Sadece LitRes`te okuyun

Kitap dosya olarak indirilemez ancak uygulamamız üzerinden veya online olarak web sitemizden okunabilir.

Kitabı oku: «Guerras do Alecrim e da Manjerona», sayfa 4

Yazı tipi:

Cena III

Câmara. Entram Dom Gilvaz e Dona Nize.

Dom Gilvaz: Senhora Dona Nize, se acaso em vossa piedade pode achar amparao um desgraçado, peço-vos que me oculteis; pois já a rubicunda aurora em risonhas vozes nos avisa da chegada do Sol, assim a vossa Manjerona se veja coroada de louro no Capitólio do amor.

Dona Nize: Já o alecrim pede favores à Manjerona?

Dom Gilvaz: Se Dona Clóris não aparece, que quereis que faça?

Dona Nize: Pois escondei-vos nessa alcova, enquanto a vou chamar.

(Esconde-se Dom Gilvaz e entra Dom Fuas)

Dom Fuas: aonde vais, tirana? Procuras acaso o teu amante? Oh, murcha seja a tua Manjerona que como planta venenosa me tem morto;

Dona Nize: Homem do demônio, ou quem quer que és, que em negra hora te vi, e amei, que desconfianças são essas? Que amante é esse, com quem me andas aqui apurando a paciência, e sem que, nem que, descompondo a minha Manjerona?

Dom Fuas: Pois quem era aquele que saiu da caixa a dizer-te mil colóquios?

Dona Nize: Que sei eu quem era; salvo fosse… Mas retira-te, que aí vem gente.

Dom Fuas: Esconder-me-ei aonde for.

(Quer esconder-se onde está Dom Gilvaz)

Dona Nize: Não te escondas aí. Ai de mim, que se Dom Fuas vê a D. Gil, fará o seu ciúme verdadeiro!

Dom Fuas: Não queres que me esconda aí? Agora, por isso mesmo.

Dona Nize: Tem mão, adverte…

Dom Fuas: Qual adverte? Tens aí acaso escondido o teu amante?

Dona Nize: Não, Dom Fuas, porque só tu…

Dom Fuas: Que é isso? Mudas de cor?

Dona Nize: Se a cor é acidente; estou para desmaiar, vendo a sem razão, com que me criminas.

(Entra Dona Clóris)

Dona Clóris: Nize, que alarido é esse? Queres que venha o tio e ache aqui este estafermo?

Dona Nize: São loucuras de um zeloso sem causa.

Dom Fuas: São zelos de uma causa sem loucura. E senão diga-me Senhora Dona Clóris, por vida do Senhor seu Alecrim, não é para ter zelos ver repetidas vezes a um sujeito procurar a Dona Nize com tão repetidos extremos, que uma coisa é vê-lo e outra dize-lo; e suponho o tem agora escondido naquela alcova de donde me desvia para esconder-me?

Dona Clóris: Isso verei eu, que também me importa essa averiguação.

Dona Nize: (à parte). Clóris, não te canses, que não hás de ver quem aí está. Estou perdida!

Dom Fuas: É para que veja, senhora, a razão que tenho. Ah, tirana!

Dona Clóris: Já agora por capricho hei de ver quem aí está. Vossa mercê é, Senhor Dom Gilvaz? Que é isso? Quer enxertar o meu alecrim com a Manjerona de Dona Nize.

Dom Gilvaz: Há caso semelhante!

Dom Fuas: Falso, traidor amigo, como sabendo que eu pretendo a Dona Nize, te expões a embaraçar o meu emprego?

Dom Gilvaz: Dona Clóris, Dom Fuas, para que são esses extremos, quando a Senhora Dona Nize nem a vós vos ofende, nem a mim me corresponde?

Dom Fuas: Ninguém se esconde sem delito.

Dona Clóris: Ninguém se oculta sem motivo.

Dona Nize: Ora, agora não quero dar satisfações, nem a uma louca, nem a um temerário: é muita verdade; escondi a D. Gil, por que lhe quero bem; pois que temos?

Dom Fuas: Que isto sofra a minha paciência! Ah, ingrata!

Dona Clóris: Que isto tolerem os meus zelos! Ah, falso amante!

Dom Gilvaz: A Senhora Dona Nize está zombando, e aquilo nela é galanteria.

Dona Nize: Não é senão realidade, e tenho dito. (Vai-se).

Dom Fuas: Não se viu mais descarado rigor! Espera, cruel, e veras com os teus olhos os ultrajes que faço à tua Manjerona. (Vai-se).

Dona Clóris: Senhor D.Gil, venha depressa o meu Alecrim.

Dom Gilvaz: O teu Alecrim é inseparável de meu peito.

Dona Clóris: Deixemos graças, que eu não zombo.

Dom Gilvaz: Pois entendes que Dona Nize fala deveras?

Dona Clóris: Quer falasse deveras, quer não, venha o meu Alecrim.

Dom Gilvaz: De que sorte queres que te satisfaça? Ignoras acaso as firmezas de meu amor?

Canta Dom Gilvaz a seguinte

Ária
 
Borboleta namorada,
Que nas luzes abrasada,
Quando expira nos incêndios.
Solicita o mesmo ardor.
Tal, ó Clóris, me magino,
Pois parece, que o destino
Quer, por mais que tu me mates,
Que apeteça o teu rigor.
 

(Entram Semicúpio e Sevadilha)

Semicúpio: Senhor Dom Gilvaz, nunca Semicúpio se viu em calças mais pardas.

Dom Gilvaz: Por que?

Sevadilha: Porque o velho já aí vem caminhado como uma centopéia.

Dona Clóris: Anda, D. Gil, para dentro, até que haja ocasião para saíres.

Dom Gilvaz: Vais ainda com escrúpulos na minha constância?

Dona Clóris: Cá dentro apuraremos essas finezas. (Vai-se).

Dom Gilvaz: Ó Semicúpio, vê como havemos sair daqui, que bem sabes que tenho de escrever hoje para o correio. (Vai-se).

Semicúpio: Tomara que o fizessem em postas, o levasse barzabu às vinte.

Sevadilha: E se lhes não dizemos que vinha o velho, ainda se não iam.

Semicúpio: E ia-se a história sem nós fazermos nosso papel de Alfazema por causa do Alecrim.

Sevadilha: Não me dirás, Semicúpio, em que há de parar toda esta barafunda?

Semicúpio: Em algum casamento, isso já se sabe; tomara eu também que me dissesses em que havemos nós parar?

Sevadilha: Em correr, que se paramos aqui talvez que nos envidem o resto.

Semicúpio: Não embaralhes o sentido em que te falo. Ai, Sevadilha, que não só me chegaste ao coração, mas também aos narizes! E assim não ponhas por estanque os teus favores: antes afável, dá-me alguma amostrinha de tua inclinação.

Sevadilha: Quem te meteu esses fumos na cabeça!

Semicúpio: O dó que tenho de te ver tão matadora.

Sevadilha: Vai-te daí, que tenho nojo de chegar-me a ti.

Semicúpio: Eu não te mereço, que me descomponhas o carinho com que te trato. Ai, Sevadilha, que sinto assar-me nos espetos quentes de teus olhos, aonde os repetidos espirros de meu incêndio…

Sevadilha: Se me disseras isso em dois dedos de papel, ainda te crera.

Semicúpio: Não só em dois dedos, mas em toda a mão do solfá, donde verás de teu Semicúpio as finas cláusulas de suas semicopadas.

Canta Semicúpio, espirrando no fim de cada verso, a seguinte

Ária
 
Não posso, ó Sevadi…
Dizer-te, o que padê…
Que o meu amor trave…
Chegando-me aos nari…
Num moto contínuo me faz espirrar.
Mas se é tafularia
Este vício de querer-te,
Toda inteira hei de sorver-te,
Por mais que me veja morrer, e estalar. (vai-se).
 

Sevadilha: Ora, Deus o ajude com tanto espirrar.

(Entram Dom Lancerote e Dom Tibúrcio)

Dom Lancerote: Basta, sobrinho, que não fostes vós, o que me derreastes?

Dom Tibúrcio: Pois acha vossa mercê, que havia por as mãos violentas nas reverendas barbas de vossa mercê? Igual eu me podia com mais razão queixar de vossa mercê, que me fez em estilhas.

Dom Lancerote: Eu, sobrinho? Isso é engano; eu havia erguer a mão para vós, quando só as devo levantar ao Céu, para dar-lhe graças, por dar-me para uma de minhas sobrinhas um noivo tão gentil-homem?

Dom Tibúrcio: Não vai a dar quebranto.

Sevadilha: (à parte). E ele, que é mui belo.

Dom Tibúrcio: Pois se nenhum de nós reciprocamente deu um no outro, quem seria?

Dom Lancerote: Eu também não posso atinar; o que sei é que a caixa para nós foi de guerra.

Sevadilha: (à parte). E para o noivo, de tartaruga do Alentejo.

Dom Lancerote: Sevadilha, anda cá, não o negues: quem andará nesta casa; há um par de noites que sinto grande rebuliço?

Sevadilha: Senhor, eu tenho par Amim que esta casa às escuras é assombrada.

Dom Lancerote: Tens visto alguma coisa?

Sevadilha: Ai, senhor, tenho visto tantas coisas, que não me atrevo a dize-las.

Dom Lancerote: Dize, rapariga.

Sevadilha: Só em cuidar no que vi, estou para me desmaiar.

Dom Lancerote: Era coisa do outro mundo?

Sevadilha: Qual do outro mundo, se eu a vi neste?

Dom Lancerote: Era fantasma?

Sevadilha: O que é fantasma?

Dom Lancerote: É uma coisa branca, que põe os olhos em alvo.

Sevadilha: Senhor, eu não sei o que é; sei somente que vi sair de uma caixa uma coisa como furação de vento, que me deu muita pancada.

Dom Lancerote: Vedes sobrinho? É o mesmo que nos sucede em carne.

Dom Tibúrcio: Na carne aliás.

Dom Lancerote: Aqui não há outro remédio mais que safares logo, e já, e levares vossa mulher convosco, que eu ponho escritos nas casas, e mudo-me às carreiras.

Dom Tibúrcio: Isso é o verdadeiro.

Dom Lancerote: Sevadilha, vai chamar as raparigas que venham cá depressa.

Sevadilha: (à parte). Genro, e sogro, não os vi mais bestas! (Vai-se).

Dom Tibúrcio: Para que manda vossa mercê chamar as minhas primas tão depressa?

Dom Lancerote: Logo vereis.

(Entram Dona Clóris e Dona Nize)

Ambas: Que nos ordenas, Senhor?

Dom Lancerote: Sobrinho, elas aí estão, escolhi uma das duas para vossa esposa.

Dona Clóris: Eu fiz voto de ser freira, e assim não posso casar.

Dom Lancerote: Pois case Dona Nize.

Dona Nize: Eu menos, que quero ser donzela.

Dom Lancerote: Isso já não pode ser, que dei a minha palavra, que vale mais que tudo.

Dom Tibúrcio: Eu já me resolvera a aturar a ríspida condição de Dona Nize, mas sem receber o dote não me recebo.

Dom Lancerote: Andai, que sois um impolítico; algum homem que tem brio, fala em dote?

Dom Tibúrcio: E algum homem, que quer dote, atenta em brio?

(Entram Dom Fuas, Dom Gilvaz e Semicúpio vestidos de mulher com mantos)

Semicúpio: Senhor, esta industria nos valha que, para sair, sempre foi boa uma saia.

Dom Gilvaz: (à parte). Quem serve a Cupido, não é muito que se afemine.

Dom Fuas: (à parte). Até nisto mostra o amor que é covarde.

Dom Lancerote: Que mulheres são essas, que saem da nossa alcova?

Dona Clóris: (à parte). Estou tremendo ano se descubra a tramóia.

Semicúpio: Senhor Dom Tibúrcio, as mulheres honradas, como eu, se não tratam desta sorte.

Dom Tibúrcio: Senhora, vossa mercê vem enganada.

Dom Lancerote: Que é isto, sobrinho?

Dom Tibúrcio: Eu o não sei em minha consciência.

Dom Lancerote: Senhoras, como entrastes nesta casa?

Semicúpio: Este senhor sobrinho de vossa mercê merecia que lhe dessem duas facadas, pois sem alma, nem consciência, depois de o introduzir na minha casa, para casar com uma de minhas filhas, que vossa mercê aqui vê, teve tais ardis que enganou a ambas, e de ambas triunfou; e para mais penas sentir esta madrugada, nos mandou viéssemos e esta casa, que disse era sua e no cabo sei que não é, e está para casar com uma sobrinha de vossa mercê. Ah, traidor, ladrão, não sei como te não esgadanho e te arranco essas goelas.

Dom Lancerote: É notável caso! Sobrinho desalmado, que é o que fizestes?

Dom Tibúrcio: Senhor, eu estou tolo de ver mentir esta mulher!

Dom Gilvaz: Ah, falso Dom Tibúrcio, o Céu me vingue de tuas falsidades.

Dom Fuas: Ainda nega o magano? Tal estou, que lhe arrancara estas barbas.

Semicúpio: Deixai, filhas, deixai, que ainda no Céu há raios e no inferno a caldeira de Pero Botelho para castigo de velhacos. Vamos, meninas. (Vão-se).

Dona Clóris: (à parte). Já estamos livres deste susto.

Dona Nize: (à parte). O criado vale um milhão.

Dom Lancerote: Senhor sobrinho, vossa mercê a tem feito como os seus narizes; basta, que vossa mercê é useiro e vezeiro a enganar moças?

Dom Tibúrcio: Senhor, eu não conheço tais mulheres.

Dom Lancerote: Se não tendes outra desculpa, essa não me satisfaz, e agora vejo que por isso dilatáveis o casar com vossas primas, fingindo irresoluções e regateando o dote.

Dom Tibúrcio: Senhor, permita Deus, que se eu…

Dom Lancerote: Não jureis falso; dizei-me, e tivestes atrevimento de meteres mulheres em casa, sem atenção ao decoro de vossas primas?

Dom Tibúrcio: Primas do meu coração, eu estou para enlouquecer, pois estou inocente…

Dona Clóris: Cale-se, tenha juízo; basta, que com esse feitio nos queria lograr?

Dona Nize: É o senhor sisudo, que não aprovava os ranchos de Alecrim e Manjerona!

Dom Tibúrcio: Ora basta, que diga eu que não conheço tais mulheres.

Dona Clóris: Cale-se, tonto.

Dona Nize: Cale-se, simples.

Dona Clóris: Basbaque.

Dona Nize: Insolente.

Ambas: Que? Agora casar? Aqui para trás. (vão-se).

Dom Tibúrcio: Senhor tio, dê-me atenção, senão desesperarei.

Canta Dom Lancerote a seguinte

Ária
 
Eis aqui: eu estou perdido,
Gasto feito, noiva pronta,
Porta aberta, e casa tonta;
Ah, sobrinho! Mas que digo?
Emprestai-me a vossa espada,
Que me quero degolar.
Oh prudência desgraçada,
Pois não faço uma salada
Por ninguém me ouvir gritar.
 

Dom Tibúrcio: Que isto a mim me suceda? Não há homem mais infeliz!

Cena IV

Praça. Entram Dom Gilvaz e Semicúpio.

Dom Gilvaz: Uma e muitas vezes te considero, Semicúpio, prodigioso artífice de meu amor, pois com as tuas máquinas vais erigindo o retorcido tálamo que há de ser trono do mais ditoso Himeneu.

Semicúpio: Já disse a vossa mercê que mais obras e menos palavras. Semicúpio, senhor, já se acha mui cansado, tomara que me aposentasse com meio soldo, que este oficio de alcova é mui perigoso; que suposto tenha asas para fugir, também as asas têm penas para sentir.

Dom Gilvaz: Semicúpio, já o pior é passado: acabemos de deitar esta nau ao mar, que então teremos enchentes.

Semicúpio: E no cabo de tantas enchentes tudo nada.

Dom Gilvaz: Anda, não desmaies, que hoje havemos mostrar ao Mundo os triunfos do Alecrim.

Semicúpio: E a Manjerona todavia não menos viçosa com os borrifos de Fagundes.

Dom Gilvaz: Mas a galanteria é que todas as suas idéias redundam em nosso proveito.

Semicúpio: Aí é que está a filigrana do jogo, Fagundes a semear e nós a colher.

(Entra Sevadilha com mantilha)

Dom Gilvaz: Aquela que lá vem, não é Sevadilha?

Semicúpio: Pelo cheiro assim me parece.

Dom Gilvaz: Que novidade é essa, Sevadilha? Tu só, por aqui?

Sevadilha: Que há de ser? A maior desgraça do mundo.

Dom Gilvaz: Que? Morreu o velho!

Sevadilha: Isso então seria fortuna.

Dom Gilvaz: Pois que foi?

Sevadilha: Foi, que Dom Tibúrcio com a pena de se ver acometido de três mulheres, como vossa mercê sabe, à vista das noivas e do sogro, tomou tal paixão, que lhe deu esta noite uma cólica e está quase indo-se por um fio; e, assim, eu por uma parte, Fagundes e o Galego por ambas, vamos a chamar o Médico. Adeus, que me não posso deter.

Dom Gilvaz: Espera.

Sevadilha: Não posso, que Dom Tibúrcio está morrendo por instantes.

Semicúpio: Não te canses que já o achas morto; ande cá, tenha feição, e faça palestra com os amigos.

Dom Gilvaz: Que faz Dona Clóris?

Sevadilha: Não me detenha, adeus.

Semicúpio: Dize-me primeiro que tal te pareci em trajes de mulher?

Sevadilha: Não estou par isso, deixe-me ir, que estou com pressa.

Semicúpio: Há tal pressa! Como se estivera alguém para morrer!

Sevadilha: Não vês que vou acudir a esta grande necessidade.

Semicúpio: Vai-te, filha, vai-te, não te sofras.

Sevadilha: Bem puderas tu poupar-me essas passadas, e ir chamar um médico às carreiras.

Semicúpio: Vai descansada, que eu chamarei o médico.

Dom Gilvaz: Sim, com muito gosto.

Sevadilha: Ora, faça-me esse favor, e adeus. (vai-se).

Dom Gilvaz: Anda depressa, vai chamar o Médico.

Semicúpio: Que Médico? Cuide noutra coisa.

Dom Gilvaz: Isso é zombaria. Não permita Deus que o homem morra por nossa omissão.

Semicúpio: Vamos, que eu e vossa mercê havemos ser os Médicos na enfermidade de Dom Tibúrcio.

Dom Gilvaz: Estás louco? Pois nós sabemos Medicina?

Semicúpio: Assim como há filosofia natural, por que não haverá natural medicina?

Dom Gilvaz: E se o doente morrer por falta de remédio?

Semicúpio: Mais depressa morrerá por muitos remédios.

Dom Gilvaz: E que lhe havemos aplicar?

Semicúpio: Tudo o que não for veneno: porque o que não mata, engorda.

Dom Gilvaz: Isso é temeridade.

Semicúpio: Vamos, senhor, e Deus sobre tudo.

(Entra Dom Fuas)

Dom Fuas: Espera, traidor D.Gil.

Semicúpio: Ai, que isto é alguma espera!

Dom Gilvaz: Que me quereis, Dom Fuas?

Dom Fuas: Que metais a mão a essa espada.

Dom Gilvaz: Para que?

Semicúpio: É boa pergunta! Para que será? É para fazer alféloa magana.

Dom Fuas: Vereis, que sabe o meu valor castigar ofensas de um amigo desleal; pois sabendo vós que Dona Nize era o ídolo da minha veneração, chegastes a profanar o meu culto com os sacrilégios votos de vossos sacrifícios, a quem suavizaram os odofiferos hálitos da Manjerona.

Semicúpio: Ai, c’os diabos!

Dom Fuas: E assim metei a mão a essa espada, para que se conserve Dona Nize, ou segura no templo de meu peito, ou no de vosso coração.

Semicúpio: Senhor, aqui não é lugar de desafios, vamos para Val de cavalinhos a jogar os coices.

Dom Gilvaz: Dom Fuas, estais louco? Vede, que sem causa é a vossa queixa.

Dom Fuas: Não quero satisfações, vamos puxando.

Semicúpio: Este homem vem puxado.

Dom Gilvaz: Pois para que vejais que o satisfazer-vos não é temer-vos…

(Entra Fagundes com mantilha)

Fagundes: Cé, ah Senhor Dom Fuas, uma palavrinha depressa, que importa.

Dom Fuas: Aquela é Fagundes, que me quererá? Esperai, D.Gil, enquanto falo a esta mulher.

Semicúpio: Senhor, não consinto, ou falar ou brigar.

Dom Gilvaz: Deixai mulheres e brigai, que estou pronto a satisfazer-vos por este modo.

Fagundes: Senhor, venha já, depressa.

Semicúpio: Já vai, que quer aqui primeiro meter a espada pelo olho e um amigo.

Fagundes: Ande, senão vou-me.

Dom Fuas: Espera, que eu vou.

Dom Gilvaz: Briguemos, Dom Fuas.

Semicúpio: Vamos a isso, antes que se acabe a cólera.

Dom Fuas: D.Gil, se tendes brio, esperai; que eu venho já. (Vai para Fagundes)

Semicúpio: Ora, vá de seu vagar, que esta pendência não é de cerimônia Senhor D. Gil, abalemos com os cachimbos que brigar com loucos é ser mais louco. (Vai-se)

Dom Gilvaz: Tomo o teu conselho. (Vai-se)

Fagundes: Sim, senhor, a casa está revolta; Dom Tibúrcio nos artículos da morte e quase moribundo; o velho banzando, e tudo banzeiro, e à vista disto pode vossa mercê introduzir-se em casa o mais depressa, que puder, em alguma forma, que inventar a sua industria, e adeus.

Dom Fuas: Ouça cá.

Fagundes: Não posso, que vou à botica.

Dom Fuas: Pois essa ingrata de Dona Nize ainda…

Fagundes: Não estou para ouvir nada.

Dom Fuas: Espere, tome lá esses vinténs pelo trabalho.

Fagundes: Mostre cá depressa.

Dom Fuas: Ora diga-me, pois Dona Nize…

Fagundes: Noutra ocasião falaremos, venha isso depressa.

Dom Fuas: Tome lá: mas diga-me, enquanto tiro a bolsa, essa falsa, essa cruel…

Fagundes: Ai, mostre cá, não me detenha.

Dom Fuas: Espere, que tenho o boldrié por cima da algibeira.

Fagundes: Pois, senhor, se a sua bolsa esta aferrolhada, a minha língua está ferrugenta. (Vai-se)

Dom Fuas: Muito interesseira é esta velha! Mas aonde está D.Gil? D.Gil? Foi-se o covarde; mas à fé de quem sou, que as não há de perder comigo, e tu, ingrata Nize, hoje irei a ver-te disfarçado; que à vista das tuas falsidades é justo que me revista não só de outro hábito, mas também de outro afeto.

Canta Dom Fuas a seguinte

Aria
 
De um amigo, e de uma ingrata
Ofendido, e ultrajado?
Quem me dera ver vingado!
Oh não sei como ainda cabe No meu peito tanta dor!
Mas, sim cabe, porque as penas
Nos estragos repartidas
Pelas bocas das feridas
Sairão com mais vigor, (Vai-se)
 
Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
24 ağustos 2016
Hacim:
90 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain
Metin
Ortalama puan 0, 0 oylamaya göre