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Kitabı oku: «Guerras do Alecrim e da Manjerona», sayfa 3

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Segunda Parte

Cena I

Praça. Entram Dom Gilvaz e Semicúpio.

Dom Gilvaz: Ainda não sei cabalmente aplaudir a tua industria, ó insigne Semicúpio.

Semicúpio: Nem aplaudir, nem agradecerm Senhor Dom Gilvaz.

Dom Gilvaz: As tuas idéias são tão impossíveis de aplaudir como de agradecer, pois todo o premio é diminuto e todo o louvor limitado.

Semicúpio: Visto isso, eu mesmo tenho a culpa de não ser premiado; porque se eu não servira tão bem, estaria mais bem servido. Senhor meu, eu nunca fui amigo de palanfrórios: mais obras, e menos palavras; eu quero que me ajuste a minha conta.

Dom Gilvaz: Para que?

Semicúpio: Para pôr-me no olho da rua, que serei mais bem visto.

Dom Gilvaz: Semicúpio, nem sempre o diabo há de estar atrás da porta.

Semicúpio: Sim, porque entrará para dentro de casa.

Dom Gilvaz: Cala-te, que se consigo a Dona Clóris com seu dote, e arras, eu te prometo que Andes numa boléia.

Semicúpio: Senhor, não me ande com a cabeça à roda com essas promessas; era melhor que os prêmios andassem a rodo.

(Entra Fagundes)

Fagundes: Lá deixo a Dom Fuas numa caixa, para o introduzir com Dona Nize em casa sem sustos, como da outra vez; tomara achar um homem que m’a carregasse.

Dom Gilvaz: Lá vem a velha, criada de Dona Clóris.

Semicúpio: Retire-se vossa mercê, e deixe-me com ela.

Dom Gilvaz: Pois eu aqui te espero. (vai-se).

Fagundes: Ó filho, por vida vossa quereis levar-me uma caixa?

Semicúpio: Com que achou-me vossa mercê com ombros de mariola?

Fagundes: Pois perdoe-me, que cuidei que era homem de ganhar.

Semicúpio: Todos nesta vida somos homens de ganhar, porém o modo é que desautoriza.

Fagundes: Isto não era mais que levar uma caixa às costas.

Semicúpio: Pois se não é mais do que isso, entendo que não estará mal à minha pessoa.

Fagundes: Qual mal? Antes lhe estará muito bem.

Semicúpio: Mas advirto que isto em mim não é oficio, é uma mera curiosidade.

Fagundes: Ora, Deus lhe dê saúde; olhe, ela pesa pouco, e vai aqui para casa de Lancerote.

Semicúpio: E de quem é a caixa?

Fagundes: è minha, que a que eu tinha toda se desfaz em caruncho.

Semicúpio: Pois esta não se livrará da traça, que intento usar com ela (à parte). Vamos, Senhora. (vai-se).

(Entra Dom Gilvaz)

Dom Gilvaz: aonde irá Semicúpio com a velha? O maldito não perde ocasião: com semelhante jardineiro não murchará o Alecrim de Dona Clóris; porém ele lá vem com uma caixa às costas.

(Entra Semicúpio com uma caixa às costas e logo a põe no chão)

Semicúpio: Desencontrei-me da velha, que andará tonta por mim.

Dom Gilvaz: Que é isto, Semicúpio?

Semicúpio: Não lhe importe, vá-se enrolando, que se há de meter aqui dentro e hei de levar esse corpinho a casa de Dona Clóris.

Dom Gilvaz: Isso é quimera; como posso eu caber aí?

Semicúpio: Isso não me importa a mim; abata as presunções, que logo caberá em toda a parte.

Dom Gilvaz: E como havemos abri-la, que está fechada?

Semicúpio: Não sabe que a irmã gazua sempre me acompanha? Eu a abro. (Abre).

Dom Gilvaz: Esta tramóia é mui arriscada; que tem dentro?

Semicúpio: Eu vejo uns trapos estendidos. Ande, ande, que nos importa a nós.

Dom Gilvaz: Ora vamos a isso: ai, Clóris, quanto me custas!

(Mete-se Dom Gilvaz na caixa, e a fecha Semicúpio, e logo a põe às costas, e dentro também virá Dom Fuas).

Semicúpio: Não há de ser má esta encaixação. Arre, o que pesa a criança!

Dom Fuas: Ai, que me esmagam os narizes!

Dom Gilvaz: Quem está aqui? Espera, vejamos o que é.

Semicúpio: O que for lá se achara.

Dom Gilvaz: Espera, que isto é traição.

Dom Fuas: Homem dos diabos, não me esborraches.

Dom Gilvaz: Aqui-del-rei, não há quem me acuda?

Semicúpio: Cale-se, tamanhão, que para boa casa vai. (vai-se).

Cena II

Sala. Entram Dom Tibúrcio e Sevadilha.

Dom Tibúrcio: Sevadilha, agora que estamos sós, quero te pedir um conselho.

Sevadilha: Se vossa mercê acha que lh’os posso dar, proponha que eu resolverei.

Dom Tibúrcio: Tu bme sabes que eu vim para casar com uma destas duas primas minhas; ambas são belas, ao que entendo; só me resta saber as manhas de cada uma, para que escolha do mal o menos.

Sevadilha: Senhor, ambas são mui bastante moças, a Senhora Dona Clóris é mui perfeita, sabe fazer os ovos moles muito bem; a Senhora Dona Nize tem melhor juízo; muito assento, quando não está de levante; grande capacidade; e tanto, que sendo tão rapariga já lhe nasceu o dente do siso; porém na condição é uma víbora assanhada.

Dom Tibúrcio: Não sei, Sevadilha, o que faça neste caso.

Sevadilha: Não casar com nenhuma.

Dom Tibúrcio: Pois eu vim cá por besta de pau?

Sevadilha: Eu digo o que entendo em minha consciência.

Dom Tibúrcio: Oh, se pudera eu casar contigo, Sevadilha, porque só tu me caíste em graça!

Sevadilha: Ai, que graça! Diga-me isso outra vez.

Dom Tibúrcio: Não zombe, que não estou fora de fazer eu uma parvoíce.

Sevadilha: Não será a primeira.

Dom Tibúrcio: Queres tu que fujamos? Olha, que estou com minhas tentações de te fazer dona da minha casa.

Sevadilha: Diga-me destas, que gosto disso.

Dom Tibúrcio: Sevadilha, não percas esta fortuna.

Sevadilha: quem é a fortuna?

Dom Tibúrcio: Sou eu, que te quero.

Sevadilha: Se é fortuna, será inconstante.

Dom Tibúrcio: Ai, que a moça me fala por equívocos! És discreta.

Sevadilha: Ora vá-se com a fortuna.

(Entra Semicúpio com a caixa às costas).

Semicúpio: Quem toma conta deste arcaz?

Dom Tibúrcio: Quem a manda?

Semicúpio: Uma mulher já de dias grandes, porque era bastantemente velha.

Dom Tibúrcio: A mim me melem, se isto não é já alguma preparação para o casamento.

Semicúpio: Vossa mercê parece que adivinha, pois para casamento é, segundo ouvi dizer a um terceiro.

Dom Tibúrcio: Sabes, o que virá aí dentro?

Semicúpio: Cuido que é um vestido.

Dom Tibúrcio: E que tal?

Semicúpio: Belo na verdade, bordado com uns vivos brancos, e de cores tão vivas, que estão saltando.

Dom Tibúrcio: É de mulher ou de homem?

Semicúpio: Tudo o que aqui vem é para mulher.

Dom Tibúrcio: Cuidei que era para mim.

Sevadilha: (à parte). Aquele é Semicúpio; ele que carrega a caixa não é sem causa.

Semicúpio: (à parte). Sevadilha lá me está deitando uns olhos que se vão os meus trás deles.

Dom Tibúrcio: Já te pagaram?

Semicúpio: Não, Senhor, mas eu esperarei pela velha.

Dom Tibúrcio: Pois, Sevadilha, em que ficamos? Ajustemos o negócio!

Sevadilha: (à parte). É boa esta, ouvindo-me Semicúpio!

Dom Tibúrcio: Olha, Sevadilha, eu te quero tanto que fecharei os olhos a tudo, só por casar contigo.

Semicúpio: (à parte). Tome-se lá, o que estavam ajustando os dois! Eu o estorvarei.

Dom Tibúrcio: Que dizes, rapariga?

Semicúpio: Ah, senhor, pague-me o carreto da caixa.

Dom Tibúrcio: Espera, que logo vem a velha.

Semicúpio: (à parte). Sim, pois a moça logo vai.

Dom Tibúrcio: Tu ainda és menina, não sabes o que te convém.

Sevadilha: Eu não necessito de tutores.

Dom Tibúrcio: Olha, que eu sou Morgado na minha terra, e terás tantos e quantos.

Semicúpio: Senhor, pague-me o carreto da caixa, que não posso esperar.

Dom Tibúrcio: Logo, espera; ora, Sevadilha, isso há de ser, dá-me um abraço.

Semicúpio: Venha o carreto da caixa; é boa essa!

Sevadilha: É boa teima!

Dom Tibúrcio: Pois dá-me ao menos esse malmequer por prenda tua.

Semicúpio: Ora venha já esse carreto, senão tudo vai c’os diabos.

Dom Tibúrcio: Espera, homem; ouve, mulher.

Sevadilha: Vá-se daí, malcriado, aleivoso, maligno; é o que me faltava!

Canta Sevadilha a seguinte

Ária
 
Que um tonto jarreta,
Que um néscio pateta,
Me fale em amor,
Ou é para rir,
Ou para chorar.
Não cuide em amores,
Que nesses ardores,
Se pode frigir,
Se pode abrasar. (vai-se).
 

Semicúpio: Regalou-me esta Ária; vou dizer a Sevadilha, diga a Dona Clóris, que ali está meu amo, e finjo que me vou. Senhor, adeus, eu virei noutra ocasião. (vai-se).

(Entra Dom Lancerote com um castiçal e vela acesa, e a porá em cima da caixa, donde ao depois se assentarão).

Dom Lancerote: Sobrinho, vós bem sabeis que um hóspede, passados os três dias, logo fede, como cavalo morto; isto não é dizer que fedeis, mas vos afirmo que me não cheira bem vossa irresolução, vendo que indeciso ainda não elegestes qual de vossas primas há de se vossa consorte.

Dom Tibúrcio: Senhor, as perfeições de cada uma são tão peregrinas, que vacila a vontade na eleição dos sujeitos; pois quando me vejo entre Clóris e Nize, me parece que estou entre Cila e Caribdes.

Dom Lancerote: Pois, sobrinho, resolver, resolver logo, e já.

Dom Tibúrcio: Pois, Senhor, se a um enforcado se dão três dias, eu que no casar noto a mesma propriedade, pois bem se enforca quem mal se casa, peço três dias também para me resolver.

Dom Lancerote: Três dias peremptórios concedo; e para que não hajam duvidas no dote, assentai-vos, e sabereis, o que haveis de levar. (Assentam-se).

Dom Tibúrcio: Isso é santo e bom, para que não seja a noiva de contado, e o dote de prometido.

Dom Lancerote: Eu, meu sobrinho, suposto tenha corrido muito mundo, contudo me acho alcançado.

Dom Tibúrcio: Isso é bonito!

Dom Lancerote: Primeiramente cada uma de minhas sobrinhas tem muito boa limpeza.

Dom Tibúrcio: Sim, Senhor, são muito asseadas, nisso não há dúvida.

Dom Lancerote: Além disso: estai atento, meu sobrinho, não deis solavancos com a caixa, que isso é manhã de bestas. (Bole a caixa).

Dom Tibúrcio: Estou com os cinco sentidos bem quietos.

Dom Lancerote: Como digo, sabereis que todo o meu cabedal anda sobre as ondas do mar. Nos estareis quieto! (Bole a caixa).

Dom Tibúrcio:? Não sou eu, por vida minha.

Dom Lancerote: Não vedes a caixa a saltar?

Dom Tibúrcio: É verdade; será de contente.

(Cai a caixa com os dois)

Dom Lancerote: Isto agora é mais comprido.

Dom Tibúrcio: E isto é mais estirado.

Dom Lancerote: Ai, quem me acode com uma luz!

(Entram Dona Clóris, Dona Nize, Fagundes e Sevadilha com luz).

Todos: Que sucedeu?

Dom Tibúrcio: O maior caso, que viram as idades.

Dom Lancerote: Eu, que na maior idade vi o maior caso.

Dona Nize: Pois que foi?

Dona Clóris: Que sucedeu, senhores?

Sevadilha: Que é isto?

Fagundes: Que foi? Que sucedeu? Que é isto?

Dom Tibúrcio: Esta caixa.

Dom Lancerote: Esta arca.

Dom Tibúrcio: Que em torcicolos.

Dom Lancerote: Que em bamboleios.

Dom Tibúrcio: Com pulos.

Dom Lancerote: Com saltos.

Dom Tibúrcio: Deitou-me no chão.

Dom Lancerote: No chão me estendeu.

Dona Nize: E raro caso!

Dona Clóris: E caso raro!

Sevadilha: E, não há dúvida: ai, que ela torna a bulir! Fujamos, senhores,

Fagundes: (À parte). Valha-te o diabo, Dom Fuas, que tão inquieto és!

Dom Lancerote: Esta caixa tem algum encanto, abramo-la.

Dom Tibúrcio: Diz bem, abra-se a caixa.

Dona Nize: (À parte). Ai de mim, que será de Dom Fuas!

Dona Clóris: (À parte). Que será de D. Gil!

Dom Tibúrcio: Vá o tampo dentro.

Sevadilha: Tenham mão, que pode vir dentro algum diamante, que nos mate aqui a todos.

Fagundes: Ai, santo breve da marca!

Dona Nize: Senhor, se se abre a caixa, desmaiamos todos aqui.

Dom Lancerote: Vamo-nos, que a prudência é melhor que o valor. (vai-se).

Dom Tibúrcio: Pois só não quero ser valente. (Vai-se e leva a luz).

Sevadilha: Ai! Não sei que pés me hão de levar! Ande, senhora.

Dona Clóris: Fazes bem em disfarçar até ao depôs. (vai-se).

Fagundes: A caixa parece que tocou a recolher.

Dona Nize: E não foi o pior o ficarmos às escuras que assim terão todos medo de vir aqui: ora, abre a caixa e dize a Dom Fuas que saia.

Fagundes: Ai, a caixa está aberta! Seria com os solavancos: saia, meu senhor, e perdoe o descômodo.

(Abre a caixa e sai Dom Gilvaz)

Dom Gilvaz: Ó tu, noturna deidade, que no caliginoso bosque destas sombras brilhas carbúnculo da formosura, aqui tens segunda vez no teatro de tua beleza representante a minha Constancia na Tragicomédia de meu amor.

Fagundes: Senhora, quem às escuras é tão discreto, que fará às claras?

Dona Nize: Já vou acreditando, meu bem, as tuas finezas, porém…

(Sai Dom Fuas da caixa).

Dom Fuas: Porém o teu engano, falsa, inimiga, segunda vez se repete para meu desengano, e tua afronta.

Dona Nize: Que é isto, Fagundes? Que tramóias são estas?

Fagundes: Eu estou besta, pois só a Dom Fuas meti na caixa!

Dona Nize: pois como há aqui outro, fora Dom Fuas?

Fagundes: Eu não sei, em minha consciência, que não é má.

Dom Fuas: Senhora Dona Nize, para que são esses fingimentos? Peleje agora com Fagundes, para se mostrar inocente.

Dom Gilvaz: Esta é Dona Nize; eu me recolho ao vestuário, até que venha Dona Clóris.

(Mete-se Dom Gilvaz na caixa)

Dona Nize: Já disse, Senhor Dom Fuas, que a minha constância vive isenta dessas calunias.

Dom Fuas: Aqui-del-rei, senhora, quereis, que dê com a cabeça por essas paredes? É possível, que ainda intentais negar o que toa repetidas vezes tenho experimentado?

Dona Nize: Senhor Dom Fuas, não cuide vossa mercê, que somos cá nenhumas mulheres de cacaracá; mas ali vem gente.

Dona Nize: Recolha-se outra vez que eu entanto aqui me retiro. Anda, Fagundes. (vai-se).

Fagundes: Senhor, nós já tornamos. (vai-se).

Dom Fuas: Mais à minha conservação, que ao teu respeito, obedeço.

(Esconde-se Dom Fuas na caixa, e entra Dona Clóris)

Dona Clóris: Que se expusesse D Gil ao perigo de vir em uma caixa a meu respeito! Ora, o certo é que não há mais extremoso amante; porém os sumos de Alecrim tem a mesma virtude que o incenso nos pombos, que os faz tornar ao pombal. Mas adonde estará a caixa? Esta suponho que é. Já meu bem podes sair sem susto.

(Sai Dom Fuas da caixa)

Dom Fuas: Sim tirana, pois já me não assustam as tuas falsidades.

Dona Clóris: Que falsidades? Que dizes? Enlouqueceste, ou ignoras com quem falas!

Dom Fuas: Contigo falo, que com outro amante duas vezes infiel te encontrou a minha infelicidade.

Dona Clóris: Cuido que não são tantos os encontros que temos tido.

Dom Gilvaz: (à parte). Aquela voz é de Dona Clóris; estou ardendo de zelos!

Dom Fuas: Já estou desenganado da tua falsidade. Jan sei que est’outro amante, que vive encerrado nessa caixa, é o que só merece os teus agrados.

Dom Gilvaz: E como que o merece; pois só ele é digno desse favor; e a quem o impedir, lhe meterei esta espada até as guarnições.

Dom Fuas: Vês, ingrata, se é certa a minha suspeita?

Dona Clóris: Eu estou confusa e não sei a quem satisfaça!

Dom Gilvaz: Ainda continua, insolente? Não sabe que esta Dama é coisa minha?

Dom Fuas: Já agora por capricho, apesar das suas aleivosias, hei de dar a vida por minha dama.

Dona Clóris: Senhores, que desgraça!

Dom Gilvaz: Se não estivera às escuras, tu serias o alvo de minhas iras.

Dom Fuas: Pois, se não fora a escuridade, eu te fizera ver o meu brio; mas, ainda assim, eu vou dando dê onde der.

Dona Clóris: Senhores, dêem de manso, não os ouça meu tio.

Cantam Dom Fuas, Dom Gilvaz e Dona Clóris a seguinte

Ária A

Dom Gilvaz:

 
Se não fora por não sei que,
Te matara mesmo aqui.
 

Dom Fuas:

 
Se não fora o velho ali
Te fizera um não sei que.
 

Dona Clóris:

 
De mansinho, pouca bulha,
Calte gralha , calte grulha,
Porque o velho há de acordar.
 

Dom Gilvaz:

 
Pois aqui mui mansamente
Matarei este insolente.
 

Dom Fuas:

 
Também eu pela calada
Meterei a minha espada.
 

Dona Clóris:

 
Devagar, não dêem de rijo,
Porque o velho há de acordar.
 

Todos:

 
Quem pudera em tanta luta
Sua dor desabafar!
 

Dom Fuas e Dom Gilvaz:

 
Se não gritão neste caso,
Sou capaz de rebentar.
 

Dona Clóris:

 
Mais que estalem, e arrebentem,
Não se há de aqui falar.
 

Todos:

 
Não se pode isto aturar! (Vão-se).
 

(Entra Semicúpio pela mão de Sevadilha)

Semicúpio: Donde me levas, Sevadilha?

Sevadilha: Ande, não me faça perguntas.

Semicúpio: Não há uma candeia nesta casa que se me meta na mão, que estou morrendo por te ver?

Sevadilha: Melhor fineza é amar por fé.

Semicúpio: Como, se eu não dou fé de ti?

Sevadilha: Ande, que o amor se pinta cego.

Semicúpio: Muito vai do vivo ao pintado.

Sevadilha: Assim estamos mais à nossa vontade.

Semicúpio: Andar, supondo que tenho o meu amor na Noruega; mas ainda assim isto de estar às escuras, não é grande coisa para um homem dizer à sua Dama quatro hipérboles, pois se não vejo, como poderei dizer-te que és estatua de alabastro sobre plintos de jaspe neve vivente, e racional sorvete, mas só carapinha, pois negra te considero nesta

Etiópia: oh, negregada ocasião em que por falta de uma candeia não sai à luz a tua formosura!

Sevadilha: Pois o fogo de teu amor não basta para alumiar esta casa?

Semicúpio: Se a luz excessiva faz cegar, também a minha chama por excessiva não alumia; mas com tudo isto não nos metamos no escuro; falemos claro: como estamos nós daquilo, que chamamos amor?

Sevadilha: E como estamos nós do malmequer, que esse é o ponto?

Semicúpio: Cada vez está mais viçoso com a copiosa inundação de meu pranto.

Sevadilha: E teu amo com o alecrim?

Semicúpio: Isso são contos largos, o homem anda doido; tudo quanto vê lhe parece que é Alecrim; est’outro dia estava teimoso, em que havia de cear salada de Alecrim, mais que o levasse o diabo. Olha, para contar-te as loucuras que faz, assentemo-nos, que isto se não pode levar de pé.

(Assenta-se Semicúpio na caixa, que estará com o tampo levantado, e cai dentro da caixa, que se fechará com a dita queda.)

Semicúpio: Mas, ai, Sevadilha, que caí num poço sem fundo!

Sevadilha: Aonde estás, Semicúpio?

Semicúpio: Não sei aonde estou; só sei, que estou aqui.

Sevadilha: Aonde é aqui?

Semicúpio: É aqui.

Sevadilha: Aqui aonde?

Semicúpio: É boa pergunta! Eu sei cá donde são os aquis na casa alheia? Sei, que estou aqui num fole como criança, que nasce empelicada, mas sem ventura.

Sevadilha: Pois sai daí, e anda para aqui.

Semicúpio: Isso é, se seu soubera ir daqui para aí.

Sevadilha: Quem te impede?

Semicúpio: Estou entupido.

Sevadilha: Dá dois espirros.

Semicúpio: Falta-me a Sevadilha, que a não acho, por mais que ando ao cheiro dela. Ora, filha, tiram-me daqui, tu não ouves?

Sevadilha: Eu bem ouço; porém não vejo aonde estás.

Semicúpio: Busca-me fora de mim, porque não estou dentro em mim, metido nesta sepultura, donde só campa por infeliz a minha desventura.

Sevadilha: Cala-te, Semicúpio, que aí vem gente com luzes; adeus, até logo.

Semicúpio: Estou no mais apertado lance, que ninguém se viu!

(Entram Dom Lancerote com uma luz, e Dom Tibúrcio).

Dom Lancerote: Apuremos esse encanto. Sobrinho, nos havemos ver o que se encerra nesta caixa, ainda que o cabelo se arrepie.

Dom Tibúrcio: Se for coisa desta vida, ficará sem ela, e se for da outra, a mandarei para outro mundo.

Dom Lancerote: Pois, sobrinho, abri esta caixa com intrépido valor.

Dom Tibúrcio: Abra vossa mercê, que é mais velho, e em tudo tem o primeiro lugar.

Dom Lancerote: Deixai cumprimentos, que a ocasião não é para cerimônias.

Dom Tibúrcio: Por nenhum modo: não tem que se cansar, que lhe não quero tirar o glória desta empresa.

Dom Lancerote: (À parte). O magano contralogrrou-me; pois eu confesso, que estou tremendo de medo.

Dom Tibúrcio: (À parte). Queria arrumar-me o gigante? É bem esperto.

Dom Lancerote: Ora pois, hei de ir eu, ou haveis de ir vós?

Dom Tibúrcio: Vá, não haja cumprimentos, que eu sou de casa.

Dom Lancerote: Não há mais remédio, que ir eu em corpo e alma, a ver esta alma sem corpo ou este corpo sem alma. Deus vá comigo, Anjo da minha guarda, e todo o Flos Sanctorum me defenda.

Dom Tibúrcio: Ande, tio, não tenha medo, que eu estou aqui.

Dom Lancerote: (À parte). Pois se não fora isso já eu deitava a correr.

Semicúpio: Ai, que sem dúvida estou na caixa, em que trouxe a D. Gil, e segundo o que aqui ouço dizer, me intentam reconhecer: eu lhes tocarei a caixa.

(Chega-se Dom Lancerote à caixa, e tanto que a abre, deita Semicúpio a cabeça de fora, e dá um assopro na vela).

Dom Lancerote: Ó tu quem quer que és, que estás nesta caixa… mas ai, que me apagaram a vela com um assopro!

Dom Tibúrcio: Assopra!

Semicúpio: Mui fraca era aquela luz, pois de um assopro a derribei.

Dom Lancerote: Sobrinho, vós estais aí?

Dom Tibúrcio: Como se não estivera.

Dom Lancerote: Quem seria o cruel que tão aleivosamente matou uma inocente luz a assapros frios!

Semicúpio: Deus lhe perdoe, que era uma luz a todas as luzes boa: mas eu quero safar-me daqui, e temo marrar de narizes com alguém; mas que remédio?

Dom Lancerote: Agora vos chegais para mim, cobarde sobrinho! Ide, que por vossa culpa não acabei de desencantar este encanto.

Dom Tibúrcio: Veja vossa mercê como chama cobarde?

Dom Lancerote: Calai-vos, abóbora, que degenerais de quem sois.

Dom Tibúrcio: A mim, abóbora?

Semicúpio: Agora é boa ocasião de ir-me; porque ainda que encontre com algum, cuidarão que são murros: lá vai o primeiro. ().

Dom Lancerote: Ó mal ensinado, pondes mãos violentas em vosso tio?

Semicúpio: Eu abrirei caminho desta sorte, dando a trouxe-mouxe. ().

Dom Tibúrcio: É boa essa, senhor tio, assim se dá num barbado?

Dom Lancerote: Calai-vos, maganão, que não haveis de casar: mas, ai, que me destes uma bofetada com a mão aberta? Aqui-d’El-rei sobre este magamo de seu sobrinho! (Vai-se).

Dom Tibúrcio: Aqui-d’El-ei sobre este caduco de seu tio! (Vai-se).

Semicúpio: Aqui-d’El-ei que já me deixaram. (Vai-se).

Yaş sınırı:
12+
Litres'teki yayın tarihi:
24 ağustos 2016
Hacim:
90 s. 1 illüstrasyon
Telif hakkı:
Public Domain
Metin
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