimosas folhinhas, para que todo o ano sejam jeroglífico da imortalidade; aquele suavíssimo aroma, de cuja fragrância, é hidrópico o olfato, ela é a delicia da Flora, o mimo de Abril, e a esmeralda no anel da primavera.
Semicúpio: É verdade; não há dúvida.
Dona Nize: (à parte). Estou tão contente!
Dom Gilvaz: O Alecrim, senhor, pela sua excelência é titular na republica das plantas, cujas flores, depois de serem bela imitação dos cerúleos globos, são a doçura do mundo nos melífluos ósculos das abelhas.
Semicúpio: Todavia a matéria é de apicibus.
Dom Gilvaz: Ele é a coroa dos jardins; o lenço vegetável das lagrimas da Aurora; mas chamas é Fênix; nas águas Rainha; e finalmente é o antídoto universal de todos os males, e a mais segura tabua da vida, quando no mar das queixas sopram os ventos inficionados; e para prova deste sistema repetirei traduzido em Português um Epigrama do Proto-Médico Avicena, Poeta Arábico.
Soneto
Um dia para Siques quis amor
Uma grinalda bela fabricar,
E por mais que buscou, não pôde achar
Flor do seu gosto entre tanta flor.
Desprezou do jasmim o seu candor,
E a rosa não quis por se espinhar,
Ao girassol mostrou não se inclinar,
E ao jacinto deixou na sua dor.
Mas tanto que chegou Cupido a ver
Entre virentes pompas o Alecrim,
Num verde ramo pretendeu colher;
Tu só me agradas, disse, pois enfim
Por ti desprezo, só por te querer,
Jacinto, girassol, rosa e jasmim.
Dona Clóris: Viva o Senhor Doutor, eu quero as fumaças do Alecrim.
Dom Tibúrcio: E morra o Senhor doente; ai minha barriga!
Dom Fuas: Se versos podem servir de textos, escute uns de um Antagonista desse Autor a favor da Manjerona pelos mesmos consoantes.
Soneto
Para vencer as flores quis amor
Setas de Manjerona fabricar:
Foi discreta eleição, pois soube achar
Quem soubesse vencer a toda a flor.
O jasmim desmaiou no seu candor,
A rosa começou-se a espinhar,
No girassol foi culto o inclinar,
Ais o Jacinto deu de inveja e dor.
Entre as vencidas flores pode ver
Retirar-se fugido o Alecrim,
Que amor para vingar-se o quis colher;
Cantou das flores o triunfo, enfim,
Nem os despojos quis, por não querer,
Jacinto, girassol, rosa e jasmim.
Dona Nize: Viva o Senhor Doutor, eu quero o remédio da Manjerona.
Dom Lancerote: Não cuide que a Manjerona e alecrim tinham tais virtudes. Vejamos agora o que diz o Senhor Doutor.
Dom Tibúrcio: Que tenho eu com isso? Senhores, vossas mercês me vieram curar a mim, ou às raparigas? Ai, minhas barrigas!
Semicúpio: Calado estive ouvindo a estes senhores da Escola Moderna, encarecendo a Manjerona e Alecrim. Não há dúvida que pro utraque parte há mui nervosos argumentos, em que os Doutores Alecrinistas e Manjeronistas se fundam; e tratando Dioscórides do Manjeronismo e Alecrinismo, assenta de pedra e cal, que para o mal Cupidista são remédios inanes; porque tratando Ovídio do remédio amoris, não achou outro mais genuíno contra o mal Cupidista que o Malmequer, por virtude simpática, magnética, diaforetica, e diurética, com a qual curatur amorem. Repetirei as palavras do mesmo Ovídio.
Soneto
Essa, que em cacos velhos se produz
Manjerona misérrima sem flor,
Esse pobre Alecrim, que em seu ardor
Todo se abrasa por sair à luz.
Ainda que se vejam hoje a fluz
Desbancar nas baralhas do amor,
Cuido, que elas o bobo hão de repor,
Se não negro seja eu como uma lapus.
O Malmequer, senhores, isso sim,
Que é flor, que desengana, sem fazer
No verde da esperança amor sem fim.
Deixem correr o tempo, e quem viver
Verá que a Manjerona e o Alecrim,
As plantas beijarão de malmequer.
Sevadilha: Viva, e reviva o Senhor Doutor, e já que é tão bom Médico, peço-lhe me cure de umas dores tão grandes que parecem feitiço.
Semicúpio: Dá cá as pulseiras. Ah, perra, que agora te agarrei! Tu estás marasmódica, e impiamática. Ah, senhor, logo, logo, antes que se perpetue uma febre podre, é necessário que esta rapariga tome uns semicúpios.
Sevadilha: Semicúpios eu? É coisa que abomino.
Semicúpio: Eu desencarrego a minha consciência e não sou a mais obrigado.
Dom Lancerote: Ela não tem querer, há de fazer o que vossa mercê mandar.
Fagundes: Eu também sou de carne, tenho anos, e tenho achaques.
Semicúpio: Pois cure-se primeiro dos anos, logo se curará dos achaques.
Fagundes: Não, senhor, que este achaque não é anual, é diário.
Semicúpio: Se fora noturno, não era mau. Pois que achaque é o seu, senhora velha.
Fagundes: Que há de ser? É esta madre, que me persegue.
Semicúpio: Ui, você com esses anos ainda tem madre? E o que será de velha a senhora sua madre? Filha, isso não é madre, é avó.
Fagundes: Talvez, que por isso tão ragubenta me persiga. E que lhe farei? Senhor Doutor?
Semicúpio: A uma madre velha que se lhe há de fazer? Andar, ponha-lhe óculos e muletas, e deixe-a andar.
Dom Lancerote: Isto aqui é um hospital, graças a Deus; só eu nesta casa sou são como um pero, apesar de duas fontes e uma funda.
Semicúpio: Ó ditoso homem, que vive sem males!
Dom Tibúrcio: Senhores, o meu mal devia ser contagioso; porque depois da minha doença todos adoeceram. Ai, minha barriga.
Dom Lancerote: Pois em que ficamos?
Semicúpio: Senhor meu, falando em termos, o doente sangre-se no pé; vossa mercê, na bolsa; às senhoras suas sobrinhas, três banhos; à moça, semicípios, e à velha lancem-na às ondas, que está danada.
Fagundes: Ai, que galante coisa!
Dona Clóris: Eu não quero mais remédio, que os fumos do Alecrim.
Dona Nize: E eu os da Manjerona.
Semicúpio: Não seja essa a dúvida, ainda que não sou desse voto, contudo cada um é senhor da sua vida e se pode curar como quiser; lá vai a receita.
Canta Semicúpio a seguinte
Ária
Si in medicinis
Te visitamus,
Non asniamus,
Sed de Alecrinis,
Et Manjeronis
Recipe quantum
Satis aná.
Credite mihi,
Qui sum peritus,
Non mediquitus
De cacaracá.
Dom Lancerote: Esperem, senhores, vossas mercês perdoem, lá repartam essa ninharia entre todos que eu não estou aparelhado senão para um.
Semicúpio: Venha embora, que só este é o verdadeiro sintoma da Medicina. (Vai-se).
Dom Gilvaz: Ai, Clóris, que quando o mal é de amor, só o morrer é remédio. (Vai-se).
Dom Fuas: Finjo que me vou por ver se posso apurar a falsidade de Dona Nize. (Vai-se).
Dom Tibúrcio: Mande-me cerrar este biombo, que vou entrando em um suor copioso, abafem-me bem.
Dom Lancerote: Aqui servia o meu capote: paciência! Vamo-nos, e deixe-mo-lo suar, ninguém lhe fale à mão. (Vai-se).
Dona Clóris: Vamos, Nize, a moralizar os extremos destes amantes. (Vai-se).
Dona Nize: Tanto me importa, vamos a regar os nossos craveiros. (Vai-se).
Fagundes: O diabo de Semicúpio temo, que m’o meta em um chichelo com seus ardis. (Vai-se).
(Entra Dom Fuas)
Dom Fuas: Já todos se foram. Quem me dera encontrar a esta tirana, cruel, falsa, inimiga.
(Entra Fagundes)
Fagundes: Dom Tibúrcio fica a suar como um cavalo. Mas, ai! Quem está aqui?
Dom Fuas: Sou eu, Senhora Fagundes, não se assuste.
Fagundes: Senhor, que temeridade é esta? Vossa mercê não vê que ainda é lusco-fusco? Como, sem deixar anoitecer, penetra esta parede aonde até o Sol entra às furtadelas?
Dom Fuas: Não reparei que ainda era dia; pois no abismo de meu ciúme sempre estou às escuras. Aonde está esta cruel Dona Nize?
Fagundes: Estará no jardim.
Dom Fuas: Pois vamos lá, e de caminho quero me vá dizendo de meter-me na caixa a mim e a D. Gil.
Fagundes: Vamos, que eu lhe contarei o que foi; ande por aqui com pés-de-lã. Ai, Senhor Dom Fuas, quanto me deve!
Cena VI
Vista de quintal, em que haverão alguns alegretes, e uma capoeira; e vem Dom Gilvaz, e Semicúpio descendo por uma corda.
Dom Gilvaz: Semicúpio, deixa-me descer eu primeiro, para que se não quebre a corda com o peso de ambos.
Semicúpio: Agarre-se bem à corda, e deixe-se escorregar.
Dom Gilvaz: Ora, já cá estou; mas eu não paro aqui, até encontrar com Dona Clóris. (Vai-se).
(Entra Dom Lancerote)
Dom Lancerote: Este quintal é o meu divertimento, e encanto; um homem aqui assentado e tomando o fresco, não há maior regalo.
Semicúpio: Agora já poderei descer afoitamente.
Dom Lancerote: Que é isto que cai sobre mim? Quem me acode?
(Ao descer Semicúpio cai sobre Dom Lancerote)
Semicúpio: (à parte). Não é nada, escarranchei-me no velho cuidando que era poial; estou bem aviado!
Dom Lancerote: Mas que vejo? Aqui d’El-Rei, ladrões!
Semicúpio: Não o disse eu?
Dom Lancerote: Ladrão, velhaco, tu, descendo por um corda os altos muros de meu quintal? Pois com essa mesma corda te atarei de pés e mãos, até que amanheça, para entregar-te à justiça.
Semicúpio: É bem feito, já que eu mesmo dei a corda para me enforcar.
Dom Lancerote: Dá cá os braços.
Semicúpio: Já está meu amigo? Quer-me abraçar?
Dom Lancerote: Anda cá, ladrão, mostra cá os pulsos.
Semicúpio: Não tenho febre.
Dom Lancerote: Dize, a que vieste a este quintal?
Semicúpio: Ora, senhor, ate-me muito embora mas não me aperte por isso.
Dom Lancerote: Por isso é que eu te aperto; hás de confessar a que vieste.
Semicúpio: (à parte). Eu estou atado, não sei o que lhe responda.
Dom Lancerote: Qual foi a fim que aqui te trouxe?
Semicúpio: A dar fim à minha vida, por dar princípio à minha morte por meios desta corda, que falsa me entregou nas mãos de vossa mercê.
Dom Lancerote: Vieste roubar-me, não é verdade?
Semicúpio: Sim, senhor, mas foi a roubar-lhe as atenções.
Dom Lancerote: Anda, ladrãozinho, para a capoeira donde ficarás atado.
Semicúpio: Para onde, senhor?
Dom Lancerote: Para a capoeira até que venha o Sol a ser testemunha do teu latrocínio.
Semicúpio: Pois vossa mercê quer encapoeirar-me? Graças a Deus que não sou cá nenhuma galinha, mas sabe por que fala? Porque me acha atado, quando não havíamos jogar as cristas.
Dom Lancerote: Anda, ladrão, que aqui ficarás até amanhecer. (Vai-se).
Semicúpio: Ora, criado Senhor Semicúpio: já sabemos que isto é meio caminho andado para a forca; mas é bem feito, que isto a mim me suceda. Que tinha eu cá com D. Gil? Pois para que ele fosse galo, me vejo eu feito galinha, se bem que já podia ser frango pelo esfrangalho; o magano estará a estas horas entre glorias, e eu entre penas; ele voando na esfera de amor, e eu de asa caída na gema dos ovos.
(Entra Fagundes)
Fagundes: Que mais me falta para fazer? Eu já fiz a cama a todos; já fiz a salada de ravos para cearmos; já temperei as gaitas para o galego; já assei o fricassé; já cozi um guardanapo; agora me falta deitar os arenques de molho, para ficar com as mãos lavadas. Ora sou uma tonta, esquecia-me o melhor, que é matar uma galinha para o doente, e mais trazia a faca na mão para isso.
Semicúpio: Eu o estava dizendo; grande desgraça é ser um homem galinha, pois até de uma mulher tem medo.
Fagundes: Mas confesso que não sou para ver sangue, que logo desmaio; porém eu fecho os olhos, e meto a faca, que alguma ficará espichada.
Semicúpio: Oh, mulher! Deus te tire isso do pensamento.
Fagundes: Qual! Eu sou muito melindrosa e pusilânime; não tenho valor para matar uma formiga. Ora lá vai a Deus, e à ventura.
Semicúpio: Sem falência eu morro de morte galinhal: não há mais remédio que falar à velha; mas se lhe falo é capaz de acordar o cão do velho, que está dormindo, e encerra-me em parte mais apertada; não sei o que faça; pois tal estou, que se a velha me mata, não tenho no corpo pinga de sangue para deitar.
Fagundes: Para que é cansar, eu são sou sanguinolenta.
(Entra Sevadilha)
Sevadilha: Fagundes, o senhor está desesperado por você; que faz aí?
Fagundes: Já que vieste, matarás uma galinha, que eu não me atrevo. (Vai-se).
Semicúpio: Lá vem a Sevadilha: ora, o certo é que donde a galinha tem os ovos aí se lhe vãos os olhos.
Sevadilha: Aborrece-me gente melindrosa; vejam agora que dó pode haver de matar um animal? Verão como eu faço isto brincando.
Semicúpio: Não são bons brinco esses, Sevadilha; mas se tu já me tens morto, para que me queres tornar a matar?
Sevadilha: Ai, que estamos em tempo que falam os animais! Este pela voz é Semicúpio.
Semicúpio: Eu sou que te falo de papo; é o teu Semicúpio que está feito semi-galo.
Sevadilha: Quem te meteu aí?
Semicúpio: O velho, por eu ser metediço.
Sevadilha: Pois como foi?
Semicúpio: Já me não lembro, que eu tenho memória de galo.
Sevadilha: anda cá para fora.
Semicúpio: Não posso, sem tu me enxotares daqui.
Sevadilha: Como não podes, se eu sei que muito pode o galo no seu poleiro?
Semicúpio: Isso seria se o velho me não desasara.
Sevadilha: Não sabes o bem que me pareces nessa capoeira! Estás guapo! Estás França!
Semicúpio: Sim, estou França, porque estou feito galo.
Sevadilha: Pois dá-me das tuas penas para um regalo.
Semicúpio: Pois tu te regalas com as minhas penas?
Sevadilha: Não, mas folgo de ver-te feito alam em pena.
Semicúpio: Que fará, se souberas, que estou todo coberto de penas vivas? Ora, anda Sevadilha, tira-me de mais penas.
Cantam Semicúpio e Sevadilha a seguinte
Ária
Sevadilha:
Meu frangínho
Topetudo
Como é galantinho!
Que lindo que está?
Semicúpio:
Minha bela
Malfazeja,
Caí na esparrela,
Liberta-me já.
Sevadilha:
Coitada da pila,
Pila, pila, pila,
Que te hão de pilar.
Semicúpio:
Acode-me, filha.
Que estou, há meia hora
A cacarejar.
Ambos:
Que triste cantar
É o cacarejar!
Sevadilha:
Mas não te agastes,
Que eu vou-te a soltar,
Semicúpio:
Vem já, que não posso
Mais tempo penar.
Ambos:
Que é pena, que é magoa,
Que uma ave de pena
Não possa voar.
Semicúpio: Anda, deita-me pela porta Dora, ainda que seja aos coices. (Vai-se).
Sevadilha: Ora vamos. (Vai-se).
(Entra Dom Fuas)
Dom Fuas: Para este quintal, ou jardim, ou o que for, me disse Fagundes viera Dona Nize a regar a sua Manjerona; mas enquanto ela não vem, me esconderei atrás deste canteiro de Alecrim, pois de Manjerona não quero auxílios, para encobrir-me de argentados esplendores da Lua, que tão clara se ostenta esta noite, talvez avisando-me na clara inconstância de seus raios a variedade de Dona Nize.
(Esconde-se da banda do Alecrim)
(Entra Dom Gilvaz)
Dom Gilvaz: Grande temeridade, dói a minha, pois sem avisar a Dona Clóris me expus a penetrar os quartos desta casa, com o perigo de me encontrar Dom Lancerote; mas, sem dúvida, Clóris virá a este seu jardim a namorar o seu Alecrim; e assim escondido nas sobras destas plantas… Mas ai que é Manjerona! Perdoa, Clóris, que esta ação dói um acaso e não eleição. (Esconde-se da banda da Manjerona).
Entram Dona Nize e Dona Clóris, cada uma pela sua parte com aguadores na mão, regando, e cantando o seguinte:
Dona Nize:
Sois no céu de Flora,
Manjerona bela,
Não só verde estrela,
Mas luzida flor.
Dona Clóris:
Alecrim florido,
Que de Abril na esfera
Sois na primavera
Fragrante primor.
Ambas:
Esta pura neve,
Que tributa Flora,
São risos da Aurora,
E lagrimas de amor.
Recitado
Dona Nize:
Mas que vejo? (Ai de mim!) quem arrogante,
Da Manjerona usurpa o ser fragrante?
Dom Gilvaz:
Quem, ó Nize, escondido amante espera
O Sol que adoro nesta verde esfera? (Sai).
Dom Fuas:
Pois, traidor, como assim tirano intentas,
Roubar-me a Nize, que meu peito adora? (Sai).
E tu, falsa inimiga. Mas ai triste,
Que mal a tanta pena a dor resiste!
Dona Clóris:
E tu, falso Dom Gilvaz, que em torpe insulto
Buscas a Manjerona amante oculto,
Deixa-me, fementido…
Dom Gilvaz:
Atende, ó Clóris,
Que sem causa fulminas teus rigores,
Quando em puros ardores
Nas chamas do Alecrim feliz me abraço.
Dona Nize:
Sem motivo, Dom Fuas, me criminas; porque eu firme…
Dom Gilvaz:
E eu constante....
Dom Gilvaz e Dona Nize:
Fiel te adoro, e te busco amante.
Ária A
Dom Gilvaz:
Atende, ó Clóris, atende
Verdades de quem sabe
Ser firme em te adorar.
Dona Clóris:
Suspende, infiel, suspende
Injurias de quem sabe
Jamais te acreditar.
Dom Fuas:
Nize ingrata, infiel amigo,
Cesse a bárbara indecência,
Que a evidencia
Não se pode equivocar.
Dom Gilvaz e Dona Nize:
Pois tu só querida prenda.
Dom Fuas e Dona Clóris:
Já não creio os teus enganos.
Dom Gilvaz e Dona Nize:
Nas purezas de meu peito
Felizmente viverás.
Dom Fuas e Dona Clóris:
Nos rigores de meu peito
Teu castigo encontrarás.
Todos: